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Regae: Revista de Gestão e Avaliação Educacional

versão On-line ISSN 2318-1338

Regae: Rev. Gest. Aval. Educ. vol.11 no.20 Santa Maria  2022  Epub 18-Set-2023

https://doi.org/10.5902/2318133870602 

Artigo

Avaliação De Contexto Na Educação Infantil: Pontos De Vista Docentes Em Debate

Context Evaluation In Early Childhood Education: Teachers' Points Of View In Debate

Andreia do Carmo¹  , supervisora escolar
http://orcid.org/0000-0002-4252-0528

Julice Dias²  , professora
http://orcid.org/0000-0003-1896-5065

¹Andréia do Carmo é supervisora escolar na educação infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, Florianópolis, SC, Brasil. andreia.c.fln@gmail.com.

²Julice Dias é professora na Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. julice.dias@hotmail.com.br.


Resumo

Neste texto, tem-se por objetivo apresentar os significados que a avaliação de contexto assumiu numa instituição educativa, com o uso de seus resultados numa dimensão formativa. A partir da metodologia qualitativa utilizando a pesquisa - ação como método de procedimento e, enquanto geração de dados usa a técnica interativa de grupo focal. Discute que os instrumentos de avaliação são ponto de partida para negociar a qualidade e fomentar o processo formativo do contexto avaliado. Destaca que questionar as práticas pedagógicas latentes implica em assumir a formação em serviço como condição para legitimar a identidade institucional. Conclui propondo que a avaliação nessa etapa da educação básica tome parte das políticas públicas de avaliação com foco nas condições da oferta educativa.

Palavras-chave: educação infantil; qualidade; avaliação de contexto

Abstract

The article aims to present the meanings that Context Assessment assumes in an educational institution when its results are used in a formative dimension. It is based on the qualitative methodology using action research as a method of procedure and, while generating data, it uses the interactive technique of focus group. It argues that assessment instruments are a starting point for negotiating quality and fostering the training process in the assessed context. It highlights that questioning latent pedagogical practices implies assuming in-service training as a condition to legitimize institutional identity. It concludes by proposing that evaluation at this stage of Basic Education should be part of public evaluation policies focused on the conditions of educational provision.

Key-words: child education; quality; context assessment.

Introdução

Pela avaliação de contexto na educação infantil, avalia-se a qualidade das condições da oferta educativa oferecida às crianças e pode afetar diferentes contextos, como explica Bronfenbrenner (2011): o microcontexto, ao qual a criança no seu grupo/turma faz parte da instituição educativa; o mesocontexto, que abrange um conjunto de microssistemas, isto é, uma rede de instituições nas quais a criança está inserida; o exocontexto, representado pelo órgão gestor municipal ou estadual de um conjunto de instituições, formado por ambientes onde a criança não está inserida, mas que influenciam na sua aprendizagem e desenvolvimento; o macrocontexto, representado pelo governo federal, uma macroinstituição que abarca todos os outros contextos e afeta a natureza de uma educação de qualidade.

A avaliação de contexto faz parte de um dos objetos da avaliação educacional, que também inclui a avaliação institucional, da aprendizagem, em larga escala, das políticas educacionais, entre outros. Neste sentido, contextualizamos os dados de uma pesquisa censitária desenvolvida1 pela rede municipal de educação de Florianópolis - RMEF -, sob assessoria técnica da Fundação Carlos Chagas, que avaliou a qualidade dos ambientes de turmas de creches e pré-escolas das 87 instituições educativas, por meio da aplicação de duas escalas norte-americanas: Infant Toddler Environment Rating Scale, Revised - Iters-r2 - (Harms; Clifford; Cryer, 2006 ) e a Early Childhood Environment Rating Scale, Revised - Ecers-r3 (Harms; Clifford; Cryer, 1998 ). Tomando por referência os dados do ano de 2015 dessa pesquisa realizada pela RMEF, buscamos analisar, na perspectiva de uma dimensão formativa, o contexto da prática pedagógica numa instituição educativa, para compreender os resultados inadequados4 referentes ao item linguagem e raciocínio, da escala Ecers-r.

Em relação às escalas, a Iters-r apresenta um roteiro de observação que reúne seis subescalas: Espaço e mobiliário; Rotinas de cuidado pessoal; Falar e compreender; Atividades; Interação e Estrutura do programa, com 39 itens, compostos de 455 indicadores. A escala Ecers-r apresenta um roteiro que reúne também seis subescalas: Espaço e mobiliário; Rotinas de cuidado pessoal; Linguagem e raciocínio; Atividades; Interação e Estrutura do programa, com 43 itens, compostos de 470 indicadores. Em ambas as escalas os itens podem receber pontuações variando de 1 a 7 pontos, em que 1 corresponde ao nível de qualidade inadequado, 3 ao mínimo, 5 ao bom e 7 ao excelente (Florianópolis, 2015). A somatória das pontuações atribuídas ao conjunto de itens que compõe cada uma das seis subescalas indica um ponto de partida para debater a qualidade do atendimento da instituição.

Note-se que a avaliação e qualidade apresentam uma relação de interdependência (Elias, 1998) que afetam e são afetadas por uma dada realidade avaliada, tendo em vista subsidiar as tomadas de decisões para a obtenção do alcance da melhor e mais adequada perspectiva de qualidade possível. Dessa forma, avaliar é um ato de investigar a qualidade da realidade para subsidiar a decisão de uma intervenção, tendo em vista obter um resultado mais satisfatório da nossa ação, para além do já conquistado. Essa compreensão conceitual requer desdobramentos quando se diz que a avaliação é uma prática de investigar a qualidade da realidade (Luckesi, 2000).

A qualidade não se baseia, apenas, em estruturas predefinidas que projetam a ideia de verificação, de controle, de certificação, mas é produtora de conhecimentos e negociação, na medida em que é debate de pontos de vista, compartilhamento de experiências e tomada de decisões que podem enriquecer o conhecimento sobre a instituição educativa e a infância. Esse conhecimento pode inspirar a inovação de projetos mais articulados e objetivos a serem traduzidos nas práticas e submetidos novamente à negociação, assim como um processo em espiral, sempre em movimento e transformação (Bondioli, 2004).

Essa perspectiva avaliativa, de origem italiana, consagrou-se no Brasil pelos estudos de Anna Bondioli, Donatella Savio e Antonio Gariboldi. Fundamentados na avaliação de quarta geração (Guba; Lincoln, 2011), tal abordagem inclui aspectos humanos, políticos, sociais, culturais e contextuais para legitimar a dinâmica da negociação como seu foco principal.

O conceito de avaliação de contexto caracteriza-se “por ser uma abordagem reflexiva e dialógica; participativa; negociada e democrática, que tem clara finalidade formativa” (Brasil, 2015, p. 32). Essa modalidade avaliativa pode abarcar, tanto a autoavaliação, realizada por avaliadores internos da própria instituição educativa, quanto a heteroavaliação, articulada por avaliadores externos ao contexto avaliado (Gariboldi, 2018). O contexto se institui “como um microssistema relacional” (Bondioli, 2004, p.1 25) que envolve interlocutores internos e externos à instituição educativa, entrelaçados em uma teia de interdependência com outras estruturas que afetam o contexto e determinam a qualidade da oferta educativa compartilhada para e com as crianças.

Segundo o documento Educação nfantil: subsídios para construção de uma sistemática de avaliação (Brasil, 2012), instituído pela portaria n. 1.147/2011, do Ministério da Educação, a avaliação abrange os seguintes focos:

Acesso: referindo-se a iniciativas de viabilização/ampliação da oferta à educação infantil; Insumos: destaque às condições e fatores indicados nos documentos como condição para a oferta qualificada de Educação Infantil, que se referem a orçamento, espaço físico, recursos humanos, recursos materiais, outros recursos (alimentação e serviços de apoio e proteção aos direitos); Processos: destaque a aspectos relativos à gestão, currículo, relações/interações que se espera estejam presentes na educação infantil. (Brasil, 2012, p. 23)

A perspectiva da avaliação de contexto na modalidade heteroavaliativa abarca, para além desses focos que podem envolver uma instituição ou um sistema - seja municipal, estadual ou nacional -, o papel desempenhado nela pelo avaliador externo que aplica um instrumento e articula todo o processo formativo, delineando os significados daquele contexto em parceria com os agentes sociais envolvidos. Geralmente os encontros formativos acontecem in loco, ou seja, na própria instituição, e podem ser constituídos a partir do cotejamento que envolve o seguinte tripé: a interpretação dos resultados provenientes da avaliação, a análise da oferta educativa e o estudo aprofundado dos documentos curriculares que orientam a ação docente.

A participação torna-se condição imprescindível para que a negociação da qualidade almejada pela instituição aperfeiçoe continuamente as práticas pedagógicas, legitimando a finalidade processual e formativa da avaliação como um continuum formativo. Pois, “não há [...] qualidade sem participação” (Bondioli, 2013, p. 23). A avaliação convoca os agentes sociais envolvidos a tomarem parte da responsabilidade que lhes cabe, assumida coletivamente no percurso formativo.

Assim, os instrumentos de avaliação são ponto de partida para negociar a qualidade e sustentam todo o processo formativo ao guiar o debate dos pontos de vista por meio da reflexão compartilhada da realidade avaliada. Nesse sentido, refletir sobre as práticas pedagógicas implica que a participação seja a tônica para transformar a própria realidade.

A participação da educação infantil da RMEF nas iniciativas de avaliação

Desde a LDB de 1996, a educação infantil está definida como primeira etapa da educação básica, embora as primeiras mobilizações pela expansão da oferta dos serviços e melhoria da qualidade dessa etapa educativa aconteçam desde os anos 1970. Sendo assim, para que a ampliação do direito à educação a todas as crianças, desde o nascimento, seja garantido em melhores condições educacionais, incluindo as famílias, é preciso que as creches e pré-escolas possibilitem um atendimento de qualidade (Brasil, 2006).

Com a expansão da oferta dessa etapa educativa, as questões relacionadas à qualidade da Educação Infantil "têm focalizado o ordenamento legal e político, as condições mínimas indispensáveis para propor estratégias de avaliação” (Rosemberg, 2015, p. 217). No âmbito dessas estratégias, no ano de 2009, o MEC publicou o instrumento Indicadores de qualidade para a educação infantil, com o objetivo de “auxiliar as equipes que atuam na educação infantil, juntamente com famílias e pessoas da comunidade, a participar de processos de autoavaliação da qualidade de creches e pré-escolas [...] na direção de práticas educativas que respeitem os direitos fundamentais das crianças” (Brasil, 2009, p. 14).

Tomando como referência esse documento, desde 2009 a Diretoria de Educação Infantil - DEI -, da RMEF, fomenta que as instituições educativas realizem a autoavaliação semestral com a comunidade educativa. A educação infantil da RMEF, imersa nesse contexto que toma a avaliação para subsidiar a qualidade da oferta educativa, participou nos anos de 2009 e 2015, a convite do MEC, de duas pesquisas envolvendo a avaliação.

No ano de 2009, Belém, Campo Grande, Fortaleza, Rio de Janeiro, Teresina e Florianópolis participaram da pesquisa amostral promovida pelo MEC intitulada Educação Infantil no Brasil: avaliação qualitativa e quantitativa. Um dos objetivos abrangeu avaliar da qualidade dos ambientes de 150 instituições educativas envolvendo creches e pré-escolas, por meio da aplicação de duas escalas norte-americanas, a Iters-r e a Ecers-r (Campos et al., 2011).

Desta pesquisa, participaram trinta instituições de educação infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, a qual enfatizou a necessidade de se utilizar instrumentos avaliativos com foco nos processos para elucidar as condições reais da oferta educativa das creches e pré-escolas e contribuiu para explicitar uma lacuna entre a avaliação e a qualidade.

Outra experiência avaliativa nacional, em que a educação infantil de Florianópolis esteve envolvida, ocorreu entre os anos 2013 e 2015. Neste período, o MEC desenvolveu o projeto Formação da rede em educação infantil: avaliação de contexto, que foi coordenado pela Universidade Federal do Paraná, do qual participaram a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade do Estado de Santa Catarina, com consultoria técnica de pesquisadoras da Università degli Studi di Pavia/Itália. Este projeto teve como objetivo formular e difundir proposições e indicadores de avaliação de contexto na educação infantil.

Uma instituição educativa de educação infantil da RMEF vivenciou a perspectiva formativa dessa abordagem de avaliação no contexto institucional, ao analisar a pertinência de aplicação de dois instrumentos de avaliação italianos para o contexto brasileiro, o Indicatori e Scala della Qualità Educativa del Nido - Isquen5 -, destinado as crianças de 0 até 3 anos, e o Autovalutazione della Scuola dell’Infanzia - Avsi6 -, voltado para as crianças de 3 a 6 anos.

A participação da RMEF nesse projeto evidenciou no âmbito institucional e municipal a importância de usarmos os resultados da avaliação entrelaçados com a formação docente no próprio contexto, ou seja, com a formação em serviço, para legitimar a identidade institucional e potencializar a constituição e a manifestação do olhar de dentro da própria prática pedagógica.

No âmbito municipal, no ano de 2015, a RMEF implantou o Projeto de expansão e aperfeiçoamento da educação infantil, composto por quatro aspectos: Expansão da cobertura e melhoria da infraestrutura; Gestão, monitoramento e avaliação; Aperfeiçoamento da qualidade e Administração do programa. A Fundação Carlos Chagas - FCC - foi contratada para realização das atividades correspondentes ao componente Gestão, monitoramento e avaliação, cujo objetivo era avaliar censitariamente a qualidade dos ambientes das 87 instituições de educação infantil, por meio da aplicação das escalas Iters-R e Ecers-R (Florianópolis, 2015).

As pesquisas Educação infantil no brasil: avaliação qualitativa e quantitativa (Brasil, 2009); Formação da rede em educação infantil: avaliação de contexto (Brasil, 2015) e o Projeto de expansão e aperfeiçoamento da educação infantil (Florianópolis, 2015), representaram o início de um marco para a educação infantil, ao potencializar a institucionalização de uma política municipal de avaliação da educação infantil que, desde o ano de 2018, encontra-se implicada no processo de elaboração e implantação de um instrumento de avaliação de contexto, instituído pela Diretoria de Educação Infantil e um grupo de profissionais da RMEF.

O caminho metodológico da pesquisa

A partir de uma perspectiva qualitativa (Gatti; André, 2010), realizamos uma pesquisa ação (Thiollent, 1998). Nos inserimos numa instituição educativa da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis e trabalhamos com oito professoras que participaram, em 2015, do Projeto de expansão e aperfeiçoamento da educação infantil, implantado pela Prefeitura Municipal de Florianópolis. Para coleta de dados foi aplicado um questionário de múltipla escolha, possibilitando mais informações sobre o perfil das participantes. Depois, utilizamos a técnica interativa de grupo focal. As sessões aconteceram na própria instituição e os encontros foram gravados em áudio e vídeo para posteriores registros. Foram realizados, no decorrer de seis meses, 12 encontros, com duração aproximada de uma hora, fora do horário de trabalho das professoras.

Partimos do pressuposto que os significados que a avaliação de contexto na educação infantil assume no contexto institucional, possibilita o aperfeiçoamento contínuo das práticas pedagógicas e pode contribuir para que o direito das crianças a uma educação de qualidade seja legitimado. Diante disso, os “instrumentos são guias para os olhos, que orientam e dirigem a observação e a autoanálise e estimulam o processo reflexivo” (Moro; Souza, 2016, p. 338), que perpassa a “necessidade de um confronto entre pontos de vista como pressuposto de qualquer processo avaliativo” (Bondioli, 2004, p. 145).

Esse caráter formativo, constituído a partir de um instrumento de avaliação, provoca o empoderamento das professoras enquanto partícipes, desafiando-as a tomar parte da sua própria prática para assumir a responsabilidade compartilhada desse processo, ao assumirem e debaterem seus posicionamentos para gerar um percurso de melhorias. Dessa forma, decompomos a subescala Linguagem e raciocínio em questionamentos que demarcaram as especificidades de cada indicador que a compõe, na medida em que o percurso convidava as professoras “a aprender a olhar-se e enxergar, para discutir e colocar-se em discussão” (Ferrari, 2003, p.15). A subescala Linguagem e raciocínio apresenta quatro itens: Livros e imagens; Estimulando as crianças a se comunicarem; Uso da linguagem para desenvolver o raciocínio e o Uso informal da linguagem, os quais avaliam

se há ampla seleção de livros e estes estão acessíveis durante a maior parte do dia às crianças; se estão organizados em um canto de leitura e são adequados à faixa etária; se os adultos leem regularmente livros para as crianças. Avalia também os estímulos realizados pelos adultos para que as crianças se comuniquem. Verifica se as atividades de comunicação ocorrem durante as atividades livres, como as atividades em grupo e se os materiais que estimulam a comunicação das crianças estão disponíveis em várias áreas de interesse. Avalia ainda o uso da linguagem para desenvolver o raciocínio; se a equipe fala em termos de relações lógicas enquanto as crianças brincam com os materiais que estimulam o raciocínio; se as crianças são estimuladas a falar ou explicar seu raciocínio enquanto resolvem problemas. Considera também o uso informal da linguagem; se há muitas conversas entre a equipe e as crianças durante o tempo de brincadeira livre e durante as rotinas ou se a equipe utiliza a linguagem principalmente para trocar informações com as crianças e para a interação social. Atenta para se a equipe acrescenta informação para expandir as ideias apresentadas pelas crianças e se os adultos encorajam a comunicação entre as crianças, incluindo as crianças com deficiência. (Florianópolis, 2016, p. 200)

Diante do exposto, a subescala Linguagem e raciocínio compõem aspectos que indicam a importância das interações, do papel da professora e da organização dos espaços, tempos e materiais, encorajando as crianças a se comunicarem de modo a ampliar as experiências linguísticas vivenciadas entre elas e os adultos.

As etapas do processo de compartilhamento reflexivo da avaliação do grupo de professoras da instituição pesquisada envolveu as seguintes etapas.

  1. 1a etapa: composição do grupo de trabalho para analisar a linguagem e raciocínio. A pesquisadora convidou um grupo de professoras dos grupos 3, 4, 5, e 67, que no ano de 2015 participaram do Projeto de expansão e aperfeiçoamento da educação infantil”. Após a composição do grupo, compartilhamos a definição dos papéis com as participantes, ou seja, a partir dos estudos de Fetterman (1994, 2001) e Bondioli (2004), à pesquisadora coube a função de provocar o empoderamento das participantes nas discussões e as tomadas de decisões. O papel das participantes abrangeu analisar os dados gerados na avaliação, cotejando-os com o olhar de dentro da própria prática pedagógica e os documentos curriculares municipais e nacionais.

  2. 2a etapa: retorno dos dados da avaliação da qualidade dos ambientes para o grupo. A pesquisadora socializou o retorno dos dados da avaliação com as professoras, aprofundando a compreensão do processo, haja vista que foram objetos de análise da Ecers-r e agora são partícipes ativas de um processo de reflexão e mudança sobre a própria prática.

  3. 3a etapa: processo reflexivo e dialógico. Para que o grupo focal olhasse de dentro sua própria prática pedagógica, decompomos a subescala Linguagem e raciocínio em perguntas, ou seja, o diálogo por meio de perguntas e respostas perpassou todas as etapas.

  4. 4a etapa: aprofundamento teórico e análise das semelhanças e diferenças dos itens avaliados na subescala linguagem e raciocínio com os documentos curriculares municipais e nacionais. O grupo e a pesquisadora cotejaram a subescala Linguagem e raciocínio e os documentos curriculares municipais e nacionais, comparando semelhanças e diferenças entre os mesmos, a fim de refletir sobre a qualidade da prática pedagógica.

  5. 5a etapa: elaboração de um plano de melhorias com o grupo de trabalho. Fundamentados no percurso reflexivo e dialógico constituído a partir da avaliação, o grupo elaborou um plano de melhorias para qualificar a linguagem e raciocínio, discutindo as seguintes questões: o que melhorar? Por que melhorar? Como melhorar? Onde melhorar? Quando e quem seriam os responsáveis em organizar cada ação de melhoria?

  6. 6a etapa: apresentação do plano de melhorias. O grupo apresentou o plano de melhorias à instituição para avaliar as ações possíveis de serem implantadas.

  7. 7a etapa: avaliação do processo de avaliação. A pesquisadora e o grupo focal avaliaram cada etapa do processo de compartilhamento reflexivo vivenciado.

O caráter processual da avaliação pode ser representado pela figura 1.

Figura 1  Processo de compartilhamento reflexivo da avaliação. 

Na lógica dessa discussão, apresentamos o quanto esse continuum formativo toma essa participação como condição para fortalecer o sentido de pertencimento a um processo avaliativo que está interligado à consolidação de uma identidade institucional.

Enredo formativo constituído com o grupo focal

No enredo formativo, abordamos a categoria de análise ‘Saberes docentes’, a qual esteve na pauta do ‘Processo de compartilhamento reflexivo da avaliação’, entre outras categorias. Ela foi definida pela pesquisadora e significada com o grupo focal na negociação entre pontos de vista que, segundo Guba; Lincoln (2011), envolvem os seguintes processos.

Sociopolítico: a avaliação inclui fatores sociais, culturais e políticos para aprimorar a negociação que incide num acordo de valores com os envolvidos, que buscam a definição de uma agenda política.

Conjunto e colaborativo: busca sobre o objeto avaliado o desenvolvimento da negociação de pontos de vista, nem sempre consensuais, que são delineados por alguém externo ao contexto e conduzido de maneira colaborativa.

Compartilhamento de saberes e fazeres: todos os envolvidos compartilham conhecimento entre si em uma relação paritária.

Contínuo, recorrente e extremamente divergente: o caráter processual da avaliação permite que os consensos e dissensos constituídos no debate de pontos de vista e o olhar de dentro para a compreensão de uma dada realidade nunca se esgote, mas se amplie, contínua e expandidamente.

Emergente: o percurso não é projetado a priori, os focos de discussões, preocupações, reivindicações e decisões são delineados ao longo dos encontros.

Imprevisibilidade: torna-se impossível prever como os resultados da avaliação influenciarão o caráter formativo, reflexivo e propositivo acerca da qualidade da oferta educativa que a instituição pretende alcançar e manter.

Cria realidades: as realidades são sempre construídas por pessoas que atribuem sentido ao seu entorno. Descarta-se a possibilidade de constatações e, consequentemente, a ideia de verdades objetivas, logo, assume-se a perspectiva de verdades negociáveis.

Como consequência desses aspectos que envolvem o processo de negociação da qualidade no retorno de dados, cada item da subescala Linguagem e raciocínio foi analisado no sentido de compreender, refletir e formular posicionamentos acerca do processo avaliativo do qual as professoras fizeram parte.

A seguir, apresentamos a compreensão preliminar das professoras acerca do processo avaliativo.

Giovana: Mas o que está faltando no nosso trabalho? O que nós vamos fazer com isso, com esse resultado? Trazer a informação e trazer a sugestão. O problema é esse, tá, mas e agora? Temos um diagnóstico, mas não sabemos o que fazer com ele. [...] Suzana: Houveram aspectos que foram avaliados em relação ao professor, não eram só relacionados ao espaço. Sofia: Numa sala de crianças maiores, até conseguimos avaliar a comunicação, o raciocínio, mas numa sala de bebês? Pesquisadora: O item avaliado na subescala, é falar e compreender, específico para aquela faixa etária, são avaliados e observados outros aspectos. Mas, por que a linguagem e raciocínio obteve um resultado inadequado? Sofia: Foi o momento. Giovana: Não foi o momento, foram vários momentos. Sofia: Não, foi um dia só, três horas em cada sala, uma sala de cada faixa etária. Foi um dia gente. Nesse dia pode ter acontecido muita coisa. Pesquisadora: Então, foi a observadora? Suzana: Temos coisas que estão se encaminhando, evoluindo, e têm coisas que precisam ser refletidas na nossa prática, é uma forma de refletirmos sobre nossa prática, algumas questões foram reveladas com essa avaliação que antes não percebíamos. (Registro em áudio, 04/07/2017)

As professoras revelam seu envolvimento ativo enquanto partícipes, que tomam parte de seus papéis ao interrogarem os próprios pontos de vista em relação às suas práticas e ao processo avaliativo. Nessa perspectiva, a avaliação “impõe que se olhe de modo mais homogêneo e mais objetivo [...] e, permite ao professor ser observador crítico de si mesmo” (Selmi, 2013, p. 123). Compreendemos que os subterfúgios geram resistências, desvios, dúvidas e defesas, mas o momento de retorno de dados é fundamental para análise “sobre os procedimentos e sobre os dados que adquirem significado apenas dentro de um processo de negociação que deve validar, em primeiro lugar, os instrumentos de avaliação” (Ferrari, 2003, p. 9).

Essencialmente na reflexão sobre os resultados avaliados na Ecers-r, junto com a elaboração da ideia de uma prática pedagógica de qualidade por elas percebida e desejada, percebemos que compartilhar saberes umas com as outras emana de uma questão ética do reconhecimento da diferença, que evita transformar a certeza absoluta em universal. Desse ponto de vista, o que é prática pedagógica só pode ser respondida no encontro e no diálogo com o outro (Dahlberg; Moss; Pence, 2003).

Na medida em que promovemos o aprofundamento do debate no momento de retorno de dados da subescala Linguagem e raciocínio, percebemos que o encontro com o outro provocou o “empoderamento das professoras” (Fetterman, 1994, 2001; Bondioli, 2004) a se posicionarem criticamente a partir do confronto com os indicadores de qualidade da Ecers-r e sobre um perfil qualitativo desejado para a realidade pesquisada, conforme o ponto de vista da professora Laura:

Penso que, para além da gente concordar ou não com a avaliação, cada um de nós tem suas restrições e concordâncias com esse processo, refletir sobre o lado positivo nos fará traçar um caminho, pois sabemos que o dia a dia da creche é intenso, com as crianças pequenas, mais ainda, no dia a dia vamos automatizando as nossas práticas, mas sempre tentamos fazer o melhor, acabamos não articulando muito, ainda mais quando temos um resultado desses [...]. Vamos pegar esses dados para a gente refletir e melhorar nossa prática, aqui é um espaço profissional e essa avaliação não está indicando nada de ninguém, é um conjunto, vamos pensar nisso mesmo. A avaliação nos possibilita refletir no que temos que melhorar, esses resultados representam nossa creche, devemos pegar esses resultados para refletir e melhorar nossa prática, pois representam um conjunto de coisas que estão por trás desse resultado. (Registro em áudio, 11/07/2017)

Assim, “as desconfianças e as perplexidades iniciais devidas à cientificidade da escala foram progressivamente superadas, haja vista que demonstrou ser um instrumento capaz de discutir de maneira coordenada e responsável a realidade da creche” (Ferrari, 2014, p. 107). Consideramos que o debate sobre a realidade permite que um grupo de professoras “crie um processo interativo e dialógico em que os preconceitos, o interesse pessoal e as suposições não admitidas, com as distorções e a visão limitada que eles produzem, serão confrontados e desafiados” (Dahlberg; Moss; Pence, 2003, p. 145), para transformar para melhor seus saberes e suas práticas.

Retomando as palavras da professora Laura, percebemos o quanto seus saberes estão diretamente entrelaçados aos demais saberes do grupo, na medida em que eles se desenvolvem numa construção coletiva de pontos de vista no debate entre agentes sociais, que elaboram juízos de valor defendidos na “argumentação que é, portanto, o lugar do saber. Saber alguma coisa não é somente emitir um juízo verdadeiro a respeito de algo (um fato ou uma ação), mas também ser capaz de determinar por que razões esse juízo é verdadeiro” (Tardif, 2008, p. 196).

Para o autor, o ato de julgar se baseia em argumentações cujos atores precisam saber por que fazem as coisas de certa maneira e não de outra. Nessa perspectiva, questioná-las ou fazer questionarem-se sobre o porquê dos seus próprios saberes, implica descobrir como sua ação constitui-se em função das intencionalidades e, isso permite nos aproximarmos das razões de ser dos saberes docentes manifestos pelas professoras. Dessa forma, consideramos que os questionamentos que utilizamos no percurso desta pesquisa foram uma forma de convite às professoras para compreender as práticas implícitas no cotidiano docente.

Logo, a professora ocupa uma função social determinante para além de produtora de conhecimentos constituídos historicamente, pois, nenhum saber é por si mesmo formador, é preciso compartilhar o conhecimento com as crianças e os outros docentes. Assim, na centralidade dessa categoria procuramos identificar as relações que as professoras estabelecem com os saberes docentes que constituem os sentidos de ser e de estar professora, ao olharem de dentro a prática pedagógica para qualificá-la, analisando a linguagem e raciocínio.

Centralidade do adulto

A centralidade do adulto foi um dos conteúdos da categoria de análise ‘Saberes docentes’, conforme já referido. Tal aspecto manifestou-se nos saberes do grupo focal ao revelarem no debate o saber-fazer e o saber-ser professora baseados na experiência do cotidiano que significaram os saberes experienciais produzidos e legitimados na prática pedagógica.

Nos debates com o grupo de professoras, a centralidade do adulto emerge do controle nas relações que elas constituem com e para as crianças, limitando as experiências que ambas poderiam compartilhar para desenvolver a linguagem e raciocínio. Haja vista que a subescala Linguagem e raciocínio que compõe a Ecers-r, avalia como a professora promove descobertas nas crianças para desenvolver o raciocínio, o diálogo e a comunicação no cotidiano, o “protagonismo relacional no que se refere às crianças e aos adultos pode permitir dar sustentação e qualificação às recíprocas expectativas entre ambos, ativando um círculo virtuoso de trocas em que uma condição geral de bem- estar pode abrir o campo ao prazer da experiência” (Fortunati, 2009, p. 61).

Isso representa um aspecto destacado no parecer n. 20/2009, do CNE, que define, no art. 4o, que a criança está no centro do planejamento curricular e deve ser compreendida como um sujeito histórico e de direitos (Brasil, 2009). Essa perspectiva requer saberes da professora que considere a criança “como sujeito ativo, com o qual podemos pesquisar, tentar compreender as coisas no dia a dia, encontrar significado, um pedaço de vida” (Rinaldi, 2006, p. 122).

A seguir, as professoras explicitam como a centralidade do adulto estava latente nas suas práticas a partir da pergunta ‘quais propostas são desenvolvidas para que as crianças se comuniquem?’

Suzana: [...] essas propostas de comunicação e de linguagem, a gente até tem, claro que é importante, mas por que que no papel a gente não coloca isso, né! E, até com objetivos, qual objetivo vamos colocar numa proposta no momento da roda e deixar as crianças falarem. Mas, nós mesmos, nós que somos o comunicador de tudo! Vamos sentar na roda, vamos começar a chamadinha, cada dia a gente faz de uma forma diferente. Bruna: Talvez por medo de não controlar a situação. Suzana: Nós é que somos o centralizador de tudo e tem uma questão muito da nossa educação, por mais que muitas coisas já tenhamos avançado e muito, as vozes das crianças são pouco consideradas, ainda. Bruna: Controlamos muito as vozes das crianças, eu sou o adulto, eu sou controlador e não pode partir das crianças. Elas são soldadinhos, né! [...] Você se sente culpada, né. [...] Suzana: E a criança ali, passou despercebida. (Registro em áudio, 05/09/2017)

Nota-se como a comunicação está centralizada nos adultos ao afirmarem que o adulto é o comunicador principal, o centralizador de tudo. Observamos que existe um modo de comunicação superficial entre adultos e crianças, ou seja, o adulto se comunica com a criança em momentos pontuais do cotidiano, mais para falar do que ouvir, conforme as palavras da professora Bruna, “controlamos muito as vozes das crianças, eu sou o adulto, eu sou controlador e não pode partir das crianças” (Registro em áudio, 05/09/2017).

Na verdade, assumir uma imagem forte, rica e potencial da infância necessita uma correspondente transformação do papel do adulto numa direção em que sua ação se desenvolve muito mais sobre a organização de contextos estruturantes que sobre a proposta de estímulos diretos no fazer das crianças, muito mais sobre a capacidade de reconhecimento e expansão das diversidades de estilos de condutas das crianças que sobre a ânsia de conduzi-las para atuações precisas e pré-definidas (Fortunati, 2009).

Sendo assim, torna-se necessário que o adulto centre mais o seu papel em promover experiências de escuta em todos os momentos do cotidiano ao invés de limitar o significado das mesmas, predeterminando-as, e isso implica que o adulto ao escutar a criança, a interprete e traduza essa escuta em práticas pedagógicas que ampliem os seus modos de ser, estar e agir no mundo.

Ainda sobre a centralidade do adulto, na análise realizada com o grupo de professoras sobre o item ‘Livros e imagens’, da subescala Linguagem e raciocínio e os documentos curriculares nacionais e municipais, elas expuseram seus pontos de vista em relação ao papel do adulto na roda de conversa:

Giovana: Mas a roda de conversa pra mim é um momento de conversa com as crianças. Laura: Mas a roda de conversa é guiada somente pelo adulto Giovana, nós não damos voz às crianças. Giovana: Mas tudo que a gente faz é guiado pela gente. O nosso planejamento é guiado pela gente. Laura: Mas ainda damos pouca voz às crianças. Na roda nós indicamos o que vamos fazer naquele dia, a gente não traz perguntas para desafiar as crianças [...] a falarem. Giovana: Mas tu estás falando dos grupos maiores que é possível, mas nos grupos menores é diferente. Pesquisadora: No teu grupo as crianças já falam, Giovana. Giovana: A gente ainda não ouve as crianças. (Registro em áudio, 26/09/2017)

Percebemos que a roda de conversa é um espaço legítimo para informar as propostas que serão realizadas, no qual a comunicação está centralizada na professora. A professora Giovana, no início do debate, revelou a centralidade do seu papel na roda de conversa, mas logo foi alertada pela professora Laura e a pesquisadora, que partilharam seus pontos de vista de modo cooperativo e, progressivamente, constituíram novos significados aos seus saberes. Em seguida, a professora Giovana percebeu o quanto ainda é limitadora a sua comunicação com as crianças.

Na sequência da leitura do excerto realizado pela pesquisadora sobre a roda de conversa, as professoras continuaram o debate:

Bruna: Temos que sentar com elas na roda e ouvir mais! Giovana: No meu grupo isso não acontece [...]. Bruna: Porque elas não têm esse hábito. Giovana: Tem hábito. Elas têm o hábito de sentar na roda, elas não têm o hábito de conversar, elas conversam entre si, formam um grupinho, sentam lá e conversam entre si, não na roda, elas fazem a roda delas. Pesquisadora: Mas, então você não acompanha os processos comunicativos das crianças, o que elas falam na roda delas. Bruna: Acaba que a professora sempre está no controle, Giovana. Giovana: Já trabalhei em grupos em que isso era possível! Pesquisadora: Por que? Giovana: Porque eram grupos maiores. A maturidade vai fazer com que elas consigam. Sofia: Acho que nós temos que evoluir muito ainda. Estou há quase 30 anos na educação e a cada dia eu sei menos. Giovana: Sim. Temos que estudar esses documentos, né. A nossa prática não tem esses documentos como base. (Registro em áudio, 26/09/2017)

Destaca-se que a centralidade do adulto está atrelada a uma concepção de criança em que ela, “não é e não tem, não pode ser e não pode fazer” (Rinaldi, 2012, p. 156). Essa concepção é incapaz de reconhecer uma criança ativa, de tal modo que a infância

vai perdendo seus cheiros. Vai se tornando adulta [...] para uma futura sociedade... para o futuro.[...] Assim, a tentativa de silenciamento das linguagens das crianças é talvez o mecanismo mais forte presente no sistema de opressão capitalista, pois ele, ao mesmo tempo em que apaga a possibilidade de construção de novas formas comunicativas, coloniza as meninas pequenas e os meninos pequenos com uma linguagem preestabelecida, carregada de signos e significados culturais já determinados e prescritos dentro da lógica adulta. (Santiago; Faria, 2015, p. 76)

Assim, ao olharem de dentro a prática pedagógica, esse grupo de professoras põe em debate a necessidade de transformar as relações comunicativas entre adultos e crianças. Cabe destacar que diminuir a centralidade do adulto, não reduz a importância do papel da professora e não significa menos comprometimento, mas representa “um compromisso não só orientado diretamente e/ou principalmente para a relação, como também - e desde antes - para a predisposição de contextos para a boa experiência das crianças” (Fortunati, 2009, p. 62).

Na análise da prática pedagógica, já reconhecendo a centralidade do adulto e a fragilidade na escuta da criança, embora tenhamos apresentado um pequeno fragmento de um conjunto de episódios tecidos no enredo desta pesquisa, também elaboramos no final dos encontros um plano de melhorias para ser implantado pela instituição. Por isso, “é a sinergia das ações dos diversos atores na busca de tentativas compartilhadas que torna efetiva a possibilidade de realizá-las" (Bondioli, 2013, p. 23). Identificamos tal perspectiva na manifestação da professora Laura:

Laura: E cabe também destacar, que o grupo focal deu outra característica frente à avaliação, porque quando recebemos os resultados da avaliação, num primeiro momento uma avaliação que traz resultados baixos, o que acontece, a gente toma distância. Ficamos no entorno procurando desculpas para justificar os resultados, mas o grupo focal proposto pela pesquisadora, nos dá outro viés, outro caminho, porque aí a gente não fica culpando um grupo, não fica culpando a avaliação, mas pega esses resultados, estuda, compreende e avança com o plano de melhorias. Acho que o grupo focal traz isso né, tem esse caráter, de estudar e avançar e não frear [...]. Por isso, o grupo focal, para além de tudo isso, é uma atitude bem ousada, né, por querer investigar e descobrir o que fica por trás do não dito, né, só revelado nos resultados. (Registro em áudio, 28/11/2017)

Essa abordagem mostrou como é determinante que todo o processo de avaliação seja articulado por uma figura de fora do contexto institucional e neste estudo, especificamente, a pesquisadora assumiu metodologicamente esse papel de delinear a reconstrução de uma imagem compartilhada da prática pedagógica de modo a configurar a identidade institucional no que toca ao item Linguagem e raciocínio da Ecers-r. Nesse processo, a utilização da Ecers-r evidenciou que, como qualquer outro instrumento de avaliação que gere dados de uma determinada realidade, os agentes sociais envolvidos poderão desencadear processos de avaliação com finalidade participativa e formativa.

Tomamos como referência Bondioli (2015), para afirmar que no final dos encontros o andaime relacional e cultural construído pela pesquisadora durante o processo de compartilhamento reflexivo da avaliação pôde ser removido, ou seja, a instituição assumiu a sua responsabilidade para firmar em ações as indicações estabelecidas no plano de melhorias.

Considerações finais

Tomar a avaliação de contexto na educação infantil e delinear o debate de pontos de vista com um grupo de professoras de uma instituição educativa apontou para a necessidade de assumirmos a avaliação como ato participativo de exercício pleno de cidadania no âmbito institucional. Diante disso, o processo de compartilhamento reflexivo constituído nesta pesquisa criou significados e sentidos fundantes para legitimar o potencial democrático, participativo, formativo, dialógico e reflexivo dessa abordagem. Certamente, a função exclusivamente diagnóstica da avaliação é improdutiva para a promoção da qualidade das práticas de uma instituição educativa. Assim, compreendemos que as instituições e a SME estão entrelaçadas por uma teia de interdependência (Elias, 1998) que reivindica uma avaliação assegurada numa dimensão contextual e formativa para qualificar a prática pedagógica das professoras e a educação das crianças.

Logo, nesse processo, ao questioná-las ou fazer questionar-se sobre o porquê dos seus próprios saberes, nos aproximamos das razões de agir dos saberes docentes para compreender os resultados da linguagem e raciocínio. Isso significa que, como em qualquer avaliação, o valor está na negociação do compartilhamento dos pontos de vista ali destacados pelos agentes sociais envolvidos. Essa abordagem também contribui para a ruptura de equivocados padrões de qualidade que engessam, enquadram e limitam a oferta dos serviços educativos. A avaliação cria uma unicidade institucional, ou seja, traz inovações que alteram a qualidade do contexto educativo, tornando singular a identidade de cada uma das instituições a partir dos fundamentos teóricos e conceituais de uma rede.

Por isso, destacamos que é necessário que a avaliação realizada nas instituições educativas que compõem a rede municipal de educação infantil de Florianópolis seja acompanhada por uma figura externa à instituição para trabalhar em parceria com a equipe pedagógica e desenvolverem o processo formativo com o grupo de professoras da instituição e articular a elaboração e implantação de um plano de melhorias. Afinal, o avaliador não impõe suas convicções, mas ajuda o grupo de professoras a atribuir significados às reflexões, debates, consensos e contradições, constituindo uma relação paritária, para dar voz e poder a todos aqueles que se comprometem com a busca de uma educação de qualidade para as crianças.

Nessa lógica que legitima a formação como escopo que perpassa a avaliação, tornou-se explícita a necessidade de encontrar estratégias que valorizem o saber docente nas formações ofertadas, tanto na própria instituição, quanto pela Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis, pois, enquanto agentes do conhecimento, as professoras precisam de tempo e espaço para poder agir como protagonistas de sua própria profissão. Como desdobramento desta investigação abriram-se novas interrogações, tal como a elaboração de um instrumento avaliativo para a educação infantil de Florianópolis, com base nos documentos curriculares municipais, considerando para além da participação das professoras, as crianças e as famílias também como partícipes desse processo. Nesse sentido, conforme já referido, a partir das experiencias avaliativas vivenciadas no âmbito nacional e municipal e a indicação deste estudo, a RMEF acolheu tais apontamentos, haja vista que desde o ano de 2018, o Instrumento de avaliação de contexto da educação infantil - Iacei - está em processo de elaboração e implantação pela Diretoria de Educação Infantil, em parceria com um grupo de profissionais da própria rede.

Para concluir, podemos dizer que o presente estudo aponta para a necessidade que a avaliação realizada nas instituições de educação infantil da rede municipal de ensino de Florianópolis, tenha a possibilidade de tomar parte das políticas públicas de avaliação focalizando uma abordagem metodológica formativa e em contexto.

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1Esta pesquisa censitária foi parte do Projeto de expansão e aperfeiçoamento da educação infantil, realizado entre os anos de 2015 a 2019.

2Escala de avaliação de ambientes para bebês e crianças pequenas, 0 a 2 anos e 6 meses.

3Escala de avaliação de ambientes de educação infantil, 2 anos e 7 meses a 5 anos.

4Justificou-se tal recorte para análise, porque a instituição pesquisada obteve uma somatória geral inadequada neste item especificamente, que compõem a Ecers-r. Destacamos, também, que este estudo caracteriza-se pela análise de um recorte da Ecers-r numa dada realidade. Nesse sentido, salientamos que não discutimos a pertinência da Ecers-r, mas a possibilidade de implantação de uma abordagem formativa a partir do uso de um instrumento de avaliação.

5Indicadores e escala da qualidade educativa da creche.

6Autoavaliação da pré-escola.

7O grupo 3 corresponde às crianças de 3 anos, grupo 4 às crianças de 4 anos, grupo 5 às crianças de 5 anos e grupo 6 às crianças de 6 anos.

Recebido: 13 de Junho de 2022; Aceito: 09 de Agosto de 2022

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