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Série-Estudos

versión impresa ISSN 1414-5138versión On-line ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.27 no.61 Campo Grande set./dic 2022  Epub 16-Feb-2023

https://doi.org/10.20435/serieestudos.v27i61.1755 

Artigos

Saberes Guarani e Kaiowá: uma análise entre os conhecimentos ocidentais e tradicionais1

Guarani and Kaiowá knowledge: an analysis between western and traditional knowledge

Saberes Guaraní y Kaiowá: un análisis entre los conocimientos occidentales y tradicionales

1Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande (SEMED/CG), Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil

2Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil


Resumo

Neste texto, procuramos compreender como os saberes indígenas se relacionam aos saberes ocidentais no campo acadêmico, um campo que ainda tem muito da formatação ocidental. Diante do exposto, analisamos as pesquisas dos intelectuais Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul, realizadas em diferentes instituições de ensino, buscando observar como os saberes indígenas escapam da ordem ocidental, ao se desenvolver e se sistematizar a partir das suas próprias cosmologias e epistemologias, negociando e traduzindo em uma relação outra, ao transitar nos “entre-lugares” e, assim, cumprir os rituais acadêmicos orientados pelos saberes universais.

Palavras-chave: saberes Guarani e Kaiowá; saberes ocidentais; tradição

Abstract

In this text, we seek to understand how indigenous knowledge is related to Western knowledge in the academic area, an area that still has a lot of Western formatting. Considering the above, we analyzed the research of the Guarani and Kaiowá intellectuals of Mato Grosso do Sul, carried out in different educational institutions, seeking to observe how indigenous knowledge escapes from the western order, as it develops, developing and systematizing itself from the their own cosmologies and epistemologies, negotiating and translating into another relationship, when transiting in the “between-places” and, thus, fulfilling the academic rituals guided by universal knowledge.

Keywords: Guarani and Kaiowá knowledge; western knowledge; tradition

Resumen

En este texto, intentamos comprender como los saberes indígenas se relacionan con los saberes occidentales en el campo académico, un campo que aún posee mucho del formato occidental. Delante de lo expuesto, analizamos las investigaciones de los intelectuales Guaraní y Kaiowá de Mato Grosso do Sul, realizadas en diferentes instituciones educacionales, buscando observar como los saberes indígenas escapan del orden occidental, al desarrollarse y sistematizarse a partir de sus propias cosmologías y epistemologías, negociando y traduciendo en un otro relacionamiento, al transitar en los “entre lugares” y así, cumplir los ritos académicos orientados por los saberes universales.

Palabras clave: saberes Guaraní y Kaiowá; saberes occidentales; tradición

1 INTRODUÇÃO

Neste estudo, procuramos compreender como os saberes indígenas se relacionam aos saberes ocidentais no campo acadêmico, um campo que ainda tem muito da formatação ocidental. Como afirma Loeza (2019, p. 6): “[...] se sigue reproduciendo la lógica de que el conocimiento indígena tiene que ser validado por el conocimiento científico, y no entendido desde su propia lógica”.

Para isso, foram mapeadas e analisadas as produções sobre os saberes indígenas, desenvolvidas pelos intelectuais4 Guarani e Kaiowá do estado de Mato Grosso do Sul, nos programas de pós-graduação em níveis de mestrado e doutorado, que realizaram as pesquisas em suas terras indígenas. Trata-se de 13 dissertações e 1 tese de doutorado, compreendendo o período de 2009 a 2019, em diferentes áreas de conhecimento, conforme apresentam as tabelas a seguir.

Tabela 1 - Mestrado realizado por pesquisadores Guarani e Kaiowá 

Área de conhecimento científico Quantidade
Educação 9
Antropologia Social 1
História 1
Letras 1
Linguística 1

Fonte: Elaboração própria.

Tabela 2 Doutorado realizado por pesquisadores Guarani e Kaiowá 

Área de conhecimento científico Quantidade
Antropologia Social 1

Fonte: Elaboração própria.

As análises das pesquisas consistiram em trazer os saberes descritos pelos intelectuais Guarani e Kaiowá, ou seja, “como” e “o que” mostram para o campo científico a partir dos seus contextos culturais e das suas experiências epistemológicas e cosmológicas Guarani e Kaiowá na relação com o mundo ocidental.

Na tabela exposta na sequência, de modo mais sistematizado, montamos um mapa sobre as pesquisas realizadas, identificando os autores, os objetivos, os locais onde o trabalho foi realizado, os sujeitos da pesquisa e as universidades em que os intelectuais estudaram, tendo em vista uma melhor compreensão dos temas que foram abordados em seus trabalhos.

Tabela 3 - Mapeamento das pesquisas realizadas pelos Guarani e Kaiowá do estado de Mato Grosso do Sul 

Título da Dissertação / Tese* Pesquisador(a) / Etnia / Aldeia Ano de defesa Programa / instituição Objetivo da Dissertação / Tese* Metodologia Local e sujeitos da pesquisa
A escola na ótica dos Ava Kaiowá: impactos e interpretações indígenas Tonico Benites /Avá Kaiowá/ Aldeia Jaguapiré, Tacuru, MS 2009 Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), RJ, Museu Nacional. Analisar as divergências e os conflitos entre a educação Kaiowá realizada pelas famílias extensas e a escola formal introduzida nas aldeias, utilizando-se do conceito de "tradição de conhecimento" (Barth) como uma ferramenta analítica. Descrição das práticas por meio das quais as famílias extensas Kaiowá transmitem às suas crianças e seus jovens os conhecimentos necessários para a conformação de condutas, crenças e personalidades que sejam compatíveis e adaptadas com o seu estilo comportamental específico (Teko Laja), fazendo análise dos efeitos de atividades desenvolvidas pelas antigas escolas integracionistas na formação de novas gerações indígenas, identificando os possíveis impactos e interferências negativas na organização educativa das famílias extensas Kaiowá. Aldeias Sassoró e Jaguapiré, Tacuru, MS; escolas existentes nas Aldeias Kaiowá de Sassoró e Jaguapiré.
Jakaira Reko Nheypyrũ Marangatu Mborahéi: origem e fundamentos do canto ritual jerosy puku entre os Kaiowá de Panambi, Panambizinho e Sucuri'y, Mato Grosso do Sul Izaque João/ Kaiowá / Aldeia Panambi, Douradina, MS 2011 Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), MS. Analisar o canto ritual dos Kaiowá para cerimônia de batismo do milho saboró. Estudo etnográfico que focaliza, por meio da interpretação de cantos rituais, a estrutura social da sociedade Kaiowá. Sua ênfase está no jerosy puku (canto longo), que é a prática do ritual de batismo do milho saboró (ou milho branco), conhecido em botânica pela nomenclatura Zea Mays. Aldeias de Panambi, Panambizinho e Sucuri'y; Comunidades das etnias Kaiowá.
Educação Escolar Indígena e os processos próprios de aprendizagens: espaços de inter-relação de conhecimentos na infância Guarani/Kaiowá, antes da escola, na Comunidade Indígena de Amambai, Amambai/MS Elda Vasques Aquino/ Kaiowá / Aldeia Amambai, Amambai, MS 2012 Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS. Conhecer melhor a criança Guarani Kaiowá antes de ir à escola e observar/descrever como se dão as suas aprendizagens, tendo em vista a compreensão dos seus processos próprios de aprendizagens e as suas interações estabelecidas com o cotidiano e seu entorno. Pesquisa etnográfica, por meio de observação e registros fotográficos das crianças brincando, caminhando nas trilhas, nadando no rio, participando dos rituais festivos e sagrados e das festas comemorativas, ao estabelecer uma estreita relação com outras crianças e adultos e entrevistas com pessoas que moram na aldeia pesquisada, detentoras da sabedoria Guarani Kaiowá. Aldeia Amambai, Amambai, MS; Crianças Guarani Kaiowá.
Educação Escolar Indígena e as Políticas Públicas no Município de Dourados/MS (2001-2010) Teodora de Souza /Guarani Nhandeva / Aldeia Jaguapirú, Dourados, MS 2013 Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)-Campo Grande, MS. Analisar o processo de elaboração das políticas públicas específicas da educação escolar indígena no Município de Dourados, MS, no âmbito dos espaços institucionais da educação, como: Secretaria Municipal de Educação, Conselho Municipal de Educação, Câmara Municipal de Dourados, considerando a ampla participação das comunidades envolvidas naquele momento, bem como as análises dos diversos documentos elaborados. Pesquisa qualitativa, tendo como procedimentos: a revisão bibliográfica e a pesquisa documental. Município de Dourados, MS; Legislação da educação escolar indígena no município de Dourados, no período de 2001 a 2010 (legislações municipais, decretos, resoluções, pareceres, Plano de Ação para o Território Etnoeducacional Cone Sul).
Bialfabetização e Letramento com Adultos em Guarani/Português: é possível? Um estudo etnográfico e valorização do Tetã Guarani João Machado / Kaiowá / Aldeia Bororó, Dourados, MS 2013 Programa de Mestrado em Letras Faculdade de Comunicação, Artes e Letras Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), MS. Descrever e analisar a ocorrência do processo e possibilidades da bialfabetização e biletramentos na língua indígena (L1) e na segunda língua, língua portuguesa (L2). Pesquisa-ação, visando a demonstrar como ocorreu o ensino-aprendizagem da leitura e letramentos com jovens e adultos indígenas Guarani Kaiowá da Reserva Indígena de Dourados, MS. Aldeia Bororó, Dourados, MS; 14 aprendizes, sendo dois monolingues na língua indígena, sete bilíngues passivos (receptivos), com pouca compreensão da L2 e cinco alunos bilíngues, (plenos).
Oguata Pyahu (Uma nova caminhada) no processo de desconstrução e construção da Educação Escolar Indígena da Reserva Indígena Te'ýikue Eliel Benites/ Kaiowá / Aldeia Te'ýikue, Caarapó, MS 2014 Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)-Campo Grande, MS. Descrever e analisar a trajetória do processo de desconstrução e reconstrução da educação escolar indígena na Reserva Indígena Te'ýikue, buscando compreender como os processos próprios de ensino e aprendizagem são contemplados, favorecendo, dessa forma, uma maior aproximação e diálogo com os tradicionais. Grupo de discussão para reconstituir os discursos produzidos a partir das subjetividades dos sujeitos durante o processo de desconstrução e reconstrução da educação escolar indígena. Aldeia Te'ýikue Caarapó/MS Professores e Lideranças Guarani e Kaiowá e parceiros que contribuíram para a construção da educação escolar indígena da Reserva Indígena Te'ýikue
*Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (Rezando e lutando): o movimento histórico dos Aty Guasu dos Ava Kaiowá e dos Avá Guarani pela recuperação de seus tekoha Tonico Benites / Avá Kaiowá / Aldeia Jaguapiré, Tacuru, MS 2014 Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), RJ Museu Nacional. *Descrever e analisar o processo de reocupação dos territórios tradicionais indígenas (tekoha), que são definidos pelas lideranças tradicionais Guarani e Kaiowá pelas categorias tekoha e tekoha guasu. Trabalho etnográfico e pesquisa participativa por meio de observação de estratégias usadas pelas famílias extensas Guarani e Kaiowá durante os processos de reocupação de seus territórios tradicionais (tekoha) e as formas de resistência postas em prática pelas famílias no movimento da luta pela recuperação dos tekoha, articulada, sobretudo, a partir de 1970, com o Aty Guasu Guarani e Kaiowá. Tl Jaguapiré, Tacuru, MS; Tl Potrero Guasu, Paranhos, MS; Tl Ypo"i, Paranhos, MS; Kurusu Amba, Coronel Sapucaia, MS; Lideranças Guarani e Kaiowá.
Tavyterã Reko Rokyta: os pilares da educação Guarani Kaiowá nos processos próprios de ensino e aprendizagem Claudemiro Lescano/ Kaiowá / Aldeia Taquaperi, Coronel Sapucaia, MS 2016 Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS. Descrever os saberes indígenas que formam os pilares da educação Kaiowá, apontando orientações para a educação escolar indígena. Investigação etnográfica e autobiográfica, desenvolvida por meio de observação, visitas e conversas com professores. Aldeia Taquaperi, Coronel Sapucaia, MS; mais velhos, sábios, rezadores e crianças Guarani e Kaiowá.
Processo próprio de ensino-aprendizagem Kaiowá e Guarani na Escola Municipal Indígena Ñandejara Pólo da Reserva Indígena Te'ýikue: saberes Kaiowá e Guarani, territorialidade e sustentabilidade Lídio Cavanha Ramires/ Kaiowá / Aldeia Te'ýikue, Caarapó, MS 2016 Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)-Campo Grande, MS. Descrever os saberes Kaiowá e Guarani, a cosmologia e/ ou princípio que fundamenta a educação indígena, tendo em vista os seus usos no âmbito da Escola Municipal Indígena Ñandejara Pólo da Reserva Indígena Te'ýikue e, a partir destes, analisar a constituição dos saberes Kaiowá e Guarani, territorialidade, sustentabilidade. Pesquisa qualitativa realizada por descrição autoetnográfica e entrevistas com mais velhos e professores. Aldeia Te'ýikue, Caarapó, MS; lideranças, mais velhos, professores e professoras Guarani e Kaiowá.
Educação Infantil: criança Guarani e Kaiowá da Reserva Indígena de Dourados Michele Alves Machado/ Kaiowá / Aldeia Bororó, Dourados, MS 2016 Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), MS. Entender a educação infantil indígena dentro da cultura específica da Guarani e Kaiowá. Analise etnográfica de natureza qualitativa e pesquisa bibliográfica e documental sobre políticas de educação das crianças indígenas e projeto político-pedagógico. Estudo de caso na pré-escola I e II das escolas da Aldeia Bororo Ramão Martins e Tengatui Marangatu da Aldeia Jaguapiru e Lacui Roque Isnard. Aldeias Jaguapiru e Bororo, Dourados, MS; coordenadores e professores de nível 1 e 2 de jardim de infância e os pais dos alunos.
Oguata Pyahu (uma nova caminhada) no processo de desconstrução e construção da Educação Escolar Indígena da Reserva Indígena Te'ýikue Katiana Barbosa de Carvalho/ Guarani/ Kaiowá / Aldeia Te'y Kuê, Caarapó, MS 2018 Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)-Campo Grande, MS. Registrar os saberes da Matemática da cultura Guarani Kaiowá e as concepções dos professores formados em Matemática da aldeia Te'yikue. Pesquisa qualitativa realizada por descrição autoetnográfica e conversas, relatos, observações e entrevistas com os professores indígenas Guarani e Kaiowá, falando de suas trajetórias de vida. Aldeia Te'ýikue, Caarapó, MS; professores Guarani e Kaiowá.
A criança Guarani Ñandeva na Tekoha Porto Lindo/Japorã-MS Eliezer Martins Rodrigues/ Guarani Nhandeva / Aldeia Porto Lindo, Japorã, MS 2018 Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)-Campo Grande, MS. Identificar o processo de aprendizagem das crianças Guarani do tekoha Porto Lindo, município de Japorã, MS, antes da escolarização. Estudo etnográfico (observação, conversas e experiências enquanto professor) e reflexões sobre a forma que educam e cuidam das crianças no contexto familiar e da comunidade. Aldeia Porto Lindo Japorã, MS; crianças e mais velhos da comunidade.
Análise morfológica da língua Kaiowá: fundamentos para uma gramática e dicionário bilíngue Rosileide Barbosa de Carvalho/ Kaiowá / Aldeia Te'y Kuê, Caarapó, MS 2018 Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade de Brasília (UnB). Desenvolver uma análise de aspectos fundamentais da morfologia (morfossintaxe) da língua Kaiowá, de forma a aprofundar o conhecimento do seu léxico e de sua morfossintaxe, assim como sobre os usos que fazem os Kaiowá das estruturas de sua língua, nas diferentes situações do seu dia a dia. Estudos sobre as línguas Tupi-guarani e estudos linguísticos que abordam línguas de outros agrupamentos genéticos. Observação e coleta de dados linguísticos em reuniões culturais e políticas do seu povo. Aldeia Te'ýikue Caarapó, MS; Comunidade Kaiowá.
Formação de Professores Guarani e Kaiowá: práticas pedagógicas interculturais do Curso Normal Médio Intercultural Indígena Ará Verá na perspectiva da V turma 2015 Valdenir de Souza/ Guarani Nhandeva / Aldeia Jaguapirú, Dourados, MS 2019 Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS. Identificar as práticas pedagógicas diferenciadas e específicas desenvolvidas no processo de formação dos professores indígenas no curso Normal Médio Intercultural Indígenal Ára Verá - V turma, entre os anos de 2015 e 2018. Pesquisa autoetnográfica a partir do envolvimento e participação do pesquisador como formador da V Turma curso Ára Verá, para descrever as práticas pedagógicas específicas e diferenciadas. Análise dos documentos do Curso Ará Verá e da Legislação para a formação de professores indígenas e da educação escolar indígena e diálogo com alguns egressos do curso Ára Verá referentes à primeira turma do ano de 1999. Professores formadores indígenas e os/as sábios/ sábias tradicionais indígenas participantes da V Turma Ára Verá.

Fonte: Elaboração própria.

Após realizado e sistematizado esse mapeamento, tomamos conhecimento de algumas dissertações e teses, as quais não houve tempo hábil para análises. Gostaríamos, porém, de deixá-las registradas aqui, considerando a relevância dos conhecimentos que os estudos trazem e que merecem ser lidos posteriormente, como a pesquisa de mestrado intitulada “Tekombo’e Kunhakoty: modo de viver da mulher Kaiowá”, de Valdelice Veron (2018), e a pesquisa designada “Modos de produção de coletivos Kaiowá na situação atual da Reserva de Amambai”, de Celuniel Aquino Valiente (2019). Também há a pesquisa de doutorado nomeada “A Busca do Teko Araguyje (jeito sagrado de ser) nas retomadas territoriais Guarani e Kaiowá”, de Eliel Benites (2021).

Sobre o pertencimento étnico, destacado na tabela anteriormente apresentada, procuramos descrever como cada pesquisador se posiciona e se identifica com a sua respectiva etnia.

Assim, analisamos as pesquisas dos intelectuais Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul, buscando observar como os saberes indígenas escapam da ordem ocidental, ao se desenvolver e se sistematizar a partir das suas próprias cosmologias e epistemologias, negociando e traduzindo em uma relação outra, ao transitar nos “entre-lugares” e, assim, cumprir os rituais acadêmicos orientados pelos saberes universais.

2 O POVO GUARANI E KAIOWÁ SOB A ÓTICA GUARANI E KAIOWÁ

O povo Guarani é reconhecido nos territórios do Paraguai, da Argentina, da Bolívia e do Brasil. A propósito, no Brasil, os Guarani se dividem em três subcategorias, sendo elas: Guarani Mbya, Guarani Ñandeva e Guarani Kaiowá, que se encontram nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul.

Em Mato Grosso do Sul5, estão localizados, no Cone Sul do estado, apenas os Ñandeva e os Kaiowá, totalizando uma população de 54.818 habitantes (DSEI-MS, 2017)6. Destes, 13.520 se identificam como Guarani, 663 como Guarani Kaiowá, 40.633 como Kaiowá e 2 como Guarani Ñandeva. O termo Guarani e as suas denominações, como Ñandeva e Kaiowá, foram nominados pelos não indígenas, por aqueles que, a partir de um entendimento, categorizaram e os registraram como tais. Tonico Benites (2014, p. 27), em seus estudos, explica:

Esses indígenas são conhecidos na literatura como sendo Guarani-Kaiowa e Guarani-Ñandéva (ver Schaden 1974, Melià, Grünberg e Grünberg 1976), embora apresentem muitos aspectos culturais e de organização social em comum, o primeiro, ou seja, Guarani-Kaiowá não se reconhece como sendo Guarani, mas aceita a denominação de Ava Kaiowá. Por sua vez os GuaraniÑandeva se autodenominam como Ava Guarani.

Aquino (2012, p. 27) elucida:

Na prática, os Kaiowá não aceitam ser chamados de Guarani-Kaiowá, porque existem várias características que o diferenciam um do outro, principalmente os preconceitos existentes entre eles, no nome de “Tembekuá” (nome pejorativo dado ao kaiowá pelo povo guarani, “lábios furados” que é pejorativo de acordo com a sua pronúncia e dependem de quem a pronuncia). A língua predominante é o Guarani, com algumas variações entre eles. Atualmente, praticamos a língua “jopara” (mistura), com muitos empréstimos linguísticos.

O que percebemos é uma aceitação, por parte dos Guarani e Kaiowá, das denominações atribuídas a esses povos, pois só convivendo e dialogando é que aprendemos sobre os equívocos nas denominações direcionadas aos povos indígenas, designando nomes que, para eles, não têm significados. Lescano (2016) revelam que a diferença entre eles somente pode ser entendida por aqueles que vivenciam o ser Guarani e o ser Kaiowá.

Diante das explicações elencadas sobre as denominações atribuídas a esses povos, seguimos em nossos estudos usando a denominação Guarani e Kaiowá, por ser a mais utilizada e aceita nas comunidades em que mantemos contato, embora entendemos, como Eliel Benites (2014, p. 50), que “O ‘ser’ indígena foi construído a partir da relação com a sociedade envolvente, no processo discursivo. [...] o sujeito indígena e toda a visão constituída em relação à sua identidade foram construídos a partir de processos discursivos”.

Desse modo, entendemos que as identidades, tanto Guarani e Kaiowá quanto de outros povos (não apenas indígenas, mas de um modo geral), são produzidas nas relações de contato e nas negociações que vão sendo construídas entre diferentes culturas, a partir das referências ocidentais e das referências ancestrais que um traz consigo.

3 A ORGANIZAÇÃO SOCIAL GUARANI E KAIOWÁ

A o rganização social dos povos Guarani e Kaiowá tem como base a família extensa, como exemplifica Tonico Benites (2009, p. 44):

A organização social dos Ava Kaiowá é centrada na família extensa (te’yi ou ñemoñare) formada por pelo menos três gerações: tamõi (avô), jaryi (avó), filhos e filhas, genros e noras, netos e netas, no passado residia numa única habitação grande (oygusu). Desse modo o território (tekoha guasu) era preenchido pelos conjuntos de famílias extensas Ava kaiowá.

Os estudos de Pereira (2016, p. 10) evidenciam que a organização social se efetiva a partir das noções nativas de “fogo doméstico” e da “parentela”, em que o modo de ser Kaiowá se manifesta na organização familiar:

[...] o fogo doméstico e a parentela trazem à tona uma forma de organização social que articula relações no espaço (residência) e no tempo (parentesco), centrada em torno de um “cabeça” com capacidade de “levantá-la”, capaz de garantir a ela uma certa estabilidade no tempo e de assegurar sua participação em uma comunidade mais ampla.

De acordo com estudos de Tonico Benites (2009), Lídio Cavanha Ramires (2016) e João Machado (2013), antigamente, as famílias se sentavam ao redor do fogo, ouviam os conselhos ou histórias antigas contadas pelos mais velhos, enquanto tomavam chimarrão; assim, o passado é contado e recontado, e a vivência cotidiana se torna uma passagem entre um tempo e outro, ou seja, são esses os momentos de construção da educação Guarani e Kaiowá, cuja percepção de mundo começa a fazer sentido: o ouvir e o fazer conferem significados às experiências vividas.

As consequências geradas pelos fatores externos que adentraram nas aldeias fizeram com que novas configurações se estabelecessem nas comunidades indígenas, mudando o modo de vida dos povos Guarani e Kaiowá; dentre elas, enfatiza-se a demarcação das terras indígenas, ao limitar espaços determinados.

A forma de organização social Guarani foi afetada, principalmente, pela entrada da Companhia Mate Larangeira, por volta dos anos de 1892, em que os povos viram seus territórios serem confinados. Apesar de isso não ter ocorrido em um primeiro momento, a chegada dessa companhia trouxe, contudo, muitas mudanças no contexto das comunidades indígenas.

A organização social Guarani e Kaiowá envolve não apenas o território enquanto espaço físico, mas como um espaço amplo e necessário que agrega os elementos epistemológicos e cosmológicos que compõem o modo de ser e fazer de cada família.

No entendimento de Gallois (2004, p. 5), terra e território são duas noções distintas:

[...] ‘Terra Indígena’ diz respeito ao processo político-jurídico conduzido sob a égide do Estado, enquanto a de ‘território’ remete à construção e à vivência, culturalmente variável, da relação entre uma sociedade específica e sua base territorial.

Por esse viés, Lescano (2016, p. 60) salienta o seguinte:

É no território tradicional que estão guardados toda a história e os valores das parentelas, do grupo, e onde tenho, por obrigação, de ser enterrado. É por isso que os Guarani e Kaiowá preferem morrer por esses valores e não, simplesmente, por terra, mas pelo que nela está representado.

Ao seguir na mesma perspectiva e considerando a territorialidade um lugar vital para a existência dos povos Guarani e Kaiowá, é imprescindível destacar que, no território, configuram-se o mundo físico e o espiritual, já que os lugares têm histórias e memórias que propiciam a produção do conhecimento ao dar continuidade ao modo de ser e fazer Guarani e Kaiowá.

4 “RE-EXISTIR”: ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA GUARANI E KAIOWÁ

As estratégias de resistências surgem na tensão entre diferentes culturas e, especialmente, na imposição de sistemas opressores que obrigam os povos indígenas a criarem meios de sobrevivência no mundo moderno colonial capitalista, o que, para Eliel Benites (2014, p. 63):

[...] resistir não é isolar-se ou distanciar-se, mas, a partir da identidade tradicional, é dialogar com outros saberes, constituir uma epistemologia onde possam tornar-se lógicos os diferentes saberes com suas características peculiares.

Já para Lescano (2016, p. 15):

O silêncio ainda é estratégia do povo Guarani como resistência, que em muito ajuda, mas também atrapalha. Por isso, hoje é necessário que os Kaiowá e Nhandeva reflitam, fazendo análise do contexto atual, porque os valores materiais e o acesso às tecnologias não indígenas estão modificando muito essas estratégias de resistência.

O silêncio a que o pesquisador se refere está em se anular para uma sociedade colonizadora, arranjar estratégias para invisibilizar seus saberes e sua identidade étnica diante de um mundo que nega as diferenças, mas que, no seu mais profundo “eu”, reexiste nas mais diversas formas de violências de imposição de uma cultura hegemônica e doutrinadora.

Pelo mesmo ponto de vista, Eliel Benites (2014, p. 54) evidencia estes postulados:

A relação dos Kaiowá e Guarani com o mundo ocidentalizado constitui-se a partir de uma longa experiência de estratégias de resistências, adquiridas em função das experiências de representar o colonizador, conforme a demanda estabelecida por eles, caminhando o caminho do outro, mas sempre se direcionando ao seu universo. Neste contexto, a identidade kaiowá e guarani de hoje constitui-se uma continua ida e volta entre um universo e outro. (grifo nosso).

Nesse caso, entendemos que seguir o caminho do outro, sem deixar de ser o que é, constitui um dos principais movimentos de resistência vivenciados pelas comunidades indígenas.

Em relaç ão aos territórios tradicionais, os povos indígenas sempre resistiram ao deixar os espaços por eles ocupados - cada vez que tinham de deixar seus tekoha, eles buscavam refúgios nas matas para fugir dos processos de colonização que, frequentemente, avançavam no território, de maneira a ocasionar um processo de dispersão das comunidades indígenas, denominado esparramo pelos Guarani e Kaiowá.

Outra forma de resistência equivale aos Aty Guassu, que se constituem em grandes Assembleias Guarani e Kaiowá, pensadas para articular as estratégias às reocupações de seus territórios tradicionais. Conforme mostra Tonico Benites (2014, p. 42):

Naquele contexto histórico, como reação a esses atos truculentos que sofriam, emergiu em meados de 1970 a Grande assembleia guarani e kaiowá, o Aty Guasu. O objetivo foi e é o de fazer frente ao processo sistemático da expulsão e dispersão (sarambi) forçada das famílias extensas indígenas do seu território tradicional. Durante esses Aty Guasu, ao mesmo tempo em que ocorriam discussões políticas, se realizavam também rituais religiosos (jeroky) para o fortalecimento da luta pelas terras. (grifo do autor).

Nos Aty Guassu, o jeroky é realizado para a proteção das famílias indígenas que estão na luta em reocupação dos territórios perdidos. Desse modo, Tonico Benites (2014, p. 192) explica:

O Aty Guasu é um lugar de transmissão de saberes, feito na língua indígena, visto que toda a interação entre os indígenas, seja na convivência cotidiana, nos rituais sagrados e profanos, bem como nas discussões mais políticas sobre os problemas coletivos, as estratégias e os projetos de futuro ocorrem exclusivamente através de discussões em língua Guarani e Kaiowá. (grifo nosso).

Ao considerar o Aty Guassu um lugar de resistência indígena, com realização na língua Guarani e Kaiowá, os saberes e as formas de estratégias são articulados entre seus membros; como assevera Tonico Benites (2014, p. 179), os não indígenas não têm acesso ao conhecimento ali produzido, “[...] porque são fundamentalmente expressão de uma memória que é oral e porque são formulados na maioria das vezes na língua guarani e não em português”.

Concernente às interferências externas, presentes dentro das aldeias e que passam a fazer parte da vida dos sujeitos, controlando e dizendo o que fazer e como fazer, perguntamos: onde está a resistência? Ela é encontrada em todos os momentos nas comunidades Guarani e Kaiowá, como enfatiza Valdenir de Souza (2019, p. 82):

A resistência está na coletividade, nos contos, rezas e na espiritualidade dos Guarani e kaiowá, onde os fortalecem nos encontros tradicionais indígenas entre lideranças, professores indígenas e não indígenas sensíveis a questão, se tornando uma discussão ampliada em prol do bem-estar e do modo de ser Guarani e Kaiowá.

Diferentemente do que a modernidade idealizou, da individualidade empregada pelo capitalismo, que toma conta da sociedade, atualmente, de uma forma geral, o ser Guarani e Kaiowá é regido pela coletividade, como profere Eliel Benites (2014, p. 56): “O modelo de ser Kaiowá e Guarani é baseado na espiritualidade e a coletividade é a metodologia para a busca de um modelo próprio de ser”; ou seja, a resistência Guarani e Kaiowá está pautada nos princípios básicos da educação tradicional, em que a coletividade e a língua materna, ambas regidas pela espiritualidade, conectam os povos indígenas ao mundo físico e espiritual.

4 RELAÇÕES ENTRE O CONHECIMENTO TRADICIONAL E O CIENTÍFICO

Os desafios vivenciados na contemporaneidade pelas comunidades indígenas têm possibilitado, em meio a tensões e conflitos, elaborar o que chamamos de saberes de fronteiras. Saberes que foram traduzidos, hibridizados e ressignificados nos “entre-lugares”, nas intersecções entre o “tradicional” e o “colonial”, como linha de fuga para que fossem protegidos e, em algum momento da vida, reavivados para manter o seu modo de ser. Assim: “As contradições e os conflitos existentes na cultura Guarani/Kaiowá são discutidas a partir de novos conceitos apreendidos nas relações com o entorno e com a sociedade não indígena” (AQUINO, 2012, p. 18).

Andrade (2019) explica que as metodologias indígenas estão conectadas com o modo de fazer, saber e ser, pois é isso que define a identidade indígena, a cultura e a sua relação com o cosmo. Ao especificar que há muitos métodos indígenas, considerando que são diferentes povos, o autor pontua que um aspecto comum é que, na cultura indígena, “[...] as ‘metodologias de fazer ou saber’ são as mesmas ‘metodologias do ser’” (ANDRADE, 2019, p. 324), diferindo-as da cultura ocidental, cujas metodologias de saber e fazer estão desagregadas do ser.

Para tanto, a universalidade dos saberes científicos não se aplica aos saberes tradicionais, como exemplifica Eliel Benites (2014, p. 37):

[...] na visão indígena, o homem, as plantas e animais interagem no mesmo mundo, distinguindo-se apenas pela diversidade de aparência e pela linguagem. A ciência, para os Guarani e Kaiowá, não é compreender o mundo a partir de uma análise mecanicista, física e reducionista da natureza, mas entender a representação da natureza como a parte física visível que é parte de um mundo que se estende ao mundo invisível, ou seja, o funcionamento da natureza é estimulado a partir do mundo espiritual e, nesse contexto, o sujeito indígena busca o seu trânsito entre esses dois mundos. (grifo nosso).

Dessa forma, observa-se que o mundo (a natureza) dá sentido e significado à vida Guarani e Kaiowá, e a linguagem tradicional traduz a realidade de acordo com o contexto, por meio do território e da espiritualidade, explicando o mundo mítico e o físico, conforme realça Carvalho (2018, p. 94):

Segundo a nossa cosmologia, não tem como fragmentar os nossos conhecimentos, trata-se de um conjunto no qual tudo está interligado e relacionado. A terra, o céu, a água, o sol, a lua, a natureza, tudo está relacionado ao mito de criação do mundo e do homem.

Para Rodrigues (2018, p. 18) , no mito, encontra-se a metodologia da Pedagogia Guarani:

[...] o mito que minha avó ensinava e repassava falava sobre Ñande Ypy que é a raiz de toda a educação Guarani. No mito encontra se todos os processos próprios de aprendizagem anterior a escola, a metodologia tradicional. Os problemas são os desafios para encarar a vida, através do mito também à um fortalecimento da identidade do povo Guarani.

O mito é o ponto de partida para todo o ensino e principalmente para as crianças, no qual se articulam as outras fontes de saber, todas as ciências Guarani Nhandeva (matemática, história, línguas, ciências naturais) que servem para explicar a origem e a organização do mundo e da vida. (grifo nosso).

Ademais, no mito, estão as formas de como os Guarani e Kaiowá se relacionam ao mundo e de como interpretam e atribuem significados a partir das suas cosmologias. Entende-se, nesse caso, que os saberes são uma construção cultural e coletiva, com base na experiência e na vivência, constituindo modos de ser e fazer em comunidade e que, de alguma maneira, os conhecimentos tradicionais são transmitidos e circulam nas comunidades indígenas entre o modo de ser indígena e as relações externas estabelecidas pelo contato.

5 RELIGIÃO DENTRO DAS ALDEIAS

As religiões estão presentes nas comunidades indígenas desde os tempos coloniais, vindas com os jesuítas na intenção de impor regras, modos de pensar e valores voltados para a conversão do cristianismo, fazendo com que abandonassem suas crenças e espiritualidade que regem o modo de ser dos povos indígenas.

Nas análises das pesquisas, observamos que a maioria dos professores, em algum momento de suas vidas ou nos dias atuais, experienciou algum tipo de religião que está dentro das aldeias, afetando uns com mais intensidade e outros com menos. Entretanto, Eliel Benites (2014) evidencia que, mesmo experienciando outras religiões, quando há uma base da educação Guarani e Kaiowá alicerçada, esta não é impactada; porém, quando os povos não passaram pela educação Guarani e Kaiowá, principalmente os mais jovens, as experiências em outros contextos são as que ficam como tradicional.

Não encontramos estudos aprofundados sobre o impacto das igrejas no modo de ser Guarani e Kaiowá, com exceção de pesquisas realizadas pelos próprios missionários que falam a partir dos trabalhos desenvolvidos com as comunidades indígenas. Nas pesquisas efetuadas pelos Guarani e Kaiowá, observamos que poucos procuram dizer sobre suas experiências nas igrejas presentes em suas comunidades, mas revelam que são afetados por elas, mesmo que, em alguns momentos, vivenciam conflitos internos por terem de deixar de praticar os rituais tradicionais. Todavia, diante das dificuldades econômicas que sofrem, são essas igrejas que ajudam as famílias com roupas, calçados e alimentos.

Diante dos problemas sociais, como drogas e alcoolismo, as famílias buscam refúgio nas igrejas, as quais dão suporte para enfrentar essas questões, como expõe Lescano (2016, p. 12):

Testemunhei a trajetória da minha mãe, que se apoiou muito na igreja presbiteriana da Missão Caiuá para criar os filhos, com muitas dificuldades. Nessa época, a Missão Caiuá a ajudou muito no suporte material, com alimentos, roupas e remédios.

No estado de Mato Grosso do Sul, por volta de 1928, as missões se instalaram ao lado das reservas indígenas, proporcionando atendimento à saúde, às escolas - as quais hodiernamente, em sua maioria, são municipalizadas - e à evangelização dos povos indígenas. Segundo Alves Machado (2016, p. 56):

A Missão não era governamental, mas tinha o apoio da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), oriunda do antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio), e tinha basicamente o objetivo de conversão e aculturação dos indígenas a igreja presbiteriana, o que ocorre até hoje com a finalidade de formarem indígenas missionários.

Com o SPI, no processo de demarcação das terras indígenas, as missões tiveram um papel fundamental no processo de integração e assimilação dos povos indígenas à sociedade nacional, atuando por meio da evangelização e da catequização, ao impor diferentes modos de ser e de crer, distanciando-os de seus modos próprios de se relacionar ao mundo mítico e espiritual, já fragmentados por não estarem mais em seus territórios tradicionais.

De acordo com Aquino (2012, p. 35): “A visão kaiowá e guarani sobre o mundo é produzida a partir da lógica espiritual tradicional”. Desse modo, entende-se que, ao deixar de praticar a espiritualidade, também são deixados de lado outros valores que estão conectados com o mundo físico. Para Ramires (2016, p. 78): “[...] a entrada das igrejas neopentecostais na nossa aldeia, influenciou muitos no enfraquecimento e até mesmo no silenciamento espiritual da cultura Kaiowá e Guarani”.

O ser Guarani e Kaiowá é regido pela espiritualidade; é isso que conecta esses povos ao mundo físico e espiritual e os diferem das outras sociedades, como destaca Eliel Benites (2014, p. 57): “Sem a espiritualidade não há como compreender o pensamento tradicional. Os Kaiowá e Guarani espiritualizados veem, ouvem e sentem além do óbvio constituído pela visão do conhecimento ocidental”. Mesmo atravessados por outros modos de vida, é por meio da espiritualidade que os povos Guarani e Kaiowá orientam o seu modo de ser a partir dos saberes.

6 CIA MATE LARANGEIRA E O SPI

Por volta do final do século XIX e início do século XX, os povos Guarani e Kaiowá sentiram o impacto da colonização com a entrada da Cia Mate Larangeira7, dentre outras frentes colonizadoras que, a partir de então, afetam completamente a organização social, cultural e econômica, ao marcar, no tempo, um longo período de mudanças em suas comunidades, sendo um divisor de água no modo de ser Guarani e Kaiowá em um antes e depois.

Para Aquino (2012, p. 31):

[...] com a instalação da Companhia Mate Laranjeira em áreas tradicionais por volta de 1880, os indígenas passaram a trabalhar para a Companhia como ervateiros à serviço de empreiteiros paraguaios e correntinos, mantendo-se dessa forma dentro de suas áreas tradicionais.

Em um primeiro momento, a Cia Mate Larangeira, por volta de 1890, buscou apenas a exploração da erva. Só em 1950, em um segundo momento, com a perda do monopólio, a Companhia entra na disputa de terra (BRAND, 1998).

A atuação da empresa na região, na exploração de erva, foi simultânea à criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), em 19108, que teve um papel fundamental na criação das reservas, delimitando as famílias indígenas em locais determinados pelo órgão, ao liberar terras para a colonização. De acordo com Aquino (2012, p. 26):

O objetivo do governo era criar as reservas e juntar os índios que viviam espalhados em vários lugares e arredores da mesma região para liberar as terras aos fazendeiros e praticar agricultura e criar gado. Por esse motivo os índios foram levados para área reservada. Muitos índios não queriam ir para esse local e insistiam em permanecer trabalhando nas redondezas porque os índios consideravam e respeitavam seus territórios tradicionais por entender que os espíritos dos antepassados protegiam o seu Tekoha (território). Sabe-se que até aquela época antes do esparramos dos parentes não havia fronteiras nem limites. Nas primeiras décadas do século vinte poucas famílias Guarani e Kaiowá viviam no espaço reservado, que apresentava áreas de terra próprias para a agricultura, com solos férteis, matas produtivas com áreas de cerrado e campo. Todas elas eram utilizadas para as práticas produtivas dos Guarani/Kaiowá, segundo seus usos e costumes. (grifo nosso).

O esparramo (sarambi) é um processo no qual houve a dispersão das famílias Guarani e Kaiowá dos seus tekoha, desintegrando-se de suas famílias extensas, pois tiveram de se deslocar para diferentes regiões do Sul do estado, embora muitas famílias se refugiaram em lugares próximos a matas e córregos para continuarem vivendo o seu modo de ser (BRAND, 1998).

Outrossim, a delimitação do espaço territorial reduziu as alternativas do oguatá (caminhar), e isso contribuiu para que os elementos culturais e cosmológicos perdessem seu significado, já que não tinham como buscar outros refúgios fora das terras consideradas indígenas.

Desse modo, compreende-se que esse processo de colonização foi um dos procedimentos substanciais para desarticular e mudar o jeito de viver dos povos indígenas, em que seus saberes e fazeres foram atravessados pela mundo moderno capitalista e, desde então, políticas governamentais começaram a ser implementadas “em prol” das comunidades indígenas, com o objetivo de atender às necessidades externas, voltadas, estrategicamente, para fora das aldeias, nunca pensadas dentro dos princípios tradicionais Guarani e Kaiowá.

7 LÍNGUA

Dentro da cosmologia Guarani, a língua é um dos elementos culturais mais importantes, pois carrega a identidade de um povo. Para Alves Machado (2016, p. 44): “A língua, ou, melhor, a palavra ou o ne’ẽ, para os Guarani da atualidade, assume relevância cosmológica e religiosa, representando importante elemento na elaboração da identidade étnica”. Isso também é observado na explicação de Katiana Barbosa de Carvalho (2018, p. 12): “[...] língua, minha maior referência étnica, pois por meio dela vejo o mundo ao modo da percepção de meu povo, Guarani em sua essência, mas Kaiowá em suas particularidades”.

Nessa circunstância, verifica-se que a língua é um dos meios com os quais a cultura é mantida viva; sem ela, muitos elementos culturais não podem ser transmitidos. Lescano (2016, p. 32) assevera:

A língua Guarani é a própria lei que expressa os pensamentos, entendimentos, valores, regras e significados, é por meio dela que se canalizam todos os conhecimentos do povo. Assim, para transmitir a sabedoria e se diferenciar de outros povos, não há possibilidade de mudar, pois sua mudança altera as regras, os valores e os sentidos da rede de sabedoria construída, como rezas, danças, cantos, mitos e ética, que formam as leis. (grifo do autor).

Diante de uma sociedade colonizada, com uma língua oficial imposta como majoritária - português, no caso do Brasil –, muitas comunidades foram obrigadas a deixar de falar sua língua materna para se comunicar com a sociedade de modo geral, isto é, com a sociedade colonizadora. O problema de uma língua tomada como norma culta padrão reside no fato de ocultar certas práticas discursivas, passando valores culturais de uma única cultura, ou seja, limita-se a reproduzir conhecimentos de uma cultura dominante.

Os estudos de Ramires (2016, p. 91) revelam os seguintes postulados:

A língua é um mecanismo de transição dos nossos saberes, de nos conectar ao nosso mundo físico e espiritual, por que muitos dos nossos saberes não possuem tradução, para a sua compreensão necessitamos desse meio. Por que a língua materna faz parte do nosso dia-a-dia, desde casa ao espaço da escola, sem esse mecanismo os nossos saberes - arandu/ayvu não possuem espaço e não conseguem se conectar nas práticas pedagógicas da educação escolar indígena. (grifo nosso).

No que tange a essa questão, Freire (2009, p. 323 -324), ao analisar os problemas da tradução, ressalta que “[...] Cada uma dessas línguas constitui um sistema de cognição singular único”; no entanto, ao traduzir para o português, problemas conceituais são apresentados, reduzindo o seu significado por não ser possível transferir o sentido real e sua equivalência, porque, principalmente, não pertence ao mesmo tronco linguístico.

Outro fato importante que merece destaque sobre os falantes da língua equivale aos empréstimos utilizados. Já não é mais uma língua pura, mas com “misturas” de outras línguas, conforme explica João Machado (2013, p. 48-49):

As línguas são formadas por gerações de povos, tempos de práticas e convivência, então quanto mais houver convivência entre os povos nativos guarani com os homens ocidentais, a aproximação dessa fronteira cultural, somada a linguagem jopará ficará mais solida.

Nesse ínterim, Alves Machado (2016, p. 29) elucida:

[...] o termo jopará, usado para se referir a uma mistura, seja de comidas, de objetos ou até mesmo das línguas, e é muito utilizado pelos indígenas Kaiowá e Guarani da RID. Tem sido usado, também, por indígenas de qualquer etnia quando precisam se apresentar, mas não falam a língua materna, ele diz: ‘eu sou jopará’, o que torna evidente a representação de uma nova categoria nas relações Interétnicas da RID. (grifo do autor).

Essas misturas ou empréstimos, porém, dificultam o entendimento e a transmissão dos saberes tradicionais, além dos significados que carregam, conforme podemos verificar no relato de Carvalho (2018, p. 14): “[...] A dificuldade que tive é de poder entender a língua guarani, pois os mais velhos e os rezadores não utilizam empréstimo na língua guarani”.

A língua é, portanto, um dos processos próprios de aprendizagem, pois envolve a lógica de construção do pensamento e da pedagogia Guarani, ou seja, o sujeito produz conhecimentos a partir da sua língua materna.

8 A ESCOLA

Em Mato Grosso do Sul , o processo de educação escolar chega às aldeias após a demarcação das terras indígenas, por volta de 1928. As primeiras escolas dentro das reservas eram de responsabilidade do SPI, que tinha como ob jetivo a proteção dos povos indígenas e a demarcação de terras; posteriormente, a substituição ocorre pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em 1967. Em 1991, o Decreto Pre sidencial n. 26 passou as atribuições referentes à educação escolar indígena para o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e, desde então, outros dispositivos legais e técnicos são formulados em favor de uma escola diferenciada, específica e bilíngue. Para Aquino (2012, p. 42-43):

A escola se instalou sem pedir licença na comunidade indígena, na época era para destruição da cultura Guarani/Kaiowá, mas no mundo atual em que vivemos precisamos dele para ter uma mediação entre o mundo dos não indígenas e o mundo indígena, ferramenta indispensável para transitá-lo na ponte do conhecimento e sabedoria, entre as fronteiras sem escolher o lado direito ou o lado esquerdo, mas sim ir além dessa tradição para saber lutar sempre pelo direito de viver e sobreviver no mundo moderno.

De outra forma, podemos afirmar que a educação escolarizada sempre desconsiderou a educação indígena, tentando romper com os saberes tradicionais ao introduzir e sobrepor saberes de uma sociedade com valores individuais e capitalistas.

Tonico Benites (2009, p. 15), em seus estudos, ressalva que “[...] a educação escolar é uma instituição externa, a qual não é gerenciada pelas famílias kaiowá, embora tenha sido aceita por elas [...]”. Em outras palavras, entende-se que a escola foi apropriada pela cultura Guarani e Kaiowá, mas não é ressignificada por ela, de acordo com suas epistemologias e cosmologias, visto que, no entendimento de Teodora de Souza (2013, p. 60), “[...] a política educacional, presente nas comunidades através da instituição escola, ainda está atrelada ao contexto da colonialidade do saber e do ser”.

Ao considerar a escola um espaço de fronteira onde os saberes indígenas e ocidentais se encontram e desencontram a partir da visão de mundo, de acordo com cada contexto, João Machado (2013, p. 29) enfatiza: “Para a maioria dos Guarani/Kaiowá, a escola tem pouca importância, não tem muito sentido, uma instituição do não índio que adentrou nas comunidades, roubando-lhes as culturas e a língua”. Por outro lado, a escola despertou curiosidade e necessidade de conhecer o “outro”, de participar da sociedade não indígena, como destaca Tonico Benites (2009, p. 75-6):

Nesse contexto de contato frequente com os saberes escritos (kuatia arandu), algumas famílias entenderam que aprender a ler e escrever seria importante porque viam a relevância do papel. Durante a relação de trabalho (changa) nos ervais e na derrubada de mato, era comum ver os patrões ervateiros utilizando sempre papel e caneta para anotar as mercadorias e o dinheiro dados aos trabalhadores kaiowá e paraguaios. Ao entrar em contato com outros não-índios (karaí), como missionários, pastores e agentes do SPI/FUNAI, (entre outros), observavam também todos usando papel. A utilização do papel era freqüente em frente ao Kaiowá. Essas pessoas karaí faziam o papel falar (moñe’ê kuatia) e ao mesmo tempo registravam qualquer acontecimento e fala no papel (japo kuatia ñe’ê), por isso, algumas famílias kaiowá ficavam admiradas e curiosas. Diante dos fatos misteriosos, procuraram entender o poder de conhecimento escrito do não-índio (karaí kuatia ñe’ê). Eles perceberam que para compreender o modo de ser e pensar escrito dos karaí teriam que aprender a dominar os mistérios dos saberes do papel. (grifo nosso).

Diante de uma sociedade ágrafa, na qual os conhecimentos são passados pela oralidade e os modos de ser e de fazer são ensinados no dia a dia, vivenciados cotidianamente, a escrita entra como algo mágico, uma vez que, segundo Eliel Benites (2014, p. 75),

[...] os Kaiowá e Guarani buscam a educação escolar indígena como um caminho possível de alternativas para sair das condições de subalternidade impostas pelo contexto político, histórico e social na relação com a sociedade envolvente. (grifo nosso).

Nessa acepção, compreend emos que o espaço escolar, em terras indígenas, é um lugar de encontro entre duas formas de educação que se divergem no modo de ser e se organizar enquanto sociedade diferenciada, embora seja um lugar de prestígio nas aldeias, porque a escola é a ponte que leva ao outro lado: o lado da cultura ocidental, em que os povos aprenderão a língua portuguesa, a escrita e o cálculo matemático.

Enquanto a matemática na cultura indígena, nesse caso, é utilizada dentro de uma concepção coletiva e de partilha entre seus membros, na sociedade não indígena, ela leva ao individualismo, seguindo valores de uma sociedade cada vez mais competitiva e excludente. Como aventa Carvalho (2018, p. 94):

[...] utilizamos e temos [os Guarani e Kaiowá] nossa própria matemática no cotidiano. Sabemos que a nossa matemática, conforme nossos saberes, não é vista como a matemática universal, mas, para nós, é uma ciência, porque responde às nossas necessidades e são praticadas pelas nossas famílias, no modo de contar, registrar, quantificar, medir, classificar e de construir no nosso tekoha.

A percepção que temos é a seguinte: a escola constitui um espaço ambivalente, de contradições e negociações vivenciadas nas fronteiras entre o mundo indígena e não indígena. Apesar de ser apropriada pela cultura Guarani e Kaiowá, ela não é ressignificada pela cultura, tendo em vista uma educação com metodologias próprias, impedidas de serem sistematizadas pela lógica ocidental, por se situarem em outra ordem cosmológica.

9 NOSSAS POSSÍVEIS CONSIDERAÇÕES

No mapeamento e nas análises das pesquisas realizadas pelos Guarani e Kaiowá do estado de Mato Grosso do Sul, observamos que se trata de uma “escrita nas fronteiras”, uma escrita entre dois mundos: ora dialogam entre si, ora dialogam cada um a partir da sua concepção de mundo, reexistindo no tempo e no espaço em que se encontram, ao ressignificar o modo de ser e fazer a partir dos processos históricos e culturais estabelecidos pelo contato.

De maneira particular, percebemos, nos escritos dos pesquisadores indígenas, que os conhecimentos são produzidos entre a tradição e a tradução; são vivenciados por diferentes situações históricas atravessadas pelo modo de vida ocidental, o qual deixou marcas profundas em suas memórias, ressignificando os modos de ser e de fazer Guarani e Kaiowá - e, quando não, hibridizando e negociando os saberes em uma relação entre o vivido e o sentido.

1Este texto é um fragmento dos estudos realizados para a pesquisa de doutorado intitulada: “Nas fronteiras das Negociações: outros saberes e outros fazeres Guarani e Kaiowá” (2022), inserida no Grupo de Pesquisa Educação e Interculturalidade (GPEIN) e vinculada à linha de pesquisa Diversidade Cultural e Educação Indígena do Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco (PPGE/UCDB).

4Segundo Bergamaschi (2014, p. 12), “[...] o que explica a expressão intelectual indígena como uma possibilidade de empoderamento de suas lideranças, dos sábios, dos estudiosos que se destacam, tanto no seio de suas sociedades como na interação com espaços não indígenas”.

5Segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI-MS), nesse Estado, a população indígena soma 83.241 habitantes, presentes em 29 municípios. Representam-se por 8 etnias: Guarani, Kaiowá, Terena, Kadwéu, Kinikinaua, Atikun, Ofaié e Guató, que se comunicam na sua língua-mãe, sendo: Guarani, Terena, Kadwéu, Guató, Ofaié e Kinikinau (DSEI-MS, 2017).

6Ainda há uma população de 318 habitantes que residem em outras Aldeias do estado de demais etnias, sendo 107 Guarani, 12 Guarani Kaiowá e 199 Kaiowá.

7Segundo os estudos de Ferreira e Brand (2009, p. 108): “[...] Thomaz Larangeira fundou uma fazenda de gado no Mato Grosso e logo depois, em 1877, iniciou o trabalho de exploração da erva, no Paraguai, enquanto aguardava uma concessão do Governo Brasileiro para instalar-se no Brasil [...] através do Decreto Imperial, de n. 8799, de 9 de dezembro de 1882, tornou-se o primeiro concessionário legal para a exploração da erva-mate nativa, por um período inicial de 10 anos”.

8Instituição criada pelo Decreto n. 8.072, de 20 de junho de 1910, com o nome de Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN). Tinha por tarefa a pacificação e proteção dos grupos indígenas, bem como o estabelecimento de núcleos de colonização com base na mão de obra sertaneja. As duas instituições foram separadas em 6 de janeiro de 1918, pelo Decreto-Lei n. 3.454, e a instituição passou a ser denominada SPI. A extinção foi em 1967, quando houve a criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Fonte: Serviço de Proteção aos Índios (SPI). As informações podem ser consultadas neste link:http://www.funai.gov.br/index.php/servico-de-protecao-aos-indios-spi. Acesso em: 6 mar. 2021.

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Recebido: 21 de Outubro de 2022; Aceito: 26 de Outubro de 2022

Marinês Soratto: Mestre em Educação pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Técnica em Educação da Divisão de Educação e Diversidade na SEMED de Campo Grande. E-mail: marines.soratto@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7488-6022

Adir Casaro Nascimento: Doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. mestrado em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduação em Pedagogia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Professora titular da UCDB, no Programa de PósGraduação, mestrado e doutorado, em Educação. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Educação e interculturalidade/CNPq. E-mail: adir@ucdb.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7488-6022

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