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Série-Estudos

Print version ISSN 1414-5138On-line version ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.28 no.62 Campo Grande Jan./Apr 2023  Epub May 23, 2023

https://doi.org/10.20435/serieestudos.v28i62.1782 

Dossiê: Recomendações dos Organismos Multilaterais para a Educação da América Latina e Caribe em contextos de crise

Apresentação do dossiê temático “Recomendações dos Organismos Multilaterais para a Educação da América Latina e Caribe em contextos de crise”

Maria de Lourdes Pinto de Almeida1 
http://orcid.org/0000-0001-8515-2908

María Verónica Leiva Guerreiro2 
http://orcid.org/0000-0002-7641-0087

1Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

2Pontificia Universidad Católica de Valparaíso (PUCV), Valparaíso, Chile


É com imenso prazer que apresentamos os artigos que compõem o nosso dossiê temático, o qual tem por título “Recomendações dos Organismos Multilaterais para a Educação da América Latina e Caribe em contextos de crise”.

Abrindo a discussão, temos um debate sobre “Políticas de Educação Especial no Brasil: ameaças, contradições e descontinuidades”, de Geandra Claudia Silva Santos, da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Adelaide de Sousa Oliveira Neta, da Secretaria Municipal da Educação (SME) de Fortaleza, e Alexandra Ayach Anache, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). O artigo objetiva analisar mudanças propostas na revisão da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), por meio do Decreto 10.502/2020 em correlação com documentos internacionais e com as políticas ultraconservadoras. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo documental. Segundo as autoras, os resultados apontam a relevância da PNEEPEI no avanço da educação inclusiva. O decreto, inspirado pela Declaração de Incheon, visa alterar a organização da Educação Especial que representa riscos à manutenção da perspectiva inclusiva, ao defender, dentre outros aspectos, a descaracterização do Atendimento Educacional Especializado; o estímulo à matrícula em espaços especializados; ampliação da participação do setor privado; e responsabilização de famílias na decisão sobre matrícula. De acordo com as autoras, a pesquisa demonstrou que a inclusão é ainda uma construção complexa e contínua e não ocorre somente com a alteração da organização da Educação Especial, mas sim, e efetivamente, alterando a estrutura excludente da educação.

Na sequência, temos o texto sobre “O discurso do Banco Mundial para a educação na pandemia: neoliberalismo e expansão do ensino remoto como ‘oportunidades’ para a América Latina e o Caribe no cenário de crise”, de Marlon Sandro Lesnieski, da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), e Lourdes Evangelina Zilberberg Oviedo, da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Na tentativa de conduzir o processo, iniciado no início de 2020, com a pandemia do covid-19, os organismos multilaterais produziram orientações sobre a reformulação das estruturas pedagógicas nos países periféricos, elaborando documentos a serem seguidos nessa conjuntura de crise internacional. Nesse sentido, segundo Lesnieski e Oviedo, o Banco Mundial publicou, em fevereiro de 2021, um relatório que sinaliza encaminhamentos a serem trilhados pelos governos da América Latina e do Caribe. O estudo, que se caracteriza pela abordagem qualitativa e documental, tem como objetivo compreender as contradições que emergem no discurso do relatório do Banco Mundial a partir dos determinantes históricos que impactaram a realidade educacional. Os resultados indicam a articulação de dois elementos discursivos, o primeiro aponta para as oportunidades de solidificação e ampliação de acesso dos sistemas educacionais, e o segundo, para a criação de um consenso para efetivação de iniciativas neoliberais que foram pensadas como emergenciais, porém, vêm ganhando status de permanentes.

“Regulação educacional por resultados: (re)definições a partir de argumentos do Banco Mundial no cenário pós-2000”, de Aline Bettiolo dos Santos e Elton Luiz Nardi, ambos da UNOESC, brinda-nos com um debate sobre a regulação na perspectiva que enfatiza a produção de resultados no campo educacional, consoante ao que o Banco Mundial (BM) concebe e imprime em seus encaminhamentos para a educação de diversos países. Santos e Nardi destacam que, apesar da atualização das recomendações do BM, a ideia de uma educação de qualidade para todos é uma preocupação central na amostra de documentos examinada. Enfatizam também que as redefinições ao longo do tempo incluem prioridades e estratégias que situam a orientação por resultados como algo necessário à educação contemporânea e um dos fundamentos das reformas que esse organismo econômico estimula, propõe e realiza. Os autores concluíram que, por um lado, o BM corrobora o fortalecimento da hegemonia burguesa, atuando em favor de uma concepção de regulação educacional com foco nos resultados, e que, por outro, a sua agenda está em evolução.

“Implicações das recomendações da OCDE para a Educação Superior na América Latina e no Caribe”, de José Vieira de Sousa, da Universidade de Brasília (UnB), Maria de Lourdes Pinto de Almeida, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e Ketlin Elís Perske, da UFSM, é o próximo artigo deste dossiê. Este texto tem por objetivo, segundo os autores, analisar elementos importantes das políticas promovidas pelos organismos internacionais para a agenda global da educação, destacando aqueles subjacentes ao discurso do BM e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), bem como as implicações dessas políticas para a região. O referencial teórico explora e mapeia as orientações dos documentos do BM e da OCDE para a educação superior e suas implicações sobre a América Latina orientadas pela economia do conhecimento. As reflexões, segundo Vieira, Almeida e Perske, apresentam argumentos que levam à conclusão de que as orientações e prescrições de políticas educacionais protagonizadas pelos organismos multilaterais vêm induzindo reformas neoliberais e interferindo significativamente na educação superior na América Latina e no Brasil, mostrando-se diretamente articuladas aos princípios da economia do conhecimento.

“O discurso da OCDE sobre a educação em tempos de pandemia: uma análise a partir do Estado do Conhecimento”, de Andréia Aparecida Simão, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), tem por objetivo analisar, por meio da delimitação do campo do conhecimento científico na área educacional, como a OCDE traz a insígnia da educação por meio do discurso da escolaridade interrompida em contexto da pandemia de covid-19. Dessa forma, segundo a autora, a questão problematizadora deste debate foi: em que medida a escolaridade e a educação são interrompidas nesse tempo de pandemia? Simão realizou um levantamento e uma análise do Estado do Conhecimento, de forma qualitativa e quantitativa, articulados às pesquisas bibliográficas e ao procedimento de análise de documentos. Como base empírica, a autora analisou o documento “Schooling disrupted, schooling rethought. How the Covid-19 pandemic is changing education”. O recorte temporal delimitado foi de 2019 a 2021 para o levantamento bibliográfico no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), vinculada ao Ministério da Educação (MEC), e na Biblioteca Científica Eletrônica Online - SciELO. Os resultados levaram à conclusão de que o abandono escolar e a perda de aprendizado estão na relação inerente com as desigualdades, exclusão e vulnerabilidade social.

“Educación Superior y futuro: lecturas de la hoja de ruta para la Educación Superior propuesta por UNESCO desde una perspectiva latinoamericana” é o debate trazido por Pablo Daniel Garcia e Norberto Fernández Lamarra, ambos da Universidad Nacional de Tres de Febrero, da Argentina. Segundo os autores, em maio de 2022, a III Conferência Mundial sobre Educação Superior foi realizada em Barcelona, com milhares de participantes de todo o mundo, e teve como resultado a publicação de um documento pela UNESCO intitulado “Além dos limites. Novas formas de reinventar o Ensino Superior”. Propõe-se que este documento se torne um “roteiro” para o Ensino Superior (ES) nos próximos anos. Portanto, neste trabalho, em formato de ensaio, algumas conceituações e propostas que a UNESCO desenvolve no documento são recuperadas e colocadas em um horizonte mais amplo para se pensar o Direito à Educação Superior. Desta forma, recuperam-se as ideias e os debates ocorridos nas diferentes Conferências Regionais de Educação Superior na América Latina (1998, 2008 e 2018), bem como nas Conferências Mundiais anteriores (Paris, 1999 e 2009). Segundo Garcia e Lamarra, para colocar este percurso numa perspectiva regional, são apresentados dados e reflexões para caracterizar a situação do Ensino Superior na região, nomeadamente a partir do impacto que teve a pandemia de covid-19 e os desafios associados às ameaças globais que a humanidade enfrenta, bem como as principais mudanças na Educação Superior na última década. Os autores enfatizam que construir futuros possíveis para a Educação Superior implica, entre outros desafios, responder a milhões de habitantes da região para quem o Direito à Educação Superior continua sendo uma promessa não cumprida.

“Educação 2030 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico: indução e riscos de um modelo curricular de formação” é o debate trazido por Marcio Giusti Trevisol, da UNOESC, Altair Alberto Fávero e Diego Bechi, ambos da Universidade de Passo Fundo (UPF), que busca analisar criticamente o documento “Education 2030: The Future of Education and Skills”, da OCDE, elaborado em 2015. Segundo o documento, novas competências e habilidades são consideradas como essenciais para os desafios da próxima década e, por isso, as gerações devem ser formadas atendendo a essas prerrogativas educacionais. Segundo os autores, este problema investigativo caracteriza-se pela seguinte pergunta: que modelo de formação está presente no documento “Education 2030: The Future of Education and Skills”? O objetivo é analisar os pressupostos formativos presentes nesse documento, seus interesses, impactos e finalidades, a fim de apresentar os aspectos limitados de um modelo de formação. Trevisol, Fávero e Bechi afirmam que o documento da OCDE, ao propor um currículo homogêneo para os países, desconsidera a autonomia, independência e as particularidades de cada nação, região e local para pensar, organizar e definir seus currículos formativos às novas gerações, indicando um conjunto de competências e habilidades que reforçam a lógica da educação como prestadora de serviços para o desenvolvimento econômico neoliberal.

“Demandas em torno da responsabilização nas políticas de currículo e docência: os organismos multilaterais e suas articulações em tempos de crise”, de Ana Paula Soares, do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp/UFRJ), busca analisar como a responsabilização vem sendo articulada e apresentada como demanda em âmbito global por organismos multilaterais e as reverberações desses nas políticas de currículo e docência local, em contextos nos quais circulam discursos de “crise da educação” (MACEDO, 2014). O foco de reflexão foram produções que contam com a colaboração da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). As análises são feitas a partir de referenciais pós-estruturais, pós-fundacionais, que compreendem as políticas como práticas discursivas. Para a autora, é possível observar a manutenção das políticas de currículo para formação de professores sendo postas como principal estratégia para a melhoria da qualidade da educação em âmbito global, o que reforça demandas em torno da responsabilização docente no contexto local.

“O Reuni Digital e a conformação de uma agenda para a educação superior brasileira no pós-covid-19” é a discussão trazida por Lara Carlette Thiengo, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), e Cezar Luiz De Mari, da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Os autores tratam ainda das recomendações do Banco Mundial e da UNESCO para a Educação Superior - a partir do contexto da pandemia de covid-19 -, tendo como enfoque as propostas de intensificação de “eadedização”. A metodologia tem como fundamento o materialismo histórico-dialético e a abordagem crítico-interpretativa, a partir das análises de documentos das literaturas especializadas, notícias e entrevistas em sites e imprensa. Os autores trabalham com o pressuposto de que o Programa Reuni Digital tem por objetivo reconfigurar as Instituições Federais da Educação Superior (IFES), pela platamorfização da Educação Superior, produzindo a indistinção entre o público e o privado e entre as modalidades de ensino EAD e presencial.

“Acordos internacionais e sua influência na gestão e no planejamento educacional do Brasil e do Paraguai”, de Andréia Vicência Vitor Alves e Pamela Caetano Gimenes, ambas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), tem como objetivo compreender a gestão e o planejamento educacional brasileiro e paraguaio para a educação básica em seus aportes normativos, buscando apreender a influência dos acordos internacionais e dos organismos multilaterais e qual concepção de gestão apresentam. As autoras concluíram que os acordos internacionais têm procurado criar uma agenda educacional para os países signatários, com uma concepção de gestão gerencial, com vistas principalmente à erradicação do analfabetismo e ao acesso a uma educação universal de qualidade, em cooperação com os organismos multilaterais que vêm oferecendo apoio técnico e financeiro para tanto, desde 1990. Para Alves e Gimenes, tanto o Brasil como o Paraguai vêm buscando estabelecer seu planejamento educacional conforme os preceitos desses acordos, realizando parceria técnica e financeira com os supracitados organismos que vêm influenciando as ações educacionais desses países. Mesmo apresentando aspectos dessa agenda, para as autoras, a normatização educacional brasileira apresenta como concepção de gestão educacional a democrática, firmando-a como a concepção que deve vigorar em seu planejamento educacional.

“Reflexos do relatório da Microsoft, Ensino 2030 na Resolução CNE/CP n. 2/2019”, de Lizete Camara Hubler, Maximino Luiz Martinelli e Rogério Augusto Bilibio, da UNOESC, é um debate que tem por objetivo a análise do relatório da Microsoft, intitulado “O Ensino em 2030 e o Aprendizado pronto para a vida: o imperativo tecnológico”, buscando compreender sua influência na Resolução CNE/CP n. 2, de 20 de dezembro de 2019. Os autores afirmam ter ciência de que as políticas educacionais sofrem a influência de organismos multilaterais e aparelhos privados de hegemonia, objetivados a adequar a educação aos interesses do capital. Dessa forma, segundo Hubler, Martinelli e Bilibio, o relatório, ao afirmar a necessidade de uma nova metodologia para formar as crianças para o mercado de trabalho, frisa o papel que os professores precisam desenvolver nesse processo, ou seja, meros executores de um modelo tecnicista. Assim sendo, segundo os autores, esta investigação, poderá contribuir para compreender os pressupostos presentes na construção das diretrizes da formação docente do Brasil de 2019 a 2022.

“A educação especial e inclusiva nos documentos do Banco Mundial e da UNESCO pós-crise mundial de 2008: orientações políticas para o Brasil” é o artigo de Gesilaine Mucio Ferreira, Jani Alves da Silva Moreira e Maria Eunice França Volsi, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Trata-se de uma análise documental e qualitativa ancorada no materialismo histórico e dialético e na compreensão de que os documentos de políticas educacionais são produtos e produtores da realidade e expressam os interesses de grupos sociais em disputas. O artigo examina as crises de 2008 e da covid-19 como integrantes da crise estrutural do capital e, portanto, como agravantes de tal crise. Segundo os autores, as orientações do BM e da UNESCO para a educação especial e inclusiva, específicas ou não para o Brasil, são parte de uma agenda global da educação, coordenada pelos organismos internacionais. Para Ferreira, Moreira e Volsi, essa agenda dissemina um discurso de educação inclusiva dos grupos vulneráveis, como o público-alvo da educação especial, cuja concepção de inclusão se restringe à formação de capital humano para amenizar as desigualdades e os conflitos decorrentes das crises e reproduzir o processo de acumulação do capital.

E, assim, chegamos ao fim deste dossiê, repleto de artigos interessantíssimos sobre uma temática atual e extremamente polêmica. Então, nada mais nos resta a dizer a não ser desejar-lhes uma leitura profícua.

Campinas/Valparaíso, março de 2023.

Maria de Lourdes Pinto de Almeida: Pós-doutora em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Doutora e mestre em Filosofia, História e Educação pela Unicamp. Graduada em Pedagogia pela Unicamp. Pesquisadora do Grupo Internacional de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (GIEPES) da Faculdade de Educação da Unicamp. Vice coordenadora da Unicamp. Docente pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Editora adjunta e fundadora da Revista Internacional de Educação Superior (RIESup) da Unicamp, qualis A3 em Educação. Coordenadora da Rede Iberoamericana de Estudos e Pesquisas em Políticas e Processos de Educação Superior (RIEPPES). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas de Educação Superior da região Sul (GEPPES-Sul), cuja sede está na UFSM, vinculado ao GIEPES, da Unicamp. Coordenadora da Coleção Educação da editora Mercado de Letras. Pesquisadora de Produtividade do CNPq. E-mail:malu04@gmail.com

Dra. María Verónica Leiva Guerrero: Doctora en Didáctica en Ciencias de la Educación por la Universidad de Oviedo, España. Profesora titular de la Escuela de Pedagogía y directora del Magíster en Liderazgo y Gestión en Organizaciones Escolares en la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso. Profesora de Educación General Básica por la Universidad de Playa Ancha. Con una larga trayectoria en la formación inicial y continua de profesores y directivos escolares. Sus investigaciones y publicaciones versan sobre la gestión y el liderazgo en instituciones educativas y la evaluación del aprendizaje. E-mail:veronica.leiva@pucv.cl

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