1 INTRODUÇÃO
A perspectiva mais visível da internacionalização da Educação Superior é a mobilidade acadêmica, percebida como o “rei” desse processo (RUMBLEY, 2015). No entanto, em função de seu alto custo e escasso acesso, torna-se imperativo pensar em processos complementares de internacionalização para o contexto latino-americano e brasileiro.
O excessivo foco colocado na mobilidade de sujeitos é uma tendência mundial na Educação Superior (RUMBLEY, 2015; BEELEN, 2018a) e que reverbera nos contextos locais. Dados levantados em Instituições de Educação Superior (IESs) latino-americanas demonstram a vinculação da internacionalização à mobilidade acadêmica/estudantil (em torno de 90%), demonstrando baixo envolvimento institucional em processos como internacionalização do currículo, gestão e recursos para projetos internacionais (GACEL-ÁVILA; RODRIGUES-RODRIGUES, 2018).
No contexto brasileiro, no ano de 2018, o índice de estudantes que realizaram mobilidade in foi de 0,2%, número abaixo da média de 6% dos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2018). A figura 1 mostra a predominância de estudantes de países do Sul Global2 realizando mobilidade no País:
No que diz respeito à mobilidade out, apenas 0,6% de estudantes brasileiros estão matriculados em instituições no exterior. Dados do GEOCAPES (2019) demonstram que 90% dos bolsistas3 CAPES escolhem realizar mobilidade em instituições do Norte Global (GEOCAPES, 2019).
A escolha dos estudantes brasileiros de realizar mobilidade acadêmica em países como França, Estados Unidos, Portugal, Reino Unido, Espanha, Alemanha e Canadá se relaciona ao fato de esses possuírem sistemas de Educação Superior consolidados e com instituições bem desenvolvidas, serem economias em crescimento e que dispõem de alto grau tecnológico (CASTRO; NETO, 2012, p. 78-79). No mais, “são países que investem na capacidade instalada para acolhimento de alunos, oferecem uma infraestrutura para recebê-los e a maioria desses países permite, também, que os estudantes trabalhem 20 horas por semana” (CASTRO; NETO, 2012, p. 81).
A mobilidade acadêmica é uma estratégia inerente aos processos de internacionalização. Com ela, os atores universitários se inserem em outros contextos, possibilitando a construção de vínculos transnacionais, redes de cooperação, o aprendizado de distintas estruturas, conhecimentos acadêmicos, culturas, línguas e práticas sociais (MOROSINI; DALLA CORTE, 2018; KNIGHT, 2012b; STALLIVIERI, 2009). Todavia o fato de esta atingir uma pequena parcela da população universitária torna necessária a ampliação das perspectivas de internacionalização, buscando alternativas que alcancem um número maior de estudantes, abarquem distintos países (para além do Global Norte), promovam o respeito à diversidade cultural e étnico-racial, desenvolvam a responsabilidade social e tragam benefícios para a sociedade como um todo.
Destarte, faz-se importante promover uma “internacionalização inteligente”, que envolva todos os atores do processo e imbrique a perspectiva de internacionalização pela mobilidade a distintas formas de internacionalizar.
[...] “intelligent internationalisation” grounded in a body of knowledge that coherently encompasses both theory and practice aimed at improving our understanding of the complex realities of internationalisation locally and globally. It demands a commitment to the training of thoughtful practitioners in the field, working in tandem with researchers, policy-makers and institutional leaders who are sensitive to the practicalities that reside within the “big issues” dominating so many strategic discussions about internationalisation today. (RUMBLEY, 2015, p. 16).
O presente texto tem por objetivo compreender como a experiência de estudantes brasileiros que realizaram mobilidade foi aproveitada no contexto local de suas instituições de origem. Busca-se contribuir com processos de “internacionalização inteligente”, produzindo reflexões que auxiliem na construção de pontes entre os campos teóricos, políticos e práticos da internacionalização da Educação Superior. No mais, busca-se reforçar a perspectiva de Stallivieri (2009), que aponta o estudante como um dos atores mais importantes do cenário na educação internacional e que as IESs devem criar uma sintonia entre os objetivos institucionais e individuais dos intercambistas.
O texto está dividido em três partes: a primeira trata dos conceitos básicos sobre os processos de internacionalização da Educação Superior, posteriormente são apresentados os percursos metodológicos desta pesquisa e, por fim, os dados resultantes das entrevistas com estudantes de graduação que realizaram mobilidade.
2 OS PROCESSOS DE INTERNACIONALIZAR E SUAS ESPECIFICIDADES: IMBRICANDO A INTERNACIONALIZAÇÃO PELA MOBILIDADE À PERSPECTIVA EM CASA
O conceito de internacionalização da Educação Superior é complexo, multidimensional e deve ser compreendido a partir dos objetivos e contextos em que as instituições estão inseridas. A literatura internacional (LEASK, 2009; ALTBACH; REISBERG; RUMBLEY, 2010; HUDZIK, 2015; BEELEN; JONES, 2015; ROBSON, 2017) define o conceito como “[...] o processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural e/ou global com os propósitos, funções e implementação da educação em nível superior” (KNIGHT, 2003, p.2 [tradução do autor]). Devido à amplitude desta perspectiva, De Wit et al. (2015) complementam afirmando que a internacionalização tem como objetivo a ampliação da qualidade da Educação Superior, contribuindo de maneira significativa à sociedade.
Levando em conta que os processos de internacionalização devem atender às demandas e aos objetivos específicos de quem os propõe, para o contexto latino-americano, Morosini (2017, s.p.) dá a seguinte definição:
Processo de integrar uma dimensão internacional e intercultural na Educação Superior, advindo de interações sustentadas por redes colaborativas, com blocos socioeconômicos desenvolvidos e com outros que valorem múltiplas culturas, diferenças, locais e tempos, fortalecendo a capacidade científica nacional, com fito de ser irradiador do desenvolvimento sustentável.
Vista deste modo, a internacionalização da Educação Superior “não está relacionada, somente, à realização de atividades de intercâmbio, participação em eventos internacionais como congressos, seminários, entre outros” (MOROSINI; DALLA CORTE, 2018, p. 114), mas envolve a incorporação da dimensão internacional e intercultural no ensino, pesquisa e extensão, em todas as políticas de gestão acadêmica, nas relações institucionais e internacionais, com o objetivo de ser assumida como missão da universidade, respeitando o ethos institucional.
Os estudos sobre o assunto demonstram a complexidade e amplitude deste processo. Perspectivas como Internacionalização do Currículo (IoC) (LEASK, 2012; 2015; MOROSINI, 2018) e Internacionalização em Casa - IaH (BEELEN; JONES, 2015; ALMEIDA et al., 2018; BARANZELI, 2019; JONES, 2019) ganham força e se tornam cruciais na agenda sobre o tema. A Internacionalização do Currículo - IoC é entendida como a incorporação das dimensões internacional e intercultural ao conteúdo dos currículos, bem como aos planos de ensino, aprendizagem, avaliação e serviços de apoio de um programa de estudos (LEASK, 2009, p. 209).
A IoC abarca os processos de internacionalização transfronteiriça (com ênfase na mobilidade) e Internacionalização em Casa (IaC) (MOROSINI, 2019). Sua adoção leva em conta o currículo formal, informal e oculto. Para a aplicação dessa perspectiva, são necessárias abordagens pedagógicas inovadoras, que promovam competências associadas à perspectiva de cidadania global. O currículo internacionalizado ideal deve ser construído com os estudantes, direcionando para questões importantes, como as competências a serem desenvolvidas nas disciplinas ao longo dos cursos.
Na perspectiva de Beelen e Jones (2015), na IoC há destaque para questões como dupla diplomação e mobilidade, e os autores reiteram que disciplinas dadas em inglês não significam internacionalização do currículo. Nos países desenvolvidos, a IoC é orientadora de uma formação para o mercado e a competitividade, enquanto nos países em desenvolvimento é compreendida de forma mais acolhedora, podendo auxiliar na resolução de problemas históricos de desigualdade social.
A IoC possui duas faces. Na primeira, a internacionalização pela mobilidade orienta-se na troca de pessoas, programas, projetos e políticas institucionais (KNIGHT, 2012a). A segunda, Internacionalização em Casa (IaC), é compreendida como o processo de integração das dimensões internacional e intercultural, no currículo formal e informal, para todos os estudantes em ambientes domésticos (BEELEN; JONES, 2015). A perspectiva de IaC contribui nos processos de democratização da internacionalização, demandando apropriação e envolvimento de toda a comunidade acadêmica (DOMENCH; MARRONE; WERNICKE, 2014) e buscando o desenvolvimento de competências internacionais e interculturais dentro de casa. Busca-se, assim, atender todos os estudantes, e não apenas uma parcela que pode realizar a mobilidade.
Dessa maneira, esta pesquisa objetiva pensar como as perspectivas de internacionalização pela mobilidade e em casa podem se atrelar, dando maior protagonismo aos estudantes e construindo processos mais democráticos e acolhedores de IoC.
3 PERCURSO METODOLÓGICO
Esta é uma pesquisa com abordagem qualitativa em relação ao objetivo e se caracteriza como exploratória. A coleta dos dados ocorreu por meio da técnica de entrevista em profundidade a partir de um estudo de sensibilização (MORÉ, 2015). A análise das entrevistas transcritas foi realizada com princípios de Análise Textual Discursiva (ATD), de forma artesanal e levando em consideração a profundidade dos discursos para melhor compreensão do fenômeno. A entrevista é um procedimento rigoroso de obtenção de dados em campo, que, ancorado em argumentos construídos por pesquisadores da área, propicia novas narrativas em torno do objeto de estudo. Ao possibilitar um mergulho discursivo, as entrevistas permitem a coleta de:
[...] indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações que se estabelecem no interior daquele grupo, o que, em geral, é mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados. (DUARTE, 2004, p. 215)
Optou-se por utilizar princípios de ATD como método de análise dos dados, pois privilegia a produção de sentido expressa na linguagem em determinado contexto e tempo histórico e compreende “seus objetos de pesquisa como discursos, não como fenômenos ou conceitos isolados. Nisso se manifesta sua opção por focalizar preferencialmente o todo, entendido como discursos construídos e reconstruídos coletivamente” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 156).
A ATD inicia seus esforços na construção de compreensão a partir dos sentidos mais imediatos e simples dos fenômenos que pesquisa e, ao utilizar-se de um movimento progressivo de construção e reconstrução do sentido apresentado no corpus de análise, propicia que o conhecimento a respeito do objeto seja expandido, complexificado e aprofundado.
A presente pesquisa foi produzida seguindo as etapas: 1) produção de levantamento teórico sobre o tema e a construção de categorias a priori; 2) desenho das questões sobre as experiências de estudantes no exterior e sua relação com o contexto local; 3) realização das entrevistas; e 4) análise das entrevistas com princípios de ATD. O quadro abaixo sintetiza a organização teórico-metodológica deste trabalho:
Eixo de internacionalização |
Teóricos | Questionamentos | Categoria |
---|---|---|---|
Internacionalização pela mobilidade | Knight (2012a) ; Morosini (2018; 2019); Morosini; Dalla Corte (2018); Bittencourt (2019); Stallivieri (2009). | Quais aprendizagens você considera mais significativas em sua experiência de mobilidade? | Desafios e aprendizagens da vivência no exterior. |
Internacionalização em casa | Knight (2012b); Leask (2009; 2012); Beelen; Jones (2015); Beelen (2018a; 2018b); Robson (2017); Almeida et al. (2018); Baranzeli (2019). | Suas experiências e vivências adquiridas no exterior contribuíram no contexto local em que está inserido? Como? Houve alguma atividade (em sala de aula ou institucional) de trabalho ou compartilhamento de suas vivências/conhecimentos adquiridos? |
A utilização das aprendizagens dos estudantes no contexto local. |
Articulação entre IoC e IaH | Articulação entre os teóricos acima. | Como a instituição em que está inserido poderia aprimorar o uso das experiências dos estudantes que realizaram mobilidade após seu retorno ao Brasil? | Propostas dos estudantes para melhor aproveitamento das experiências. |
Fonte: Elaboração das autoras (2019).
As entrevistas foram realizadas no mês de julho de 2018, e os estudantes foram selecionados conforme disponibilidade e interesse em participar da pesquisa. Os quatro entrevistados estão matriculados em cursos de graduação (Relações Internacionais, Escrita Criativa e Engenharia Mecânica) em Instituições de Ensino Superior particulares da região sul do País; com idade entre 20 e 30 anos, sendo três homens e uma mulher; todos possuem familiares formados no Ensino Superior (não são estudantes de primeira geração); dois possuem dupla cidadania; e todos os entrevistados possuem fluência em pelo menos dois idiomas (inglês, espanhol e/ou italiano).
4 VIVÊNCIAS E COMPARTILHAMENTOS: A PERSPECTIVA DOS ESTUDANTES QUE REALIZARAM MOBILIDADE
Nos próximos parágrafos são apresentadas as falas dos estudantes a partir de suas vivências. Primeiro, examinam-se os discursos de maneira individual, relacionando-os com resultados encontrados na literatura sobre o tema, e posteriormente apresenta-se o quadro construído com as análises de todas as entrevistas.
Os fatores que possibilitam a realização da mobilidade estudantil são variados. Dessa maneira, um dos primeiros questionamentos aos entrevistados foi a respeito dos motivos que os levaram a participar desse processo. As respostas abarcaram os eixos interesse pessoal, necessidades do próprio curso e desenvolvimento de competências para atuar no mercado de trabalho.
[...] A gente, hoje, acaba trabalhando junto numa empresa também. Eu acabei me inserindo na empresa que eu já trabalhava quando eu voltei do intercâmbio, e enfim, a gente tem essa equipe, sabe? Mas volta e meia a gente tá lá e tá nós dois sozinhos na sala e toca o telefone e atendemos e é um cara falando em inglês. Então, tu tens que saber se virar [...] eu quis fazer intercâmbio por causa disso, tu não tem a menor noção do que é um vocabulário técnico em engenharia sem tu chegar lá e bater de cara, precisar fazer o negócio e não conseguir ou então tu realmente não afundar numa pesquisa e ler artigos em inglês, né? A minha ideia foi partir pra essa internacionalização mesmo do mecanismo de trabalho. (A3)
A perspectiva de necessidade do campo de estudos vai ao encontro de resultados apresentados em outras pesquisas (MOROSINI; BARANZELI, 2018). No que diz respeito ao trabalho em equipe, organismos internacionais como a OCDE (2016) e a UNESCO (2015), que ditam agendas de políticas públicas, reforçam a importância do desenvolvimento de competências de relação, interconexão e inter-relação na formação de cidadãos para o século XXI.
Quando questionados sobre as aprendizagens adquiridas no exterior, quatro categorias emergiram nas respostas dos estudantes: 1) possibilidade de troca e diálogo intercultural; 2) construção de pensamentos lógicos distintos; 3) imersão em uma cultura distinta; e 4) desenvolvimento de outra língua. Novamente, os resultados obtidos vão ao encontro do que autores como Morosini e Dalla Corte (2018) e Stallivieri (2009) argumentam sobre o tema. Aqui, destacam-se dois discursos específicos:
[...] foi maravilhosa a experiência. É uma universidade muito aberta ao diálogo em termos interculturais, em termos de troca, então é uma universidade que preza pela formação bilíngue, [...] fornece disciplinas tanto em inglês quanto em espanhol, e foi muito interessante ter acesso a isso. As disciplinas em si foram muito boas e promoveram grandes debates pra mim, em leituras e o fornecimento de uma visão partindo de um novo olhar, para o meu curso foi bem interessante. (A1)
[...] a engenharia é uma profissão que nitidamente tu tens responsabilidade, né? Tu não podes errar no produto final. Tu não podes errar no produto que vai para o mercado. Só que a gente aprende, eu aprendi lá pelo menos, que tu erras durante o processo, né? E o ideal é tu errar o mais rápido possível, para ti aprender com o teu erro o mais rápido possível e solucionar aquilo o mais rápido possível. Eu acho que isso daí foi uma evolução muito grande nesse sentido de capacidade de solucionar problemas mais rápido e melhor. (A3)
O primeiro excerto apresenta a perspectiva de diálogo intercultural4 e ressalta o oferecimento de disciplinas em línguas distintas da local. O segundo demonstra a relação entre profissão e desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais. Estas se relacionam às competências transformadoras apresentadas na Bússola de Aprendizagem da OCDE5, bem como se relacionam às competências apresentadas pela UNESCO, orientadoras para formação em uma Educação para a Cidadania Global (ECG)6.
No que diz respeito aos desafios e às dificuldades da vivência no exterior, os estudantes destacaram o uso contínuo da língua estrangeira, choque cultural e acadêmico, diferenças de tratamento de acordo com o contexto, funcionamento distinto de disciplinas e horários das aulas e, por fim, a questão climática (temperatura).
No tocante ao retorno às instituições, todos relataram problemas burocráticos. Estes problemas não ocorreram apenas em suas vivências, de modo que dois estudantes relataram como outros colegas tiveram dificuldades no aproveitamento das disciplinas após o período de mobilidade. Observa-se que essa é uma demanda presente em outros estudos, como o de Stallivieri (2009), em que a autora destaca a importância do aprimoramento e monitoramento das instituições nesses processos.
Quando questionados sobre a contribuição das experiências adquiridas no exterior no contexto local, os estudantes afirmaram que o compartilhamento de saberes ocorreu por iniciativa própria. Dois entrevistados afirmam que não houve incentivo institucional na apresentação e no compartilhamento dos conhecimentos e das vivências com os colegas. Os demais entrevistados afirmaram que foram monitores em disciplina com temas comuns aos do estágio realizado no exterior e que, apesar de ter sido uma iniciativa pessoal, contaram com apoio e suporte de seu orientador: “Então, muitas vezes […] os professores levam a gente lá no início do semestre na disciplina para compartilhar esses processos com os alunos da disciplina, né?” (A3). Dessa maneira, é possível observar que o envolvimento da experiência desses estudantes no contexto local ainda é escasso, demonstrando que há pouco aproveitamento dessa vivência nos processos de internacionalização para além da experiência de mobilidade.
Ao final da entrevista, os estudantes foram instigados a refletir sobre como as instituições poderiam utilizar suas experiências (adquiridas no exterior) no contexto local de modo mais efetivo. Para contextualizar, destacamos as três respostas mais significativas:
Eu acho que realmente tinha que tentar trazer mais o diálogo desses alunos para o restante […], trazer a experiência e também… eu acho que os próprios professores deveriam de repente abrir espaço para se debater sobre isso. […] não tive nenhum professor que me questionou se as teorias que a gente debate aqui são as mesmas que se debatem lá, qual é o nível do debate teórico lá e aqui, quais são os pontos relevantes lá que eu percebi. Isso não houve, essa troca, e eu acho que seria muito enriquecedor. Acredito que a chave dessa troca, que está nos ambientes de revista acadêmicas, é trazer elas diretamente pro aluno e tornar muito mais palatável para o aluno um debate que às vezes pra ele tá muito distante [...]. (A1)
Eu acho que tipo que nem essa ideia do laboratório lá, das coisas serem tudo junto em um lugar só, sabe? Aqui é tudo muito separado, ali o pessoal da engenharia, ali o pessoal do direito, ali o pessoal que gosta de banco, é tudo misturado, é tudo separado quer dizer, lá é ciências. É tudo separado, não tem nenhum lugar que tem uma mistura. (A3)
Acho que o contexto de interdisciplinaridade, acho que essa é uma palavra muito importante mesmo. Assim, o que está dando passos largos nesse caminho é o freezone lá no [nome do espaço da universidade], que é aberto para alunos de Letras que quiserem ir lá fazer uma peça em 3D, fazer [em] uma ferramenta que tenha lá, pode ir, sabe? [...] É isso aí, ele também é aberto pra qualquer disciplina, tem técnico, tem dois técnicos lá quase que o dia inteiro, qualquer pessoa daqui se quiser ir lá e aprender a usar o software de modelagem pode ir criar uma peça e imprimir na impressora 3D depois. Então, eu acho que a [...] tá dando muito espaço, e tem que continuar a investir nisso. (A4)
O primeiro excerto destaca a importância do envolvimento dos docentes nestes processos, articulando e trazendo os conhecimentos desses estudantes para o espaço da sala de aula. O segundo e o terceiro destacam a importância da constituição de espaços em comum, que possibilitem a vivência e troca de estudantes de distintas áreas de conhecimento. Assim, é possível observar como resultado da pesquisa a convergência de termos-chave, como: partilha, troca de experiências, pensamento e construção de projetos interdisciplinares.
A partir da pesquisa realizada, observa-se que cada experiência de mobilidade é distinta. Os entrevistados têm para partilhar perspectivas positivas, problemas, desafios enfrentados em suas vivências e como estes possibilitaram novas lentes teórico-práticas em sua formação e no futuro campo de trabalho. A partir das considerações apresentadas, foi construído um quadro no qual as categorias de análise foram costuradas com os resultados encontrados.
Categorias | Resultados | |
---|---|---|
Aprendizagens | Desafios | |
Possibilidade de troca e diálogo intercultural. Construção de pensamentos lógicos distintos. Imersão em uma cultura distinta. Desenvolvimento de outra língua. |
Uso contínuo da língua estrangeira. Choque cultural/acadêmico - diferenças de tratamento de acordo com o contexto. Funcionamento distinto de disciplinas e horários das aulas. Questão climática (temperatura). |
|
A utilização das aprendizagens dos estudantes no contexto local | Problemas burocráticos (aproveitamento das disciplinas). Pouco contato institucional com os estudantes que retornaram da mobilidade. Alguns estudantes realizaram monitoria, mas por iniciativa própria. |
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Propostas dos estudantes para melhor aproveitamento das experiências | Importância em abordar as experiências de mobilidade em sala de aula. Criar espaços coletivos e interdisciplinares de trabalho. Melhorar a divulgação das atividades já existentes sobre mobilidade. Oferecer monitorias e oportunidades aos estudantes que realizam mobilidade de compartilhar seus conhecimentos para além dos espaços tradicionais da instituição (rodas de conversa ou palestras). Criação e consolidação de disciplinas em inglês para atrair mais estudantes estrangeiros para a instituição. |
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.
O quadro demonstra a importância da escuta sensível e a relevância que deve ser dada aos estudantes dentro das perspectivas de internacionalização. Historicamente, os estudantes não são integrados como agentes ativos e multiplicadores desses processos (JONES, 2019). Para além de encenar a internacionalização no contexto da prática, esses sujeitos são potenciais propulsores de competências interculturais e internacionais. Assim, torna-se relevante planejar e executar estratégias institucionais que promovam um maior envolvimento desses atores na IaC:
As instituições devem se posicionar também de maneira diferenciada, a fim de verificar os reais ganhos educacionais e institucionais com investimentos nos programas de mobilidade acadêmica internacional. É uma forma de garantir que os impactos obtidos com os intercâmbios sejam compartilhados por todas as esferas envolvidas, sejam elas institucionais, educacionais, para o próprio país e para o estudante, não caracterizando ganhos apenas individuais. (STALLIVIERI, 2009, p. 201).
A vivência no exterior possibilitou aos entrevistados novas lentes em sua formação como cidadãos e futuros profissionais. O compartilhamento desses conhecimentos, através de propostas criativas e desafiadoras, pode torná-los o que chamamos de estudantes vetores da internacionalização (estudantes hub). Assim, esses estudantes podem contribuir no desenvolvimento de outros atores da comunidade acadêmica (colegas, professores, técnico-administrativos etc.), apresentando seus conhecimentos, saberes e perspectivas sobre realidades distintas. Colabora-se, assim, com um dos principais objetivos da internacionalização, a ampliação da qualidade da educação de modo a contribuir de maneira significativa com a sociedade local (DE WIT et al., 2015).
5 CONCLUSÕES PRELIMINARES
Ao longo do texto, reforçamos que os processos de internacionalização precisam ser assumidos por todos os atores da universidade e ultrapassar os escritórios internacionais das instituições. Para isso, é necessário que haja um compromisso institucional em torno da política de internacionalização e este seja compartilhado:
por el liderazgo institucional, la gobernanza, el cuerpo de profesores, los estudiantes y todas las unidades de servicio y apoyo académico. Es un imperativo institucional y no una mera posibilidad deseable. La internacionalización integral no solo afecta toda la vida del campus sino los marcos de referencia externos, las asociaciones y las relaciones de la institución. (HUDZIK, 2011, p. 1).
As experiências dos estudantes possibilitam a inovação curricular e pedagógica, rompendo com a tradicional rotina de ensinar e de aprender. Sugere-se que as coordenações de cursos pensem em estratégias distintas e criativas para uma melhor utilização da experiência desses estudantes. Isso pode ocorrer por meio de relatos de experiências adquiridas, atividades de monitoria, tutoria, realização de mostras científicas com apresentações desses estudantes ou outras atividades de acordo com a necessidade local e o interesse dos alunos.
Cada vez mais se faz necessário desenvolver dinâmicas ativas e participativas de I@C, nas quais as trocas de experiências dos estudantes locais e móveis podem ser ricas e potentes para o desenvolvimento das competências interculturais, contribuindo para uma formação de qualidade e com pertinência social.
As IESs do século XXI são cada vez mais pressionadas a “executar”, “responder”, “inovar”, “incubar”, “avaliar” e “liderar” as demandas educativas e sociais (RUMBLEY, 2015). Todavia faz-se necessário pensar políticas que envolvam todos os atores da instituição para que ela consiga atender a estas demandas.
Apresentando estudo com pesquisadores de instituições dos Países Baixos, Noruega e Bélgica, Beelen (2018b) afirma que os quatro entraves para adoção da IaH são: 1) proliferação de perspectivas equivocadas, “nevoeiro” terminológico e diferentes entendimentos do conceito internacionalização em casa; 2) falta de estratégias institucionais para a implementação da IaH; 3) ausência de competências dos professores para aplicar a IaH; e 4) escassa conexão entre as partes interessadas no processo de implementação da internacionalização em casa.
Levando em conta os resultados da pesquisa realizada, é possível identificar o interesse dos estudantes em compartilhar suas experiências acadêmicas internacionais em sala de aula. Todavia observa-se que, nas instituições em que os estudantes estão inseridos, há carência de práticas pedagógicas que os envolvam nos processos de internacionalização. Tal perspectiva vai ao encontro das quatro questões chaves que bloqueiam a adoção da IaH em outras regiões do globo.
Utilizar as experiências desses estudantes amplia o repertório de práticas pedagógicas na universidade, contribui para a inovação das condições do ensinar e do aprender, protagonizando movimentos que devem desencadear uma mudança nas políticas e práticas institucionais de internacionalização da Educação Superior, pois a responsabilidade pela melhoria da qualidade de ensino é compartilhada e não está restrita ao ambiente da sala de aula.
As IESs precisam ampliar suas concepções a respeito da internacionalização e torná-las mais efetivas, para que seja possível uma mudança de paradigma na agenda institucional a partir da constituição de planejamentos, políticas, programas e ações que promovam um ambiente favorável à consolidação de uma perspectiva de internacionalização mais abrangente e para todos.