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Revista de Educação Pública

versão impressa ISSN 0104-5962versão On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.31  Cuiabá jan./dez 2022  Epub 14-Out-2022

https://doi.org/10.29286/rep.v31ijan/dez.11916 

Artigos

Sistema de Representações Sociais sobre o futuro de jovens

System of Social Representations on the future of young people

Vanessa  MESQUITA1 
http://orcid.org/0000-0001-7367-8873

Lila Maria SPADONI2 
http://orcid.org/0000-0001-5840-2799

Pedro Humberto Faria CAMPOS3 
http://orcid.org/0000-0002-0844-8358

1Professora na Universidade de Rio Verde e Psicóloga no SENAC. Doutora em Psicologia pela PUC-Goiás.

2Professora Adjunta pela PUC-Goiás. Doutorado em Psicologia pela Universidade de Paris-5.

3Professor Adjunto da UERJ. Doutorado em Psicologia Université de Provence, França


Resumo

A juventude, a partir da categoria futuro orientou a investigação. Com o objetivo de analisar as representações sociais sobre o futuro e juventude, buscou-se identificar a estrutura das representações; levantar elementos centrais e periféricos relacionados às práticas sociais. Foi realizada a aplicação de questionários com 129 estudantes do Senac-GO, processados pelos softwares SPSS e Iramuteq e submetidos à análise de estatística descritiva e de similitude. Conclui-se que o sistema de representações sociais dos jovens sobre o futuro é constituído a partir de condições históricas que perpetuam uma realidade desigual.

Palavras-chave Sistema de Representação Social; Futuro; Juventude

Abstract

From the future category, youth oriented the research. In order to analyze the social representations about the future and youth, we sought to identify the structure of the representations; central and peripheral elements related to social practices. Questionnaires were applied with 129 Senac-GO students, processed by SPSS and Iramuteq software and submitted to descriptive and similitude statistics analysis. It can be concluded that the system of social representations of young people about the future is constituted based on historical conditions that perpetuate an unequal reality.

Keywords System of Social Representation; Future; Youth

1 Introdução

A juventude é a energia de uma nação. Talvez ela seja a experiência plena de uma sociedade quando se volta às expectativas de futuro. No Brasil, há 47,3 milhões de jovens e, desses, 10,9 milhões não estudam e nem trabalham (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2019). A realidade mostra que o que deveria ser fonte de movimento produtivo em um país está, de algum modo, se esfacelando nos tristes dados estatísticos. As estatísticas são preocupantes e direcionam a questionamentos sobre quais seriam as expectativas e os interesses da atual juventude sobre o futuro.

A partir do estudo de um grupo específico de jovens, o presente artigo apresenta o Sistema de Representações Sociais sobre o futuro de jovens goianos. O estudo se constituiu por meio de indagações sobre como os jovens representam seu futuro e quais são as suas preocupações e anseios futuros. Questionamentos esses que foram analisados à luz da Teoria das Representações Sociais.

No Brasil, fala-se de juventudes, pois as realidades são muito desiguais. As representações sociais dependem de diversos fatores e a classe social que o jovem está inserido se constitui em um deles. As expectativas de um jovem de classe baixa, que vive na faixa da pobreza, são diferentes daquelas dos jovens que vivem com alto poder aquisitivo e com plenas possibilidades de escolhas sobre seu futuro. O jovem brasileiro, ao crescer num cenário educacional desfavorável, busca suprir suas necessidades e desenvolver interesses específicos de futuro e trabalho.

Sposito e Carrano (2003) relatam que, no Brasil, as políticas públicas de educação direcionada aos jovens compõem um conjunto de preocupações dos governos. Segundo Corsetti e Carvalho Vieira (2015), as políticas públicas deveriam se reestruturar para atender aos interesses populacionais e governamentais. No cenário atual, o que se percebe são políticas públicas que não atendem necessariamente às demandas daqueles que dependem delas. No processo de execução das políticas de educação, têm-se percebido a disposição em atender aos interesses capitalistas (LAVAL, 2019). O reflexo dessas mudanças, nas políticas de educação, é expresso na triste realidade brasileira de uma educação de má qualidade.

Órgãos internacionais apresentam dados dessa realidade cruel com a qual o jovem se depara no seu futuro. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), ou em seu idioma de origem Programme for International Student Assessment, coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é reconhecido por diversas nações como uma rede mundial de avaliação de desempenho escolar. No último Pisa, realizado em 2018, o Brasil apresentou desempenho ruim nos rankings perante os demais países participantes. Dentre os 80 países, o Brasil ficou em uma das últimas colocações. Desse modo, nosso país ficou longe dos índices alcançadas pelos países desenvolvidos; dentre os itens avaliados, em leitura o Brasil ficou entre 55º-59º, em ciências 64º-67º e em matemática 69º-72º (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2019).

O país segue desenvolvendo estratégias que visam uma melhoria na qualidade da educação ofertada. Caracterizadas pelas mudanças da sociedade globalizada, as políticas educacionais recebem destaque governamental, principalmente, pelo amplo público jovem que atingem. A partir das demandas sociais, as agendas de governo deveriam constituir um propósito de melhoria nas condições das pessoas que vivem em sociedade. Porém, a realidade é a que as escolas têm sido transformadas em empresas com o objetivo de atender ao capital (LAVAL, 2019). No caso brasileiro, as políticas de promoção do acesso ao ensino superior, como as “políticas de cotas” e o FIES (Financiamenot Estudantil), bem como as tentativas de ampliação da educação técnico-profissional, não impactaram no problema estrutural da violenta redução de alunos entre o final do Ensino Fundamental e a entrada no Ensino Médio. (DAYRELL; CARRANO; MAIA, 2014; CORTI, 2014; LECARDI, 2005)

O fenômeno da desigualdade, bem como suas consequências, direcionam as práticas sociais e o modo como as pessoas vêem o seu futuro. O viver em uma sociedade implica na manutenção das relações sociais; relações essas que, por sua vez, são guiadas pela forma como o indíviduo representa o mundo. Compreender o complexo da juventude, bem como suas relações com o mundo, suas necessidades e vivências direcionou a pesquisa para o olhar sobre as representações sociais.

A pesquisa é orientada pela Teoria das Representações Sociais (TRS) de Serge Moscovici (1961/2012). Sá (1998) retrata que o estudo da representação de algum objeto é possível se esse fenômeno se faz presente para dado conjunto social. As representações sociais, por serem aplicáveis aos mais diversos contextos, se expandiram, no decorrer do século, e ganharam, cada vez mais, espaço nas últimas décadas. O grupo de jovens pesquisados vivencia experiências com a escola e com o mundo do trabalho, o que possibilitou uma pesquisa em representações sociais.

O caminhar da TRS ocorreu em conjunto com o desenvolvimento da Psicologia Social. Nesse percurso, a aproximação destes dois campos de estudo se deu pela convergência da busca do indivíduo, pela coerência e pela estabilidade da realidade. Os estudos dessas duas áreas foram conduzidos para a compreensão do cotidiano, a partir da reconstrução da realidade social (RATEAU et al., 2012). Se uma temática social a ser estudada for de relevância para determinado grupo, o objeto das Representações Sociais se faz presente (RATEAU et al., 2012; VALA; CASTRO, 2013).

Baseada em Vala e Castro (2013), a pertinência da escolha da TRS proposta está direcionada ao questionamento de como as pessoas respondem às necessidades, aqui nesta pesquisa, principalmente às necessidades sobre o futuro. Ao direcionar a compreensão e a análise das representações para dado grupo, parte-se da premissa de que, nas sociedades atuais, os indivíduos coexistem em uma grande pluralidade de ideias e modos de vida e que processos de mudança e permanência das representações são constituídos pelas interações cotidianas; processos esses que são estudados por meio da TRS.

O entendimento do fenômeno parte da construção do conhecimento social (VALA; CASTRO, 2013). Uma representação social é compreendida, de acordo com Jodelet (2009), acompanhada da ideia de sujeito ativo e pensante e de uma nova interrogação quanto ao vínculo social que estabelece com seu fenômeno. Os sujeitos, aqui pesquisados, são percebidos como atuantes na realidade social e vinculados a ações determinantes das representações sociais sobre seu próprio futuro. A representação é compreendida como sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes.

Peixoto et al. (2018) colocam a representação social como um conjunto de ideias que se relacionam e são pensadas por um grupo acerca de um objeto. O sentido da pesquisa em representação social consiste em estudar uma ou mais representações sociais relacionadas entre si. Ao se pensar em um sistema de representações (BRANDÃO; BENEVIDES; CAMPOS, 2020), ele só pode ser compreendido como fenômeno vinculado ao dado grupo social. A perspectiva sobre o futuro, de um modo muito específico, é particularmente importante para os jovens, uma vez que a juventude é definida como uma etapa de transição entre a infância e a vida adulta. Ela é uma fase do desenvolvimento humano, criada socialmente de modo arbitrário, histórica e culturalmente (MENANDRO et al., 2003).

Os jovens são definidos como um grupo, em etapa de transição entre a infância e a vida adulta, apesar de não possuir uma definição de faixa etária única (REDE LATINO-AMERICANA E CARIBENHA DE JOVENS PELOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS, 2004). Nesta pesquisa, a juventude é compreendida como uma construção grupal, composta por pessoas que compõem a faixa etária que se estende entre as idades de 15 (quinze) a 29 (vinte e nove) anos de idade (BRASIL, 2013). A definição de faixa etária da pesquisa levou em consideração a questão da temporalidade proposta por Zarifian (2003).

O tempo presente permite a vivência atual, instantânea e tudo aquilo que se passa após o agora é considerado tempo futuro. Zarifian (2003) remete ao tempo com duas questões em específico: o tempo quantitativo e físico, medido pela sucessão de instantes materializados de modo cronológico; e o tempo qualitativo e psicológico, entendido como a duração, na qual há uma intenção da totalidade do passado em direção ao futuro. As duas dimensões, física e psicológica devem ser levadas em conta nos estudos que envolvam a temporalidade. Em tempos de crises econômicas, pandêmicas ou políticas, a necessidade de se estudar como os agentes sociais constroem suas perspectivas de futuro (ARRUDA, 2018), também se situa no fato que essas crises não destroem a capacidade de imaginação, recriação ou resistência dos indivíduos e vínculos sociais (MARKOVA, 2018).

O tempo cronológico permite a organização estrutural de programas, diretrizes e legislações que organizam as políticas e os serviços a dada camada populacional, no caso deste estudo os jovens entre os quinze (15) e vinte e nove (29) anos. E o tempo psicológico possibilita uma compreesão melhor das relações e dos fenômenos que os grupos constituem entre os seus membros, representações sobre si, os outros e o futuro.

Sá (1998) informa que uma pesquisa completa em Representações Sociais está diretamente ligada à busca pelas três dimensões da representação social, quais sejam: o levantamento das condições socioculturais que favorecem a emergência do sistema de representações; a busca pelo conteúdo cognitivo de dadas representações; uma discussão sobre a natureza epistêmica dos conteúdos que envolvem a representação, confrontados com o saber erudito (SÁ, 1998). Moscovici (1961/2012), em sua obra seminal, coloca a representação social como uma forma de conhecer típica das sociedades contemporâneas. Para ele, a representação social é uma tradução, uma versão sobre dada realidade e, por isso, ela está em constante transformação.

As representações são constituídas por elementos sociais próprios das sociedades e das instituições em que se solidificam devido ao fato de ser um conceito dinâmico e explicativo, tanto da realidade social, quanto da física e cultural. Em relação à dimensão histórica e transformadora, as representações sociais reúnem aspectos culturais, cognitivos e valorativos, isto é, ideológicos (REIS; BELLINI, 2011). A referência a este conjunto de elementos do indivíduo se faz necessária para conceber as representações como um sistema estruturado e relativamente estável.

A coerência das representações torna possível a compreensão de três componentes fundamentais de tais representações: elas são geradoras da realidade social, pois fazem parte de uma classe específica, e são necessariamente sociais (MOSCOVICI, 2015). Conforme Sá (1998), para conhecer o sistema de representações sociais do grupo selecionado para a pesquisa, é necessário realizar uma compreensão prévia de fatores práticos vinculados ao sistema. Segundo Abric (2011), as representações e as práticas sociais são vinculadas. Logo, a transformação de uma implica na transformação da outra e, juntas, tornam-se preditoras do comportamento. As práticas sociais, para que se mantenham em dada realidade social, adaptam ou transformam os sistemas de valores, crenças e padrões do grupo ao qual são vinculadas.

A Teoria das Representações Sociais (TRS), proposta por Moscovici (1961/2012), continua a ser desenvolvida por diferentes autores. Jodelet (2011) fez um levantamento do desenvolvimento da TRS ao longo de 50 anos, no Brasil, e a caracterizou como um campo científico, com uma prática e como um aporte metodológico vasto. Assim como na Europa, no Brasil também emergiram várias escolas com foco nas representações sociais. Sá (1998) ressalta que há diferentes abordagens complementares à teoria seminal de Moscovici. Entre os diversos modelos que emergiram, há o modelo estrutural, também conhecido como Teoria do Núcleo Central.

Esse modelo estrutural, apoiado na TRS, dá ênfase na dimensão cognitivo-estrutural das representações sociais e foi constituído a partir dos estudos desenvolvidos por Abric e Flament (ABRIC, 1993; CAMPOS, 2017; RATEAU; LOMONACO, 2016; RATEAU et al., 2012). O referido modelo emergiu com uma ênfase para o interior das composições das representações, bem como na sua estabilidade em relação à realidade. Voltado aos processos de apreensão por meio da percepção, ele se inspirou principalmente nos estudos de objetivação de Moscovici e de percepção social de Asch (RATEAU et al., 2012). Ao se preocupar sobre o quanto uma representação social pode ser estável, em uma realidade, remete-se à questão da temporalidade.

De acordo com Spadoni (2009), a mudança de uma representação aconteceria em uma sequência de condições. Para ter início, deve-se, primeiro, haver um acontecimento atípico que afete individualmente os integrantes de um dado grupo. Num segundo momento, o contexto externo ao indivíduo deve ser modificado e inconvertível para as comunidades que o vivencia. Posteriormente, podem surgir novas práticas de ajustamento à nova realidade que, cada vez mais, aumentam de frequência para o grupo. Assim, pode vir a afetar as normas comportamentais frente à representação social que se altera e alcança uma nova configuração.

Ao verificar estudos anteriores sobre juventude, observa-se uma conexão entre os termos jovem e o futuro (PAREDES; PECORA, 2004; JARDIM et al., 2018; SOUZA et al., 2018). As representações sociais de futuro e juventude, como elementos conectantes do indivíduo com a realidade social, constituem, entre si, um Sistema de Representações Sociais. Esse Sistema é compreendido, na literatura, a partir de um conjunto de representações sociais que se articulam entre si e/ou com outros objetos sociais, dentro de um campo social no qual estes agentes buscam ser reconhecidos (CAMPOS; LIMA, 2018). O compartilhamento de elementos comuns, nas diferentes representações sociais, de algum modo, as aproxima e as torna conexas a práticas sociais (FÉLIX et al., 2016).

Sá (1998), ao descrever os procedimentos metodológicos necessários para a execução de uma pesquisa com a Teoria das Representações Sociais, pontua que um dos primeiros passos é delimitar e simplificar as dimensões ou os aspectos do fenômeno que se pretende compreender. Essa compreensão das representações, bem como das práticas sociais envolvidas na pesquisa científica, acontece quando o objeto a ser considerado é bem clarificado. A compreensão do jovem sobre si e suas expectativas, bem como as nuances deste grupo em particular, possibilitam uma melhor interpretação do fenômeno.

A juventude, entendida como um grupo em particular, perpassa pela percepção de pertença a uma unidade, a qual coloca uma determinada faixa etária com experiências semelhantes, bem como seus condicionantes e consequências. Ao se compreender as representações sociais de um dado grupo, a reorganização das vivências e das práticas sociais possibilita aos grupos se constituírem como unidade e elevar o sentimento de pertença dos seus partícipes. Moscovici (1961/2012) reforça que o grupo tem papel mediador entre o indivíduo e a sociedade. A fim de compreender o grupo de jovens, bem como suas expectativas de futuro, a pesquisa visou analisar como os jovens representam seu futuro, realizar o levantamento e compreender os elementos centrais e periféricos das representações sociais de futuro e de juventude, além de revelar as práticas sociais do grupo estudado.

2 Método

Os participantes desta pesquisa foram 129 jovens, que são alunos de educação profissional no curso de Aprendizagem Comercial e que estão inseridos no mercado de trabalho. Especificamente, os participantes foram: 101 adolescentes (78,3%) e 18 jovens adultos (14%), e, ainda, 10 deles não descreveram a idade (7,8%). Como critério de inclusão na amostra, todos eles tinham, no momento da coleta, idade entre 14 e 24 anos e estavam devidamente matriculados em um curso de educação profissional, de uma instituição privada do Estado de Goiás. Como critérios de exclusão, não participaram do estudo aqueles alunos e ex-alunos de 14 a 18 anos incompletos, que não tinham a autorização do responsável legal, salvo aqueles que possuíam emancipação.

O grupo foi composto por 64 pessoas do sexo feminino (49,6%) e 56 do sexo masculino (43,4%), sendo que 9 deles não responderam (7%) ao questionário. Quanto ao estado civil, todos os 121 respondentes se declararam solteiros (93,8%), os 8 restantes não responderam (6,2%). Quanto ao nível de escolaridade, 50 participantes declararam estar no nível fundamental do ensino regular (38,8%), 65 deles declararam cursar ou ter concluído o nível médio (50,4%) e apenas 1 participante declarou estar no nível superior (0,8%).

O local de pesquisa elegido foi o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), do estado de Goiás, instituição reconhecida como a principal instância em educação profissional para a formação no país nas áreas de comércio de bens, serviços e turismo (BRASIL, 1946). O Programa de Aprendizagem foi o programa escolhido para esta pesquisa, visto que ele é uma política pública, criada exclusivamente para o público jovem, com vistas à formação educacional básica, concomitante com a educação profissional e com a inserção no mundo do trabalho (BRASIL, 2000). A coleta de dados ocorreu nas cinco maiores unidades do estado em números de matrículas (Unidades: Elias Bufaiçal, Cora Coralina, Aparecida de Goiânia, Anápolis e Rio Verde). Essas Unidades do Senac foram elegidas porque, juntas, elas compunham mais de 50% das matrículas efetivas no Estado nos anos antecedentes ao início da pesquisa.

Como instrumentos de pesquisa foram selecionados: um questionário de dados sociodemográficos para a composição da amostra e um questionário de levantamento das representações sociais, com base na técnica de livre associação com termo indutor, na qual foram apresentados os seguintes termos: juventude e futuro. O instrumento foi estruturado para que o participante discorresse sobre, pelo menos, três palavras que lhe vinham à mente ao lerem os termos indutores. A aplicação foi presencial e individual, mediante convite e assinatura de TCLE, e foi aplicado nas instalações da instituição de educação profissional, com a qual os sujeitos frequentavam.

Essa técnica, segundo Fernandes (2012), permite ao investigado se expressar de modo espontâneo, reduzindo a possibilidade de autocensura frente às suas próprias evocações. Após preencher os termos que lhe vinham à mente, o instrumento direcionava os participantes a escolher, de modo consciente, pelo menos dois termos que consideravam mais importantes nas induções provocadas e, ainda, eram convidados a explicar o porquê da escolha. Os termos escolhidos como os mais importantes, bem como as argumentações sobre o porquê das escolhas, constituíram um material verbal escrito, que passou a ser parte do corpus analisado.

A partir do corpus, foi realizada uma análise, via software IRAMUTEQ (Interface

de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) software de livre acesso no Brasil. Esse é um programa bastante utilizado nas pesquisas em representações sociais, pois viabiliza análises como a Classificação Hierárquica descendente, a Análise fatorial por Correspondência, a Análise de Similitude e outras (IRAMUTEQ, 2020). O programa ainda propicia análises estatísticas do corpus de um texto (IRAMUTEQ, 2020).

O Iramuteq (2020) permitiu a organização do material pesquisado de modo a incorporar os dados coletados. Segundo Reinert (1993, 1990), a elaboração das diferentes categorias e o seu cruzamento com os sujeitos que as produziram possibilita análises necessárias para constituição de um sistema de representações. O resultado obtido via Iramuteq, com análise de similitude, apresentou palavras conexas entre si, de modo a auxiliar a nidificação da estrutura com variáveis ilustrativas descritivas (MARCHAND; RATINAUD, 2012).

Na tentativa de ampliar a percepção das representações sociais estudadas sobre o futuro e a juventude, construiu-se, para cada uma das evocações: juventude e futuro, uma árvore máxima de similitude. A figura da árvore de similitude destaca os termos mais evocados e, ainda, se ramifica, representando, assim, as conexões entre os elementos centrais e periféricos, constituintes dessas representações (FERNANDES, 2012).

Fernandes (2012) retrata que este modelo de análise de similitude é associado à teoria dos grafos que estuda as relações de dados objetos em um determinado conjunto, ou seja, nessa teoria, os objetos são compreendidos como vários pontos, os chamados vértices. Esses pontos, que fazem conexões entre si, quando unidos, são nomeados de arestas. De acordo com Marchand e Ratinaud (2012), por meio da análise de similitude, identificam-se coocorrências, bem como a conexão entre as palavras. Desse modo, a estruturação do corpus textual se torna mais clara para o pesquisador. A partir da constituição desse corpus, compreendem-se os temas de relativa importância, as partes comuns das produções, bem como as idiossincrasias.

3 Resultados e discussão

O grupo amostral, caracterizado anteriormente, é composto por jovens trabalhadores e estudantes de educação profissional que representam um grupo com características sociais semelhantes, constituídas historicamente. De acordo com Sá (1998), a pesquisa com grupos específicos espelha uma realidade social, com proposta de vivências e práticas sociais vinculadas a um conjunto histórico. O Brasil tem uma constituição histórica particular. Frizzo et al. (2013) relatam que, com o desenrolar das políticas públicas, muitas escolas passaram a atender às demandas do capitalismo. Com o discurso de superação da diferença de classes, a escola, atendente desse serviço, supõe que quanto mais houver o acesso à escola, mais as pessoas terão melhores condições de vida. Dessa forma, o sistema responsabiliza a pessoa pelo seu futuro e se oculta, assim, o sofrimento por trás do caráter de acumulação, concentração de capital e a diferença de classes.

As pesquisas realizadas com a Teoria das Representações Sociais (TRS), epistemologicamente, possuem como base comum perspectivas voltadas à busca das dimensões histórica, social e cultural dos fenômenos que analisam (JODELET, 2011; RATEAU et al., 2012; COLLARES-DA-ROCHA et al., 2016). Uma breve contextualização histórica da educação profissional delineia características estruturais do sistema educacional, ofertado à juventude brasileira. Grande parte da população que usufrui da educação profissional, no país, é composta por alunos jovens.

Os jovens estudados, como alunos frequentes na educação profissional e com práticas envolvendo essa formação, representaram elementos em suas expectativas de futuro, vinculados ao mundo do trabalho. Ciavatta e Ramos (2012) ressaltam a necessidade de os estudos em educação profissional buscarem as raízes sociais que os fundamentam, pois, segundo elas, as características imediatistas de atendimento da demanda de setor produtivo, se não geram, ao menos mantêm desigualdades.

A Figura 1, Análise de Similitude do termo isolado Futuro, representa as evocações provindas do termo futuro, contendo três grandes eixos, foram eles: futuro, família e querer. Próximas ao termo futuro, estiveram palavras como: dia, gente, melhor, precisar, conseguir, pensar, respeito, dinheiro. Caracteristicamente, o termo dinheiro está próximo à vida e ao estudo. Outra ramificação do termo futuro é a palavra sonho, conectado a ajudar, preciso e faculdade. O adjetivo bom se fez presente junto aos termos planejar, ajuda e emprego. O termo importante veio conectado à responsabilidade, feliz. O foco família teve termos como bem, dar, filho, casa, apoiar, saúde, realizar, base e formar próximos. O termo querer se conectou aos termos sucesso, felicidade e viver.

Fonte: autoria própria.

Figura 1  Análise de Similitude do termo Futuro 

A amostra apresentou um conjunto de valores, crenças e atitudes homogêneas às questões ligadas ao futuro. Os jovens pesquisados possuem uma perspectiva de melhora e acreditam que isso será possível a partir da família e do trabalho; eles enfatizam, também, a crença em um viver bem sucedido e feliz. Groppo (2010) traz à tona essa visão homogênea presente na modernidade e, ainda, na contemporaneidade. Ele ressalta que o capitalismo fragmenta a vida social e dificulta a observação das especificidades das diferentes realidades de juventude.

O sofrimento de uma juventude frente à desigualdade social passou a receber, cada vez mais, uma escola a serviço do capital. Kuenzer (1992) apresenta a organização desse saber ofertado a serviço do capital e explica que:

Se a lógica do capital é a distribuição desigual do saber, a escola presta um serviço à classe trabalhadora, e não ao capital, ao formular propostas pedagógicas que democratizem o saber sobre o trabalho. Contrariamente, ao articular-se às necessidades de mercado de trabalho, serve ao capital (KUENZER, 1992, p. 31).

O grupo de jovens pesquisados traz elementos voltados a condições de um futuro melhor, conflitantes com elementos capitalistas. As realidades vivenciadas são expressas nas representações sociais dos grupos aos quais representam (SÁ, 1998). Para Groppo (2010), as visões análogas de juventude dificultam o acesso às questões políticas e econômicas intrínsecas ao processo.

Diferentemente da representação de futuro, a indução do termo juventude se apresentou mais heterogêneo nas argumentações dos jovens, pois trouxe uma classe mais ampla de palavras e não foi tão convergente como os demais. Os termos educação, trabalho, bom, aprender, vida, importante, futuro, coisa estiveram mais aparentes na Figura 2.

Essa realidade heterogênea representa uma demanda histórica de dificuldades vivenciadas nesse período da vida, quer seja pela busca da inserção no mercado de trabalho, quer seja pela aceitação no coletivo em que vive. Pais (1990), no final do século XX, já retratava o fato de não se colocar a juventude como categoria única. Para ele, ao se pensar nesse grupo como categoria, deve-se verificar as diferenças entre eles, principalmente as sociais. Talvez, por isso, a representação do termo juventude em específico não tenha sido definida por termos tão claros, frente ao futuro.

Fonte: autoria própria.

Figura 2  Análise de Similitude do termo Juventude 

A juventude, percebida como uma etapa da vida entre a infância e a vida adulta, traz um caráter generalista e esse é o erro, colocar a juventude como um estrato social homogêneo, considerando os universos sociais comuns. Nas representações sociais do grupo de jovens, estudados por Franco e Novaes (2001), constatou-se que eles depositavam na escola e na educação a única esperança de conseguir um futuro melhor. A crença de que um social melhor reconhecido virá pela formação se faz presente nas evocações do grupo aqui estudado. A perspectiva de crescimento social pela formação educacional ressalta, também, questões em debate pela escola neoliberalista (LAVAL, 2019).

A respeito das práticas que mantêm os jovens controlados, Alpízar e Bernal (2002) evidenciam que as instituições sociais produzem discursos carregados de valores e refletem na forma como os jovens constroem suas próprias definições, incluindo a hegemonia imposta do que devem ser. Por isso, a sociedade define a forma de ser da juventude que nela está inserida. Um exemplo que se observa, nos resultados encontrados, é o termo família que, nas evocações, é elemento central na evocação de futuro e elemento periférico na evocação da juventude (ver Figuras 1 e 2). A forma como os jovens representam sobre o futuro vinculado à família deve ser observada.

Alves-Mazzotti (1994) discutia sobre o fato de que os agentes educativos deveriam conhecer suas representações sobre os alunos pobres e suas famílias. Isso porque, para a autora, esse é um fator que mantém a necessidade de assessoramento aos alunos por parte das famílias e, assim, poder ajudar a alcançar uma maior descentração do fracasso das formações do aluno em si. Ao evocarem família, casamento e responsabilidade como elementos centrais de futuro (Figura 2), verifica-se um jovem que tem uma perspectiva sobre como planejar a própria vida. Naiff e Naiff (2008) encontraram elementos relacionados aos benefícios que a educação pode trazer para a família, como a inserção em um ensino superior, o gosto e a vontade de concluir os estudos e de se expressar melhor.

Diferentemente da representação de futuro, a indução do termo juventude se apresentou mais heterogêneo nas argumentações dos jovens, pois trouxe uma classe mais ampla de palavras e não foi tão convergente como os demais. Os termos educação, trabalho, bom, aprender, vida, importante, futuro, coisa estiveram mais aparentes na Figura 2.

Juventude e Futuro: em busca das representações

Uma representação social é um conteúdo construído pelo e para o grupo, em sua história, assim, ao estudá-las, também os pesquisadores buscam, mais do que descobrir ou “revelar”, restituir o que foi construído, em uma forma de co-construção. Neste sentido, os resultados da nossa pesquisa, acerca de uma parte do “sistema” de conhecimentos que delimita, no caso presente, dois objetos sociais (juventude e futuro), também são, por sua vez “re-construções” que se faz com o intuito de re-conhecer os significados, os elementos (LAHLOU E ABRIC, 2011) que organizam o campo das crenças normativas e das prováveis práticas sociais. A análise das justificativas dadas às evocações, constituem um guia para as interpretações das posições herárquicas de cada elemento (indicadas nas àrvores máximas das análises de similitude), e um guia para se compreender as siginificações dominantes ou consensuais de cada evocação. Aqui, optou-se por trazer trechos ilustrativos, como ilustrações dos processos de significação consensuais, associados à perspectiva de futuro e à representação social de juvenude.

Como primeira aproximação global, pode-se destacar uma distinção, considerando os sujeitos, em sua grande maioria, ainda adolescentes, cursando os Ensinos Fundamental e Médio: enquanto o FUTURO, como prospectiva é fortemente marcado pelo elemento “família”; visto em duplo sentido, ora fala-se da família atual (“ajudar os pais”) que “precisa” ser ajudada; ora fala-se de uma família que “se quer constituir no futuro...”. Em segundo plano, emerge uma equação que recebe o atributo dúbio de “sonhos”, mas se apresenta em elementos muito concretos, o “estudo-emprego bom-ganhar dinhero-obrigações”. Pode-se dizer que, no discurso, eles “sonham” conseguir cumprir suas obrigações!

Minha família é tudo para mim e faço tudo para fazer ela feliz, e o trabalho porque eu preciso para pagar as contas e guardar para qualquer necessidade” (P40).

porque sempre eu vou ter que aprender mais, buscar coisas novas. Trabalhar para sempre ser dependente para pagar estudos e cursos, faculdade entre outras. Ajudar minha família” (P12).

Pois, um bom senso serviço e um bom salário gera conforto e isso da para manter uma família” (P3).

Isto nos leva a pensar em uma visão normativa dos “sonhos” que eles deveriam ter: ter responsabilidade para com o estudo e garantir um “futuro” que, provavelmente, pais e professores atribuem a eles, uma “responsabilidade sobre o futuro”. Não se pode deixar de ver nestes discursos uma acomodação , um ajustamento na direção de uma posição social definida no campo da classe trabalhadora. Em alguns casos a universidade aparece como “sonho possível”, contudo ainda vinculado à capacidade e `responsabilidade de conseguir “um bom emprego”.

vivemos em um mundo capitalista em que sem o dinheiro você não consegue viver, e com conhecimento utilizado de forma certa, você consegue o emprego bom, o dinheiro” (P11).

Tenho o sonho de me formar em alguma faculdade de preferência direita ou perito criminal e construir uma família pretendo me casar, ter filhos futuramente” (P5).

Por outro lado, em relação ao objeto “juventude”, pode-se dizer que as “obrigações” e o “emprego” passam para segundo plano, e uma direção de “aspirações” se apresentam, como os termos amigo, viver e jovem, coisa, estar, aprender e novo. Dayrell (2007), ao retratar as juventudes com suas vivências, apresenta a dimensão educativa, para além da escola, como um investimento em cidadania juvenil. Ele sugere que as políticas públicas invistam em espaços de ampliação do pontecial humano dos jovens. Para ele, é primordial que as juventudes contemporâneas tenham equipamentos de cultura e lazer. Entre juventude e futuro, o termo mais evocado foi vida. As propostas educativas devem partir do pressuposto de que o jovem representa o viver entre o seu agora, que é a juventude, e o seu futuro.

Juventude é sempre resumida a coisas novos, novos tempos sempre estado em evolução” (P11).

é que pelo fato de estarmos entrando no Ensino Médio, há muita preocupação com o futuro, é as vezes há muita responsabilidade, como trabalho, estudo e outras coisas”. ” (P 24).

Hoje, um jovem, em geral sempre procura o mais cedo possível independência dos pais e isso gera uma maturidade” (P20).

pois, com a escola e com todo o aprendizado adquirido lá, posso conseguir um trabalho mais fácil. E aproveitar minha juventude de forma legal e consciente, sem precisar depender de alguém para pagar minha faculdade” (P32).

Devemos ter sabedoria em todos os momentos da nossa vida, mas eu acho na juventude isso é mais cobrado, mas devemos também nos divertir, mas é claro com sabedoria” (P31).

Os resultados encontrados convergem em grande parte com aqueles do estudo de Souza et al. (2018), que realizaram, uma técnica também prototípica, aplicando uma análise lexicográfica com uma análise fatorial do tipo CDH ( Classificação Hierárquica Descendente) e, em seguida um grupo focal, em 263 alunos do Ensio Médio em escolas estaduais no Estado de São Paulo. Sobre a perspectiva de Futuro, também foram encontrados evocações dominantes em relação à família, trabalho (emprego), estudo; à diferença em relação a que o estudo paulista teve maior destaque para a evocação “faculdade”. Também os resultados da CDH, ainda que apresentados de modo não standard (os autores optaram por apresentar os resultados de modo interpretativo e sintético), o “futuro” também aparece como fortemente associado à família, busca de melhor qualidade de vida e qualificação para o trabalho (via faculdade ou outros estudos), e nestes resultados se destacam também o que os autores chamaram de “incertezas”. Enquanto nos nossos resultados, a análise das justificativas, aponta de modo constante e intenso a pressão que eles sofrem, tanto em referência ao objeto “juventude”, quanto às representações da perspectiva de futuro; nos autores citados ( SOUZA et al., 2018), a pressão normativa das obrigações de garantir seu futuro, por sua própria “responsabilidade” e ação, vai aparecer nos resultados de modo nítido no grupo focal.

Podemos pensar que para estes adolescentes, mesmo antes de viverem a chamada “juventude”, e à despeito dos desafios próprios à adolescência (NASCIMENTO; RODRIGUES, 2018) há uma pressão, em paralelo a desejos ou aspirações a “ser feliz”, “aprender coisas novas” e “se divertir”, desde que a “juventude” não venha a comprometer seu futuro, cujas obrigações já estão colocadas por seu meio social, pais e professores. “Pode divertir”, ter amigos: porém, que isto não comprometa a obrigação do bom emprego.

Para os jovens pesquisados, o trabalho deve ter um sentido de vida. Frigotto (2007) dispõe sobre a estrutura desigual da sociedade, em que a educação profissional está a serviço do projeto burguês, que é o de criar um “cidadão produtivo”. O incômodo emerge quando os jovens, mesmo agindo de acordo com suas representações sociais de trabalho, se deparam com uma realidade desigual e cruel, e grande parte das vezes com um trabalho que não lhe satisfaz quanto às suas demandas psicológicas e físicas.

4 Considerações Finais

A presente pesquisa analisou as representações sociais sobre o futuro de jovens trabalhadores do estado de Goiás, que cursavam a educação profissional. Para tanto, identificou-se a estrutura das representações sociais de Futuro e de Juventude dos alunos do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, do estado de Goiás, bem como se levantaram os elementos centrais e periféricos das representações relacionados às práticas sociais, pertencentes ao mundo do trabalho. E, ainda, compreenderam-se as relações entre os sistemas dessas representações e as práticas sociais existentes.

Na representação social de juventude, os jovens pesquisados representaram o futuro e trouxeram elementos centrais, tais como família e responsabilidade. Para eles, o futuro está vinculado à família e ao trabalho; eles enfatizam, também, a crença em um viver bem sucedido e feliz. Ou seja, as práticas da juventude, do presente remetem à diversão e aos amigos e, ao representarem o futuro, eles vinculam as práticas sociais à dedicação, ao esforço e ao compromisso. Assim, como no futuro, os jovens também não representam o trabalho com o termo alegria.

Os jovens acreditam que se estudarem muito, se forem responsáveis vão construir uma vida adulta melhor; mais uma vez, a questão da injustiça social não se fez presente, nem mesmo a revolta pela realidade desigual (WELLER, 2014). Os jovens se mostraram acomodados ao sistema e o plano neoliberal de submeter a educação à lógica do capital não foi um elemento aparente aos pesquisados.

Os jovens não representaram demandas sobre questões estruturais da sociedade que fossem vinculadas ao trabalho e à educação, importantes para o futuro dos mesmos. Demandas essas que colocam os jovens em desvantagem em relação às camadas com maiores rendas, tais como: falta de disponibilidade de emprego, baixos salários, dificuldades de transportes, educação de má qualidade. O foco das representações dos jovens recaiu sobre questões individuais, do fazer individual e não da coletividade, em questões estruturais.

O trabalho intelectual hipervalorizado frente ao trabalho manual está presente no cerne dos valores da sociedade brasileira, e a juventude pobre brasileira se constitui nesse seio de interesses. E isso, se não produz, ao menos reproduz a forma como os jovens representam socialmente suas perspectivas futuras. Por sua vez, as representações se vinculam aos valores que direcionam os comportamentos e estes, então, são desviados aos interesses econômicos da sociedade capitalista.

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Recebido: 28 de Fevereiro de 2021; Aceito: 23 de Fevereiro de 2022

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