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Série-Estudos

versión impresa ISSN 1414-5138versión On-line ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.27 no.61 Campo Grande set./dic 2022  Epub 16-Feb-2023

https://doi.org/10.20435/serieestudos.v27i61.1704 

Artigos

“Aqui reina o respeito, mas…”: as dimensões pedagógicas do aplicativo Grindr em Campo Grande, MS1

“Here respect reigns, but ...”: the pedagogical dimensions of the Grindr application in Campo Grande, MS

“Aquí reina el respeto, pero...”: las dimensiones pedagógicas de la app Grindr en Campo Grande, MS

Gabriela Alencar Montecio2 
http://orcid.org/0000-0002-4472-3011

Marcelo Victor da Rosa2 
http://orcid.org/0000-0002-0621-0389

2Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil


Resumo

O estudo tem por objetivo analisar as discursividades produzidas pelos(as) usuários(as) do aplicativo Grindr, este usado principalmente por homens em busca de relações, sobretudo sexuais, com homens. A pesquisa foi realizada no período de setembro de 2021 a julho de 2022, em Campo Grande, MS. Assim, apoiando-se nos amplos processos pedagógicos provenientes dos discursos circulantes no Grindr, vemos este como sendo um artefato abundante em conteúdo. A intenção, a partir desse conhecimento, foi de estar no aplicativo para compreender o que se aprende, ensina, descobre e transforma ao se entender as dinâmicas que medeiam as discursividades no Grindr enquanto estratégias que se disseminam por meio dos discursos. Para tal, criamos uma conta gratuita para obtenção de prints, e, a partir desses, foi possível observar três dimensões pedagógicas presentes nas discursividades. Dessas, a primeira faz menção às dinâmicas do cancelamento, que perpassa todas as dimensões; a segunda revela a masculinidade hegemônica marcada pela discrição, pelo sigilo e pelo homem com jeito de homem que converge à norma. Por fim, a terceira dimensão alcança as rupturas presentes nas discursividades contrahegemônicas, dissidentes à norma.

Palavras-chave: sexualidade; Grindr; pedagogia cultural

Abstract

The study aims to analyze the discourses produced by users of the Grindr application, used mainly by men in search of relationships, especially sexual relations, with men. The survey was conducted from September 2021 to July 2022 in Campo Grande, MS. Thus, based on the ample pedagogical processes coming from the discourses circulating on Grindr, we see it as being an artifact abundant in content. The intention, through knowledge, was to be in the app to understand what is learned, taught, discovered, and transformed by understanding the dynamics that mediate the discursivities on Grindr as strategies that are disseminated through discourses. To this end, we created a free account to obtain prints, and from these, it was possible to observe three pedagogical dimensions present in the discursivities. Of these, the first mentions the dynamics of cancellation, which permeates all dimensions; the second reveals the hegemonic masculinity marked by discretion, secrecy, and by the man with a man’s way of being that converges to the norm. Finally, the third dimension reaches the ruptures present in the counter-hegemonic discursivities, dissidents to the norm.

Keywords: sexuality; Grindr; cultural pedagogy

Resumen

El estudio tiene como objetivo analizar los discursos producidos por los usuarios de la aplicación Grindr, esta utilizada principalmente por hombres en busca de relaciones, especialmente sexuales, con hombres. La encuesta se realizó de septiembre de 2021 a julio de 2022 en Campo Grande, MS. Así, apoyándonos en los amplios procesos pedagógicos procedentes de los discursos que circulan en Grindr, vemos que se trata de un artefacto abundante en contenido. La intención, a partir de este conocimiento, fue estar en la aplicación para comprender lo que se aprende, se enseña, se descubre y se transforma, al entender las dinámicas que median las discursividades en Grindr como estrategias que se difunden a través de los discursos. Para ello, creamos una cuenta gratuita para obtener prints, y a partir de ellas, fue posible observar tres dimensiones pedagógicas presentes en las discursividades. De ellas, la primera hace mención a la dinámica de la cancelación, que impregna todas las dimensiones; la segunda revela la masculinidad hegemónica marcada por la discreción, por el secreto y por el hombre con una forma de hombre que converge a la norma. Finalmente, la tercera dimensión alcanza a las rupturas presentes en las discursividades contrahegemónicas, disidentes a la norma.

Palabras clave: sexualidad; Grindr; pedagogía cultural

1 INTRODUÇÃO

Existe um cenário on-line capaz de conceder espaço às autenticidades que perpassam discursos centrais e se desdobram em masculinidades diversas e plurais, conforme Anderson Sousa, Fernando Santos Junior e Tilson Mota (2020), mas que, majoritariamente, acaba por reproduzir uma sociedade normalizadora. Assim, compreende-se que, dos meios de comunicação, podemos obter e incorporar maneiras de nos apresentar, de nos inscrever e produzir que atuam direta e/ou indiretamente na constituição do ser em sua subjetividade, as quais, para Tomaz Silva (2011), estão paralelas a uma historicidade, bem como a fatores sociais e culturais.

A internet, pensada como ferramenta de expansão dos lugares de aprendizagem e existência, segundo Alcidesio Silva Junior (2020), é um espaço que não se distancia do material, portanto, não dicotômico, e que permite aos sujeitos novas formas de relações e conexões intermediadas e, até mesmo, provenientes dos vastos meios de comunicação virtual. Para Silva Junior (2020), o que se constrói no off-line são extensões dos processos culturais presentes na realidade de fora dos recursos digitais, de forma que uma presença on-line implica, inicialmente, uma construção paradoxal ao off-line, ordenada por diferentes marcas, benefícios, negociações e representações, sendo um importante recurso – talvez indispensável – em boa parte das construções de laços e trocas afetivas.

Dessa rede de comunicação invisivelmente interligada e de ação ambiciosamente onipresente nascem plataformas, sistemas e aplicativos (apps) dentro de especificidades que buscam atender às numerosas e diferentes demandas de seus(suas) usuários(as). Assim, a plataformização toma para si os fluxos da comunicação, produção cultural, bem como da circulação de afetos que, conforme Paranhos e Nery (2020), pode ser tão exuberante e atrativa quanto uma interação física.

É nesse ambiente de desejos e necessidades promovidos pelo acesso à internet que surgem, precisamente, os(as) usuários(as) do aplicativo de relacionamentos Grindr. Ettore Medeiros (2018) informa que o Grindr foi criado em 2009, nos Estados Unidos, sendo o primeiro aplicativo utilizado para busca de parceiros em smartphones e tablets compatível apenas com tecnologias iOS e Android.

Segundo Melo e Santos (2020), no app se desdobram os perfis de homens, reservados e másculos, que buscam encontrar parceiros sexuais virtuais que correspondam às fantasias e desejos de cada indivíduo. Os autores ainda explicam que o aplicativo é usado majoritariamente por homens em busca de relações, sobretudo sexuais, com homens, além de ser individualizado e sigiloso.

Vale apontar que o crivo de busca por parceiros(as) feito pelo aplicativo se dá por meio da permissão ao uso do Global Positioning System (GPS), o que garante ao(à) usuário(a) a seleção de perfis próximos à localização que se deseja. Junto das fotos, que normalmente e a princípio não revelam a identidade do(a) usuário(a), o app, na tentativa de enunciar o perfil, permite que uma descrição sobre si e suas preferências sejam feitas, o que pode ser entendido como uma linguagem estabelecida entre os(as) usuários(as) que ali produzem suas identidades (MELO; SANTOS, 2020).

Nos meandros dessas produções de linguagens e identidades, os processos de ensino e aprendizagem se fazem presentes. Por isso, recorremos ao conceito de pedagogias culturais, uma vez que está posta em discussão a relação da pedagogia à cultura, conforme exposto por Andrade e Costa (2017). A partir da premissa de que pedagogia precisa ser pensada amplamente, o conceito sobre ela ultrapassa escolas e salas de aula, pois os processos educativos não se limitam aos espaços e às intervenções escolares, mas abarcam múltiplas instâncias e instituições, que suscitam uma maximização dos campos e objetos de estudo.

Semelhantemente à pedagogia, pensada para além da esfera escolar, faz-se importante se valer do entendimento de que cultura não trata apenas do que é erudito, mas sim de toda prática que permeia a sociedade em normas, valores, crenças e costumes. Dessa forma, apoiando-se nos Estudos Culturais, o significado de cultura é tudo aquilo que a humanidade produz em sociedade, ou seja, tudo o que gera sentido e significados são formas de produção de cultura3. Para as autoras Zdradek e Beck (2017), os processos culturais estão diretamente envolvidos num campo de multiplicidades que entende a cultura como uma arena de disputas e negociações de significados no cotidiano.

Assim, há conexão dos processos culturais e das pedagogias culturais, em que as pedagogias como processos culturais e sociais, em uma dinamicidade, inscrevem-se, manifestam e conferem aos sujeitos a partilha e aquisição de determinados discursos. No deslocamento da escola para múltiplos espaços e instâncias, as pedagogias ocorrem e nos forjam por meio das discursividades, essas ainda mais latentes quando vistas mediante a expansão da comunicação, da internet e dos adventos tecnológicos nessa lógica de produção e propagação de significados.

Segundo Andrade e Costa (2017), para a compreensão das pedagogias culturais, precisamos entender que ela é composta de artefatos culturais e que estes são os objetos em si que vão propor significados, mensagens, comportamentos e orientações. Para Zdradek e Beck (2017), por meio das linguagens, em seus sistemas de símbolos, códigos, ideias, objetos, entre outros, os artefatos atuam como construtores de saberes e poderes que operam verdades incorporadas aos sujeitos que as consomem, diariamente, por vezes não enunciados, mas sim sutis e implícitos, orientados e, constantemente, repetitivos, os quais são corresponsáveis pela educação dos indivíduos.

Não obstante, pensando linguagem, símbolos, códigos, ideias, entre outros, consideramos a importância de trazer significações referentes a alguns termos que encontraremos durante a leitura e que podem ser desconhecidos aos(às) leitores(as). São estes a sigla LGBTQIA+, que designa grupo de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais e outros modos de existência representados pelo sinal de adição (SILVA JUNIOR, 2020). Ativo que designa homens que, em práticas sexuais homossexuais, ocupam a posição de penetrador, já o termo passivo refere-se ao homem que ocupa a posição de penetrado e reforça as categorias de hierarquização entre as masculinidades, atribuindo maior valor a uma em detrimento de outras (MEDEIROS, 2018), como veremos adiante.

Versátil é o homem que, em práticas sexuais homossexuais, ocupa a posição de penetrador e também de penetrado. Fisting diz respeito à prática sexual que envolve a introdução da mão ou do antebraço no ânus ou na vagina (MEDEIROS, 2018), e NSFW é abreviação da expressão em inglês “Not Safe for Work”, que traduzida significa “Não seguro para o trabalho”; esse termo funciona como indicativo de alerta para conteúdos impróprios, como é o caso de fotos que contenham nudez explícita.

Desse modo, este trabalho objetiva analisar as discursividades produzidas pelos(as) usuários(as) do aplicativo Grindr, apoiando-se nas contribuições dos Estudos Culturais e, concomitantemente, nos amplos processos pedagógicos provenientes dos discursos circulantes no Grindr, pois os concebemos como um artefato abundante em conteúdo. A intenção, a partir desse conhecimento, foi de estar no Grindr para compreender o que se aprende, ensina, descobre e transforma, ao entender as dinâmicas que medeiam as discursividades no Grindr como estratégias que se disseminam por meio dos discursos e geram embates e resistências entre as diferentes performatividades de gênero que ali se fazem presentes.

Para isso, concordamos com Silva Junior (2020) ao lermos a performatividade como condição para produção do gênero por meio dos atos de linguagem através de discursos preexistentes. Segundo Medeiros (2018), o modo como vivenciamos nosso gênero é ensinado, ensaiado e performado, e isto passa pela dimensão corporal. Existe, por parte dos usuários, a intenção de causar impressões e interesses, o que influencia e afeta corpos, atenções e prazeres; assim, performar é comportar-se a partir de situações vividas e do que se aprendeu, testou ou viu (MEDEIROS, 2018).

Dessa maneira, este artigo se encontra organizado em quatro momentos, sendo o primeiro dos aspectos metodológicos que nortearam a criação do perfil da pesquisadora: como os dados para análises foram obtidos, como o aplicativo funciona e quais informações são possíveis de se encontrar nele. Em seguida, “Se você não se enquadra, será bloqueado!”: o cancelamento na pedagogia do Grindr como experiência pedagógica, em que discutimos os usos do cancelamento. Logo após, temos “Não curto afeminados, nada contra”: manutenção dos convergentes. Aqui os cancelamentos são direcionados àqueles(as) fora da norma (cis)heteronormativa.

Estes expõem análises das discursividades de alguns(umas) usuários(as), suas performances de masculinidades e embates quanto às expressões de gênero, em que os machos, testosteronados e joviais, buscam semelhantes e reverberam certo receio aos gordos, velhos, afeminados e de traços subversivos que rompem a norma e causam certos desconfortos. Para Ruani, Couto Junior e Brito (2021), existe uma masculinidade idealizada pela (cis)heteronorma, e, nesse sentido, é nesta norma que estão os convergentes analisados no presente estudo. Brito (2021) completa que, por meio de um conjunto de dispositivos de controle, sendo eles os discursos, valores e práticas, a noção de heteronormatividade vivifica a normalização dessa ordem social.

Por fim, temos “Não tenho nenhum preconceito, a não ser com…”: ruptura dos dissidentes, momento em que evidenciamos as fissuras da norma, mesmo que os cancelamentos ainda estejam presentes. Para Medeiros (2018), acontece uma falta de conforto social quando o indivíduo revela preferências de outro querer, não normativos, e o faz sem medo de possíveis retaliações. Para Ruani, Couto Junior e Brito (2021), as masculinidades dissidentes se encontram desalinhadas do referencial idealizado por esse modelo (cis)heteronormativo. Dessa forma, alimentam embates, ensinam, aprendem e transformam maneiras de se comportar, apresentar e construir.

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa segue o viés qualitativo por dar ênfase às discursividades dos(as) usuários(as). Não desconsideramos a objetividade do uso de dados quantitativos, pois, conforme Souza e Kerbauy (2017), as análises qualitativas podem se apoiar em um conjunto de dados quantitativos, incorporando, assim, elementos de cunho quantitativo e qualitativo ao interpretar ou analisar um dado que requer amostras objetivas e estas são possibilitadas. Para mais, temos como estratégia a análise do material produzido, apoiando-se nas contribuições dos Estudos Culturais, o conceito em Pedagogias Culturais e, respectivamente, dos amplos processos pedagógicos provenientes dos discursos circulantes no Grindr, que conduzem disputas, ganhos, negociações e resistências dentro do aplicativo.

Neste sentido, para a leitura e compreensão a respeito das relações de poder, efeito das normas e dos disciplinamento dos corpos, consideramos a potência dos estudos de Foucault (1998; 1999), que se fez essencial para construção das reflexões propostas pela presente pesquisa, ao considerar que, dos processos pedagógicos, os padrões heterossexuais discursam quais homens realmente o são, ensinam formas de ser homem e de ser masculino em suas práticas, comunicam comportamentos, educam sujeitos sociais e produzem subjetividades diversas. Logo, a partir desse conhecimento, compreendemos que, por meio dos processos de descobrimentos e análises, é possível encontrar na casualidade4 do Grindr um lugar de afeto, poder, disputas e negociações, de moral e códigos.

Para análise das discursividades presentes nos elementos que compõem o perfil dos(as) usuários(as), foi criada uma conta gratuita com o nickname “Gab” no dia 6 de dezembro de 2021. Destacamos que a versão escolhida se limita a 100 perfis disponíveis para acesso, e, para optimização dos recursos, o aplicativo oferece outras duas versões, porém ambas pagas, sendo elas o Grindr XTRA e o Grindr Unlimited. A escolha do nome se deu pelo fato de transmitir certa indistinção quanto à identidade de gênero da pesquisadora. A preocupação em não se revelar mulher pesquisadora dentro do Grindr se deu em vista de uma possível dificuldade em se inserir no aplicativo, compreendendo, conforme Pelúcio e Duque (2020), que existe um regime discursivo em que o outro não opera, além de uma certa política de cancelamento.

Ser mulher cis pode ser compreendido por muitos como ilegitimidade em ocupar um lugar do qual não faz parte, ao estudar um aplicativo de relacionamento entre homens. Por esse motivo, pensamos voz e discurso em um sentido amplo, que não procura viabilizar o silenciamento daqueles(as) que não compõem, essencialmente, o mesmo lugar de falar, mas sim que nos permite se valer das pluralidades, complexidades e importâncias de pensar sexo, corpo, sexualidade e gênero como ser social.

A intenção, a partir desse conhecimento, foi de estar no Grindr de forma não essencialista, entendendo a importância de se debater sobre o tema como sujeito posta em comunidade, localizada socialmente e com olhar sobre as questões que nos cerceiam, não se tratando de uma representatividade, mas, conforme Duque (2020), eticamente do não descredenciamento das contribuições de pesquisadores e pesquisadoras por conta de suas identidades.

Dessa forma, além de nome (Gab) e idade (24), o perfil não trazia nenhuma outra informação. A intenção não era de captar usuários(as) para interações, mas sim de estar on-line na plataforma para levantar prints5 dos perfis, encarando este como material para posterior leitura e análise. O levantamento desses foi feito na cidade de Campo Grande, MS, a princípio na região urbana Anhanduizinho, e, entre prints, os horários de acesso ao aplicativo foram alternados entre manhã, tarde e noite. Foram obtidos prints também da região urbana Bandeira.

Percebemos que explorar as sete regiões de Campo Grande seria interessante e enriquecedor, já que atualmente a cidade é composta por 79 bairros que integram sete diferentes regiões. Para o estudo das regiões e seus respectivos bairros, valemo-nos do mapa das regiões urbanas e bairros e da delimitação dos perímetros de Campo Grande – 2017, da Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano (PLANURB).

À vista disso, entre os dias 6 de dezembro de 2021 e 7 de janeiro de 2022, transitamos entre os bairros e as demais regiões que antes não foram alcançadas. Dessa forma, foram levantados mais de 900 prints com o total de 312 perfis distintos, que foram obtidos de forma variável, ou seja, sem serem escolhidos a partir de uma regra fixa quanto ao que descreviam de si ou quanto à quantidade de informações que disponibilizavam.

Em um primeiro momento, foram “printados” todos os perfis que apareceram na opção “perto”, até que o limite de acessos gratuitos fosse alcançado. Cada print foi renomeado conforme o nickname do(a) usuário(a) e a quantidade de prints feitos, sendo este o recurso que melhor se adequou à demanda da pesquisa. Feito o levantamento dos dados, o perfil Gab e o aplicativo foram excluídos no dia 25 de janeiro de 2022.

Após a obtenção dos 312 perfis e organização por nome e quantidade de prints, todos foram transcritos em um quadro para posterior leitura e análise do material. Para tal, o quadro organizacional contou com 19 lacunas, estas com as seguintes informações: nickname/idade; emoji6; número de prints7; altura; peso; etnia; porte físico; posição; tribos; relacionamento atual; em busca de; local de encontro; aceitar fotos NSFW; gênero; pronomes; status HIV; último exame; o que descreve; e redes sociais.

Todas essas informações estão disponíveis para preenchimento dentro do perfil no aplicativo; as que se escolhe responder são as que ficam visíveis para consulta quando alguém acessa o perfil do(a) usuário(a). Ressaltamos que nem todos(as) completam as seções disponibilizadas, já que não há obrigatoriedades, ou seja, cada perfil é personalizado por seu(sua) usuário(a) e conta com uma quantia de informações.

Os 312 perfis foram transcritos para o quadro da mesma forma que apareceram no aplicativo, assim, quando um perfil não continha determinada informação, esta foi preenchida com um traço (-) para sinalizar que não havia informações a serem copiadas. Do mesmo modo, a grafia dos(as) usuários(as) se manteve sem correções ao ser transcrita dos prints para o quadro e do quadro para o presente texto.

Todos esses dados formam diferentes enunciados que foram analisados como produções discursivas, principalmente aqueles descritos em forma de texto pelos(as) usuários(as). Essa pluralidade de discursos compõe, na mesma medida, uma gama de dimensões pedagógicas, e, dentre essas, destacamos três que passamos a analisar.

2 “SE VOCÊ NÃO SE ENQUADRA, SERÁ BLOQUEADO!”: O CANCELAMENTO NA PEDAGOGIA DO GRINDR COMO EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA

É certo que surgiram percepções, ou estas apenas se revigoraram, com a inserção da pesquisadora no Grindr, com um perfil de poucas informações, porém o suficiente para receber mensagens, fotos e taps8 sempre que me encontrei disponível. Isso acontece porque nem sempre uma foto ou qualquer outro elemento é necessário para que alguém inicie uma conversa dentro do aplicativo. Dentre o total de 312 perfis obtidos, 260 adicionaram alguma forma de nickname, e destes a informação sobre a necessidade de se ter foto foi observada em apenas cinco. No mais, dos(as) 218 usuários(as) que preencheram a lacuna “O que descreve”, 66 fizeram menção à necessidade de que seus(suas) interessados(as) tivessem foto de perfil ou que a enviassem via chat.

O sigilo surge como uma valiosa condição aos discretos, que investem em imagens do rosto enviadas somente via chat ou fotos temporárias, por ser uma funcionalidade que permite ao(à) usuário(a) ter sua foto revelada sob a condição de que esta desapareça depois de aberta. Além destas serem abertas apenas uma vez, o aplicativo não permite que uma captura de tela seja feita desse tipo de mídia.

Já para a construção do perfil, normalmente selecionam fotos do corpo (peitoral) ou rosto parcial. Pensando poder em Foucault (1999), podemos compreender esse movimento como gerador e regulador de uma conduta específica, nesse caso, que ocorre entre os(as) usuários(as) que não interagem com fotos, mas, quando cobrados, incorporam formas de o fazer.

Entretanto, como o Grindr surge como lugar de afeto, interesses e oportunidades, para alguns(umas), um perfil é sempre um perfil em potencial, com ou sem foto; basta estar on-line para que uma interação aconteça. Nos meandros das interações e produções de saberes e subjetividades entre usuários(as), surgem esquemas de comunicação, por muito pedagógicas, administradas também por meio da ação de bloqueio.

É possível observar que a explanação dos discursos de cancelamento por meio dos bloqueios no espaço virtual do Grindr acontece de maneira que seja impossibilitada/frustrada qualquer tentativa de investida feita por um desigual. Para Pelúcio e Duque (2020), o cancelamento é usado em sentido metafórico, que pressupõe superioridade moral sobre o outro, além de se estabelecer na crença de legitimidade que desautoriza/deslegitima o outro.

Neste caso, tornando-o propício a ser cancelado por meio do bloqueio, como faz o usuário Leia o Perfil!37, ao descrever “Ativo 100%, Procuro Passivos Rabudos que tenham local e fotos da bunda. Curto muito Gordinhos Rabudos! Se você não se enquadra será bloqueado! Sigilo é essencial! Fotos no privado! Não curto versáteis nem ativo! Não insista!”.

Por vezes, o perfil Gab também foi bloqueado, ao fim do dia ou poucas horas depois do início de uma interação via chat que não foi visualizada e respondida. Os processos pedagógicos provenientes dos recursos comunicacionais no Grindr são múltiplos, assim, entendemos que a troca de informações entre os(as) usuários(as) por meio da interpretação de ações que provocam respostas se revela nesta ação de bloquear e se confirma nos dizeres de alguns usuários, como “[…] Não curtiu?Simples fala ou bloqueia” ou “Se não tiver a fim, bloqueia! Pois farei o mesmo”.

Bloquear se mostrou um aspecto linguístico subjetivo, incorporado por meio do aprendizado social entre ambiente e usuários(as). Desse modo, se você não visualiza e/ou não responde alguém a tempo, você é bloqueado/cancelado. Se um perfil não condiz aos desejos do outro, ele também é bloqueado/cancelado, o que, para Pelúcio e Duque (2020), refere-se ao valor moral que é estabelecido e não alcançado, tornando o outro suscetível ao cancelamento; porém, mesmo quando o subalterno é silenciado, ele se faz presente e se anuncia (DUQUE, 2020), como veremos posteriormente.

O Grindr surge também como plataforma composta por usuários(as) que buscam eficiência e descartam enrolação, o que foi possível observar em nicknames e biografias, como fez o usuário Bora hoje?/33 anos, ou Alisson/28 anos, que descreve “Só chama mesmo se tiver afim [sic], e tenha foto”. Bloquear um perfil como o da pesquisadora, sem foto, sem muitas informações e que deixou de responder ao primeiro contato, evidencia a transmissão de conteúdo pedagógico e o comportamento ali produzido.

No que se refere às transmissões de conteúdo pedagógico corrente nas produções discursivas do aplicativo Grindr, abarcamos não somente as que se constroem em formas linguísticas verbais compostas por grafemas na escrita alfabética, como também as que se complementam ou se constituem tão somente por emojis, sendo formas similares a pictogramas, que, para Ruani, Couto Junior e Brito (2021), expressam sentidos por meio de imagens.

Os autores explicam que o uso dos emojis dentro do espaço proporcionado pelo app se reitera em códigos que engendram contextos que conduzem interações. Nesse viés, pensando em bloqueio-cancelamento-proibições, foram muito utilizados os emojis () como recurso para salientar atitudes e/ou características que um possível parceiro não poderia ter.

O uso de emojis dentro do aplicativo se mostrou bastante variado. Foram usados, ao todo, 75 emojis diferentes entre os(as) 101 usuários(as) que optaram por utilizá-los em seus perfis, seja nos nicknames, seja nas descrições que construíram. Destes, os que remetem ao bloqueio-cancelamento-proibições () foram os que mais apareceram.

Tabela 1 Emojis de cancelamento. 

Emojis que cancelam Quantidade
22
7
3
3
2
1
Total 38

Fonte: Elaborado pelo autor e pela autora.

Como veremos adiante, seu uso foi empregado tanto por normativos que queriam afastar os dissidentes quanto pelos dissidentes que buscavam se afastar dos normativos, e os normativos que não procuravam outros normativos. Isso revela que a dimensão pedagógica do Grindr vai além de uma dicotomia, ela captura todos.

Desse modo, assim como a usuária transexual Sem Nome/26 anos se valeu do cancelamento para se afastar de alguns aspectos normativos ao descrever “Sou mulher trans. Tenho 20 e não estou falando da idade . Sem foto, Sigiloso, Hétero casado, Discreto, 50km de distânciia [sic]”.

O usuário DISCRETO/32 anos faz uso dos mesmos emojis para delimitar seu querer mais normativo, talvez na tentativa de invisibilizar, reprimir, censurar e interditar outros sujeitos ao descrever: Não sou e não curto cara afeminado. Não para enrolados e Estrelinhas. Sou discreto e busco o mesmo. Conversar, conhecer o depois são consequências. Não curtiu? Simples fala ou bloqueia […]”.

Acaba que os diversos cancelamentos presentes nos discursos engendram uma redoma difícil de se adentrar justamente por ser seletiva demais, como evidencia um dos usuários, ao dizer: “Ta difícil de transar com alguém desse app porque escolhem demais. Se curte só vem bb . Se não cai fora [sic]”. Entendemos, com base em Foucault (1999), que as regulações operam no corpo do sujeito como ser individual, mas também em uma dimensão maior, dentro do contexto coletivo, o qual determinará uma tomada de decisões distintas, além de configurar os interesses por meio dos discursos.

Assim, transpomos essa compreensão para as construções das discursividades e performances exercidas no Grindr, em que os(as) usuários(as) se valeram de ícones como ferramentas para exercício do poder, dentro desse corpo social mediado pelo aplicativo, para fixar um contexto no viés de determinar o prescrito e o ilícito, o permitido e o proibido, que entendemos como a pedagogia do Grindr.

2 “NÃO CURTO AFEMINADOS, NADA CONTRA”: MANUTENÇÃO DOS CONVERGENTES

Concomitantemente, ao entender as dinâmicas que medeiam as discursividades no Grindr como estratégias que se disseminam, compreendemos que as relações entre os(as) usuários(as) são permeadas, principalmente, por conflitos de gênero, raça, geração e, sobretudo, sexualidade, engendradas por meio dos discursos. Dessa forma, constrói-se a sexualidade que desponta, sendo esta a primazia à masculinidade viril concebida como algo positivo e legítimo, por estar consoante à lógica heteronormativa (MELO; SANTOS, 2020).

Dentro desta lógica, do homem viril, macho e fora do meio, o tesão ali alimentado ganha nome de “brotheragem”, curtição ou pegação entre machos, como bem evidenciou o usuário com o nickname Advogado/sem idade e os dizeres que compunham seu perfil, “Sou macho e curto macho! No sigilo”. Ao analisar esse perfil, notamos a preferência pelo uso da profissão na construção identitária do usuário, que sugere posição de poder, inteligência e sucesso.

Para Braga (2015), nos nicknames, o uso de profissões que remetem o imaginário social aos cargos de poder ou prestígio é mais corrente entre os homens que performam uma heteronormatividade, na qual circular essas referências de potência serve para captação de outros iguais, ao passo que a bicha fica de fora nesse campo de disputas que reúne para si “coisas de homens”. Ao dizer que é macho e curte semelhantes, o Advogado exclui os afeminados.

Outro perfil proveniente do campo que bem representa uma discursividade heteronormativa é o Discrição/25 anos. Ele informa: “Busco homem discreto ou bi para algo sem envolvimento no sigilo como eu. Se sua sobrancelha for igual a [sic] de mulher tirando sua imagem de homem, pode passar a vez não gosto de rosto feminino não me atrai”. Em discursos como estes, os(as) usuários(as) ressaltam os aspectos que consideram negativos e positivos em um parceiro.

Conforme o usuário, para os aspectos positivos, temos “ter imagem de homem” e “ser discreto e sigiloso”, enquanto, para o negativo, temos o rosto não masculino e uma conduta julgada exclusivamente feminina, descrita pelo cuidado com as sobrancelhas que Discrição/25 anos informa desapreciar. Parece não existir um discurso específico que se mostre como “chave de sucesso” no Grindr, embora haja supervalorização de alguns. O sucesso, na verdade, é muito subjetivo, incorpora diferentes aspectos e performances.

Durante a pesquisa de campo, foi possível encontrar perfis como Macho pass/27 anos, que descreve o seguinte: “Homem 28 anos. Passivo puto. Porém discreto. Sem local. Não sou afeminado. Apenas curto dar de calcinha. Negros e dotados passam na frente rsrs”. Ao passo que se inscreve por meio da negação da feminilidade, ele não deixa de incorporar elementos do universo tido feminino, neste caso evidenciado por usar calcinha.

Tal elemento não é capaz de gerar um desconforto social, por ser tratar de uma performance velada, que se restringe ao sexo, em que o corpo não performará, publicamente, uma feminilidade. Segundo autorreflexões produzidas por Duque (2020), o corpo se expressa e fala em sua materialidade como corpo, capaz de sofrer modificações, bem como ocorrem com os discursos. Um corpo pode falar por si só, em seus trejeitos, posturas, características, marcas, expressividades e afins, de modo que o corpo acaba por ocupar um lugar, um lugar de corpo.

Isto posto, Nogueira e Colling (2019) explicam que, na perspectiva da heteronormatividade, existe uma relação do gênero com a concretude do corpo, e, nesse viés, a erotização precisa ser inviabilizada, de modo que dois homens possam ser parceiros publicamente, desde que estes ajam “como homens” e restrinjam o que é erotizado/sexualizado “a quatro paredes”, para que assim possam organizar a sua vida segundo a heteronormatividade. A heteronormatividade estabelece uma relação linear entre sexo e prescritas performances de gênero, nas quais a heterossexualidade é o modelo.

Para mais, Macho pass/27 anos revela ao menos três aspectos interessantes. O primeiro faz menção a uma identidade que se forja a partir da negação do outro, além de ser discreto e masculino. O segundo aspecto é o “ser puto” e “dar de calcinha”, que descreve a forma como seu sexo será articulado e introjeta características do imaginário feminino, ao passo que nega ser afeminado, e por fim o terceiro aspecto, que elucida a problemática exposta por Medeiros (2018) sobre a objetificação dos corpos negros.

Para o autor, o exotismo se vincula a músculos, falo avantajado e posição ativa que garanta uma transa animal; para mais, ainda se apresenta um jogo dicotômico entre preferências por branquitude que acarretam discriminação ou uma procura pautada na hiperssexualização do homem negro, como também ensina o usuário Paulo Marques/sem idade: “Versátil gosto de homens negros mas sinão [sic] branco serve 99189**** zap”.

Para além, no viés da objetificação, na busca por novinhos ou pessoas que apresentem a menor disparidade entre idades, o público “sênior” se favorece da experiência, associa-se ao sistema heterocentrado que segue a lógica tradicional de cuidador e penetrador da mulher e, assim, emerge como figura paterna, sendo maduro, sexualmente ativo e dominador (MEDEIROS, 2018), como Luciano fisting/45 anos evidencia, ao dizer: “Ativo...curto afeminado...bem menina na cama.. curto dar uns tapas..sou dominador.curto casado que gosta de ser putinha []”.

A escolha do termo “puta” como adjetivo para referir-se a um homem e à articulação de seu sexo, além de estar flexionado em gênero (feminino) também está no diminutivo (inha). Concordando com Medeiros (2018), compreendemos que se ligar a práticas, visualidades e comportamentos tidos como femininos é, em nível majoritário, percebido como negativo. Ocupar a posição sexual de passivo “putinha” pode ser relacionado a deixar-se submeter pela penetração e submissão.

São construções históricas, culturais e sociais, nas quais a associação do termo possui apoio na ideologia de que mulheres são seres subalternos que têm o dever de atender exclusivamente aos anseios de homens, não importam quais sejam. Esta visão desmerecedora, estabelecida, dentre outras razões, pela penetrabilidade e pela submissão, é atravessada por enquadramentos que alcançam e condicionam também as performances dos homens passivos nas relações entre homens (MEDEIROS, 2018).

O usuário pontua, em sua discursividade, um enunciado que alimenta esse sistema heterocentrado ao buscar um certo tipo de relação, na qual ele performa o homem dominador, além de transmitir uma imagem de potência sexual por muito apreciada e procurada no aplicativo. Para Debert e Brigeiro (2012), a sexualidade não se dissipa com o passar dos anos, razão pela qual encontramos no Grindr conflitos geracionais articulados às performances sexuais, como veremos novamente no decorrer deste artigo.

Em contrapartida ao normativo, temos os(as) usuários(as) que incorporam para si os aspectos estigmatizados femininos, como fazer as sobrancelhas, ter voz fina, usar roupas ou objetos que possam ser identificados ou associados ao feminino – a exemplo das estampas e cores –, ter um cabelo ousado, além do uso de acessórios como brincos e piercings, e é nesse viés que ocorre a ruptura.

3 “NÃO TENHO NENHUM PRECONCEITO, A NÃO SER COM…”: RUPTURA DOS DISSIDENTES

A ruptura acontece porque a mesma lógica heteronormativa não dá conta da totalidade dos muitos processos de construção dos sujeitos dentro da plataforma. Assim, surgem também os afeminados, as pessoas trans e os assumidos que cruzam essa lógica discursiva normativa da discrição (MEDEIROS, 2018). Pensando na negação do outro, prevalentemente, os que estão fora do meio deslegitimam os que estão dentro e vice-versa.

Estar fora do meio implica afirmação da masculinidade, e, para tal, eles são sérios, calados, de voz grave, fortes e “sem frescura”, ou seja, não é qualquer performance de masculinidade, mas sim uma hegemônica heteronormativa (SOUSA; SANTOS JUNIOR; MOTA, 2020). Já pertencer ao meio é lido como sinônimo de ser feminino, assumido, escandaloso/extravagante, rir alto, falar alto ou ser frágil, mudar o tom de voz para um menos grave e incorporar trejeitos, mesmo que não sejam essas as características de absolutamente todos os sujeitos.

A respeito dessas masculinidades contra-hegemônicas (SOUSA; SANTOS JUNIOR; MOTA, 2020), deparamo-nos com perfis como o /25 anos, que descreve: “Não tenho nenhum preconceito (a não ser com bolsominion e gente escrota)... Vem gordinho, vem magrinho, vem afeminado, vem todo mundo pq aqui reina o respeito(mas se votou no Bolsonaro, vai tomar no seu cu)”.

Além deste, outro perfil que articula em sua discursividade um respeito restrito diz o seguinte: “Mestre Pokémon, Heetólogo, gamer mais ou menos, cantor na noite e dj de festa pop lgbtqia+. F1. Facistas, racistas, preconceituosos, vão se fuuder! [sic]”. Apesar de o campo não ter trazido um perfil que cancelasse os não bolsonaristas, por exemplo, entendemos que os bolsonaristas estão presentes no aplicativo e, por conta disso, estão sendo cancelados pelos dois perfis citados anteriormente. Nesse sentido, o cancelamento político aqui descrito caberia ao cenário contrário também.

Entendemos que a recusa entre sujeitos de diferentes ideais se constitui, a priori, pela convicção de que os elementos pertencentes a si carregam toda trama que o tece. Portanto, estar com um bolsonarista implicaria concordância com os ideais tradicionalistas que automaticamente vêm junto dele, e nesse sentido não há partilha de interesses comuns.

No mais, este respeito contraditório, que impõe condições hierárquicas, foge à democracia. Para Rossi (2008), respeito implicaria a capacidade de uma prática sem restrições, mas que acaba por se conter em uma retórica de prescritas normas e condutas que prescrevem uma prerrogativa do que é aceito ou não, além de superiorizar o tolerante em relação ao tolerado.

Para Carvalho e Pocahy (2020), as redes sociais, compreendidas como sociedades ciberculturais, evidenciam tensões éticas e políticas em que enunciados de ódio podem ganhar força e forma para se manterem. Outro usuário que se utiliza do espaço para veicular cancelamentos políticos foi o Red Bear/52 anos, ao se valer do emoji que remete a bloqueio-cancelamento da seguinte forma, BOLSOMÍNIONS Gente cheia de regrinhas […]”. E @lucasassisross/33 anos, que em certa altura descreve: “Sexy é ter consciência de classe […] Minion vaza/ Sem fts SEM PAPO”.

Os que fogem às normas de gênero e sexualidade são classificados como desviantes, anormais e nocivos por um governo que se preocupa em se voltar às notícias falsas e memes maliciosos, além dos discursos proferidos por políticos que engendram o pânico moral de sua corrente de seguidores e se fortalecem nos discursos políticos e religiosos sobre os valores dos bons costumes e da família tradicional, a fim de manter a cadeia de certos privilégios para determinados grupos (CARVALHO; POCAHY, 2020).

Assim, o que foge à regra é passível de causar certo desconforto social, e /25 anos, além de incorporar ao seu discurso um posicionamento político, talvez também tenha intuito de gerar esse desconforto, seleção e afastamento. Para mais, ele deixa evidente priorizar o respeito e acolher os majoritariamente excluídos, e cita gordos, negros, afeminados e demais.

Vale destacar que, segundo Bernardo (2020), a palavra estrangeira “minion” traduzida, significa “ajudante”, “auxiliar”, “servo” ou “favorito” que se tornou muito popular depois do filme animado produzido pela Entertainment Illumination e Studios Universal, intitulado “Meu Malvado Favorito” (2010). Os Minions são pequenas criaturas fiéis e escudeiras do vilão protagonista, Gru, e colaboram voluntariamente com seus objetivos.

Deste cenário, surgiu por parte de opositores(as) ao governo Bolsonaro o trocadilho com intenção pejorativa, que ganhou destaque e popularidade durante as eleições de 2018, com o nome Bolsonaro e o termo minion para cognominar aqueles que trabalham voluntariamente em prol do Bolsonaro, seja em ações, seja em campanhas, disseminando notícias sobre o candidato ou opositores, prontos para assumirem batalhas e ataques de todos os tipos (BERNARDO, 2020).

Ainda nos valendo de Bernardo (2020), podemos ler a descrição do perfil como enquadramento polarizado do posicionamento político no Brasil, a partir das proposições de existência de dois lados antagonizados, “direita/conservador/bolsonarista”, de um lado, e “esquerda/progressista/petista”, de outro.

Outro perfil que se revela contra-hegemônico é Guilherme/24 anos, que descreve: “Sou Ativo. De passeio em BR. Sem fotos eu não respondo. Sem heteronormatividade, por favor. Ser afeminado é um ato político e revolucionário somente por sua existência. Gamer (mais ao lol). Café pra crl [sic]. Tenho ponto fraco pelos twinks e gamers…”. Dessarte, assim como Bernardo (2020), nota-se que algumas discursividades estão intimamente ligadas com o contexto político-ideológico polarizado de esquerda versus direita.

Embora Guilherme reconheça a existência de uma heteronormatividade no aplicativo ao tecer uma crítica que ele associa unicamente à rejeição aos afeminados, é certo que a produção de enunciados tem por característica, em maior número, a circulação e manutenção da normatividade, seja ela sutil ou não.

Desse modo, percebemos, logo em seguida, que o usuário revela suas preferências por aqueles chamados “twinks”, expressão que descreve homens com características adolescentes, como corpo liso, sem pelos, jovens, sem marcas de expressão, majoritariamente brancos e magros, não se distanciando da normatividade que cerceia corpos socialmente aceitos.

Quanto ao ato político e revolucionário que Guilherme faz menção ao citar sujeitos afeminados, consideramos o que Piscitelli (2009) discute a partir de um contexto histórico, no qual as noções de feminilidade e masculinidades se fizeram fixas, e as performances delimitadas femininas e masculinas são articuladas a partir da cultura em que estão inseridas, sendo, portanto, variáveis.

Dito isso, compreende-se que os arranjos heterossexuais produzem noções de diferenças entre homens e mulheres que os oprimem; dessa forma, existe na ação de romper as articulações de uma heterossexualidade obrigatória um caráter político de luta e manifesto, ou seja, não basta que um afeminado exista para esse ser revolucionário e político, como Guilherme afirma. Assim, mesmo que o fato isolado de existir seja suficiente para gerar incômodos, ressaltamos que atos políticos e revolucionários dizem respeito a lutas que desencadeiam acentuadas mudanças sociais, políticas e culturais (PISCITELLI, 2009) para além do essencialismo da existência.

Na cultura gay, segundo Medeiros (2018), o termo twinks usado por Guilherme faz menção a um homem que atinge a puberdade e carrega traços pueris, além de ser o sujeito passivo e dominado. Em contrapartida a essa busca por novinhos, emerge a figura do daddy, que, traduzido do inglês, é papai, uma das tribos do Grindr. Este, na lógica do sistema normativo, é tradicionalmente o penetrador, cuidador e dominador, e, no sentido de romper tais enquadramentos, os papais são também passivos, relacionam-se entre si ou não, podem pouco se importar com a própria categoria daddy (2018) ou procurar por outro dominador.

As múltiplas performances se atravessam, de modo que o usuário 40tão mamador/40 anos quer “curtir um cacete bem duro […] encontros casuais, sem compromisso, apenas curtição”, enquanto o usuário 59 CGDE MS/59 anos diz que, para ele, “Um abraço vale muito + que 1 transa”. Além disso, temos o coroa passivo que cancela novinhos, como o usuário CoroaPassivo53/53 anos frisa estar “Sem saco para moleques”. Em oposição, temos Joapedro42atv/- que procura “alguém discreto até 27anos, mais velho nn adianta insistir [sic]”.

Dessa forma, constroem-se discursos situados entre os de visibilidade e marginalização, nos quais a visibilidade faz referência aos contextos que precedem dispositivos culturais, políticos e sociais que configuram a normatividade de seus ideais heteronormativos. A marginalização emerge nas posturas subversivas à norma. São os rompimentos cristalinos e manifestos dos desejos que, para Coutinho (2020), conferem à sexualidade novas compreensões.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendendo o Grindr como espaço de sociabilidades, produções e manutenções de conhecimentos provenientes de processos pedagógicos não intencionais, por não se tratar de uma instituição de ensino enunciada, entendemos que os embates e as disputas ali engendrados envolvem uma discursividade que se liga muito às definições de masculinidades e feminilidades. Essas definições são, de modo geral, o que compõe a peneira que cada usuário(a) empregará na hora de se construir dentro do app e são responsáveis por determinar como será o(a) possível parceiro(a).

No que concerne às performances do sujeito usuário de Grindr, o que se revela, até então, é o desejo de executar uma leitura do outro que conceda proventos ao que virá depois. Existem pormenores na fala, como também no silêncio. No mundo das regras não ditas, mas aprendidas e reproduzidas, as normas são também entender que no silêncio de uma interação iniciada via chat não visualizada e/ou atendida existe rejeição.

É pensar no que se deseja bloquear-cancelar, nas descrições que se constroem e nos melhores componentes para aquilo que se almeja, pois, para cada performance exercida, projetam-se diferentes anseios. Por trás do que se constrói nas descrições dos perfis, existem expectativas que escapam em comportamentos, revelam-se em frases como “não sou”, “não quero” e “não curto”, na expectativa de afastamento, por exemplo.

Produto de tudo aquilo que o cerca, dos complexos encontros e composições, os elementos contidos nos mais diversos perfis do Grindr são repletos de dimensões pedagógicas e marcadores que se configuram e deslocam para as relações afetivas. Nesse viés, as três dimensões conversaram entre si em um ponto, o de bloqueio-cancelamento.

A partir de uma heteronormatividade muito evidenciada, que converge à norma, ou daquelas que se mostraram sutis e dissidentes à norma, percebe-se uma busca em estabelecer e/ou justificar o que é legítimo ou não, “respeitado” ou bloqueado. Dimensões estas que foram, no presente estudo, lidas enquanto uma pedagogia do Grindr, capazes de ensinar, aprender e transformar comportamentos e delimitar o modo como um indivíduo se inserirá no aplicativo.

No mais, mesmo que os alicerces que constroem perfis no Grindr tenham se mostrado majoritariamente fundados nos ideais hegemônicos que se sustentam na inferiorização do outro, na homofobia, no silenciamento e apagamento, para alguns(umas) usuários(as) não funcionou dessa forma. Os sujeitos tidos como excessos dentro do aplicativo obtiveram para si a construção de masculinidades múltiplas. Ainda que a heteronormatividade se fizesse presente, existiram desprendimentos de algumas associações heteronormativas, e estas, por sua vez, agenciaram variedades de interações e performances.

3Para melhor compreensão sobre cultura, sugerimos leitura de “A interpretação das culturas” (GEERTZ, 1989).

4A prevalência no aplicativo revela ser por encontros casuais, sem um compromisso emocional que reflete e requer, cobranças ou exigências. Assim, fazemos uso do termo casualidade do Grindr sem nos esquecer que algumas interações entre os usuários do aplicativo se desdobraram para além da casualidade.

5Prints são capturas de telas que permitem registrar o conteúdo que aparece na própria tela do dispositivo utilizado – neste caso, um smartphone.

6Foi copiado da internet e colado o mesmo emoji que a pessoa utilizou em seu perfil, seja ele no Nickname, seja ele na opção “O que descreve”.

7Quantidade de prints necessário para capturar todas as informações de um mesmo perfil.

8O tap, segundo Ruani, Couto Junior e Brito (2021), é um botão que, quando acionado, notifica o perfil da pessoa na qual se teve interesse, sem que um diálogo inicial se estabeleça.

AVISO: este artigo contém linguagem de cunho sexual e seu conteúdo é de inteira responsabilidade do autor.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Recebido: 08 de Agosto de 2022; Aceito: 04 de Outubro de 2022

Gabriela Alencar Montecio: Graduanda em Educação Física Licenciatura pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). E-mail: gabrielamonteschio8@gmail.com, Orcid:https://orcid.org/0000-0002-4472-3011

Marcelo Victor da Rosa: Doutor em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Professor nos Programas de Pós-Graduação em Estudos Culturais (PPGCult) e Educação (PPGEdu) da UFMS. Líder do Núcleo de Estudos Néstor Perlongher. E-mail: marcelo.rosa@ufms.br, Orcid:https://orcid.org/0000-0002-0621-0389

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