SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31DILEMAS DE DOCENTES SOBRE O ENSINO REMOTO DURANTE A EMERGÊNCIA SANITÁRIA INTERNACIONAL (COVID-19) E NO SISTEMA ESCOLAR (BRASIL E MÉXICO) 2020-2021IOLANDA DE OLIVEIRA: TRAJETÓRIA, CONCEPÇÕES E CONTRIBUIÇÕES PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA NA SOCIEDADE BRASILEIRA índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista de Educação Pública

versão impressa ISSN 0104-5962versão On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.31  Cuiabá jan./dez 2022  Epub 09-Dez-2022

https://doi.org/https://doi.org/10.29286/rep.v31ijan/dez.13695 

Artigos

Jogos de linguagem expressos por alunos ribeirinhos na pesca artesanal do rio Xingu

Language games expressed by riparian students in the subsistence fishing in the surroundings of Xingu river

1Doutor em Ensino pela Universidade do Vale do Taquari (Univates). Professor Adjunto da Universidade Federal do Pará (UFPA), integrando a Faculdade de Etnodiversidade do Campus Universitário de Altamira. Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Práticas Etnos do Xingu (UFPA/CNPq).

2Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Professora Titular da Univates, integrando os Programas de Pós-Graduação em Ensino (PPGEnsino) e Ensino de Ciências Exatas (PPGECE). Coordena o Grupo de Pesquisa Práticas, Ensino e Currículo (CNPq/Univates).


Resumo

O artigo tem como objetivo analisar os jogos de linguagem atinentes à atividade da pesca artesanal expressos por alunos do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola ribeirinha na Amazônia Paraense. A metodologia tem inspirações etnográficas, incluiu vivências na comunidade e uma cartografia social produzida pelos discentes. A análise dos dados evidenciou que os alunos expressam jogos de linguagem desenvolvidos na atividade da pesca, transmitindo-os a gerações e, assim, garantir a permanência dos moradores no local como forma de ocupação do espaço, mesmo que, por vezes, isso não seja reconhecido pelo Estado, que, historicamente, tem lhes negado direitos fundamentais, como a educação.

Palavras-chave Ensino de Matemática; Etnomatemática; Anos Iniciais; Escola Ribeirinha

Abstract

This article aims to analyze the language games related to the activity of subsistence fishing and expressed by students of the 4th grade of Primary School of a riparian school in the Pará Amazon. The methodology is ethnographically inspired and includes activities in the community and a social cartography produced by the students. Data analysis has shown that the students express the language games developed within fishing that are transmitted generationally; this ensures the permanence of the residents in that place, by occupying their space, even though it quite often is not recognized by the State, which has historically deprived them from fundamental rights, such as education.

Keywords Math Teaching; Ethnomathematics; Initial Years; Riparian School

Introdução

Como recorte de uma tese de doutorado1 em Ensino, o artigo em tela tem como objetivo analisar os jogos de linguagem atinentes à atividade de pesca artesanal, sob o prisma de um grupo de crianças do 4º ano do Ensino Fundamental, de uma escola ribeirinha, na Amazônia Paraense. Esta se situa em uma comunidade que, por mais que não tenha sido reconhecida como outras, sofreu profundas mudanças nos seus modos de vida em virtude da implantação da Usina Hidrelétrica Belo Monte – UHBM (MAGALHÃES et al., 2017; FORMIGOSA; GIONGO, 2019; FORMIGOSA et al., 2022; FORMIGOSA, 2021).

As escolas ribeirinhas são partes constituintes do cenário amazônico, sejam elas de pequeno porte, muitas vezes, com apenas uma sala de aula, ou uma estrutura maior, denominadas escolas Pólos2 ou Núcleos. A instituição, lócus da pesquisa, enquadra-se no primeiro caso e tem sua organização pedagógica no formato multisseriada ou multiano, isto é, alunos de diferentes idades e turmas inseridos numa mesma sala de aula com apenas uma professora (HAGE, 2005; 2010).

Muitas dessas escolas estão sendo desativadas em função do baixo número de alunos e, segundo as prefeituras, demandam elevados custos para sua manutenção (HAGE, 2005; 2010; LOPES; PARENTE, 2017). No entanto, nos processos de ocupação e reafirmação de pertencimento ao lugar dos sujeitos ribeirinhos, a escola sempre foi uma aliada, pois, em dadas comunidades, ela tem sido a única presença do Estado. Aliás, tem sido uma bandeira de luta para garantir a permanência do homem no campo, uma das formas de resistência, pois a “[...] a escola, sempre foi apontada como parte da luta para a permanência e manutenção da vida ribeirinha” (LOPES; PARENTE, 2017, p. 417). Além da igreja, é o lugar de sociabilidade comunitária que agrega famílias e partilhas na coletividade, sendo, muitas vezes, o único espaço institucional presente no local. Por conseguinte, perdê-la é, de certa forma, romper essa relação com o Estado. Nessa ótica, a sua presença no campo, especialmente se for ribeirinha, ultrapassa o seu trapiche3, pois está apoiada, segundo Sarmento (2003), nos modos de vida, excedendo o seu caráter puramente institucional, técnico-educacional.

Tais afirmativas partem do pressuposto de que o projeto de escola do campo está para além de sua presença física naquele ambiente, pois consegue romper barreiras físicas e o espaço geográfico, interagindo com seu entorno no âmbito da vida social, econômica e política da comunidade na qual está inserida. Ademais, é pertinente mencionar a pessoa do/a professor/a que nela atua, pois, usualmente, é a figura da própria da instituição, que vai construindo essa relação entre os sujeitos que compõem o seu contexto.

Sarmento (2003) argumenta ainda que a escola do campo está constantemente ameaçada pela padronização e uniformização das práticas educacionais decorrentes das transformações externas que vêm ocorrendo de ordem demográfica e política, considerando que a busca por esse modelo se faz presente nesses prenúncios. Essa configuração de cenário apresentada pelo autor é muito próxima à que vivenciam as escolas do meio rural, incluindo as ribeirinhas, que ficam às margens do Rio Xingu. Com a implantação da UHEBM, muitas delas foram desativadas mediante variadas alegações, tais como a de que poderiam ser inundadas com a contenção da água nos reservatórios. Algumas famílias que permaneceram no seu espaço tiveram que se adaptar às novas mudanças causadas, que, influenciadas por fatores externos, acarretaram “[...] a diminuição de terras para cultivo, as quais vão se tornando disponíveis para a agricultura de larga escala e a monocultora, [...] a extração de recursos, a construção de rodovias e projetos de geração de energia [...]” (VENDRAMINI, 2015, p. 63).

Nessa ótica, a autora menciona vários fatores externos que contribuem para o fechamento dessas escolas; entre eles, os relacionados às diferentes formas de geração de energia, como uma hidrelétrica. Tais fatores têm forçado tais instituições a fecharem suas portas, o que tem obrigado as famílias a buscarem outras em locais mais distantes para matricular seus filhos conforme salienta Vendramini (2015, p. 64): “No limite, as escolas são fechadas, e os alunos têm que se deslocar para escolas mais distantes, em condições de transporte inseguro, irregular, inadequado para crianças e com longo trajeto e tempo de espera”. Nessa direção, “[...] quando uma escola fecha, há uma comunidade que morre um pouco mais” (Idem, 2015, p. 63), pois entre ambas há uma relação construída.

Para Caldart (2003), é na escola que muitas comunidades encontram a firmeza e garantia de ocupação de seus territórios de pertença e perdê-la é sinônimo de fragilidade na sua organização social e comunitária. A autora introduz na discussão os contributos do Movimento Sem Terra (MST)4 que, historicamente, tem mantido uma relação de luta pela terra e, posteriormente, ‘pela escola, pois seus integrantes perceberam que ela é um dos elementos que faz com que o homem permaneça ligado à terra. Nessa direção, simboliza uma estratégia para conservar o sujeito na sua comunidade de pertença, pois sem ‘gente’ não há escola e sem escola não há ‘gente’, pois “[...] a escola é quase sempre a segunda frente de batalha, logo após a concretização da ocupação do lugar, acima de tudo porque a luta pela terra se consolida também pela conquista da escola” (LOPES; PARENTE, 2017, p. 415).

É nesse enfrentamento que as escolas do campo, historicamente, têm resistido. No contexto do Rio Xingu, essa resistência se intensificou por ocasião da implantação da UHEBM. Neste sentido, a pesquisa de Scabin et al. (2017) menciona a preocupação e a luta das famílias para garantir escolas aos filhos a partir do processo de remoção compulsória dessas instituições. Ainda segundo os autores, elas manifestaram interesse por “[...] territórios rurais à beira do rio, capazes de, ao mesmo tempo, possibilitar a recomposição do modo de vida ribeirinho e o fácil acesso à escola às crianças e adolescentes” (SCABIN et al., 2017, p. 257).

Lopes e Parente (2017) salientam a necessidade de manter uma escola que garanta aos sujeitos construírem suas histórias de vida, escritas por si mesmos, com perspectivas futuras naquele espaço e não sob ameaça constante de que, a qualquer momento, podem ser removidos novamente. Para as autoras, é necessário construir a oferta de uma “[...] educação escolar como ferramenta de empoderamento desses coletivos locais na direção da realização de seus projetos de vida presente e futura”, impedindo que esses sujeitos se sintam como “peixes fora d’água” (LOPES; PARENTE, 2017, p. 411).

Mesmo que, para o Estado, a remoção compulsória tenha sido, de certo modo, uma estratégia suficiente para dispersar e silenciar as formas de organização daquelas comunidades, elas permanecem vivas. No entanto, não estão materializadas apenas na sua estrutura física, mas numa “[...] relação com as redes de vizinhança e parentesco estabelecidas nas ocupações ao longo do rio” (LOPES; PARENTE, 2017, p. 412), que os acompanhou, ou foram (re)construídos com outros pares e espaços. A escola ribeirinha se estende para além do seu espaço físico e toma os modos de vida dos sujeitos como parte constituinte de si mesma, pois são eles que a mantêm de pé e nela buscam a sustentação. Logo, essa relação dialógica é potente para ser materializada nas práticas que lá ocorrem, e acreditamos que o campo da Etnomatemática é a potencializadora nessa construção, considerando que ela pode fazer uso da problematização da linguagem universalizante da matemática a partir das concepções de Foucault e Wittgenstein. Do segundo, apontamos a existência de outras gramáticas mobilizadas em distintos jogos de linguagens existentes naquele espaço, como também permitir, por meio deles, que as crianças tenham acesso a outras linguagens.

O programa Etnomatemática para além dos trapiches da escola ribeirinha: entrecruzamentos possíveis de Wittgenstein e Foucault

O Programa Etnomatemática, cunhado por D’Ambrósio5, “[...] visa explicar os processos de geração, organização e transmissão de conhecimentos em diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem nos e entre os três processos” (D’AMBRÓSIO, 2001, p. 7), dando vozes a outras formas de ver e conceber o mundo. No entanto, D’Ambrósio (1993, p. 111) salienta que: “[...] diferente do que sugere o nome, Etnomatemática não é apenas o estudo de “Matemáticas das diversas etnias””. O laureado matemático complementa que a etimologia “Etnomatemática” está nas raízes das palavras tica, matema e etno com a finalidade de apontar a existência de “[...] várias maneiras, técnicas, habilidades, (tica) de explicar, de entender, de lidar e de conviver (matema) com distintos contextos naturais e socioeconômicos da realidade (etno)” (D’AMBRÓSIO, 1993, p. 112). Neste sentido, tanto o programa quanto seu idealizador nos trouxeram reflexões e importantes contribuições não apenas para o ensino de Matemática nos diversos níveis e modalidades de ensino, mas para a educação em geral, e sua amplitude tem se consolidado em diferentes perspectivas epistemológicas.

Com base nisso, distintos olhares têm permitido trazer relevantes contribuições para a escola, o currículo e os processos de ensino e de aprendizagem da Matemática Escolar. Além disso, têm sido potentes para examinar a resistência de muitos grupos socioculturais que, historicamente, vêm sofrendo processos de exclusão e silenciamentos. Por meio da Etnomatemática, D’Ambrósio (1993) apontou a existência de distintas maneiras de um saber-fazer matemático que perpassam as formas de comparar, classificar, quantificar, medir, explicar, generalizar e inferir o que um determinado grupo sociocultural tem. Para tanto, nesta investigação, em particular, fizemos uso da perspectiva pós-estruturalista, apoiados nas assertivas de Knijnik et al. (2019), que apontam a linguagem como elo de interligação entre os filósofos Foucault e Wittgenstein (em sua obra de maturidade), considerada pelas autoras como sendo uma “caixa de ferramentas”, inspirada nas concepções de Deleuze e Foucault, com vistas a mobilizar outros saberes, matemáticos, inclusive, os que seguem outras racionalidades e estão para além dos muros e trapiches/portos das escolas. Essa “caixa de ferramentas” de Knijnik et al. (2019, p. 28) tem a finalidade de “[...] analisar os discursos que instituem as Matemáticas Acadêmica e Escolar e seus efeitos de verdade e examinar os jogos de linguagens que constituem cada uma das diferentes Matemáticas, analisando suas semelhanças de família6” que emergem dos diferentes contextos sociais. Ao enveredar por esse movimento, a Etnomatemática se entrelaça em diferentes perspectivas, que vão nos permitindo entender outras matemáticas presentes, que podem ser passíveis de problematizações e nos ajudam a entender outras formas de ver e entender o mundo.

Nessa perspectiva, buscamos romper com a ideia de que das escolas insulares não emergem saberes, e os sujeitos que delas fazem parte só conseguem desenvolver determinadas atividades quando acionadas por comandos externos. Por esse prisma, ocorre uma dicotomia nos modos de produzir saberes, sendo os dos ribeirinhos considerados inferiores e, que, portanto, não merecem ser apreendidos e/ou reproduzidos, pois vão de encontro ao modelo cartesiano vigente presente nas escolas, incluindo as do campo.

É nessa concepção de existência hierárquica e cartesiana que a “caixa de ferramentas” de Knijnik et al. (2019) tem sido utilizada para construir argumentos que questionam o modelo universalizante da linguagem, inclusive o da Matemática, que tem imposto o seu formalismo e elevado grau de abstração que sustentam a sua estrutura organizacional excludente. É na busca dessa ruptura que fazemos uso dessa caixa e, para tanto, expomos algumas ferramentas que a constituem.

Assim, partilhamos da ideia de Foucault (1998), que evidencia a ocorrência da “disciplinarização dos saberes” como uma das formas iniciais na criação de uma linguagem universal quando eles não tinham comprovação científica. A partir disso, como parâmetro, passou a vigorar a desqualificação dos (saberes) considerados inúteis, falsos ou não-saberes, fato que ocorreu com o início do processo de disciplinamento axiomático de forma centralizada. Assim, produziram-se critérios para enquadramentos, formatação dos saberes por meio da eliminação, normalização, classificação hierárquica e centralização primordial (FOUCAULT, 1998), essenciais para a construção da ciência moderna, pois criaram as condições necessárias para o disciplinamento como mecanismo de exclusão, considerando que as disciplinas “[...] são criadoras de aparelhos de saber e de múltiplos domínios [...] que definirão um código que não será o da lei mas da normalização” (FOUCAULT, 1998, p. 189). Um exemplo desse disciplinamento se materializa nas práticas imbuídas nos sistemas escolares, que apenas delimitam aquilo que julgam ser “verdadeiro” ou “falso”, impondo o que seria necessário para se aprender, pois são tidas como verdades únicas em demérito a outros saberes tidos como úteis.

Apoiada nessas ideias, a perspectiva pós-estruturalista da Etnomatemática busca romper tais discursos, pois é pertinente destacar que a produção do saber não ocorre de forma unilateral. No entanto, para que outras formas de saberes se manifestem no contexto escolar, são necessárias rupturas do sistema a fim de ampliarmos o leque de possibilidades de ensinar e aprender a Matemática Escolar para além da sala de aula, o que inclui vislumbrar outros elementos inerentes à conjuntura na qual são mobilizadas outras linguagens.

Dessa maneira, abre-se espaço para o questionamento das linguagens únicas, ou os regimes de verdades pelo prisma foucaultiano7 que são impostos aos sujeitos, inclusive pelo sistema educacional e a escola. Esta, cabe lembrar, tem seus desdobramentos diretos nos processos de ensino e de aprendizagem, pois são construídos a partir da maneira pela qual eles se relacionam com o meio, considerando, segundo o filósofo, o momento sócio-histórico e quais “verdades” se busca construir (FOUCAULT, 2013). Quanto ao contexto sociocultural dos ribeirinhos, é perceptível que seus modos de vida sofreram e sofrem influências do momento histórico vigente, inclusive aqueles que os impacta diretamente, como, por exemplo, a política de energia elétrica brasileira, pois mesmo não sendo consumidores desse serviço, suas formas de vida foram alteradas em virtude da instalação da UHEBM.

Assim, ao nos reportarmos aos apontamentos feitos por Foucault sobre a primazia da linguagem universal, consideramos que a Matemática Escolar se apropriou de determinados discursos e também construiu o seu regime de verdade, constituindo-se por meio do formalismo e da abstração, que regulam a sua estrutura organizacional como forma de garantir, também, sua sobrevivência e manutenção de poder, que classifica e marginaliza sujeitos que dela não se apropriam. Nesse sentido, a linguagem matemática, comumente utilizada na escola, segue um padrão que, por vezes, acaba inibindo outras formas de produção e apropriação dos conhecimentos.

No seguimento dessa direção, inspiramo-nos também nas concepções de Wittgenstein (1999), que problematiza a ideia de uma única linguagem padronizada em detrimento de outras existentes. Para esse filósofo, cada modo de vida presente nos distintos contextos vai construindo sua própria linguagem e tem parentesco, ou seja, semelhanças de família com outras e por isso a denomina “linguagens”. A partir desse prisma, é possível considerar a existência de diferentes linguagens, e que os conceitos que são construídos, inclusive pela Matemática, devem ter uma funcionalidade, pois elas emergem de diversos contextos, possibilitando questionar a prevalência da linguagem universal da matemática e, consequentemente, seus reflexos na educação (KNIJNIK, 2016).

Ao questionarmos a construção simbólica da matemática enquanto linguagem universal em detrimento das outras existentes nos distintos modos de vida, nos apoiamos em Wittgenstein (1999) quando ele problematiza o modelo vigente que propaga a existência de uma única Matemática. Imbuída de formalismo e uma só forma de traduzir o mundo, desconsidera outras racionalidades matemáticas diferentes e linguagens, as quais chama de jogos de linguagem.

Podemos também imaginar que todo o processo do uso das palavras é um daqueles jogos por meio dos quais as crianças aprendem sua língua materna. Chamarei esses jogos de “jogos de linguagem”, e falarei muitas vezes de uma linguagem primitiva como de um jogo de linguagem. E poder-se-ia chamar também de jogos de linguagem os processos de denominação das pedras e da repetição da palavra pronunciada. [...] Chamarei também de “jogos de linguagem” o conjunto da linguagem e das atividades com as quais está interligada (WITTGENSTEIN, 1999, p. 30, grifos nossos).

Para o filósofo, os números constituem uma família e, portanto, têm grau de parentesco direto, bem como seu próprio jogo de linguagem (WITTGENSTEIN, 1999). Apoiados nisso, sinalizamos a existência de diferentes jogos de linguagem que emergem dos saberes produzidos por sujeitos que constituem diferentes contextos. No entanto, Wittgenstein propõe a busca dos significados existentes nessa construção e a forma como isso ocorre. Knijnik (2017, p. 51) considera que há diferentes jogos de linguagem a serem investigados e que estão impregnados em diferentes formas de vida, “[...] que podem ser consideradas como “matemáticos”, porque identificamos semelhanças de famílias entre tais jogos e aqueles nos quais fomos escolarizados no mundo ocidental”, possibilitando examinar os seus reflexos nas relações sociais a partir dos efeitos de poder operados sobre eles (KNIJNIK, 2017).

Ao fazer uso da expressão jogos de linguagem, Wittgenstein (1999) faz analogias, pois o que determina as regras no uso da linguagem é a forma como ela está sendo usada. Esses jogos são produzidos por práticas que lhes são próprias, necessárias para a construção dos modos de existência dos sujeitos e se materializam nas diferentes atividades desenvolvidas no seu processo de uso. O filósofo problematiza ainda os discursos naturalizados e vigentes em torno da existência de um modo hegemônico, uma verdade universal, ou um único jogo de linguagem à volta dos saberes.

Nessa direção, Knijnik et al., (2019, p. 27) fazem analogias com a linguagem matemática, pois nela há “[...] uma forma muito específica de produzir Matemática: aquela vinculada ao pensamento urbano, heterossexual, ocidental, branco e masculino [...]”. Neste sentido, é preciso considerar outras formas de produção de saberes e linguagens que fazem uso de seus próprios jogos de linguagem, que está para além daquilo que é tomado como verdade única, e o campo da Etnomatemática tem assumido esse papel ao considerar que “[...] o termo “jogo de linguagem” deve aqui salientar que o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou uma forma de vida” (WITTGENSTEIN, 1999, p. 35)

Para Condé (1998, p. 91), Wittgenstein considera os jogos de linguagem como algo que está além das expressões, “[...] mas também as atividades com as quais essas expressões estão interligadas”, de formas múltiplas e variadas a partir das suas diferenças.

Pense nas ferramentas em sua caixa apropriada: lá estão um martelo, um tenaz, uma serra, uma chave de fenda, um metro, um vidro de cola, cola, pregos e parafusos. – Assim, como são diferentes as funções desses objetos, assim são diferentes as funções das palavras (WITTGENSTEIN, 1999, p. 31).

Nesse fragmento, o filósofo afirma que, embora as ferramentas tenham uma mesma finalidade em um determinado serviço (ou outras - dependendo do andamento da construção do produto final, ou do próprio produto final em si, ou ainda, do contexto no qual essa ferramenta está sendo utilizada), elas desempenham funções distintas e, muitas vezes, complementares. Na concepção de Wittgenstein (1999, p. 36), a linguagem possui diferentes empregos: “- É interessante comparar a multiplicidade das ferramentas da linguagem e seus modos de emprego, a multiplicidade das espécies de palavras e frases [...]”, dada a amplitude de alcance que pode ter conforme o seu uso.

Sendo assim, ao fazerem uso dessa “caixa de ferramentas”, Knijnik et al. (2019, p. 28-29) consideram a não existência de uma única linguagem matemática existente, mas “[...] linguagens, no plural, identificando-as como uma variedade de uso”. Para as autoras, as contribuições filosóficas de Wittgenstein (1999) permitem aferir que as linguagens da Matemática já não são vistas como “[...] marcas da universalidade, perfeição, ordem, como se preexistissem às ações humanas [...] levando-nos a questionar também a existência de uma linguagem matemática única e com significados fixos” (Ibidem, p. 29).

Wittgenstein (1999) evidencia que as linguagens existentes nos grupos diversos vão ganhando sentido e significado de acordo com seus usos quando utilizadas em diferentes situações e contextos. Entretanto, isso só ocorre quando há margens para que esses usos sejam possíveis de se desenvolverem e não ficarem imersos em manuais que determinam o que deve ser seguido como forma de manter o sujeito aprisionado e a reproduzir automaticamente. Tal postura não permite a associação de outros significados e/ou possibilidades, que podem desencadear em outros questionamentos, fato que se reflete na Matemática Escolar, pois o discurso nela presente produz uma verdade única, imutável.

Dessa maneira, para Wittgenstein (1999), estamos imersos em contextos nos quais ocorrem constantes mudanças, e os próprios jogos de linguagem sofrem alterações por serem diversos: “E essa pluralidade não é nada fixo, um dado para sempre; mas novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, como poderíamos dizer, nascem e outros envelhecem e são esquecidos” (WITTGENSTEIN, 1999, p. 35). Nas concepções do filósofo, é essa dinâmica que ocorre quando articulamos nossa linguagem no meio por ser considerada uma forma de vida. Nesse sentido, tem-se o desenvolvimento desses jogos que vão sendo aprofundados e reelaborados, ou até mesmo modificados conforme o tempo e o espaço e por serem transmitidos a outros sujeitos, que também os reelaboram e aprofundam de acordo com o seu uso graças ao nosso sistema de comunicação, que tem a capacidade de construir saber.

Ao fazer uso dos distintos jogos presentes em uma forma de vida e buscar examinar suas semelhanças para outra linguagem, como a Matemática Escolar, contribui-se para que se tenha acesso a outros olhares para as diferentes maneiras de vida presentes em seus contextos. Nesse sentido, “[...] a Etnomatemática segue interessada em discutir a política do conhecimento dominante praticada na escola [...] que esconde e marginaliza determinados conteúdos, determinados saberes, interditando-os no currículo escolar” (KNIJNIK et al., 2019, p. 13). Pensar nessa perspectiva é contrapor o viés do modelo neoliberal existente, que propaga a ideia de homogeneização das culturas em detrimento de outras manifestadas e produzidas por diferentes grupos tidos como minoritários, mostrando que há outros saberes e formas de matematizar (D’AMBRÓSIO, 2001).

Esses apontamos nos possibilitaram investigar os diferentes jogos de linguagem existentes ao longo dos rios amazônicos e, assim, examinarmos, apoiados em Foucault, quais os regimes de verdades que têm construído discursos enveredados de saber e regido a vida dos ribeirinhos. Nesses espaços, as formas de vida são conduzidas pelos elementos da natureza, que têm correlação com o rio e demarcam ações de cunho social, político, religioso, econômico (FORMIGOSA; LUCENA; SILVA, 2017).

Procedimentos Metodológicos: os apetrechos da pescaria

A pesquisa de campo se desenvolveu no período de 2017 a 2019, na Escola Paulo Freire, situada na Comunidade Cachoeira do Jabuti, em Altamira, Sudoeste do Estado do Pará. Sua escolha se deu a partir da pesquisa exploratória (GIL, 2017) com a SEMED/Altamira, haja vista a viabilidade de acesso, aliada às peculiaridades naturais e de trafegabilidade do rio, pois este tem muitas rochas que ficam expostas no período da seca e formam cachoeiras, como a que dá nome à comunidade. Quanto às inspirações etnográficas, apoiamo-nos em Flick (2009), Schefer (2015) e Wanderer e Schefer (2016), que nos permitiram uma maior aproximação com os interlocutores e suas práticas nas suas múltiplas manifestações que se diferem de um grupo para outro, inclusive no contexto ribeirinho dos rios da Amazônia e do próprio Rio Xingu, consideradas suas características hidrográficas. Distintamente de outros tipos de pesquisa, a etnográfica consegue identificar dados ainda não estruturados, e sua análise se dá por meio da interpretação dos significados atribuídos às práticas que são desenvolvidas pelos sujeitos (FLICK, 2009).

Para nos ajudar nesse processo, fizemos uso da Cartografia Social (SILVA et al., 2011; LIMA; COSTA, 2012; LADIN NETO; SILVA; COSTA, 2016; OLIVEIRA, 2018), desenvolvida por quatro alunos do 4º ano do Ensino Fundamental, identificados como Aluno, seguindo da inicial de seu primeiro nome. Por meio dela, foi possível produzir o “mapa da comunidade”8, as diferentes formas de expressões socioculturais presentes naquele contexto, bem como conhecer qual significado e sentido eram atribuídos aos signos que surgiram na atividade de pesca, particularmente os apetrechos. Assim, as crianças permaneceram divididas em grupos por ano e foram motivadas a pensarem e discutirem sobre o que seria um mapa e como poderiam desenvolver um da própria comunidade. Após realizarem uma pequena discussão, começaram a esboçá-lo, sempre expressando, mediante nossos estímulos, o que desenhavam e o porquê da escolha. Em outro momento, desenharam alguns apetrechos de pesca que haviam trazido de casa e as devidas explicações de cada um deles, pois a cartografia não se limitou às gravuras que produziram, mas a explanar o que os elementos nelas presentes expressavam ou sobre o que os alunos afirmavam. Os dados gerados nessa construção são explorados posteriormente.

O “mapa da comunidade” nos permitiu levantar informações sobre os saberes que as crianças tinham sobre o seu lugar de pertença, território e diferentes formas de manifestações existentes (culturais, religiosas, econômicas, sociais), elementos importantes para vislumbrarmos aspectos atinentes à Etnomatemática mobilizados naquele contexto. Neste sentido, a Cartografia Social contribui para “[...] compreender a organização social dos lugares, saberes, práticas, relações e configurações socioespaciais que são produzidas e/ou que se reproduzem nos territórios existenciais” (SILVA et al., 2011, p. 72). Isso tem possibilitado ampliar as pesquisas no âmbito da educação intercultural, particularmente do contexto amazônico, inclusive no da Etnomatemática, ferramenta pouca explorada nesse campo de pesquisa. Assim, as diferentes formas de manifestações socioculturais presentes naquele contexto, bem como o conhecimento do seu significado e sentido, foram atribuídas aos signos que surgiram dessa atividade conforme observamos a seguir.

Etnomatemáticas ribeirinhas: jogos de linguagem nos apetrechos de pesca

Desde as primeiras imersões no campo empírico, percebemos a existência de distintos modos de vida naquele lugar, que seguem outras gramáticas materializadas nos seus diferentes jogos de linguagem (WITTGENSTEIN, 1999). Dessa maneira, nesta seção, abordamos como esses jogos foram mobilizados na atividade9 da pesca artesanal praticada pelas pessoas da comunidade e, às vezes, também pelas crianças, dependendo do tipo de pesca e do apetrecho próprio. Na imagem 01, por exemplo, vemos a predominância do rio com muitos peixes e embarcações.

Fonte: Formigosa (2018)

Imagem 01 Mapa da Comunidade construído pelas crianças do 4° ano 

Na imagem, observam-se, além das casas dos alunos, as de outros moradores da comunidade, com a presença de mata (flora), da representação do campo de futebol, animais domésticos, criação de bovino, bens materiais, como a parabólica e a TV, o que sinaliza a existência de energia elétrica advinda de alguma fonte. No rio, há pequenas embarcações nos portos e peixes, bem como a presença das grandes rochas e das arraias muito próximas a elas, sinalizando que as crianças conheciam esses animais (fauna) e onde costumavam ficar. É possível perceber também a ligação entre algumas dessas casas com o rio por meio dos portos e, em cada um destes, o meio de transporte das famílias daquela residência.

Nesse mapa (Imagem 01), vemos a representação da escola com a distribuição dos alunos na sala de aula e a presença da professora, além de ela estar diretamente atrelada ao rio por meio do barco que fazia o transporte escolar das crianças, encostado no porto. Ao explanarem os desenhos, as crianças afirmaram que é sempre bom criar alguns animais, como galinha e pato, pois, se a pesca ou a caça não for boa, a família tem que recorrer a eles para não ficar sem alimento.

As aprendizagens trazidas pelas crianças à escola acerca de suas vivências eram cheias de significados e iam se construindo como estratégias próprias de conceber que, quando “o rio não estiver para peixe”, elas sabiam que poderiam recorrer a outras fontes de alimentos que lhes concederiam distintas formas de manterem suas vidas, apreendidas por meio da oralidade vivenciada com os mais velhos.

Formigosa (2021) apresenta as semelhanças de família presentes nos desenhos com os conteúdos curriculares de Matemática Escolar, particularmente aqueles do ciclo de alfabetização. Aqui, damos atenção a outras habilidades que as crianças demonstraram conhecer e que perpassaram a capacidade de localização e distribuição de pessoas no espaço (evidenciado na sala de aula ou ainda na distribuição dos elementos que compunham o mapa, como as pessoas, os animais e a paisagem), conseguindo desenhar vistas superior, lateral e frontal de um objeto, numa demonstração de que tinham noção de figuras espaciais. No entanto,

[...] quando mencionamos a matemática escolar e as matemáticas que emergem das formas de vida não escolar estamos nos referindo a campos discursivos diferentes, marcados por regras próprias e contingentes, sendo complexa a passagem de “uma a outra” (WANDERER; LONGO, 2018, p. 307).

Embasados nisso, retomamos os mapas construídos. Nele, as crianças destacaram a predominância do rio, com barcos e peixes, mostrando a forte relação que tinham com o rio. Neste sentido, optamos por nos aprofundar nos jogos de linguagem que emergiram dos modos de vida daqueles alunos a partir da atividade de pesca por eles desenvolvida em conjunto com seus familiares, estimulando-os a desenharem, de forma individual, os apetrechos de pesca que possuíam em casa. Assim, enquanto faziam seus desenhos, explicavam seu funcionamento quando perguntados. Nesses diálogos, percebemos que havia sinais fecundos para investigação de seus significados, pois os jogos de linguagem utilizados por aqueles discentes na atividade mostravam a existência de vínculos de ação com a prática da pesca conforme sinaliza Wittgenstein (1999).

Diante disso, motivamos as crianças a trazerem os apetrechos de pesca que elas haviam desenhado para utilizá-los no dia seguinte. Por recomendação da professora da turma, enviamos bilhetes aos pais e/ou responsáveis sobre a atividade. Assim, no dia seguinte, no chão da escola, estavam expostas a malha (malhadeira), a tarrafa, o anzol, o remo, a lanterna e o caniço. Apenas os pais de um dos alunos não atenderam ao nosso pedido, pois, segundo a aluna K, aquelas coisas não eram para brincar, porque pode “deixar panema”10. Indagadas sobre significado dessa expressão, responderam que

“É quando não pega mais nenhum peixe” (Aluna K).

“É porque, tio, tem gente que não tem mão boa para pescar,

nem pra caçar e se pegar nisso [mostra pra malhadeira], deixa a ‘panemeira’ nela” (Aluno G).

Nas enunciações supracitadas, identificamos a relação que as pessoas do lugar tinham com as suas ‘’ferramentas’’ de trabalho, que transcendia o vínculo exclusivo do uso e desuso das coisas, perpassando a construção de uma afetividade e cuidado do seu manuseio. Como poderia entregar a desconhecidos algo que lhe garantia o alimento diário da sua família? Qual o sentido daquela ação? As assertivas dos moradores da comunidade, exploradas pelas crianças, mostram que as práticas de pesca por eles realizadas se materializaram em rituais e crenças que foram aprendendo com seus antepassados e transmitidos às crianças daquele lugar, sendo alimentadas pelo imaginário que elas tinham, corroborando as ideias de Wittgenstein (1999, p. 68): “[...] as coisas estão ocultas pela sua simplicidade e trivialidade”. Poderíamos considerar como fato negativo a criança não atender ao nosso pedido, mas é possível perceber que aprendemos também por meio desse saber único dos moradores do lugar, dos sentidos atribuídos aos objetos em contraponto às conjecturas ordinárias enraizadas no contexto da escola.

Apoiados em Wittgenstein (1999), percebemos sinais de outras gramáticas que transcendiam o valor material das ferramentas, passando a serem demarcadas pelo sentido das ações associadas ao fato ocorrido por meio dos jogos de linguagem daquele modo de vida, também utilizado por outros. Essa forma de atribuir sentido e significado a partir das suas experiências se configura por valores que se entrelaçam em suas ações e nas de outros sujeitos com os quais se relacionam, que vão consolidando os jogos de linguagem praticados, pois, como pontua Condé (1998, p. 101), Wittgenstein considera que “[...] os jogos de linguagem encontram sua sustentação no contexto da vida”.

Em seguida, explicamos às crianças que gravaríamos pequenos vídeos com cada uma delas a fim de realizarmos uma exposição do respectivo apetrecho que haviam trazido de casa. Cumpre informar que, ao contrário do dia anterior, quando os desenhos foram produzidos na sala de aula, gravaram-se os vídeos à margem do rio, embaixo de uma árvore, em um porto de uma família que morava ao lado da escola. As explanações dos alunos concederam uma maior dimensão às diferentes formas de pescaria, inclusive às desenvolvidas por homens e por mulheres.

Nesse momento, os alunos registraram em vídeo, descrevendo minuciosamente o instrumento da pesca e sua utilização. Na oportunidade, fizemos outras perguntas, tais como: se a criança sabia fazer uso daquele instrumento, como aprendeu a usá-lo (observando os mais velhos, ou com ajuda deles, ou sozinha)? Se fazia uso sozinha, para qual tipo de peixe aquele instrumento era recomendado? Em que locais do rio era possível utilizá-lo? Havia outros semelhantes a esse na casa? Cumpre informar que outras foram surgindo conforme os alunos iam relatando. Essas indagações permitiram desencadear respostas a outros elementos que constituíam a atividade de pesca e nos ajudavam a compreender ainda mais como elas se relacionavam com as diferentes práticas presentes na pesca, inclusive para as meninas, que, em suma, demonstraram saber muito acerca dessa atividade embora não a praticassem.

No seguimento, encontra-se a explanação de dois apetrechos utilizados na pesca explicitados pelas crianças. A malha (ou malhadeira) e a tarrafa.

Malha: é usada para pescar peixe de todo tamanho. A gente coloca ela no rio assim [mostra com a mão como faz]. E tem vez que pega muito peixe de uma vez só. Dá pra colocar atravessada no rio, mas tem que ficar de olho para o barco no rio não passar por cima. Mas, não passa, porque tem a pedra que leva pra mais fundo onde o barco não passa. No seco é melhor [referindo-se a parte mais seca do rio, geralmente às margens]. Eu sei usar. Aprendi com meu pai e com minha mãe. Quando tô em casa ele sempre me leva pra ajudar... Eu fico com o remo11 guiando o barco e ele vai colocando devagar. Essa daqui é pequena [referindo-se à que ele tem nas mãos]... a gente usa pra pescar mais perto de casa mesmo... quando o papai quer pegar peixe maior, que é pra ele vender, ele tem que levar outra malha que a gente tem que é maior, de umas 100 braças, e a linha dela é mais forte, pro peixe não rasgar... Pra ele pegar esses peixes [maiores] ele tem que ir pro Iriri [rio afluente do Xingu], porque aqui não dá mais peixe grande não, os que têm dá só pra gente comer, não dá pra vender (Aluno G, grifos nossos).

A narrativa da criança comprova que ela dominava as técnicas necessárias à pesca mesmo que essa atividade se restringisse apenas a controlar o barco no rio enquanto o mais velho colocava a rede, aprendendo, dessa forma, o processo de observação. Além disso, conseguia aferir o uso e a funcionalidade de cada tipo de rede a ser usada na captura de determinada espécie de peixe e a relação comercial a partir do tamanho: o peixe grande é para a venda; o pequeno, para o consumo da família. Além disso, apontou pistas de possíveis impactos causados pela hidrelétrica (mesmo que não fizesse uma relação imediata a isso), como a redução dos peixes, quando diz: “[...] porque aqui não dá mais peixe grande não”, que permitia às famílias comercializá-lo entre si e com pessoas de outras comunidades, ou as que estavam em trânsito pelo rio, possibilitando-lhes a aquisição de outros alimentos e produtos.

Um outro apetrecho utilizado pelas famílias do qual as crianças conhecem não apenas a sua finalidade, mas a sua forma de uso, incluindo o momento recomendado para tal é a tarrafa. Vejamos:

Tarrafa: “a gente usa a tarrafa aqui no rio nas partes mais seca, onde tem praia, porque ela não é grande e a gente usa jogando... Não dá pra deixar no rio igual a malhadeira... tem que jogar e puxar... Ela é muito boa pra jogar em cima do cardume de peixe, porque pega muito peixe de uma vez... Eu não seu usar, porque é muito pesada e também tem que ter muita força para jogar pra ela cair bem aberta. Tem que saber jogar, pra não fazer muito barulho, se não os peixes que tão perto vão embora com o barulho que ela faz quando ela cai na água, por causa do chumbo (apontando para os chumbos que funcionam como pesos para afundar a malha). Minha mãe também não joga tarrafa, só meu pai e meu avô, mas eu quero aprender, porque pega peixe mais rápido, só tem que saber onde o peixe tá; é só ir seguindo o cardume” (Aluno E).

Esse apetrecho de pesca era usado casualmente pelos moradores da comunidade, e requerendo habilidades, como força e controle, pois, sem o cardume à vista, eram necessárias várias tentativas para se pegarem muitos peixes. Novamente é perceptível que as crianças, mesmo não fazendo a manipulação do apetrecho, tinham o domínio da técnica para uso e, provavelmente, quando adultas, conseguirão manuseá-lo. No entanto, para além desses apetrechos que capturam esses vertebrados aquáticos, há outros que subsidiam essa atividade, como o remo.

As descrições feitas pelas crianças acerca desses apetrechos de pesca e alguns dos instrumentos, bem como os desenhos que realizaram, sinalizam que, nos seus jogos de linguagem, havia semelhanças de famílias matemáticas com aquelas apontadas tanto no plano dos anos iniciais quanto da matriz do 4º ano do Ensino Fundamental, presentes nos documentos oficiais da SEMED/Altamira, pois elas conseguiam:

- Identificar ordem de eventos em programações diárias, usando

palavras como: antes, depois.

- Identificar e descrever a localização e a movimentação de objetos

no espaço, identificando mudanças de direções e considerando

mais de um referencial.

- Comparar comprimento de dois ou mais objetos por comparação direta (sem o uso de unidades de medidas convencionais) para identificar: maior, menor, igual, mais alto, mais baixo, mais comprido, mais curto, mais grosso, mais fino, mais largo etc. (ALTAMIRA, 2015, p. 15).

Além de terem demonstrado, por meio dos “mapas da comunidade”, amplo conhecimento do lugar enquanto espaço de vida e de diferentes relações, as crianças evidenciaram um grande domínio das atividades desenvolvidas no lugar, a exemplo da pesca artesanal. Os jogos de linguagem sobre a prática da pesca vão ganhando sentido conforme vemos o uso que elas demonstram ter daquilo que lhes é dado (WITTGENSTEIN, 1999). As narrativas dos alunos mostram que eles sabiam quais apetrechos usar em diferentes situações e finalidades, tomando como referência aquilo que traria melhor retorno para quem desenvolvesse a pesca, tanto na perspectiva da quantidade, quanto da qualidade (tipo de peixe) e tamanho, conforme a necessidade: se para consumo da própria família, ou para a comercialização (FORMIGOSA, 2021).

As estratégias adotadas pelos ribeirinhos que estavam sendo apreendidas pelas crianças da comunidade mostram critérios de racionalidade construídos conforme o contexto, apontando que esses jogos de linguagem “[...] não foram aprendidos na escola, mas fora dela, nas práticas vividas junto aos familiares ou pessoas da comunidade” (WANDERER; KNIJNIK, 2016, p. 346). Desse modo, permitimo-nos afirmar que os diferentes jogos de linguagem que se materializavam nas práticas desenvolvidas no interior da pesca dos ribeirinhos, desde cedo vivenciadas pelas crianças da comunidade, tinham grau de parentesco, ou seja, semelhanças de família com a Matemática Escolar desenvolvida na escola e que se apresentavam por meio dos conteúdos nos programas curriculares da SEMED/Altamira.

Portanto, é produtivo esse lançamento em um universo desconhecido e olhar para a Etnomatemática como uma “caixa de ferramentas”. No caso dos ribeirinhos, representou uma potência mobilizadora, capaz de discutir problemáticas do mundo contemporâneo presentes nas práticas cotidianas de sujeitos no interior das escolas da Amazônia e que ainda é determinante na vida de muitas pessoas.

Ao tomarem como referência a natureza para as conduções de suas ações, os sujeitos ribeirinhos acabavam por desenvolver, na perspectiva de Wittgenstein (1999), uma gramática própria, ou seja, um conjunto de jogos de linguagem: sabiam o horário de sair para pescar a partir de vários elementos de cunho natural, como o nível da água no rio e o tipo de lua; dominavam os instrumentos necessários para pescar um tipo peixe; sabiam que tipo era encontrado em um determinado espaço do rio; ou, ainda, indicavam com precisão o peso e o preço (quando era para venda) apenas com o olhar ou segurando-o com as mãos, sem fazer uso de balança conforme apontam as pesquisas de Formigosa, Lucena e Silva (2017), Formigosa (2021) e Formigosa e Giongo (2021).

A partir desses apontamentos, as ideias de Wittgenstein e Foucault nos permitiram verificar que, nas águas do Rio Xingu, havia/ há diferentes jogos de linguagem existentes ao longo de seu estuário, que ora se sobressaem, ora têm perdas, ou se intercruzam com os distintos regimes de verdades que vão construindo discursos enveredados de saber e de poder que têm regido a vida dos ribeirinhos. Assim, as práticas presentes na vida (tanto escolar quanto cotidiana) dos alunos ribeirinhos mostraram sinais de resistência diante da implantação da UHEBM.

Considerações finais

A pesquisa evidenciou que os distintos grupos culturais mobilizam outras racionalidades matemáticas, inclusive, destoando daquelas que, convencionalmente, são utilizadas no âmbito escolar. Ancorados nas concepções de Wittgenstein, em sua obra de maturidade, e de Foucault, problematizamos a ideia universalizante da linguagem, compreendendo que, por meio das distintas formas de matematizar (D’AMBRÓSIO, 2001), é possível produzir, mobilizar e acessar outras linguagens que podem emergir de espaços geográficos insulares e físicos, como as escolas/classes multisseriadas/multianos ribeirinhas, que às vezes se confundem-se complementam, tornando-se indissociáveis.

Entretanto, essas escolas/classes, comumente encontradas no estuário Amazônico, mobilizavam saberes diversos, mas ainda carentes de atenção para serem vistos como agentes potencializadores de acesso a outras linguagens, inclusive a matemática. Além disso, conhecer um pouco mais a constituição do sujeito ribeirinho que vive às margens do Rio Xingu e perpassa as mudanças constantes, influenciadas pela ideia de exploração e ocupação da Amazônia desde o período colonial, apontam a necessidade de ampliação de pesquisas nas diferentes áreas sobre os distintos sujeitos amazônicos, especialmente as crianças.

Imersos no campo empírico, percebemos o quão os diferentes modos de vida são permeados de diversos jogos de linguagem, permitindo aos sujeitos se manterem no seu lugar de pertença, resistindo às influências externas que têm ocorrido e interferido diretamente nos seus modos de vida. Ao nos inserirmos naquele contexto, constatamos que tais jogos, mesmo com essas influências, estavam presentes em distintas práticas, como a caça, a agricultura e a pesca, sendo esta última prática que subsidiou um olhar mais atento.

Nesse sentido, ao ponderarmos que os jogos de linguagem que emergem dessas práticas têm semelhanças de famílias entre eles e aqueles gerados pela Matemática Escolar, usualmente presentes nas aulas dos alunos ribeirinhos do Rio Xingu, corroboramos as ideias de Wittgenstein (1999) de que é possível conceber que, em um mesmo espaço, há diferentes jogos de linguagem. Ademais, se analisássemos cada uma das atividades desenvolvidas pelas famílias daquela comunidade, conheceríamos vários outros jogos que, provavelmente, apresentam semelhanças de famílias com a Matemática Escolar, o que demanda novos estudos.

As atividades desenvolvidas por meio da Cartografia Social evidenciaram que as crianças conheciam amplamente e tinham domínio sobre o seu lugar de pertencimento tanto da flora quanto da fauna, bem como de práticas cotidianas desenvolvidas por homens e mulheres, e por elas mesmas. Ademais, mediante as ideias de Wittgenstein (1999), iam ganhando sentido e significado conforme o uso dado a cada uma. Tais práticas eram apreendidas por meio da transmissão oral dos mais velhos; por convivência e observação de como elas eram desenvolvidas; ou, ainda, a partir do manuseio de apetrechos, o que nos permite afirmar que tais saberes serão mantidos por outras gerações

Ao examinarmos os jogos de linguagem presentes nos desenhos e nos que foram oralizados pelas crianças, percebemos a existência de semelhanças de família entre eles e aqueles usualmente presentes na Matemática Escolar. Um dos exemplos a ser tomado é a capacidade de compreensão sobre a distribuição das coisas (flora, fauna, pessoas, casas, atividades diversas, etc.) naquele espaço. Em efeito, havia indícios de que as crianças estavam alfabetizadas, inclusive na linguagem matemática, pois conseguiam ter domínio da noção de espaço, tempo, distância, referência, tamanho, localização, lateralidade e outros conteúdos inerentes a isso conforme consta no documento da SEMED/Altamira, que subsidiou nossa análise.

É necessário, no entanto, compreendermos que ante qualquer processo de mudança de modelos, há formas de vida que precisam e devem ser mantidas; a apropriação da linguagem convencional enraizada no sistema educacional é uma delas, pois, permite às crianças serem produtoras de conhecimento. Portanto, como assegura Foucault (1998), conhecimento é poder, poder para decidirem o que é melhor para a existência e permanência daquele grupo, naquele local e que deve ser manifestado por eles, tendo ampla propriedade não apenas dos seus modos de vida, como de outros espaços, que podem ser mediados pela escola.

Essas práticas se constroem diariamente na vida desses sujeitos e não passam despercebidas do olhar das crianças, pois muito mais do que simplesmente ‘olhar’ para o que os adultos fazem, elas vivenciam esses saberes, fazendo com que estes se perpetuem naquele modo de vida peculiar, inerente àquela cultura. Por conseguinte, é relevante considerarmos o rio uma escola permanente na vida daquelas crianças, capaz de construir uma educação ribeirinha, com linguagem própria, de possível organização, sistematização e que traduz, de certo modo, como as vidas desses sujeitos são conduzidas naquele espaço. Sendo assim, há um cuidado permanente do que têm, com aquilo que vivem, ou melhor, onde vivem: o rio.

Referencias

ALTAMIRA. Plano de ensino unificado do ciclo de Alfabetização: anos iniciais do Ensino Fundamental. Secretaria Municipal de Educação, Altamira (PA), 2015. [ Links ]

CALDART, R. S. A escola do campo em movimento. Currículo sem Fronteiras, v. 3, n. 1, p. 60-81, jan./jun. 2003. [ Links ]

CONDÉ, M. L. L. Wittgenstein: linguagem e mundo. São Paulo: Annablume, 1998. [ Links ]

D’AMBROSIO, U. Etnomatemática. 2. ed. São Paulo: Ática, 1993. [ Links ]

D’AMBROSIO, U. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. [ Links ]

FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. [ Links ]

FORMIGOSA, M. M. As etnomatemáticas de alunos ribeirinhos do rio Xingu: jogos de linguagem e formas de resistência. 2021. 263f. Tese (Doutorado em Ensino). Universidade do Vale do Taquari, Lajeado (RS), 2021. [ Links ]

FORMIGOSA, M. M.; COSTA, K. C. de J. F.; GIESE, J. L. F.; MILEO, I. do S. de O. A acessibilidade de uma escola ribeirinha num dado contexto da Amazônia paraense. Formação (Online), [S. l.], v. 29, n. 54, p. 123–144, 2022. [ Links ]

FORMIGOSA, M. M.; GIONGO, I. M. As práticas etnomatemáticas de alunos ribeirinhos do rio Xingu como sinais de resistência à hidrelétrica belo monte. Margens – Revista interdisciplinar, v. 13, n. 21, 2019. [ Links ]

FORMIGOSA, M. M.; GIONGO, I. M. Pescando jogos de linguagem e semelhanças de família em uma comunidade ribeirinha do Xingu. VII SIPEM - Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática. Uberlândia (MG): SBEM, 2021. v. 7. p. 1103-1115. [ Links ]

FORMIGOSA, M. M.; LUCENA, I. C. R.; SILVA, C. A. F. Um navegar pelos saberes da tradição na Amazônia ribeirinha por meio da Etnomatemática. Revista Latinoamericana de Etnomatemática: Perspectivas Socioculturales de la Educación Matemática, v. 10, n. 1, 2017. [ Links ]

FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no College d’e France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970 (Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio). 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996. [ Links ]

FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. [ Links ]

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 13. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998. [ Links ]

GIL, A. C. Como elaborar projeto de pesquisa. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2017. [ Links ]

HAGE, S. M. (Org.). Educação do Campo na Amazônia: retratos de realidades das escolas multisseriadas no Pará. 1. ed. Belém: M. M. Lima, 2005. [ Links ]

HAGE, S. M. Escolas multisseriadas. OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG, 2010. [ Links ]

KNIJNIK, G. A ordem do discurso da matemática escolar e jogos de linguagem de outras formas de vida. Perspectivas da Educação Matemática – INMA/UFMS – v. 10, n. 22, Seção Temática, 2017. [ Links ]

KNIJNIK, G. et al. Etnomatemática em movimento. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. (Coleção Tendências em Educação Matemática). [ Links ]

KNIJNIK, G. Um modo de teorizar no campo da pesquisa em educação matemática. In: KNIJNIK, G. WANDERER, F. (org.). Educação matemática e sociedade. São Paulo: Ed. Livraria da Física, 2016. (Coleção Contexto da Ciência). [ Links ]

LADIM NETO, F. O.; SILVA, E. V. COSTA, N. O. Cartografia social instrumento de construção do conhecimento territorial: reflexões e proposições acerca dos procedimentos metodológicos do mapeamento participativo. Revista Casa de Geografia de Sobral. v. 18, n. 2, 2016, p. 56-70. [ Links ]

LIMA, M. V. C.; COSTA, S. M. G. Cartografia social das crianças e adolescentes ribeirinhas/quilombolas da Amazônia. Revista Geografares, n. 12, p. 76-113, 2012. [ Links ]

LOPES, R.; PARENTE, F. A. Recomendações para a educação escolar dos ribeirinhos: entre o rio e a rua. MAGALHÃES, S. B.; CUNHA, M. C. A expulsão de ribeirinhos em Belo Monte: relatório da SBPC. São Paulo: SBPC, 2017. [ Links ]

MAGALHÃES, S. B.; CUNHA, M. C. (Org.). A expulsão de ribeirinhos em Belo Monte: relatório da SBPC. São Paulo: SBPC, 2017. [ Links ]

OLIVEIRA, I. A. Cartografia de saberes e educação na Amazônia: análise de produções acadêmicas. Revista Amazônida, Manaus, AM, v. 3, n 2. p. 102 –116, 2018. [ Links ]

SARMENTO, M. J. Educação em Meio Rural: Lógicas de acção e administração simbólica da infância. Aprender, Revista da Escola Superior de Portalegre, Porto Alegre, n. 28, p. 62/73, 2003. [ Links ]

SCABIN, F. et al. A violação de direitos dos ribeirinhos no contexto de Belo Monte e os processos de assistência jurídicas na DPU, em Altamira. MAGALHÃES, S. B. CUNHA, M. C. A expulsão de ribeirinhos em Belo Monte: relatório da SBPC. São Paulo: SBPC, 2017. [ Links ]

SCHEFER, M. C. Na periferia das periferias: o não-lugar escolar e a pedagogia do destino. Tese (Doutorado em Educação). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo (RS), 2015. [ Links ]

SILVA, M. G. et al.. Cartografias e método(s): outros traçados e caminhos metodológicos para a pesquisa em educação. MARCONDES, M. I.; OLIVEIRA, I. A.; TEIXEIRA, E. (Orgs). Abordagens teóricas e construções metodológicas na pesquisa em educação. Belém: EDUEPA, 2011. [ Links ]

VENDRAMINI, C. R. Qual o futuro das escolas do campo? Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 31, n. 3, p. 49-69, jul/set. 2015. [ Links ]

WANDERER, F.; KNIJNIK, G. Educação Matemática em escolas multisseriadas do campo. Acta Scientiae, v.18, n. 2, p. 335-351, 2016. [ Links ]

WANDERER, F.; LONGO, F. O discurso da etnomatemática nos anos iniciais do ensino fundamental: aproximações e deslocamentos. ERM, Brasília, v. 23, n. 60, p. 298-313, 2018. [ Links ]

WANDERER, F.; SCHEFER, M. C. Metodologias de pesquisa na área da educação (matemática). WANDERER, F.; KNIJNIK, G. (Org.). Educação Matemática e sociedade. 1 ed. São Paulo: Livraria da Física, 2016, p. 33-50. [ Links ]

WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Tradução: José Carlos Bruni. São Paulo: Editora Nova Cultural, São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. [ Links ]

1Tese vencedora do Prêmio CAPES de Tese – versão 2022, na área de Ensino.

2No caso de Altamira, essas escolas estão organizadas em formato de Pólo, que agrega um determinado grupo (de escolas) de uma dada área geográfica do Município e ficam sob a supervisão de dois técnicos da própria Secretaria Municipal de Educação (SEMED): o diretor e coordenador de Pólo. A gestão de cada um desses Polos fica em uma escola dessa área que, geralmente, possui uma estrutura mais ampla e maior número de professores e alunos.

3Substituímos a frase “para além dos muros da escola” – comumente utilizada para se referir às ações pedagógicas fora da escola – porque as ribeirinhas não têm muro, mas o trapiche ou porto, onde ocorre o embarque e desembarque das crianças e, muitas vezes, é o local principal de saída e chegada de pessoas na comunidade.

45 Não é nossa intenção fazer aqui uma abordagem sobre as concepções em torno do MST, mas sinalizar pistas que consolidam as escolas do campo a partir das iniciativas de movimentos sociais como este, que pautam a escola como parte indissociável da luta pela terra.

5Ubiratan D’Ambrósio, professor emérito da Universidade de Campinas, foi um dos precursores do campo da Etnomatemática em nível mundial. Ele deixou em maio de 2021 com uma extensa obra sobre esse campo.

6Em Wittgenstein (1999, p. 52), é possível perceber que a linguagem não pode ser considerada universal, mas graus de parentesco entre elas, o que o filósofo nomeia como semelhanças de famílias, “[...] pois assim se envolvem e se cruzam as diferentes semelhanças que existem entre os membros de uma família: estatura, traços fisionômicos, cor dos olhos, o andar, o temperamento etc., etc. – E digo: os “jogos” formam uma família”. Formigosa e Giongo (2021) fazem uma explanação aprofundada dessa discussão a partir do contexto investigado.

7Para Foucault (1996), os regimes de verdade ocorrem como forma de controle e regulação, tendo como funcionalidades e finalidades a manutenção do poder e, portanto, cada sociedade tem seu regime de verdade instalado.

8Cada grupo de alunos desenhou quatro “mapas da comunidade” conforme seus respectivos anos escolares. Tal distribuição respeitou a organização pedagógica da professora, que distribuía os discentes em grupos por ano (exceto o do 3º ano que desenvolvia suas atividades em conjunto com os do 2º ano). Neste texto, fazemos análise do material elaborado pelas crianças do 4º ano.

9Além da atividade de pesca, na comunidade, eram desenvolvidas outras, como a caça de animais para consumo e a agricultura familiar. No entanto, a primeira é a que prevalecia, motivo pelo qual fizemos tal exploração.

10Enunciação feita pela aluna.

11Outro apetrecho de pesca explorado em Formigosa (2021).

Recebido: 18 de Abril de 2022; Aceito: 13 de Setembro de 2022

Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons CC BY-NC-SA 3.0 BR.