Introdução
Atendendo um pedido do meu amigo e atual coordenador do comitê de ética em pesquisa, professor Claudemir, resolvi remexer em minhas memórias sobre a época em que estava como coordenador desse comitê. Meu ingresso no comitê foi para substituir a minha querida amiga e representante na época do Centro de Ciências Naturais e Exatas, professora Maria Rosa. Meu ingresso aconteceu no ano de 2007, quando ainda se enviava projetos no formato impresso. Em 2013, quando da minha saída do CEP, a Universidade e seus pesquisadores já tinham incorporado a novidade da Plataforma Brasil.
A intenção deste texto é contar a história sobre como trabalhamos a implantação da Plataforma Brasil junto aos pesquisadores da UFSM e como isso mudou a relação entre estes e o CEP. Assim, em setembro de 2010 fui escolhido para ser o coordenador do CEP/UFSM, tendo como vice-coordenadora a professora Sandra Beck. Os desafios do CEP neste final de ano eram dois: a tarefa de alterar o regimento interno do CEP/UFSM e reorganizar as atividades do CEP que passava por alterações de local, tanto de reunião, quanto de presença física. A primeira ficou a cargo das professoras Carolina Mezzomo e Isabel de Gregori, em conjunto com a incansável TAE Elaide Minato. Com o passar do tempo, surgiu a notícia, via Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - Conep -, que a atual base de dados usada pelos comitês - Sisnep -, seria substituída pela Plataforma Brasil. Preparava-se uma revolução no sistema de submissão de projetos, bem como no acesso a informação e transparência no sistema de pesquisa com seres humanos no Brasil.
Em paralelo a tudo isso, com orientação da professora Lissandra Dal Lago, também ex-integrante do CEP/UFSM, estava sendo realizado um projeto de análise e histórico dos projetos enviados ao comitê. Luiza Weis (2011), estudante de Medicina na época, em conjunto com outros colaboradores - destaco novamente a Elaide Minato e a professora Maria Teresa Velho -, compuseram um estudo sobre os projetos enviados ao CEP/UFSM desde o ano de 2005 até o ano de 2009. Esse estudo foi levado à discussão com os demais integrantes do CEP/UFSM e ficou claro a necessidade de aproximar o comitê dos pesquisadores de todas as unidades da UFSM. Ainda, surgiu a idéia de que o sistema de registro de projetos da UFSM deveria indicar ao pesquisador que em caso de envolvimento de seres humanos na sua pesquisa o projeto somente poderia entrar em andamento após aprovação do CEP/UFSM.
Assim, em outubro de 2011 foi lançado o primeiro documento da Plataforma Brasil pelo Conep. Iniciam-se treinamentos em todo o Brasil para os mais de 600 comitês de ética espalhados por todos os cantos do país. No nosso Estado, foi marcado o treinamento para novembro, no Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre. Assim, partimos, eu e Elaide, para o treinamento. Numa manhã e numa tarde fomos apresentados a nova plataforma, treinados para usar e estimulados e treinar os demais. Ao final do dia, a UFSM tinha dois servidores ‘treinados’ para usar a nova Plataforma Brasil. No retorno a Santa Maria, as preocupações sobre o que teríamos pela frente foram os tópicos da conversa por todo trajeto. O desafio principal era de início treinar os demais integrantes do CEP/UFSM e dar início, em janeiro de 2012, a recepção de projetos apenas pelo sistema da Plataforma Brasil.
Em novembro, iniciamos os movimentos simultâneos de treinamento dos demais integrantes do CEP/UFSM, vinte integrantes de todas as unidades da UFSM e nossa apropriação do sistema. Decidiu-se, então, que não se usaria mais o Sisnep e seria um dos comitês que iniciaria o ano de 2012 já indicando o uso apenas da Plataforma Brasil para envio de projetos. A Conep previa a possibilidade de uma transição por alguns meses, entretanto, decidimos que o melhor seria iniciarmos diretamente com o sistema novo. Assim, o coordenador tinha a missão de espalhar a boa nova por toda a UFSM. O Sisnep era passado, bem vinda Plataforma Brasil.
Chegou o ano novo com todas as suas expectativas, novidades e ventos de mudança. No CEP/UFSM, começaram os problemas. Projetos enviados em dezembro na Plataforma Sisnep e que não foram avaliados a tempo deveriam voltar via Plataforma Brasil? Isso foi descoberto após a nossa primeira reunião no ano novo, após reclamações de pesquisadores sobre atraso na análise de seus projetos. Como explicar a professores que, conforme avisado anteriormente, a plataforma agora era outra? Assim, o CEP/UFSM começou campanha de ir em todas as unidades fazer esclarecimentos e reuniões com todos que desejassem. Entretanto, janeiro em geral é férias, o que nos trazia mais ansiedade pois o problema iria começar mesmo em março. Conversas de telefone, atendimentos por e-mail, ao vivo no CEP, na sala de pesquisadores, em pequenos grupos, em grandes grupos. Essa seria a rotina da coordenação, integrantes e secretaria do CEP/UFSM no decorrer do ano.
Em sendo o sistema nacional, obviamente os problemas eram da mesma ordem. Problemas com a estabilidade da plataforma eram constantes - mais telefonemas e e-mails reclamando do sistema -, falta de espaço nos servidores da Conep, falta de técnicos de informática na Conep, bug no sistema etc. Com mais usuários do que o esperado incialmente, a Conep foi levada, logo em maio de 2012, a lançar nova versão da plataforma. Preciso ainda contar que as versões eram atualizadas quase que semanalmente, devido problemas e incrementos solicitados pelos CEPs do Brasil todo. E a gente como estava? Os integrantes do CEP/UFSM eram provavelmente as pessoas mais odiadas pelos pesquisadores, pois de uma hora para outra, trocamos um sistema que funcionava, por outro que era apenas uma promessa de melhoria.
Além dos problemas iniciais da plataforma, nós tínhamos na mão uma outra questão a resolver: professores analógicos precisando passar a serem digitais. Foi então que diversos tipos de problemas apareceram. Pesquisadores que não conseguiam anexar documentos. Pesquisadoras que não conseguiam finalizar o processo de envio do projeto. Pesquisadores que enviavam documentos errados. Pesquisadoras que queriam enviar via processo administrativo de qualquer forma. A plataforma foi pensada para ser a mais amigável possível, entretanto, parecia que ninguém queria ser amigo dela. Passamos por conversas em todas as unidades da UFSM e, como previsto, além de coletarmos dados, e algumas chamadas de atenção sobre a plataforma, verificamos, em alguns casos, o desconhecimento da legislação. Desta forma, o ano de 2012 correu com palestras sobre Plataforma Brasil, legislação sobre pesquisa com seres humanos e atendimentos personalizados.
Em agosto de 2012 saiu a versão 2.0 da Plataforma Brasil. Depois de mais de 24 atualizações, a Conep definiu trocar a versão do sistema. Assim, em menos de um ano tínhamos uma nova versão do sistema, que ainda estava em fase de entendimento por diversos dos nossos pesquisadores. A luta continuava dura, mas agora com a plataforma já incorporada obrigatoriamente no dia-dia dos pesquisadores, parecia que a mesma conseguia fazer alguns amigos na UFSM. Reconheço que essa transição foi complicada, tanto para os integrantes do CEP/UFSM, quanto para a comunidade de pesquisa da UFSM, mas vejo como acertada as decisões do coletivo de fazer a troca o mais rápido possível e percorrer a UFSM com atendimento para os que precisavam. Obviamente, sempre que alguém tentava alguma coisa e falhava na plataforma, meu celular tocava e vinha a Elaide avisar que alguém tinha ligado dizendo que a plataforma não funcionava. A Conep já tinha melhorado os servidores - hardware - e tinha contratado mais servidores para a área de tecnologia, de modo que muitos dos problemas iniciais de instabilidade do sistema tinham parado. Ainda mais com o aprendizado da versão 1.0. Sobrava ainda algumas lições sobre tipo de arquivos a serem enviados, tamanho de arquivos a serem enviados, cliques em determinados locais na tela que não eram necessários, ou ainda em locais onde eram necessários. Esse processo de troca de conhecimentos entre os integrantes do CEP/UFSM e a comunidade, fez com que aqueles que eram, as vezes, ditos como burocratas da ciência, fossem agora vistos, pela maioria, como facilitadores.
Assim foi passando o ano de 2012, o CEP/UFSM se adaptando à plataforma, a plataforma se adaptando aos pesquisadores, os pesquisadores se adaptando e conhecendo o comitê. Como todo processo de transição de sistema, tivemos choro e ranger de dentes, de todas as partes envolvidas. Preciso reconhecer o trabalho incansável dos integrantes do CEP/UFSM na época e queria para finalizar destacar o papel central da Elaide Minato neste processo, aposto que sem ela essa transição teria sido muito mais dolorosa. Com o passar do tempo, os problemas quase desapareceram. Eles nunca somem de verdade. Assim, seguimos no ano de 2013, com a estratégia de atendimento, visitas, palestras, mais atendimentos. A Plataforma Brasil se firmava como uma estratégia de unificação dos projetos que envolviam pesquisa com seres humanos no Brasil. Trazia informações sobre os projetos, não apenas para os cadastrados, mas também para todos que procuravam informações sobre os mais diferentes temas que eram estudados no Brasil.
No final de 2013, finalizei o meu tempo junto aos colegas do CEP. Deixei a coordenação com a impressão de que tínhamos conseguido romper algumas barreiras e que o processo de transição tinha sido afinal bem conduzido por todos. Esperava que, finalmente, todos tivessem ouvido falar do CEP/UFSM e da legislação sobre pesquisa com seres humanos e que as desculpas, como ‘eu não sabia que tinha que enviar para o comitê’, não seriam mais aceitas dentro da UFSM.