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Revista de Educação Pública

versão impressa ISSN 0104-5962versão On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.31  Cuiabá jan./dez 2022  Epub 09-Dez-2022

https://doi.org/10.29286/rep.v31ijan/dez.14211 

Artigos

POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA E ENSINO SUPERIOR: NUANCES SOBRE A INSTITUIÇÃO DAS BANCAS DE HETEROIDENTIFICAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA E UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

AFFIRMATIVE ACTION AND HIGHER EDUCATION POLICIES: NUANCES ON THE INSTITUTION OF HETEROIDENTIFICATION BANKS AT THE FEDERAL UNIVERSITY OF RONDÔNIA AND FEDERAL UNIVERSITY OF AMAZONAS

Paulo Sérgio DUTRA1 
http://orcid.org/0000-0002-5507-2744

Renilda Aparecida COSTA2 
http://orcid.org/0000-0002-5416-8226

1Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Docente da Universidade Federal de Rondônia e Líder do GEPRAM - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Migração. RO – Brasil.

2Doutora em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Docente da Universidade Federal do Amazonas, Instituto de Filosofia Ciências Humanas e Sociais - Sociologia. Atua no Programa de Pós-graduação Sociedade e Cultura na Amazônia. É coordenadora do Núcleo de Estudos Afro Indígena - NEAI/UFAM.


Resumo

Este trabalho versa sobre a construção de bancas de heteroidentificação na Universidade Federal de Rondônia (Unir) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Na metodologia, utilizou-se da pesquisa bibliográfica e da documental. Os resultados indicam que no âmbito da Universidade Federal do Amazonas, houve iniciativas que garantiram a efetividade das políticas de ação afirmativa para negros, indígenas, a partir de ações criadas por um Grupo de Trabalho, e na UNIR instituiu um GT para estudos e viabilidade para a implantação de bancas de heteroidentificação para ingresso nos cursos de graduação/pós-graduação, bem como ofereceu um curso para formação de técnicos e professores com vistas a aturem em bancas de heteroidentificação.

Palavras-chave Bancas de Heteroidentificação; UNIR e UFAM; Ações Afirmativas

Abstract

Abstract: This work deals with the construction of heteroidentification boards at the Federal University of Rondônia (Unir) and Federal University of Amazonas (UFAM). The methodology used bibliographic and documental research. The results indicate that within the scope of the Federal University of Amazonas, there were initiatives that ensured the effectiveness of affirmative action policies, for blacks, indigenous people, based on actions created by a Working Group, and at UNIR it instituted a GT for studies and feasibility for the implementation of hetero-identification boards for admission to undergraduate/postgraduate courses, as well as offering a course for the training of technicians and professors with a view to working on hetero-identification boards.

Keywords Banks of Heteroidentification; UNIR and UFAM; Affirmative Actions

Introdução

Um aspecto fundamental relacionado às políticas de ação afirmativa que vai além da reserva de vagas tem a ver com a presença de negros e indígenas na universidade públicas brasileiras, uma vez que possibilita uma mudança epistemológica na universidade, assim, estes adolescentes e jovens trazem novas perspectivas de ser e estar no mundo, nas quais se evidenciam uma estética, ética e cosmovisão afro indígenas na construção do conhecimento. A partir desta perspectiva, os desafios contemporâneos que se apresentam às universidades brasileiras se desdobram em duas direções fundamentais para superação das desigualdades, e exclusões sócio educacionais, e estão assim configuradas:

Primeiro, a ampliação do campo conceitual de seus docentes, através da legitimação dos referenciais de conhecimentos que tratam da educação das relações étnico-raciais. Assim, as reformas curriculares nas instituições de ensino superior deveriam levar os bacharéis e licenciados a questionarem as concepções que fundamentavam sua futura prática profissional, no que diz respeito à raça, classe, gênero, à condição sexual e à religião questionando, dessa forma, a visão de superioridade inerente à branquidade e à racionalidade ocidental precisavam ser superadas, questionando-se a própria noção de ocidente;

Segundo, o estabelecimento de políticas de ação afirmativa que visam a garantia da reparação social/racial e econômica, pela implementação de reserva de vagas é o caso da Lei 12.711 de 2012, que estabelece as reservas de vagas para negros, indígenas e deficientes nas universidades públicas brasileiras, tem contribuído com mudanças sociais. Outra legislação que traz a possiblidade de mudanças nas bases do racismo estrutural do país é a Lei 12.990 de 2014, que prevê a reserva aos candidatos negros de 20% das vagas oferecidas em concursos públicos da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela união.

Neste sentido, o presente texto traz uma contribuição sobre o movimento constituído em relação as experiências na implementação de políticas ação afirmativa, e a instituição de bancas de heteroidentificação no âmbito da Universidade Federal do Amazonas, e da Fundação Universidade Federal de Rondônia entre 2019 e 2022. A proposta surgiu da necessidade do estreitamento das relações entre as duas instituições no que corresponde a compreensão de como as experiências que tangem as políticas de ação afirmativa para além da autodeclaração como forma de confirmação do pertencimento as categorias de raça/cor preta e parda no âmbito das cotas para ingresso nos cursos de graduação e pós-graduação nestas duas instituições.

Dessa forma, a Universidade Federal do Amazonas como uma das instituições de ensino superior públicas nos Estados do Amazonas1, composta por seis Campi localizados nos seguintes municípios: Coari, Parintins, Itacoatiara, Humaitá e Benjamin Constant, e a Fundação Universidade Federal de Rondônia que é constituída por oito Campi, e que estão localizados nas cidades de Guajará-Mirim, Porto Velho, Ariquemes, Ji-Paraná, Presidente Médici, Cacoal, Rolim de Moura e Vilhena, municípios que integram o Estado de Rondônia. Desse modo, os Estados do Amazonas e de Rondônia constituem unidades federativas brasileiras e estão presentes na Região Norte do Brasil.

As questões metodológicas para a construção deste texto foram utilizadas a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Assim, do ponto de vista da pesquisa bibliográfica, na perspectiva de Lakatos (2003), assinala-se que esse tipo de pesquisa abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema estudado, e a sua finalidade, conforme a autora, é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que já foi dito, escrito ou filmado sobre determinado assunto. Dessa forma, o tema que retrata a construção das bancas de heteroidentificação, no presente texto, tem como sustentação os trabalhos de Bastos (2018), e Santos (2021). Assim, Bastos contribuiu com a compreensão de como a aplicação da Lei de Cotas tem se dado nos cursos de Direito e Medicina da Universidade Federal de Rondônia, oferecido no campus Porto Velho, e como as cotas têm se configurado como uma política de ação afirmativa por justiça social com equidade. Já Santos (2021) trouxe um panorama sobre como as bancas de heteroidentificação tem sido (e vem sendo) constituída no âmbito das instituições de ensino superior pública brasileira.

Ainda sobre as questões metodológicas, é importante lembrar que em relação à pesquisa documental Cellard (2008), e Sá-Silva, Almeida e Guindane (2009), trouxeram contribuições nessa área. Sobre o assunto, Cellard (2008) ressaltou que o trabalho com análise documental favorece a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, entre outros. Por outro lado, Sá-Silva, Almeida e Guindane (2009), assinalam que as fontes primárias constituem dados originais, a partir dos quais o pesquisador tem uma relação direta com os fatos a serem analisados. Assim, na seara da documentação analisada para construção deste estudo, estão, sobretudo, as resoluções, leis, documentos de orientações e outros.

Assim, buscou-se compreender o conceito de banca de heteroidentificação em Santos (2021, o qual entende que o termo banca de heteroidentificação, constitui-se como um dos mecanismos de fiscalização, ou controle social de uma política pública, a reserva de subcotas a estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, que foi estabelecida pela Lei nº 12.711/2012. Nesse sentido, Santos destaca também que estas comissões visam a impedir o desvio de finalidade deste tipo de política pública (p. 21). A este respeito, é importante destacar que as bancas de heteroidenteificação tiveram sua regulamentação na Portaria nº 4 do Ministério da Economia, publicada em 06 de abril de 2018, e que foi alterada pela Portaria nº 14.635, de 14 de dezembro de 2021. Sobre os estudiosos que tratam do tema, endossa-se que se elegeram Bastos (2018) e Santos (2021) para descortinar a construção deste estudo.

Nesta perspectiva, Bastos e Santos trazem como elementos a participação do Ministério Público Federal como provocador nos rumos dos processos seletivos de ingresso em cursos de graduação/pós-graduação, e de concursos públicos no que corresponde a uma verificação das informações prestadas por candidatos quanto à autodeclaração como forma de acessar as vagas destinadas para negros (pretos e pardos) e indígenas no ensino superior. Dessa forma, assinala-se que, o que gerou a necessidade da constituição de bancas de heteoridentificação, foram as constantes denúncias da comunidade acadêmica, e de organizações não governamentais sobre as fraudes, sobretudo, nos cursos de graduação em relação às cotas. Sobre o tema, o trabalho da Bastos trouxe grande contribuição ao lançar o olhar para os cursos de Medicina e Direito no que corresponde a compreensão da presença de pretos e pardos como sujeitos das cotas no Campus José Ribeiro Filho, localizado na cidade de Porto Velho. Conforme a autora, as sucessivas denúncias realizadas por estudantes da UNIR, ao MPF fez com que o referido Ministério sugerisse diversas recomendações para que a UNIR revesse as definições das categorias de cotas utilizadas em seus processos seletivos, bem como auxiliou na criação de um simulador de renda, que no ato de inscrição no certame, pudesse ajudar o/a candidato/da a ter noção da distribuição de seu soldo, pelo número de integrantes de sua família, fator que possibilitaria concorrer a uma determinada categoria de cotas estabelecida no certame que levaria em conta o fator renda.

Dessa forma elementos colhidos por Bastos vão afiançar que os/as estudantes aprovados nos cursos de Direito e Medicina, não correspondiam em grande parte as características daqueles e aquelas a quem as cotas se destinavam. Para a autora apesar de uma série de críticas, oposições e erros de aplicação, as cotas de um modo geral, têm sido a possibilidade de ingresso no ensino superior público para os estudantes de baixa renda, negros e indígenas, principalmente, nos cursos de Medicina e Direito que são os mais concorridos na Universidade Federal de Rondônia.

Nesse sentido, para entender como as experiências da Ufam e Unir foram construídas, o texto em tela está dividido da seguinte forma: no primeiro tópico apresenta-se um recorte sobre os documentos que trazem fundamentos legais, e que sustentam a construção dos processos formativos das bancas de heteroidentificação, nas instituições públicas de ensino superior no Brasil. Na segunda parte, atenta-se aos movimentos percorridos/construídos sobre as experiências com as bancas de heteroidentificação na UFAM, no terceiro momento, reportam-se as vivências com o tema no âmbito da UNIR, e por fim as considerações finais.

1 - Fundamentos legais que amparam a composição, atuação da comissão geral e setoriais de heteroidentificação,

A partir de um olhar sobre alguns documentos, e tendo a pesquisa documental como guia, a seguir apresentam-se alguns desdobramentos sobre os fundamentos legais e regimentais que amparam a composição e atuação da Comissão Geral e Setoriais de Heteroidentificação. Nesse sentido, o Estado brasileiro se comprometeu, por meio da Constituição Federal de 1988, a “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (CF, 1988, p. 11);

Por outro lado, as políticas de ação afirmativa têm como objetivo a concretização de efetiva igualdade de acesso à educação e que se fundamenta nos princípios constitucionais da igualdade material (art. 5º, caput, da CF/88) e da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (art. 206, inciso I, da CF/88). Sobre o tema, o Brasil assumiu compromissos perante a comunidade internacional de implementar políticas de ações afirmativas voltadas à superação de desvantagens experimentadas pela população negra (arts. 99 e 100 do Plano de Ação da III Conferência Mundial da ONU contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada no período de 31 de agosto a 8 de setembro de 2001);

Outro dispositivo legal e a Convenção 169, da OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais, de 1989, promulgada integralmente no Brasil pelo Decreto n.5051/2004, em seu artigo 1 (ponto 3) diz: “A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos quais se aplicam as disposições da presente Convenção”. Acrescenta-se ainda o Estatuto da Igualdade Racial que prevê a implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas e raciais no tocante à educação (art. 4º, inciso VII, da Lei nº 12.288/2010); e as Leis nº 12.711/20122, e 13.409, de 28 de dezembro de 2016 Art. 3º, que diz que em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Para além da reserva de vagas com recortes escolas públicas e com ênfase na cor/raça para o ingresso nos cursos de graduação, a Portaria Normativa do MEC nº 13, de 11 de maio de 2016, que dispôs sobre a inclusão de Ações Afirmativas na Pós-Graduação, e deu outras providências. Com o mesmo teor com que tratou das ações afirmativas no âmbito do Ensino Superior, a Lei nº 12.990/2014, estabeleceu a reserva de vagas aos (às) candidatos (as) negros (as) para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração federal.

Corroborando com a legislação explicitada acima, em 9 de agosto de 2016, editou-se a Recomendação nº 41, do Conselho Nacional de Justiça, que orientou os membros do Ministério Público brasileiro a dar especial atenção aos casos de fraudes nos sistemas de cotas para acesso às universidades e cargos públicos.

Sobre esta questão, os procedimentos de heteroidentificação, para fins de preenchimentos das vagas reservadas nos concursos públicos federais dispostos na Lei nº 12.990/2014, foram regulamentados pela Portaria Normativa nº 4, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, de 6 de abril de 2018, a qual apontou os critérios para a composição das bancas de heteroidentificação;

A despeito do arcabouço legal instituído nacionalmente, e com base neles no tópico a seguir envereda-se pelos arranjos vivenciados pela Universidade Federal do Amazonas na construção de um caminho que pudesse seguir os argumentos da Normativa n 4 de 6 de abril de 2018, produzir mecanismos capazes de impedir as fraudes no âmbito dos processos seletivos para ingresso na graduação e pós-graduação na referida instituição. Andemos!

2- Ação afirmativa e as nuances do processo de formação para a institucionalização da Comissão Geral de Heteroidentificação na Universidade Federal do Amazonas

As Evidencias sobre as nuances do processo de formação para a institucionalização da Comissão Geral de Heteroidentificação na Universidade Federal do Amazonas se deram, inicialmente, com a criação do Grupo de Trabalho Heteroidentificação, instituído pela Portaria GR/UFAM n.1412, de 10 de abril de 2019.

Nesse sentido, houve reuniões periódicas de trabalho e estudos, com vistas à escrita da minuta de uma Resolução, que disporia sobre composição e atuação da Comissão Geral e Comissões Setoriais de Heteroidentificação, visando à confirmação da autodeclaração étnico-racial do estudante que entra na universidade pelo sistema de cotas raciais.

Convém ressaltar que, na ocasião o Núcleo de Estudos Afro Indígena (NEAI/UFAM), realizou a formação dos técnicos, estudantes, docentes e ativistas do movimento social, com a finalidade de integrar a Comissão Geral ou Bancas Setoriais de Heteroidentificação no âmbito da Universidade Federal do Amazonas. Neste sentido, foram organizadas diversas formações tais como:

Seminário: Relações Raciais no Brasil: desafios apresentados às Instituições de Ensino Superior pelas Políticas de Ação Afirmativa, realizado em maio de 2019. A iniciativa teve como escopo principal, dar condições aos/as gestores (as), da Pró-reitoria de Gestão de Pessoas, Pró-reitoria de Ensino de Graduação, Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação e Pró - reitoria de Extensão da Universidade Federal do Amazonas, para uma atuação com mais propriedade na implementação de políticas de ação afirmativa, relacionadas à inserção de negros e indígenas na instituição; além de criar subsídio para elaboração de metodologia para heteroidentificação, a partir da autodeclaração dos (das) negros e negras (pretos e pardos) no âmbito da Portaria Normativa nº. 04 do Ministério do Planejamento de 06 de abril de 2018.

Seminário: Cotas Raciais e Bancas de Heteroidentificação: implementação na Universidade Federal do Amazona, que ocorreu nos dias 15 e 16 outubro de 2019, nas dependências do auditório da Faculdade de Tecnologia. Neste evento contamos com a participação, de também integrantes do Movimento Negro, Comunidades Tradicionais de Terreiro e quilombolas.

Na ocasião desenvolveu-se, também, uma capacitação para os técnicos em assuntos administrativos e, em assuntos educacionais das diversas pró-reitorias e docentes da Universidade Federal do Amazonas na temática de ações afirmativas e implementação, cotas raciais e bancas de heteroidentificação. Dessa forma, houve a socialização da expertise desenvolvida na Universidade Federal de Uberlândia, que criou o sistema de Verificação on-line de autodeclarados negros (pretos e pardos), um momento de intensa interação entre os técnicos de Tecnologia da Informação das duas universidades, que discutiram a possiblidade da implementação do referido sistema na UFAM.

À vista disso, destaca-se que o momento vivenciado no processo de construção de ações, para implementação de bancas de heteroidentificação na UFAM foi impactado por uma contingência, epidemiológica e social, resultada pela pandemia do COVID 19, que assolou o mundo a partir de novembro de 2019. Nesse sentido, o uso das tecnologias da comunicação e informação tornarou-se uma ferramenta fundamental para realização de uma consulta pública a entidades representativas do Movimento Negro, Movimento e Organizações Indígenas, Comunidades Tradicionais de Terreiros e Comunidades Quilombolas de forma remota, em pleno período pandêmico. Assim sendo, realizou-se uma Audiência pública, com aproximadamente 59 entidades na data de 14 de julho de 2020, às 19h por meio da Plataforma ZOOM, transmitida ao vivo pelo canal da ASCOM.

Na ampliação do debate através da audiência pública, as vozes indígenas e negras foram ouvidas e enfatizaram que se faz necessário assumir institucionalmente a questão indígena e negra, por meio das políticas de acesso, permanência e conclusão dos estudos com sucesso escolar dos (as) jovens negros/as e indígenas e quilombolas na Universidade Federal do Amazonas. Nesse sentido, após as exposições das considerações sobre o tema, houve sugestões e proposições de cada entidade, alguns aspectos foram considerados relevantes para serem incluídos na minuta de Resolução, inclusive alguns reiterados pelos movimentos sociais diversos e, de certa forma criando uma convergência em temas que consideravam fundamentais. Salienta-se que todas as reivindicações foram inseridas na Minuta de Resolução.

A esse respeito, os indígenas, representantes destas entidades, pediram a retirada do RANI – Registro Administrativo de Nascimento de Indígena, sobre esta questão, os mesmos justificaram esta solicitação afirmando que este documento de identidade oficial caracteriza a política de tutela, por meio da Fundação Nacional do Índio e, que tal política está superada nos termos da Constituição de 1988.

Nesta perspectiva, a referida constituição consagrou direito indígena de manter terras, modo de vida e tradições, representando, assim, avanço importante do Brasil para criar um sistema de normas a fim de proteger os direitos e interesses indígenas que estão expressos na carta magna, com preceitos que asseguram o respeito à organização social, aos costumes, às línguas, crenças e tradições.

Ressalta-se, também, a necessidade de haver somente a identificação/reconhecimento da etnia indígena, pois acreditam que, as comunidades indígenas possuem legitimidade, com relação à identificação do pertencimento étnico; assim sendo, a então minuta de resolução passou a dispor sobre a constituição e atuação da Comissão Geral de Heteroidentificação no seu artigo 6°, onde se apontou que os candidatos autodeclarados indígenas deveriam apresentar documento de comprovação do povo/comunidade ou organização/associação indígena a qual pertencesse.

No que diz respeito às reivindicações dos representantes de associações e comunidades quilombolas, os mesmos se posicionaram enfatizando que na minuta de resolução deveria ser considerado o reconhecimento do pertencimento étnico dos quilombolas, assim como já havia sido indicado na autodeclaração para indígenas, ou seja, os candidatos autodeclarados quilombolas, apresentariam documento de comprovação da entidade representativa das comunidades quilombolas a qual pertencesse, organização/associação - e, não apenas pelo fenótipo, como é realizado na validação da autodeclaração de pretos e pardos (negros).

Por isso, foi sugerido que todos os encaminhamentos aos candidatos quilombolas obedecessem às mesmas orientações referentes aos candidatos indígenas, a saber, acompanhar declaração da comunidade/associação/movimento social sobre o pertencimento do candidato à comunidade. Sugeriu-se, também, ao Conselho Universitário, com o intuito de ampliar a política de ações afirmativas no âmbito da Universidade Federal do Amazonas, que se levasse em consideração a possibilidade de realizar o Processo Seletivo Especial Indígenas - PSEI e o Processo Seletivo Especial Quilombola - PSEQ no âmbito da graduação.

Outro aspecto que foi uma unanimidade, na voz dos movimentos sociais presentes, foi a necessidade de participação de integrantes do Movimento Negro e Organizações Indígenas na Comissão Geral de Heteroidentificação. Assim os representantes do Movimento Negro Organizado, representados pelo Fórum Permanente de Afrodescendentes do Amazonas (FOPAAM), explicitaram ser fundamental a participação de membros externos à comunidade acadêmica, representando movimentos sociais organizados ligados à questão étnico-racial, e também enfatizaram que no âmbito da Universidade Federal do Amazonas, faz-se necessário assumir institucionalmente, a questão indígena e negra, através das políticas de acesso, permanência, que permitam a conclusão dos estudos dos(as) jovens negros, indígenas e quilombolas com sucesso.

A Audiência Pública foi um momento especial, pois reuniu diversos grupos étnico-raciais, que contribuíram na formação do Estado do Amazonas, que pelo revés da história, muitas vezes foram invisibilizados, mas se acredita num novo processo de construção de uma outra história.

Por fim, apresentou-se uma Minuta de Resolução ao CONSUNI no dia 12 de novembro de 2020, sendo aprovada por unanimidade. Assim, a Resolução 012, de 09 de novembro de 2020, dispôs sobre a composição e atuação da Comissão Geral de Heteroidentificação e Comissões Setoriais no âmbito da Universidade Federal do Amazonas. A referida Resolução foi revisada e apresentada ao conselho Universitário da UFAM, novamente no dia 14 de agosto de 2021. Desse modo, as alterações na Resolução foram aprovadas por unanimidade e a mesma passou a configurar com Resolução 020/2021.

A este respeito, entende-se que será necessária a formação permanente dos integrantes das comissões de banca de heteroidentifacação, após a constituição da Comissão Geral e Setorial de Heteroidentificação da UFAM, missão a ser assumida pelo Núcleo de Estudos Afro Indígena – NEAI/UFAM e grupos correlatos da referida universidade. Em vista disso, assinala-se que as formações em questão, deverão privilegiar o conhecimento antropológico, que permita a compressão da constituição da identidade étnica dos grupos indígenas e quilombolas. Deverá privilegiar também, um aprofundamento dos estudos sociológicos sobre relações étnico raciais no Brasil e implicações educacionais, além de estudos sobre a temática Negros na Amazônia e na formação do Estado do Amazonas.

Também, vale ressaltar que o entendimento construído ao longo do processo foi de que a Comissão Geral de Heteroidentificação, também tem como atribuição, assessorar os membros das bancas setoriais, no âmbito das diversas pró-reitorias, no que se refere aos procedimentos de heteroidentificação de autodeclarados negros (pretos, pardos), indígenas e quilombolas.

Nesse ponto de vista, ressalta-se que constituem atribuições da Comissão Geral Heteroidentificação: articular ações de capacitação, bem como orientar, sensibilizar, acompanhar e apoiar a comunidade acadêmica sobre a temática; além do compromisso da articulação entre os demais setores da instituição. Também faz parte das atividades acadêmicas da referida comissão, a análise da regulamentação dos procedimentos que serão utilizados quando da instauração das comissões setoriais acompanhando e, supervisionando a atuação das comissões setoriais. E por fim, atuar nos processos administrativos de apuração de denúncias de supostas fraudes no uso de cotas destinadas a pretos, pardos, indígenas e quilombolas ocorridas no âmbito da UFAM.

Sobre a experiência vivenciada na UFAM, destaca-se que se o processo de implementação de políticas de ação afirmativa e das comissões de heteroidentificação forem bem conduzidos, contribuirá sobremaneira, para que não haja a apropriação indevida das reservas de vagas destinada aos negros e indígenas. Além de que, o acompanhamento da vida acadêmica dos (as) estudantes negros (as), indígenas e quilombolas no ingresso, permanência e na conclusão de seus estudos são fundamentais para que tenhamos oportunidades sociais e educacionais igualitárias.

3 - Nuances entorno da experiência de bancas de heteroidentificação na Universidade Federal de Rondônia - UNIR.

Os arranjos a respeito da experiência no que correspondem as ações desenvolvidas sobre as bancas de heteroidentificação, nos cursos de graduação e pós-graduação, no âmbito da Fundação Universidade Federal de Rondônia, iniciaram-se no final de 2021. Nessa perspectiva, é importante ressaltar, que o tema tem sido objeto de ação na referida instituição em dois momentos, primeiro, no que corresponde a implementação das bancas de heteroidentificação em concursos públicos, e segundo, a partir da criação em novembro do ano de 2021 de um Grupo de Trabalho que teve como finalidade estudar a viabilidade de implementação das referidas bancas nos processos seletivos dos cursos de graduação e de pós-graduação na UNIR. Neste sentido, no presente texto, apresenta-se a experiência com a formação de técnicos e professores para atuarem em bancas para dois editais de concurso público realizado em 2019, e no corrente ano. Apresentam-se, ainda, apontamentos sobre os trabalhos desenvolvidos pelo GT criado no final de 2021, para construir caminhos capazes de auxiliar no processo de criação e implantação de banca de heteroidentificação tanto na graduação quanto na pós-graduação na referida instituição.

Sobre as experiências com as bancas heteroidentificação para atuar em concursos públicos, toma-se como objeto o Edital 01/GR/UNIR de 21 de março de 2019. Nesse sentido, destaca-se que no referido edital foram oferecidas 24 vagas para Professores do Magistério Superior, sendo quatro destas vagas destinadas a candidatos que se autodeclararam negros. Na ocasião, inscreveram para concorrer ao certame quatorze pessoas para as vagas reservadas a negros, sendo seis mulheres e oito homens. A esse respeito, para dar conta das atribuições de uma banca de heteroidentificação, a Fundação Universidade Federal de Rondônia por meio da Pró Reitoria de Graduação, a PROGRAD, lançou a Portaria de nº 8/PROGRAD/2019, tendo como sustentação a Portaria Normativa nº 4 de 06 de abril de 2018, os editais 01/GR/UNIR do concurso, e de Nº 03/GR/UNIR/2019 de convocação para a aferição da veracidade da autodeclaração como pessoa negra.

Desse modo, destaca-se que esta comissão foi composta por dez pessoas pertencentes ao quadro do UNIR, tiveram como responsabilidade aferir a veracidade da autodeclaração étnico racial dos aprovados. Nesse sentido, a referida portaria em seu artigo 02 estabeleceu que:

[...] compete a comissão, realizar o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração apresentada no ato da inscrição pelos candidatos que se declararam negros, que estão classificados para as vagas que foram destinadas a cota, segundo Edital 1/GR/UNIR/2019, de 15 de março de 2019, para fins de preenchimentos das vagas reservadas para o cargo de professor do magistério superior. (PORTARIA Nº 8/PROGRAD/2019, p.01)

Por outro lado, o edital de nº 03/GR/UNIR/2019 em seu item 2 assinalou que “ A avaliação realizada pela comissão consideraria os aspectos fenotípicos, marcados pelos traços negroides, relativamente à cor da pele (preta ou parda) e aos aspectos predominantes como lábios, nariz e cabelos. (EDITAL Nº 03/GR/UNIR/2019, p. 01). Assim, com base na informação dada no ato da inscrição se preto/pardo, nas informações constantes na ficha de autodeclaração, de forma presencial o/a candidato/a se apresentava para a banca de heteroidentificação, que com base no item 2 do Edital 03/GR/UNIR/2019, preenchia uma ficha observando os aspectos fenotípicos do candidato, e que se comprovados, era emitido um parecer constatando a veracidade da autodeclaração do/a mesmo/a. Um dado importante é que a sessão para a verificação deveria ser gravada em áudio e vídeo, e ao final do resultado, reservava-se ao candidato o princípio do contraditório, podendo o mesmo recorrer e/ou impetrar recurso. Como resultado do trabalho realizado pela comissão, instituída pela portaria nº8/PROGRAD 2019, foram aprovados três candidatos, sendo que um deles participou da aferição com mandado de segurança.

Em 30 março de 2022, a Fundação Universidade Federal de Rondônia tornou público o Edital de nº 03/GR/UNIR para o Concurso Público para Professor do Magistério Superior. Nesse sentido, o referido edital ofereceu 25 vagas, destas cinco vagas foram destinadas a candidatos que autodeclararam negros (preto ou pardo)3. Desse modo, as vagas reservadas a candidatos autodeclarados negros foram disponibilizadas para as seguintes áreas: Museologia, Artes, Engenharia Civil, Engenharia Elétrica, e Letras. Dessa maneira, observou-se que ao final do certame não houve candidatos aprovados.

É importante ressaltar, que a partir de eleição de uma nova reitoria em 2020, a Fundação Universidade Federal de Rondônia, passou por uma nova configuração dentro de suas instâncias, e passou a acolher as demandas no que corresponde a efetivação políticas de ação afirmativa com base no recorte racial, ao instituir um Grupo de Trabalho em novembro de 2021 para estudar a viabilidade da implementação de bancas de heteroidentificação nos cursos de graduação, e de pós-graduação. Nesse sentido, em junho de 2022 demonstrando a preocupação em compreender o processo de como poderia se dar as atividades no entorno desta questão, a Pró-reitora de Graduação, aproveitando o movimento do concurso público estabelecido através do Edital nº 03/GR/UNIR de 30 de março de 2022, realizou um curso de formação para docentes e técnicos, trazendo à luz os aspectos históricos que sustentam a constituição de políticas de ações afirmativas reparadoras, e o conjunto de normativas criado para dar sustentação ao processo, bem como apresentar e discutir as maneiras de proceder na realização das bancas de heteroridentificação no âmbito da graduação e pós- graduação.

Sobre a experiência de formação para integrantes de banca de heteridentifcação na UNIR, destaca-se que o curso teve uma carga horária de 20 horas e foi realizado no período de 6 a 10 de junho de 2022. Na ocasião, disponibilizou-se um formulário via googleform, onde foi oferecido 40 vagas, constatando a inscrição de 38 pessoas. Após vivenciar o curso, os/as integrantes receberam certificado comprovando a participação no processo formativo, e seus nomes passaram a ocupar um banco de dados da Unir, para colaborar em trabalho futuros nas bancas de heteroidentificação.

Em relação ao Grupo de Trabalho instituído pela Portaria de nº 647 de 16 de novembro de 2021, o mesmo contou com a participação de três docentes, duas técnicas e um discente que se dedicaram aos estudos sobre a viabilidade de implementação do procedimento de heteroidentificação de candidatos negros, e definição de critérios no âmbito dos processos seletivos para ingresso nos cursos de graduação, e pós-graduação da Fundação Universidade Federal de Rondônia no período de 17 de novembro de 2021, a 18 de fevereiro de 2022.

Como resultado, o trabalho realizado pelo referido GT culminou com a apresentação de um esboço de uma Resolução, e de um Edital de Chamada Pública para composição das Bancas de Heteroidentificação. Nesse sentido, a Resolução teria como proposta regulamentar a criação das Bancas de Heteroidentificação que atuariam junto a Unir no processo de identificação complementar, a partir da autodeclaração dos/das candidatos/as que se autodeclarassem como pretos ou pardos nos editais de ingresso nos cursos de graduação e pós-graduação. Em relação ao edital de Chamada pública, este teria como finalidade a seleção de membros para composição da Comissão Geral de Heteroidenficação - CGH, órgão permanente vinculado à Reitoria e com mandato de dois anos. A este respeito, conforme Dutra, Farias de Hilário (2022), destacaram que a CGH teria as seguintes atribuições:

  1. articular ações de capacitação, para orientar, acompanhar, bem como promover o diálogo com a comunidade acadêmica sobre a temática;

  2. analisar a regulamentação dos procedimentos que serão utilizados, no âmbito de cada Pró-Reitoria juntamente com esta;

  3. acompanhar e supervisionar a atuação das comissões especificas de heteroidentifcação complemntar;

  4. atuar nos processos administrativos de apuração de denúncias de supostas fraudes no uso de cotas destinadas a negros (pretos e pardos), ocorridos no âmbito da UNIR; e,

  5. atuar como membro das Comissões especificas de heteroidentifcação complemntar. (DUTRA, FARIAS & HILÁRIO, 2022, p. 05)

Assim, do conjunto de inscritos no edital de chamada pública, sairia os demais integrantes para atuarem nas comissões específicas de heteroidentificação complementar, em conformidade com os editais dos processos seletivos para ingresso nos cursos de graduação e pós-graduação na UNIR. Desse modo, o GT também sugeriu que no mês de junho pudesse ocorrer uma formação com carga horária entre oito e dozes horas para dar início às discussões sobre a proposta e por fim, sugeriu-se, também, a criação de um quantitativo de 12 bancas de heteroidetificação, sendo uma para cada Campi, e/ou Núcleo.4 E por fim, para efetuar a concretização do processo do estudo realizado pelo GT, sugeriu-se o seguinte cronograma:

Fonte: Construção dos integrantes do Grupo de Trabalho, fevereiro de 2022.

Quadro 1  Cronograma para implantação das Bancas de Heteroidentificação na Fundação Universidade Federal de Rondônia para o Edital 2022/1 

Nessa lógica, o GT sugeriu também a construção de um documento que avaliasse todo o processo vivenciado pela UNIR na construção das bancas de heteroidentificação trazendo apontamentos que pudesse melhorar a experiência com as ações afirmativas no âmbito dos cursos de graduação e pós-graduação da referida instituição.

E finalmente, é importante esclarecer ao leitor que a experiência vivenciada na Fundação Universidade Federal de Rondônia, sobre a construção de um caminho para estabelecer as bancas de heteroidentificação em seu âmbito, só foi possível por conta da assunção de uma nova reitoria comprometida com a equidade, que corresponde fortalecer a presença negra e indígena na UNIR. A esse respeito, os arranjos foram materializados em ações que tornaram possíveis os encaminhamentos responsáveis pela criação dos dispositivos legais que normatizariam a constituição das bancas, e suas ações no decurso dos certames tanto nos processos seletivos da graduação, quanto da pós-graduação. Nesse sentido, o primeiro arranjo foi o contato com docentes que tinham tradições nas pesquisas com as temáticas ligadas as relações raciais, o segundo foi a instituição de um grupo de trabalho, via portaria, com um tempo determinado para realizar os estudos e a viabilidade da criação e implantação da bancas de heteroidentificação, e por fim as ações coordenadas pelo GT até fins de fevereiro.

Considerações Finais

Sobre as experiências com a criação de bancas de heteroidentificação na UFAM e UNIR, é importante destacar que o primeiro arranjo foi instituir contatos com pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam a estudar as temáticas ligadas às relações raciais com olhar voltado para a região Norte e que integram as referidas instituições. Um segundo arranjo foi institucionalizar a constituição de um grupo de trabalho com a finalidade de realizar estudos para viabilizar as referidas bancas, e como encaminhamentos, a apresentação às pró-reitorias do produto final sobre o trabalho realizado pelo grupo de trabalho.

Assim, considera-se que o processo estabelecido para a criação das bancas de hetoridentidificação no âmbito de a UFAM e a UNIR, traduz-se em um compromisso na construção de caminhos que possam contribuir em primeiro lugar em atenuar o índice de fraudes em relação às cotas tendo como base o recorte raça/cor, a partir do comprometimento das instâncias/pró-reitoras firmado no âmbito destas instituições de ensino. Outra questão, são as denúncias de fraudes realizadas por movimentos estudantis dessas instituições, que provocaram diversas recomendações realizadas pelo Ministério Pública Federal para que a Ufam e a Unir tomassem como caminho a criação de bancas de heteroidentificação para inibir as práticas de fraudes.

Nesse sentido, tanto a UFAM quanto a UNIR criou GTs capazes de articular ações para produção de normativas, como resoluções, editais de chamadas públicas no que corresponde a criação das brancas de heteroidentifcação. A UFAM realizou diversas audiências públicas envolvendo o Movimento Negro, Movimento/Organizações Indígenas, Comunidades Tradicionais de Terreiros e Comunidades Quilombolas para contribuir na criação e implantação de bancas de heteroidentificação na referida Ies. A UNIR, por sua vez, após o estabelecimento de um GT, com o envolvimento da Pró-reitoria de Graduação proporcionou um curso de formação de vinte horas para técnicos, e docentes para o desenvolvimento dos trabalhos em bancas de heteroidentificação em concursos públicos. A referida Ies acolheu o Documento Base construído pelo Grupo e Trabalho para ser apreciado nas instâncias superiores sobre a instituição de bancas de heteroidentificação nos processos seletivos dos cursos de Graduação e Pós-graduação e iniciou o movimento para a implantação no certame de ingresso nos cursos de graduação para o ano de 2023.

Por fim, assinala-se que a Universidade Federal do Amazonas e a Fundação Universidade Federal de Rondônia têm construído caminhos capazes de otimizar as experiências com as cotas, tendo como base o recorte raça/cor, e as bancas de heteroidentificação surgem como instrumentos importante no enfrentamento de problemas como as fraudes, e como meio eficaz que contribui com a presença de negros e indígenas como estudantes no âmbito destas instituições públicas de ensino superior.

Portanto, institucionalmente nas universidades brasileiras, faz-se necessário consolidar processos de ações afirmativas através de ações coletivas interdisciplinares, permitindo que todos/as os/as envolvidos/as no processo vivenciem experiências na gestão, ensino, pesquisa e extensão, que questionem como os conceitos raça, classe e gênero, condição sexual e religião foram construídos e serviram ao longo da história da humanidade e, especificamente do Brasil como fator e hierarquizações raciais/sociais. Ademais, este estudo deixa em aberto caminhos para que outros pesquisadores e pesquisadoras possam construir outros olhares sobre o tema.

Referencias

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1Dados disponíveis em: https://ufam.edu.br/institucional.html. Acesso em: 25 jul. 2022.

2A referida lei foi regulamentada pelo Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012 e a sua alteração pela Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016.

3Conforme Edital disponível em: https://processoseletivo.unir.br/uploads/certame/EDITAL_DOU_N__3_GR_UNIR__DE_30_DE_MARCO_DE_2022_32171059.pdf. Acesso em: 11 jul. 2022.

4É importante destacar que a Fundação Universidade Federal de Rondônia é constituída de Campi, a saber Guajará-Mirim, Porto Velho, Ariquemes, Ji-Paraná, Presidente Médici, Cacoal, Rolim de Moura e Vilhena. O Campus de Porto Velho é constituído por cinco núcleos, saber, Núcleo de Saúde (NUSAU), Núcleo de Ciências Sociais Aplicadas (NUCSA), Ciências Exatas e da Terra – (NCTE), Núcleo de Ciências Humanas (NCH), Núcleo de Tecnologia (NT).

Recebido: 30 de Julho de 2022; Aceito: 11 de Outubro de 2022

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