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Série-Estudos

versión impresa ISSN 1414-5138versión On-line ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.27 no.61 Campo Grande set./dic 2022  Epub 16-Feb-2023

https://doi.org/10.20435/serieestudos.v27i61.1671 

Artigos

Dimensão pedagógica da Gestão Escolar: planejamento, avaliação e prática do currículo

Pedagogical dimension of School Management: curriculum planning, evaluation and practice

Dimensión pedagógica de la Gestión Escolar: planificación, evaluación y práctica curricular

Doriele Silva de Andrade Costa Duvernoy1 
http://orcid.org/0000-0002-6984-4012

Lyza Gennifer Moreira de Barros1 
http://orcid.org/0000-0003-2469-9779

1Universidade de Pernambuco (UPE), Recife, Pernambuco, Brasil


Resumo

Este artigo apresenta uma análise da relação gestão escolar-currículo, a partir do olhar de gestores de escolas públicas de uma rede municipal de ensino da região metropolitana do Recife, PE. Situamos o planejamento, a avaliação e a prática do currículo como eixos da atuação da gestão escolar, numa perspectiva que considera a dimensão pedagógica como centro do trabalho do gestor ou da gestora. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, na qual adotamos a abordagem metodológica da pesquisa-ação. Com isso, temos o propósito de investigar de que maneira a dimensão pedagógica pode ser potencializada por meio da implementação do currículo na escola. Constatamos elementos que apontam o campo semântico do conceito de currículo, contextos de atuação da política educacional em curso e as especificidades dos papéis de cada segmento envolvido nas práticas curriculares desenvolvidas na escola.

Palavras-chave: gestão escolar; políticas curriculares; Base Nacional Comum Curricular

Abstract

This article presents an analysis of the management-curriculum relationship, from the perspective of managers of public schools in a municipal education network in the metropolitan region of Recife, PE. We identified the planning, evaluation and practice of the curriculum as axes of action in school management in a perspective that considers the pedagogical dimension as the center of the manager’s work. Our object of study is school management, with the purpose of investigating how the pedagogical dimension can be enhanced through the implementation of the curriculum at school. We adopt the methodological approach of action research. We found elements that point to the semantic field of the curriculum concept, contexts of action of the current educational policy and the specific roles of each segment involved in the curricular practices developed at school.

Keywords: school management; curricular policies; Common Curricular National Basis

Resumen

Este artículo presenta un análisis de la relación gestión escolar-currículo, desde la perspectiva de gestores de escuelas públicas de un sistema escolar municipal de la región metropolitana de Recife, PE. Verificamos la planificación, evaluación y práctica del currículo, como ejes de la actuación de la gestión escolar en una perspectiva que considera la dimensión pedagógica como centro del trabajo del directivo. Se trata de una investigación cualitativa, en la que adoptamos el enfoque metodológico de investigación acción. Con esto, pretendemos investigar cómo se puede potenciar la dimensión pedagógica a través de la implementación del currículo en la escuela. Encontramos elementos que apuntan al campo semántico del concepto curricular, contextos de acción de la política educativa en marcha y las especificidades de los roles de cada segmento involucrado en las prácticas curriculares desarrolladas en la escuela.

Palabras clave: gestión escolar; políticas curriculares; Base Nacional Común Curricular

1 INTRODUÇÃO

Este artigo emerge de uma pesquisa realizada em 2020, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação, na linha de pesquisa Política e Gestão Educacional. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, aplicada à educação, realizada a partir de uma pesquisa-ação que busca fortalecer a dimensão pedagógica da gestão escolar.

Nessa perspectiva, a investigação seguiu um ciclo para melhoria da prática, partindo da identificação do problema para o planejamento de uma ação, sua implementação e a avaliação de seus resultados. Inicialmente, aplicamos um questionário exploratório com 43 gestores e gestoras escolares de uma rede municipal de ensino da região metropolitana do Recife, Pernambuco, logo após a formação oferecida pela Secretaria Municipal da Educação. Os participantes afirmaram que, no exercício da função de gestão escolar, a maior parte de sua carga horária está centrada nos eixos administrativo e pedagógico. No entanto, a dimensão pedagógica praticamente não está contemplada nas propostas formativas oferecidas, negando a centralidade da referida dimensão para o exercício da função.

A partir desse diagnóstico, situamos o nosso problema de pesquisa na posição periférica na qual situam a dimensão pedagógica da gestão escolar, o que afasta o gestor escolar de sua posição de articulador das práticas curriculares que compõem o processo de ensino e aprendizagem.

Em seguida, realizamos uma análise documental e bibliográfica para compreender o processo de implementação de políticas curriculares na escola, especialmente a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para isso, optamos pela abordagem do ciclo de políticas, de Stephen Ball e colaboradores.

A partir dos dados obtidos nessas duas etapas, por meio do grupo focal, composto por 11 gestores(as) de escolas públicas que atendem turmas do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, foi possível conhecer a atuação desses gestores e dessas gestoras na dimensão pedagógica das escolas.

Nesse sentido, problematizamos o papel do(a) gestor(a) escolar como articulador no planejamento e na execução do projeto político-pedagógico da escola, bem como os papéis dos atores da gestão escolar, a fim de, assim, direcionar nossa investigação para a atuação de gestores(as) na dimensão pedagógica da gestão escolar.

2 PLANEJAMENTO E CURRÍCULO: O GESTOR ESCOLAR COMO ARTICULADOR DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA

Na política educacional do ensino público no Brasil, é comum percebermos desencontros entre as ações propostas e as demandas reais. Parece existir uma certa distância entre o sentido do que se planeja e aquilo que a escola precisa, ou mesmo entre quem planeja e quem executa o planejamento.

Ball, Maguire e Braun (2016), ao analisarem as ações educacionais a partir das políticas públicas, defendem que, no âmbito da escola, políticas em fase de implementação são reinterpretadas, reconstruídas e adaptadas a partir de alguns contextos. Por meio de uma pesquisa realizada com escolas públicas da Inglaterra, eles analisaram os contextos que exercem implicações na forma como as escolas lidam e colocam em prática as políticas educacionais. Eles constatam que existem acomodações entre as políticas obrigatórias, sua institucionalização e sua prática, pois poucas políticas chegam à escola totalmente formadas e os processos de atuação da política envolvem ações específicas de reordenação e adequação. Neste sentido, a interpretação é importante, porque a responsabilidade de dar sentido à política recai sobre as escolas, o que exerce significativa influência sobre o planejamento escolar.

Ball (2006) aponta que colocar as políticas em prática é um processo complexo em que reajustes e acomodações se instauram diante de doses de discurso e poder. A atuação do gestor escolar que consideramos aqui faz referência à forma como a prática cotidiana do segmento de gestão escolar se dá na escola, a partir da reelaboração dos sujeitos que nela atuam.

Ao chegar à escola, as reelaborações das políticas públicas deste currículo também sofrem influências das relações de poder presentes no campo institucional da Educação. Então, presumir que as unidades de ensino responderão rapidamente e na mesma medida às demandas políticas implica desconsiderar a complexidade dos ambientes de atuação e as relações de poder neles estabelecidas.

O que tentamos destacar aqui é que o desenvolvimento do ensino e seus resultados por escola expressam a singularidade de cada ambiente de ensino, e o contexto no qual cada escola está inserida exerce implicações sobre as políticas implementadas. Assim, o planejamento da escola precisa também expressar suas especificidades para que limites e dificuldades sejam considerados na mediação das práticas pedagógicas e reconhecidos diante dos resultados.

Diante do foco pedagógico do trabalho da escola, a gestão pedagógica constitui-se uma das dimensões mais importantes do trabalho do gestor escolar, pois, embora ela possa ser compartilhada com um coordenador ou supervisor pedagógico, quando a escola conta com esses profissionais, ela nunca é a esses profissionais inteiramente delegada (LÜCK, 2009).

Assim, consideramos a construção do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola uma oportunidade de construir a proposta curricular coletivamente, como dimensão pedagógica da gestão para atuação do gestor escolar. Destacamos, também, que o planejamento, numa perspectiva que considere a variação de contextos e a organização de práticas, precisa ser fortalecido, pois, apesar dos diversos aspectos de o contexto familiar e a afetividade revelarem aspectos comunitários mais amplos, enfatizam-se os resultados escolares.

Na política nacional de Educação, temos como referência de planejamento o Plano Nacional de Educação (PNE), que deixou de ser uma disposição transitória da LDB n. 9.394/96 para ser uma exigência constitucional com periodicidade decenal, por meio da Emenda Constitucional n. 59/2009, constituindo, assim, uma política de Estado. O atual plano foi aprovado em 2014, passando a ser considerado articulador do Sistema Nacional de Educação. As vinte metas, contextualizadas no documento, servem de base para elaboração de planos estaduais, distrital e municipais, que, aprovados em lei, devem prever recursos para sua execução.

Apesar de representar uma conquista significativa para Educação brasileira, o PNE vive um cenário de abandono de ações do governo. Diante da conjuntura política nacional da aprovação do referido plano até os dias atuais, as vozes de ministros da Educação que colocavam o PNE como Plano de Estado, requerido constitucionalmente como norte das políticas educacionais, foram caracterizadas pela descontinuidade da agenda educacional. A promulgação da Emenda Constitucional n. 95/ 2016, que institui o Novo Regime Fiscal, impõe limites para investimentos nas políticas sociais (nas quais a Educação está incluída) e contrapõe as disposições das Conferências Nacionais da Educação e o próprio PNE, ao inviabilizar a perspectiva de ampliação dos recursos na área da educação para efetivação das ações e metas propostas.

Em relação à gestão escolar, o PNE ratifica os preceitos constitucionais e estabelece a gestão democrática da educação como uma das diretrizes para Educação nacional, reconhecendo como mecanismo concreto de sua efetivação a participação da comunidade escolar na elaboração e implementação de planos e projetos político-pedagógicos das unidades educacionais. Assim, no exercício e na efetivação da autonomia das escolas em articulação com os sistemas de ensino, destacamos não só a construção coletiva do PPP da escola, mas também dos currículos escolares.

No Plano Estadual de Educação de Pernambuco (PEE), a Meta 19 trata da gestão democrática e apresenta a estratégia 19.6 sobre a qual assume a competência de: estimular a participação e a consulta na formulação dos projetos político-pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos escolares por profissionais da educação, estudantes e familiares. Assim, temos um dispositivo legal que comunga da participação nos processos de planejamento desenvolvidos para o cotidiano escolar (PERNAMBUCO, 2015).

É importante destacar que, diante da conjuntura política nacional pós-golpe, a partir de 2016, com mudanças governamentais, inclusive no que diz respeito ao financiamento dos referidos planos, a execução desses planos foi comprometida, principalmente o financiamento das ações. Acreditamos que este fator apresenta impactos significativos no contexto do planejamento escolar.

Consideramos o PPP como espaço de atuação pedagógica do gestor, no qual ele organiza a comunidade escolar para coletivamente pensar, discutir e planejar as ações vivenciadas a partir do currículo, com foco no processo de ensino-aprendizagem e na superação de dificuldades identificadas. Desse modo, a afirmação de uma construção coletiva durante o planejamento das ações da escola oferece subsídios para a materialização das atividades escolares em contextos de mudanças nas políticas educacionais.

Quanto ao papel do gestor escolar durante o planejamento, por ser ele também sujeito deste processo de construção coletiva, é comum recorrer também a sua compreensão sobre a escola, a gestão, o currículo e as relações que tornam a sua prática possível. Todavia, as deliberações precisam estar centradas nas demandas da comunidade escolar para resistir à privatização da instituição pública, ou seja, o gestor representa a maior instância de autoridade na escola, mas, enquanto autoridade representativa de um coletivo, as decisões devem ser partilhadas, e não particulares.

O perfil desse gestor exercerá uma forte influência não apenas no plano de ação da escola, mas também no seu acompanhamento para conversão do que foi instituído em ações realizadas. Sobre essa influência, caracterizamos dois perfis de gestor: um que acredita na possibilidade de gerir o cotidiano escolar numa posição hierárquica de maior autoridade na instituição, cuja preocupação exclusiva é manter o funcionamento básico da escola e, muitas vezes, acaba exercendo uma atuação de cunho privado da instituição pública; e o outro integrado com cada segmento que compõe a comunidade escolar, observando os problemas cotidianos e buscando combater suas origens para avançar no processo de ensino-aprendizagem.

Por meio das avaliações externas e da intenção de uma unidade nacional quanto ao currículo, observam-se instrumentos de controle do currículo escolar e do trabalho dos professores. Porém, diante das variações (geográfica, social, cultural e estrutural) que compõem a realidade dos estados e municípios brasileiros, planejar um currículo único, por meio de um ensino único, avaliando os resultados de forma também única, parece caracterizar um processo de aprendizagem fechado para diversidades regionais, culturais e sociais, que, desconsiderando a relação do conhecimento com as práticas sociais, acaba favorecendo a manutenção das desigualdades.

Nesse contexto educacional, em que muitas vezes as políticas instituídas não apresentam continuidade, ao serem substituídas em função das mudanças de governo, torna-se ainda mais importante que a escola construa o seu PPP de forma participativa e mantenha o acompanhamento e a materialização das ações nele previstas. Não se trata de negar ou ir de encontro às diretrizes educacionais nacionais, mas fortalecer a autonomia da escola, no sentido de que essa mantém seu plano a partir das demandas reais da comunidade escolar.

A Lei n. 9.394/96 destaca a importância do PPP e dos conselhos escolares na gestão democrática. Por isso, destacamos o planejamento escolar como um ato político-avaliativo-formativo que, por meio dos sujeitos envolvidos no seu processo, torna possível construir um mapa das condições da escola, estabelecer os objetivos da Educação e traçar caminhos a serem percorridos coletivamente.

Assim, três aspectos são importantes para o planejamento curricular na construção do PPP: a participação, a autonomia e a democratização da gestão escolar.

Pensando ações para alcance dos objetivos e que estas sejam realizadas de forma efetiva, é preciso garantir a participação dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Não estamos nos referindo a uma participação apenas no mutirão para pintura da escola, ou participação nas festividades que a escola vivencia, mas uma participação na construção do currículo, na forma como é colocado em prática e como é avaliado.

O PPP da escola se materializa como arcabouço dos elementos que incidem sobre o planejamento escolar. Segundo Veiga (2013), todo projeto pedagógico é também um projeto político, ao assumir compromisso articulado aos interesses reais e coletivos da população. Nesse sentido:

[…] é político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade [...] e pedagógico no sentido de definir as ações educativas e as características necessárias às escolas que cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade. (p. 13).

A dimensão política do PPP permite aos sujeitos da escola estabelecer um acordo público do que a escola pretende sobre a dimensão pedagógica, dando singularidade a cada unidade de ensino, no sentido de definir como vai agir diante da sua realidade para alcançar suas pretensões. Neste sentido, ao planejar o currículo, a escola precisa considerar a especificidade de cada comunidade atendida e dos indivíduos que a compõem, e não implantar uma proposta fechada, definida e padronizada, como se todas as escolas fossem iguais e seus estudantes e professores também.

O planejamento precisa ser articulado pelo gestor. Sua tarefa não é construir uma proposta curricular, mas organizar e envolver as pessoas para que esta construção aconteça coletivamente e, assim, encontre possibilidades reais de atender às demandas necessárias. Desta forma, o diálogo e a motivação são estratégias importantes para incentivar a participação, considerando a natureza do cidadão que se quer formar nos seus aspectos culturais, sociais e econômicos, com análises e práticas de resistências às formas de opressão que tentam neutralizar o pensamento crítico.

Para desenvolver uma Educação na perspectiva da escola cidadã, que visa ao desenvolvimento integral dos indivíduos, é preciso garantir a prática de um planejamento a partir da construção coletiva de um currículo que, pensando-se o ensino de forma transversal, precisa superar a lógica cartesiana, fragmentada, abrindo espaços para questionamentos sistêmicos e para as relações com as práticas sociais.

3 AVALIAÇÃO E CURRÍCULO: AS POLÍTICAS CURRICULARES E A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DA GESTÃO ESCOLAR

Falar em política educacional implica considerar que ela está articulada ao projeto de sociedade, uma vez que o processo educativo forma aptidões e comportamentos que são necessários ao modelo social e econômico em vigor (AZEVEDO, 2004).

Muitas vezes, as mudanças nas políticas curriculares têm tamanho destaque, a ponto de serem analisadas como se fossem em si a reforma educacional. Se, por um lado, o currículo assume o foco central de uma reforma, por outro, as escolas são limitadas a sua capacidade de implementar adequadamente as orientações curriculares nacionais.

Nas escolas, existem acomodações entre as diretrizes políticas, sua institucionalização e suas práticas. Os processos de atuação da política envolvem ações específicas de reordenação e adequação. A responsabilidade de dar sentido à política recai sobre as escolas e, nesse sentido, a interpretação exerce um papel relevante.

Neste trabalho, o conceito de “atuação” está baseado em Ball, Maguire e Braun (2016). Portanto, entre a política instituída e a sua prática existem limites, possibilidades e circunstâncias que definem como serão concretizadas.

No livro “Reforming education and changing schools”, publicado em 1992, Bowe, Ball e Gold rejeitam os modelos de política educacional que separam as fases de formulação e implementação, porque estes modelos ignoram as disputas e os embates sobre a política e reforçam a racionalidade do processo de gestão. Eles indicam que o foco da análise de políticas deveria incidir sobre a formação do discurso da política e sobre a interpretação ativa dos profissionais que atuam no contexto da prática para relacionar os textos da política com a prática. Propuseram um ciclo contínuo, contendo os contextos principais: o contexto da influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Mais adiante, foram incluídos os contextos dos resultados (efeitos) e o da estratégia política (MAINARDES, 2018).

No contexto da influência, os discursos políticos são construídos, pois é nesse contexto que os grupos políticos disputam para influenciar as definições da finalidade social da Educação e o que significa ser educado. Atuam neste contexto as redes sociais dentro e em torno dos partidos políticos, do governo e do processo legislativo.

No Brasil, o PNE está no epicentro das políticas educacionais e, como política de Estado, enfrenta grandes desafios na sua retomada, em face da complexa conjuntura política, econômica e educacional em curso. A partir do processo de impedimento de uma presidenta da República, democraticamente eleita, são observadas medidas governamentais de alto impacto, restritivas de direitos sociais. O referido cenário é uma representação do contexto da influência já mencionado.

Entretanto, no contexto da prática, observamos que a dinâmica curricular envolve dois momentos interligados, porém distintos: a produção e a implementação. Admitindo o caráter científico da sua elaboração, os insucessos são com frequência reconhecidos como problemas de implementação que recaem sobre as escolas e os docentes.

Por considerar a implementação da BNCC o contexto no qual a problemática desta pesquisa surgiu, analisaremos essa política curricular, mais especificamente seu processo de implementação e os respectivos desafios, a partir do ciclo de políticas proposto por Stephen J. Ball e Bowe (1992)

Nessa direção, consideramos que as políticas educacionais sofrem implicações a partir de contextos que vão da sua elaboração às suas práticas, provocando impactos nos processos de aprendizagem e em seus respectivos resultados. Com essa perspectiva, apresentaremos nesta seção os aspectos do processo inicial de implementação da BNCC e, a partir dele, a atuação das práticas curriculares, por meio dos dados coletados em nosso lócus de estudo.

Reconhecemos que o currículo não está restrito ao espaço escolar. Pelo contrário, ele aponta para fora da escola, impulsionando a interação com a sociedade e dando sentido às aprendizagens vivenciadas. Nessa perspectiva, o currículo é formado pela relação de experiências escolares com o conhecimento, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes com conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir identidades (MOREIRA; CANDAU, 2018).

Analisando as políticas curriculares, precisamos considerar as possibilidades de traduzir essa perspectiva que relaciona currículo e práticas sociais, bem como seu desenvolvimento no cotidiano escolar. Para realizar esta análise, apoiamo-nos na abordagem do ciclo de políticas, que é um ciclo contínuo composto por 5 (cinco) contextos inter-relacionados, elaborados por Stephen Ball e colaboradores, considerando as arenas e os grupos de interesse (MAINARDES, 2018).

O primeiro contexto analisado é o da influência, que é composto por políticas, discursos, legitimação, finalidades da Educação, interesses sociais e políticos. A LDB n. 9394/96 prevê, em seu artigo n. 9, a necessidade de estabelecer competências e diretrizes curriculares que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.

No Brasil, estados e municípios têm uma relativa autonomia dentro das diretrizes federais educacionais para decidir sobre diferentes assuntos: financiamento, currículo e contratação de professores, por exemplo. No cenário do currículo, o debate nacional não é novo. Em 1997, foi iniciado um processo de elaboração de currículo com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Na época, houve um movimento internacional em direção à centralidade do currículo na Europa, Austrália, EUA, e com debates semelhantes evidentes na América Latina e na África (MACEDO, 2014, 2016).

Entre 2008 e 2010, o MEC criou instruções na forma de um documento denominado “Indagações Curriculares ” (BRASIL, 2009). Ao mesmo tempo, o PNE estava sendo discutido e, após um longo debate, o plano foi assinado em 2014, já apontando a necessidade de uma base comum nacional para o currículo.

Reuniões e eventos foram realizados para ativar a rede do Movimento pela Base Nacional Comum. Podemos destacar três seminários formativos realizados pela Fundação Lemann, em 2013 e 2015: dois na Universidade de Yale, EUA; e um no Brasil, em Campinas, no Estado de São Paulo.

Esses seminários são um exemplo de como essa fundação faz seu trabalho direcionando e mobilizando os atores com os quais deseja construir um relacionamento. O referido movimento é financiado e mantido por organizações privadas e defende a importância de um currículo padrão. Assim, situamos as ações nacionais e internacionais citadas como representações do contexto da influência.

Do ponto de vista político, existe um interesse em valorizar a escola, sobretudo ressuscitando o debate sobre a afirmação de que “tudo era melhor no passado, onde todos aprendiam, todos eram iguais”. Logo, um currículo pensado sem articulação com seus respectivos sujeitos de atuação remete a uma separação entre teoria e prática.

No contexto da produção de textos, estes geralmente estão articulados com a linguagem do interesse de representações políticas que tomam várias formas: textos legais oficiais, pronunciamentos oficiais, vídeos e outros. Como a política não é finalizada no momento legislativo, seus textos precisam ser lidos, considerando tempo e local de produção. Assim, políticas não são somente intervenções textuais, mas também carregam limitações materiais e possibilidades.

No processo de formulação da BNCC, pudemos constatar que as funções do Estado e sua ação política estavam marcadas pelo distanciamento de um projeto de sociedade construído coletivamente. A referida política pública educacional chegou às escolas e não saiu delas. Com isso, a participação dos sujeitos, que fazem a escola e implementam tais políticas, foi muito restrita. Evidencia-se, portanto, uma política liberal posicionada entre mercado e Estado, dotada de interesse privados no setor público.

Na agenda nacional, o processo de construção da BNCC foi iniciado em 2015 (BRASIL, 2015). A segunda versão foi apresentada ao Conselho Nacional de Educação, contemplando as três etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio).

No entanto, em 2016, a presidenta Dilma Rousseff sofreu um impeachment, considerado por muitos(as) educadores(as) como um Golpe de Estado. Na ocasião, o impacto da mudança estrutural atravessada pelo governo provocou alterações na condução política e nas concepções ideológicas também. Dentro dessa conjuntura em que os discursos são reelaborados, os fins da Educação também passam por processos de redirecionamento, em que interesses políticos influenciam os meios operacionais da política educacional.

O novo cenário político apresenta mudanças nas perspectivas educacionais, bastante explícitas na construção da BNCC, nas quais identificamos o segundo contexto de nossa análise sobre as evidências do contexto da produção de texto. O documento sofre alterações significativas e, no seu processo de recondução, crescem as tensões e os questionamentos sobre a participação dos profissionais da educação, como crescem também os interesses de setores e empresas educacionais privadas e a necessidade de apresentar uma nova linguagem que justifique as alterações propostas.

A terceira versão, apresentada em dezembro de 2017 (BRASIL, 2017), consiste em uma proposta completamente contrária, na perspectiva político-ideológica, à versão que havia sido construída até então. Os direitos de aprendizagens baseados em práticas sociais e conhecimentos essenciais pautados na declaração Universal dos Direitos Humanos e legitimados nas Conferências e Fóruns de Educação e no PNE foram substituídos por competências e habilidades usadas nos PCNs (BRASIL, 1998) com ênfase na formação para o mundo do trabalho. Outra alteração significativa foi a fragmentação entre os níveis de ensino, em que a Educação Infantil e o Ensino Fundamental foram separados do Ensino Médio.

Após um ano de ações de divulgação, seminários regionais e revisão do texto, a versão final foi aprovada em dezembro de 2018 , incluindo a etapa do Ensino Médio (BRASIL, 2018). Houve tensão quanto à participação dos profissionais de educação, a qual ficou restrita à consulta pública virtual. Isto gerou mobilização social de sindicatos de professores e insatisfação dos docentes que operam o currículo nas escolas. No entanto, em termos de representatividade do processo de construção da referida política pública, os principais interessados foram praticamente excluídos. Assim, as mudanças realizadas da segunda para terceira versão da BNCC traduzem as implicações dos contextos mencionados “da influência e da produção do texto”.

Em nossa pesquisa de campo, realizada com o grupo focal, apesar de estarmos no 2º ano de implementação da BNCC e enfrentando as adversidades provocadas pela pandemia da covid-19, identificamos alguns elementos que expressam o processo de implementação da BNCC nas escolas lócus desta pesquisa. Percebemos, em princípio, um estranhamento da comunidade escolar ao que está proposto na base, enquanto política pública que chega à escola. Muitas dúvidas, questionamentos e comparações referentes à experiência praticada no transcorrer dessas políticas curriculares até então.

Consideramos o contexto da interpretação da política curricular em curso comprometido pela ausência de espaços de debates e reflexões sobre o processo a ser implantado na escola. As alterações elencadas na BNCC incidem sobre o papel dos professores na aprendizagem dos estudantes, sobre os objetivos educacionais e a função da escola. Os chamados “momentos para reflexão sobre o currículo” foram insuficientes para leitura, debate, apropriação e reconstrução deste.

Em uma das escolas participantes desta pesquisa, identificamos a atuação de um currículo baseado nas proposições do material didático fornecido pelo Ministério da Educação. No citado material, identificamos o foco nos conteúdos e perfis de atividades semelhantes ao formato das avaliações externas. As turmas sobre as quais as estratégias de avanços na aprendizagem estiveram concentradas são exatamente as mesmas que foram avaliadas. Nas atividades, além das questões, estava explícito o tempo determinado para cada uma delas e o que o professor deveria fazer para aplicação delas. Além disso, destacamos avaliações contidas nos livros didáticos para serem realizadas a cada bimestre.

Ao considerarmos os desafios do contexto da prática em algumas escolas, nem sequer encontramos os textos oficiais, mas apenas a BNCC impressa.

Analisando o processo de implementação da BNCC, identificamos, pelos relatos dos participantes do grupo focal, a gestão escolar distante da dimensão pedagógica, atuando sobre o currículo com foco na avaliação dos resultados e como supervisão do trabalho docente. O planejamento do currículo, a partir dos resultados, a elaboração de estratégias de superação das dificuldades e a revisão deste plano, na prática, são vistos como ações distantes da atuação de gestores escolares sobre o currículo.

Quanto às práticas pedagógicas escolares dentro do processo de implementação da BNCC, identificamos os processos de aprendizagens que não estão contemplados e não encontram possibilidades de encaixe na proposta que a BNCC apresenta para escola. A diversidade, a flexibilidade, a pluralidade, os impactos ambientais e demais especificidades contidas no processo de ensino-aprendi-zagem nos últimos anos, funcionando como impulsionadores da construção do conhecimento na relação teoria e prática social, parecem estar destinados para o segundo plano.

As avaliações externas são um aspecto do cotidiano escolar, que identificamos como ponto central no contexto de implementação da BNCC. Sobre este aspecto, destacamos elementos importantes: um referente à contextualização local, que deve complementar o currículo, porém não tem espaço nas avaliações realizadas, transformando os 60% da base em 100%, uma vez que os 40%, destinados aos componentes que contemplem as especificidades locais, são desconsiderados nas avaliações. O outro elemento diz respeito à assistência direcionada especificamente às turmas que participam das avaliações externas, com programas e materiais didáticos específicos, que compõem uma prática pedagógica preparatória específica para a referida avaliação.

No contexto dos resultados, compreendemos que a avaliação da aprendizagem na prática é usada, mas não há uma perspectiva processual de retomada para reelaboração da prática e oferta de subsídios para superação dos índices dos resultados não satisfatórios. As avaliações externas apresentam uma colocação, que, na prática, rotula as unidades educacionais em melhores escolas, escolas medianas e piores escolas, sem previsão alguma de programas e ações que transformem tais realidades. A mudança nos índices fica sob a responsabilidade das escolas, como se, num passe de mágica, elas tivessem a possibilidade de investir recursos humanos e financeiros que garantam a referida assistência.

Consideramos os dados mencionados como um retrocesso para Educação, especificamente quando percebemos uma direção educacional que aponta para competências e habilidades voltadas para o mundo do trabalho, desconsiderando os avanços, entre eles: a autonomia da escola, a garantia de direitos humanos, uma formação que possa ser refletida na prática, a diversidade, a pluralidade e os estudos sobre impactos ambientais.

Enquanto estratégia de resistência aos desafios que se configuram na intencionalidade e materialização da BNCC, a escola precisa provocar o debate sobre o currículo e garantir esses espaços de reflexão, que podem começar pequenos e se fortalecerem gradativamente. A vivência de uma avaliação sistemática e formativa do currículo escolar compreende também uma forma de superar os desafios mencionados. É sistemática porque é contínua e formativa, porque não identifica apenas o certo e o errado, mas torna a escola um espaço de desenvolvimento de novas ideias.

Considerando esses diferentes contextos de uma política, defendemos uma atuação da equipe gestora da escola, sobretudo no planejamento e nas práticas curriculares.

4 PRÁTICA E CURRÍCULO: OS PAPÉIS DE CADA SEGMENTO NA DIMENSÃO PEDAGÓGICA DA GESTÃO ESCOLAR

Compreendemos que atuar na função de gestor escolar, diante das atribuições designadas, é uma tarefa que demanda atualização e apoio profissional. É possível que a formação continuada e a valorização profissional que envolve remuneração e carga horária centrada possam fortalecer a atuação em todas as dimensões de sua competência.

Quando pensamos o currículo na prática, consideramos a participação de todos os envolvidos num processo de construção e materialização coletiva de processos que vão além das disciplinas, de propostas curriculares, de normativas, ou seja, tudo que envolve a identidade da escola.

Destacamos em nossa pesquisa o papel de gestores e sua relação com os coordenadores pedagógicos, porque compreendemos tais segmentos como articuladores e mobilizadores das práticas curriculares dos docentes. Outro critério que fortalece nosso alinhamento, entre as atribuições destes segmentos, é a problemática mobilizadora desta pesquisa, que recai sobre a dimensão pedagógica da gestão escolar.

Nessa perspectiva, apontamos alguns aspectos no processo de materialização do currículo na prática. São eles: a necessidade de considerar como esse currículo se organiza, como contempla o uso das tecnologias, quais as necessidades reais dos estudantes e como o acompanhamento é sistematizado para enumerar os objetivos a serem alcançados. Com os objetivos estabelecidos, é preciso definir as metas a serem atingidas e as estratégias elaboradas para alcançá-las.

A dimensão pedagógica da gestão escolar envolve o currículo e a ação docente, ou seja, a aprendizagem dos estudantes e os processos formativos de professores.

Numa compreensão de todos os segmentos da equipe gestora, bem como do grupo cogestor da escola, composto pelo Conselho Escolar ou por órgãos de participação equivalentes, consideramos fundamental a função do secretário escolar para o levantamento de dados escolares que, quantificados, fundamentarão os objetivos e as metas traçados. Então, o gestor escolar irá reunir sua equipe gestora para refletir sobre as evidências apontadas no levantamento e propor caminhos a partir das análises realizadas. O coordenador pedagógico reúne os docentes para pensar nas possibilidades propostas e sugerir alterações ou acrescentar novas propostas. Assim, as ações a serem desenvolvidas demandam um planejamento sistemático de atuação do gestor escolar, da equipe gestora, do coordenador pedagógico e dos docentes.

Dessa forma, consideramos que uma atuação efetiva do gestor escolar no planejamento, na prática e na avaliação do currículo, incentivando e garantindo os recursos necessários para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, pode fortalecer a dimensão pedagógica da gestão escolar. Para tanto, é necessário alinhar os papéis de cada segmento.

O Conselho Escolar, considerando-se como um órgão colegiado com representação de todos os segmentos que compõem a comunidade escolar, é uma instância de participação no modelo de gestão democrática. Quanto às atribuições destinadas a esse Conselho, temos as funções consultiva, mobilizadora, fiscalizadora, deliberativa e pedagógica. Como grupo colegiado cogestor das unidades de ensino, ele precisa estar inserido nas práticas curriculares e no seu planejamento e avaliação.

É importante ressaltar que, apesar de legitimado, normatizado e instituído, o mencionado órgão enfrenta o desafio de uma participação mais ativa no cotidiano escolar. Nas escolas em que realizamos esta pesquisa, acompanhamos o momento de mobilização da comunidade escolar para eleição dos conselheiros, por meio do voto direto e secreto. Porém, raros momentos de reuniões foram identificados. Reconhecemos como demanda necessária para construção do currículo o fortalecimento do Conselho Escolar, considerando-o como representante dos segmentos que compõem cada instituição.

O coordenador pedagógico exerce uma função estratégica quanto à atuação do currículo escolar, pois a dimensão de seu trabalho é especificamente pedagógica. Contudo, ressaltamos que esta atribuição não é específica do profissional que coordena a escola pedagogicamente, pois a articulação deste trabalho é competência e responsabilidade da gestão escolar: logo, a equipe gestora precisa estar envolvida.

Assim, compreendemos que a atuação do coordenador pedagógico precisa estar pautada em um plano de trabalho articulado com a equipe gestora, no qual estejam estabelecidos horários de estudos individuais com o corpo docente e de sistematização das práticas pedagógicas e, também, com a equipe gestora. A partir deste plano, a coordenação desenvolve o acompanhamento das práticas docentes e realiza avaliações periódicas do trabalho desenvolvido em parceria com os professores, para criar possibilidades de desenvolver atividades que propiciem flexibilização curricular.

Assim, percebemos que o papel do coordenador pedagógico está composto por dois campos congruentes: o de implementar ações no PPP da instituição que garantam a formação dos professores, de forma continuada e em serviço; e responder à gestão da unidade de ensino, por todas as atividades pedagógico-didáticas e curriculares da escola e pelo acompanhamento das atividades da sala de aula, de modo a alcançar níveis satisfatórios de qualidade.

O gestor escolar tem a responsabilidade de acompanhar, supervisionar e orientar sua equipe colaboradora, incentivando a participação na elaboração das ações estabelecidas. A partir disso, destacamos como dimensão central destas ações a dimensão pedagógica, que vai mobilizar demais dimensões da gestão. Com isso, identificamos no campo curricular uma unidade de fortalecimento da atuação de gestores escolares neste sentido, porque, ao articular as atividades de planejamento, prática e avaliação do currículo, este ator estará ciente da identidade institucional pedagógica da escola, de como pratica essa identidade e como realiza a verificação desse processo.

A construção da rotina escolar também deve ser articulada pelo gestor da escola, incluindo convocações para reuniões pedagógicas, conselhos de classe, escolha de material didático e encontro com as famílias. Os diagnósticos e resultados das avaliações precisam ser tratados como base para recondução do processo de ensino-aprendizagem e, embora essas atribuições sejam delegadas também a outros segmentos da comunidade escolar, é papel do gestor escolar organizar e mobilizar os atores envolvidos para atender aos objetivos do PPP da escola.

Sem a pretensão de apontar a solução para essa problemática, na definição de papéis dos segmentos que atuam sobre o currículo na escola, consideramos que a identificação das atribuições de cada ator envolvido no ambiente escolar pode fortalecer a atuação do gestor na dimensão pedagógica, por meio do funcionamento sistemático das ações estabelecidas no PPP da escola e o alcance de seus objetivos.

5 A DIMENSÃO PEDAGÓGICA POTENCIALIZADA PELA ATUAÇÃO DE GESTORES(AS) NO PLANEJAMENTO ESCOLAR

Ao identificarmos uma atuação na dimensão pedagógica distante do centro do trabalho do gestor escolar, pautada apenas na supervisão dos resultados das avaliações da aprendizagem, nossa investigação foi direcionada para a atuação de gestores sobre o planejamento escolar. O Quadro 1 apresenta as dimensões contextuais consideradas nesta pesquisa.

Quadro 1 Dimensões contextuais da atuação da política 

Dimensões contextuais Exemplos
Contextos situados - Localidade, históricos e matrículas.
Culturas profissionais - Valores, compromissos e experiências de profissionais.
Contextos materiais - Funcionários, orçamento, edifícios, tecnologia e infraestrutura.
Contextos externos - Grau e qualidade de apoio das autoridades locais, pressões e expectativas de contextos políticos mais amplos.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

Nos contextos situados, o gestor escolar precisa articular o planejamento do currículo, considerando a clientela atendida, o perfil da comunidade e sua história, ou seja, o cenário cultural, social e político em que esse plano será colocado em prática. O propósito é conhecer as demandas e dificuldades locais para atender às necessidades reais dos estudantes.

Sobre os contextos profissionais, o gestor escolar precisa incentivar a participação dos profissionais envolvidos. Esse incentivo acontece no exercício da participação, da valorização das contribuições que cada membro da equipe apresenta para o plano deste currículo, que não é específico de cada profissional, mas expressa os anseios do grupo, construídos coletivamente.

Quanto aos contextos materiais, a autonomia gradativa da escola representa um verdadeiro desafio, pois a utilização de recursos acontece de forma limitada, e a escola precisa obedecer a alguns critérios e destinos para aplicação que pode, por vezes, não contemplar as lacunas prioritárias. Isto implica dizer que a escola tem a responsabilidade sobre os recursos materiais que viabilizarão o ensino, porém com uma autonomia financeira ainda limitada.

Desse modo, os contextos vão além dos muros da escola, pois fatores externos exercem influências diretas sobre as práticas nela realizadas, e, no contexto dos fatores externos, as autoridades locais, as avaliações externas e a conjuntura política podem determinar, limitar e sugerir ou até pressionar as práticas curriculares desenvolvidas.

Quando iniciamos nosso estudo, identificamos práticas de gestão escolar marcadas pela dimensão administrativa, numa perspectiva de manter a escola em funcionamento, averiguando os resultados posteriormente. Questões mais específicas sobre a aprendizagem dos estudantes raramente foram constatadas na atuação do gestor. Na maioria das vezes, apenas nos resultados da avaliação a atuação da gestão sobre o currículo foi exercida. Portanto, verifica-se uma atuação mais voltada para o monitoramento dos resultados, e não para articulação dos processos de ensino e aprendizagem, tal como defendemos neste estudo.

Partindo das práticas de gestão e seus respectivos desafios no contexto de implementação das recentes políticas curriculares, construímos juntos propostas que potencializam a atuação do gestor escolar na dimensão pedagógica. Conduzimos, assim, uma ação que proporcionou um processo formativo de reflexão dos sujeitos e possibilitou uma reorganização no planejamento das práticas de atuação na dimensão pedagógica.

Deste modo, acreditamos que, para que a gestão pedagógica seja potencializada por meio do processo de implementação do currículo escolar, é preciso considerar dois eixos: o primeiro eixo compreende u ma dinâmica estrutural do sistema de ensino que possa garantir equidade na composição da equipe de gestão das escolas, subsídios para execução de recursos que auxiliem os gestores durante a execução, otimização das convocações para tratar as pautas necessárias de forma sistematizada, um plano de cargo e carreira que ofereça condições para o docente que assuma a gestão escolar, de forma que ele possa se dedicar com exclusividade à referida função, e, ainda, momentos para debate e reflexão sobre a dimensão pedagógica da gestão escolar no calendário letivo. O segundo eixo diz respeito à formação continuada para gestores, que para fortalecer a dimensão pedagógica da gestão escolar.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos o currículo como uma construção social e como resultado de um processo histórico (SILVA, 2017), buscamos situar o currículo como eixo estruturante dos processos formativos, bem como o papel do gestor escolar como articulador das práticas curriculares, reconhecendo o “currículo” como a expressão da dimensão pedagógica no exercício da função de gestores escolares.

Neste estudo, constatamos a concentração das ações do gestor nas demandas administrativas, que corroboram uma atuação do gestor escolar, distanciada da dimensão pedagógica. Neste sentido, identificamos os seguintes fatores: a variação na composição da equipe gestora, a execução de recursos que demanda ações de aplicação financeira; a falta de autonomia da escola quanto a sua organização pedagógica diante do planejamento de calendário letivo em rede; e as convocações constantes da Secretaria de Educação do município.

Com este estudo, alcançamos uma maior compreensão sobre como as políticas curriculares se efetivam nas escolas, sobre os desafios da atuação do gestor escolar, sobretudo a relação da formação continuada com a atuação de gestores escolares, diante do modelo de gestão pública instituído, e as implicações de uma política curricular instituída a partir de uma base nacional comum curricular.

De modo geral, os resultados e as discussões que realizamos junto aos participantes da pesquisa podem servir de subsídio para outras propostas de formação, que partem das demandas reais dos sujeitos da escola, para refletir sobre desafios concretos e propor coletivamente alternativas que situem a gestão pedagógica no centro da gestão escolar, articulando-se com as demais dimensões da gestão.

Os impactos educacional, tecnológico, econômico, social e cultural gerados com esta pesquisa podem ser observados pela promoção de melhorias na Educação Básica, especificamente na gestão escolar, desde o mapeamento sistemático de práticas e desafios enfrentados por gestores, em suas respectivas escolas, até a proposição de uma Formação Continuada em serviço. Estas Formações precisam ser no formato “reflexão-ação-reflexão”, pois permitem aos sujeitos que sejam voltadas para proposições e superação de práticas que marginalizam a dimensão pedagógica da gestão e a construção de uma nova cultura de gestão, na qual a dimensão pedagógica assume seu legítimo lugar. Assim, promover a Formação Continuada, em serviço para gestores, implica não só fortalecer o gestor como articulador, que mobiliza ações na escola, as quais envolvem a comunidade escolar para busca da qualidade da educação básica, mas também promover um novo olhar sobre a sua atuação como gestor público.

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Recebido: 20 de Março de 2022; Aceito: 24 de Agosto de 2022

Doriele Silva de Andrade Costa Duvernoy: Doutora em Educação por Univerisité Lumière Lyon 2. Professora do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Pernambuco (UPE). E-mail: doriele.andrade@upe.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6984-4012

Lyza Gennifer Moreira de Barros: Mestre em Educação pela Universidade de Pernambuco (UPE). Docente e coordenadora pedagógica na rede de ensino de Olinda, PE. E-mail: lyza.gennifer@upe.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2469-9779

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