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Série-Estudos

versão impressa ISSN 1414-5138versão On-line ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.28 no.62 Campo Grande jan./abr 2023  Epub 23-Maio-2023

https://doi.org/10.20435/serieestudos.v28i62.1744 

Dossiê: Recomendações dos Organismos Multilaterais para a Educação da América Latina e Caribe em contextos de crise

Acordos internacionais e sua influência na gestão e no planejamento educacional do Brasil e do Paraguai

International agreements and their influence on the management and educational planning of Brazil and Paraguay

Acuerdos internacionales y su influencia en la gestión y el planificación educativo de Brasil y Paraguay

Andréia Vicência Vitor Alves1 
http://orcid.org/0000-0002-5179-4053

Pamela Caetano Gimenes1 
http://orcid.org/0000-0002-1930-1095

1Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil


Resumo

Este estudo tem como objetivo compreender a gestão e o planejamento educacional brasileiro e paraguaio para a educação básica em seus aportes normativos, buscando apreender a influência dos acordos internacionais e dos organismos multilaterais e qual concepção de gestão apresentam. Conclui-se que os acordos internacionais têm procurado criar uma agenda educacional para os países signatários, com uma concepção de gestão gerencial, com vistas, principalmente, à erradicação do analfabetismo e ao acesso a uma educação universal de qualidade, em cooperação com os organismos multilaterais que vêm oferecendo apoio técnico e financeiro para tanto, desde 1990. Tanto o Brasil como o Paraguai vem buscando estabelecer seu planejamento educacional conforme os preceitos desses acordos, realizando parceria técnica e financeira com os supracitados organismos que vêm influenciando as ações educacionais desses países. Mesmo apresentando aspectos dessa agenda, a normatização educacional brasileira apresenta como concepção de gestão educacional a democrática, firmando-a como a concepção que deve vigorar em seu planejamento educacional.

Palavras-chave: organismos multilaterais; educação básica; legislação educacional

Abstract

This study aims to understand the management and educational planning of Brazil and Paraguay for basic education in their normative contributions, seeking to apprehend the influence of international agreements and multilateral organizations and which management conception they present. It is concluded that international agreements have sought to create an educational agenda for the signatory countries, with a managerial management conception, mainly aiming at the eradication of illiteracy and access to universal quality education, in cooperation with multilateral organizations that have been offering technical and financial support since 1990. Both Brazil and Paraguay have sought to establish their educational planning in accordance with the precepts of these treaties, making technical and financial partnerships with the aforementioned organisms that have influenced the educational actions of these countries. Even presenting aspects of this agenda, Brazilian educational standards present democratic educational management as the concept that should prevail in educational planning.

Keywords: multilateral organizations; basic education; educational legislation

Resumen

Este estudio tiene como objetivo comprender la gestión educativa brasileña y paraguaya y la planificación de la educación básica en sus contribuciones normativas, buscando aprehender la influencia de los acuerdos internacionales y los organismos multilaterales y qué concepción de gestión presentan. Se concluye que los acuerdos internacionales han buscado crear una agenda educativa para los países signatarios, con un concepto de gestión, con miras principalmente a la erradicación del analfabetismo y el acceso a una educación universal de calidad, en cooperación con organismos multilaterales que vienen ofreciendo apoyo técnico y financiero para ello, desde 1990. Tanto Brasil como Paraguay han estado buscando establecer su planificación educativa de acuerdo con los preceptos de estos acuerdos, llevando a cabo una asociación técnica y financiera con las organizaciones antes mencionadas que han estado influyendo en la planificación educativa de estos países. Incluso presentando aspectos de esta agenda, la norma educativa brasileña presenta como concepción de la gestión educativa lo democrático, que la afirma como la concepción que debe tener efecto en su planificación educativa.

Palabras clave: organismos multilaterales; educación básica; legislación educativa

1 INTRODUÇÃO

A partir de 1990, os países latino-americanos passaram a assumir compromissos conforme a agenda internacional para a educação discutida nas conferências internacionais, que influenciaram diretamente as reformas educacionais realizadas por esses países a partir de então, com vistas a garantir o acesso e a qualificação da educação básica, tendo os organismos multilaterais forte ingerência nessa ação.

Considerando que o Brasil e o Paraguai nesse período estavam saindo de seu regime militar e adentrando na agenda internacional para a educação, e que esta influencia diretamente na organização educacional, neste artigo, buscamos compreender a organização da gestão e do planejamento educacional brasileiro e paraguaio para a educação básica em seus aportes normativos, a fim de apreender a influência dos acordos internacionais e dos organismos multilaterais e qual concepção de gestão apresentam.

Para tanto, trabalhou-se com os acordos internacionais Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNICEF, 1990), Declaração de Dakar - Educação para todos (UNESCO, 2000), Declaração de Incheon para a Educação 2030 (UNESCO, 2016); e as normatizações educacionais brasileira e paraguaia que abarcam o planejamento e a gestão educacional.

Assim, iniciamos apresentando o planejamento e a gestão educacional nos acordos internacionais dos quais o Brasil e o Paraguai são signatários; e, num segundo momento, abordamos o planejamento educacional na normatização educacional do Brasil e depois do Paraguai, a fim de neles evidenciar a influência dos supracitados acordos e dos organismos multilaterais e qual concepção de gestão apresentam.

2 GESTÃO E PLANEJAMENTO EDUCACIONAL NOS ACORDOS INTERNACIONAIS

As reformas educacionais ocorridas a partir de 1990 possibilitaram que os países latino-americanos passassem a assumir compromissos que foram discutidos nas conferências internacionais. Desde então, a educação passou a fazer parte dos debates internacionais, como um dos temas centrais das reformas políticas e econômicas em curso naquele momento, com intento de aumentar seu padrão de qualidade, contando com o apoio financeiro e assessoria técnica de organismos multilaterais, como a Organização das Ações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).

Segundo Lameira (2016), esses organismos, com suas propostas de internacionalização da educação e ajustes internos, tinham como objetivo combater os grandes índices de analfabetismo e o baixo acesso à escolaridade básica, como também facilitar, por meio da educação, a alienação aos discursos neoliberais.

Essas reformas educacionais, de acordo com Lafuente (1998), foram responsáveis pela reestruturação dos novos sistemas de administração da educação. Segundo Peroni (2003), os direitos à cidadania passaram a ser vistos como produtividade, com o intuito de alcançar maior eficiência e eficácia por meio da descentralização administrativa, de serviços terceirizados e controle de qualidade, sendo possível observar que um dos objetivos propostos nessas reformas foi o de instituir a concepção gerencial em todos os segmentos sociais, incluindo na educação.

Conforme Neto e Rodriguez (2007, p. 13), “[...] as políticas educacionais [...] em desenvolvimento deveriam ser compreendidas no âmbito das transformações econômicas, geopolíticas e culturais em curso no mundo capitalista”. Cabe destacar que o padrão de qualidade almejado para tanto “[...] passou a ter como eixo uma conexão com as questões ligadas à competitividade e, nesse contexto, foi apresentado à gestão dos sistemas e das escolas um novo modelo orientado pelos princípios da gestão gerencial” (ALVES, 2015, p. 42).

As sociedades viviam um contexto de inúmeras mudanças no período em questão, tanto em sua economia, como em suas relações internacionais, políticas e sociais. Alguns países, como Brasil e Paraguai, viviam o período de transição do regime ditatorial para o processo de redemocratização (KRAWCZYK; VIEIRA, 2008).

Concomitante a esse processo de redemocratização, tais países passaram a adequar suas políticas educacionais às orientações dos organismos multilaterais, via pactuação em documentos internacionais, como a Declaração Mundial sobre Educação para Todos; a Declaração de Dakar - Educação para todos; e a Declaração de Icheon para a Educação 2030, havendo uma interferência dessas diretrizes na educação, levando-nos a refletir sobre essa imisção no planejamento educacional desses países.

[...] A adequação das políticas educacionais do Brasil às orientações de organismos multilaterais, principalmente o Banco Mundial e a Unesco, teve início na década de 1980, mas se intensificou nos anos 1990, desde a realização da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, na Tailândia, cujo objetivo foi formular políticas para escola de países emergentes compatíveis com o funcionamento do capitalismo globalizado. (LIBÂNEO, 2013, p. 45).

Segundo o autor, a influência das diretrizes internacionais no Brasil teve o objetivo de alinhar as políticas públicas com uma concepção de Estado e sociedade (capitalista e hegemônico), o que não foi diferente no Paraguai.

A Declaração Mundial sobre Educação para Todos, aprovada na Conferência de Jomtien (UNICEF, 1990), realizada em 1990, na Tailândia, tem em vista garantir o direito à educação básica para todos, com qualidade.

Ainda que as Declarações se configurem como instrumentos históricos de regulação internacional e sinalizem a preocupação da sociedade mundial em reverter o panorama da não efetivação universal do direito à educação, no que tange ao acesso, permanência e a qualidade, em linhas gerais, elas apresentam variações de concepção relativas à Educação Básica. No tocante há uma visão sobre a educação básica, a Declaração de Jomtien se configura como marco conceitual de demarcação da necessidade de prever o direito a educação fundamental. (SOUZA; KERBAUY, 2018, p. 680).

Essa declaração está organizada em dez artigos, quais sejam: 1°satisfazer as necessidades básicas da aprendizagem; 2°expandir o enfoque da Educação para Todos (EPT): uma visão abrangente e um compromisso renovado; 3° universalizar o acesso à educação e promover a equidade; 4°concentrar a atenção na aprendizagem; 5°ampliar os meios e o raio da educação básica, 6° propiciar um ambiente adequado a aprendizagem; 7°fortalecer as alianças; 8°desenvolver uma política contextualizada de apoio; 9°mobilizar recursos; e 10° fortalecer a solidariedade internacional (UNICEF, 1990).

O artigo 2° diz respeito à EPT concebida na supracitada conferência, sendo

[...], patrocinada e acompanhada por quatro agências internacionais: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); Banco Mundial (BM). Fixou seis metas a serem atingidas até o ano de 2000: promover o acesso universal à educação primária ou de nível maior considerado básico, bem como a conclusão desses cursos; reduzir o analfabetismo a metade da taxa de 1990; expandir os programas de desenvolvimento da criança; melhorar os resultados da aprendizagem, garantindo pelo menos 80% das aprendizagens essenciais; ampliar o atendimento a educação básica e de capacitação de jovens e adultos; divulgar informações relevantes à população no intuito de contribuir com a melhoria da qualidade de vida. (NETO; RODRIGUEZ, 2007, p. 16).

A EPT pode ser vista como uma proposta educacional apresentada na Declaração Mundial de Educação para Todos a ser implementada na educação mundial nos próximos dez anos, a fim de universalizar a educação considerada básica de forma qualificada, reduzir o analfabetismo e concorrer para a melhoria da qualidade de vida.

Essa declaração objetiva proporcionar um contexto de inovação política favorável à educação, bem como orientar as políticas educacionais para a realização de um plano de ação, no intento de satisfazer as necessidades básicas da aprendizagem (UNICEF, 1990), além de fornecer “[...] as bases conceituais e procedimentais para os países elaborarem os seus Planos Nacionais de Educação [PNE] [...]” (NETO; RODRIGUEZ, 2007, p. 24), podendo ser compreendida como um marco importante no que concerne à constituição do planejamento educacional para a educação básica nos países signatários.

Para a efetivação das recomendações da Conferência de Jomtien, foram realizadas, na América Latina, conferências intituladas Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe (PROMEDLAC), que nortearam, durante duas décadas, os planos de ação dos países da América Latina, comtemplando o período de 1991 a 2001, e forneceram

[...] as bases para o delineamento de um projeto educacional com características comuns para todo o continente latino-americano, no que se refere aos novos modelos de gestão [gestão gerencial], à descentralização dos sistemas educacionais, à flexibilização curricular, às políticas compensatórias, a programas focalizados e ao financiamento da educação. (CASTRO, 2008, p. 393).

A incorporação de características da concepção de gestão gerencial ao planejamento educacional latino-americano é mediada pelos organismos internacionais supracitados, com a justificativa de que esse modelo de gestão proporciona mais qualidade ao âmbito educacional. Para eles, tal modelo e gestão propicia melhor desempenho organizacional, uma vez que:

Una calidad de gestión que se hace responsable de los resultados y logros de su propio desempeño constituye un factor crucial en la modernización de la administración educativa. Este nuevo estilo de gestión implica una gran capacidad de la administración para definir dentro de sus planes y programas, logros e indicadores de rendimiento que en cada caso espera alcanzar y aplicar sistemáticamente procedimientos de evaluación de los resultados obtenidos en cada programa o proyecto de trabajo. (UNICEF, 1990, p. 32).

A partir da Declaração Mundial de Educação para Todos e das Conferências do PROMEDLAC, tanto no Brasil como no Paraguai há semelhanças no que concerne ao planejamento educacional, já que apresentam como intuito o desenvolvimento e a garantia do direito à educação básica, delimitando estratégias e metas com vistas a ofertar educação para todos.

Ambos os países buscam contemplar os artigos dessa declaração supracitados, além de apresentar características da gestão gerencial, tais como descentralização/desconcentração de tarefas, modernização da gestão educacional, meritocracia, individualismo, a busca de desempenho e resultados educacionais. Ademais, tais conferências se constituem em uma das formas de monitoramento das políticas educacionais da América Latina e, assim, do Brasil e do Paraguai.

Após tais iniciativas, foi apontada a necessidade da implantação de sistemas nacionais, com o objetivo de alavancar a qualidade da educação, sendo esse o tema central da reunião realizada em Santiago, no Chile, em 1992, patrocinada pelo Banco Mundial. Esse encontro propiciou discussões sobre os obstáculos que os diferentes sistemas educacionais continham referente à qualidade da educação (NETO; RODRIGUEZ, 2007).

E, devido aos países apontarem dificuldades quanto aos sistemas educacionais, a UNESCO proporcionou a criação, em 1994, do Laboratório Latinoamericano de Evaluación de la Calidad de la Educación (LLECE), no intento de desenvolver um estudo comparativo entre os sistemas educacionais dos países latino-americanos, dentre eles, o Paraguai e o Brasil (COMAR, 2017).

Nesse contexto de iniciativas voltadas para o planejamento educacional nos países latino-americanos,

[...] a configuração que o novo modelo de gestão educacional [gestão gerencial] vai assumir toma como referência as orientações homogeneizadoras, elaboradas a partir de orientações dos organismos internacionais, entre eles a CEPAL [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe], que revolucionou as políticas da região ao apresentar, em 1990, o documento intitulado Transformación productiva con equidad, no qual a centralidade da educação aparece como a principal estratégia para que os países possam alcançar o progresso técnico e se inserir em um mundo globalizado e em constante desenvolvimento. (CASTRO, 2008, p. 392, grifo nosso).

Tais orientações buscavam gerenciar o crescimento econômico, com vistas à produtividade. A partir de então, tanto no Brasil como no Paraguai, foi aprimorado um sistema de avaliação educacional, que, ao longo dos anos, tem ganhando centralidade no planejamento educacional desses países.

Posteriormente, em consonância com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, foi realizado, no ano 2000, o Fórum Mundial de Educação em Dakar, Senegal, no qual se aprovou a Declaração de Dakar - Educação para Todos, com o intuito de estabelecer um compromisso coletivo entre os governos no que concerne a assegurar o cumprimento das metas do EPT nos próximos quinze anos. Tal declaração abarca que

[...] a comunidade internacional reconhece que, atualmente, muitos países não possuem recursos para alcançar uma Educação para Todos dentro de um prazo aceitável. Recursos financeiros novos, de preferência na forma de doações, devem, portanto, ser mobilizados pelas agências financeiras bilaterais e multilaterais, incluindo o Banco Mundial e bancos regionais de desenvolvimento, assim como o setor privado. Afirmamos que nenhum país seriamente comprometido com a Educação para Todos será impedido de realizar este objetivo por falta de recursos. (UNESCO, 2000, p. 10).

Nessa declaração, evidencia-se a ingerência direta dos acordos internacionais e o apoio técnico e financeiro dos organismos multilaterais nas políticas educacionais dos países signatários, e, consequentemente, no planejamento educacional deles, ao se buscar firmar compromisso coletivo no tocante à implementação das metas da EPT pelos governos.

A UNESCO estimula a implementação dos planos de educação, bem como o monitoramento e a regulação das metas e dos objetivos contidos nesses, e aborda que “[...] vontade política e uma liderança nacional mais forte são necessárias à implementação efetiva e bem sucedida [sic] dos planos nacionais em cada um dos países. No entanto, a vontade política precisa sustentar-se em recursos” (UNESCO, 2000, p. 10).

A organização abarca que a comunidade internacional deve se responsabilizar com esse compromisso de financiamento coletivo para que nenhum de seus países signatários deixe de ofertar educação pela falta de recursos. Desta feita, vem “[...] desenvolvendo imediatamente uma iniciativa global com vistas a desenvolver estratégias e mobilizar os recursos necessários para providenciar apoio efetivo aos esforços nacionais” (UNESCO, 2000, p. 10), buscando a cooperação de organismos multilaterais, agências, instituições nacionais, regionais e internacionais e relação público-privada.

Tais ações influenciaram os planejamentos educacionais brasileiro e paraguaio, que elaboraram seus planos de ensino, tendo, dentre suas metas e estratégias, a erradicação do analfabetismo e a universalização da educação básica. Tanto o Brasil como o Paraguai vêm buscando colocar em prática as metas e estratégias empreendidas em seus planos de educação.

Em maio de 2015, a UNESCO, conjuntamente com o Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Banco Mundial, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a ONU Mulheres e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), organizaram o Fórum Mundial de Educação, na Coreia do Sul, que culminou no tratado internacional do qual o Brasil e o Paraguai são signatários: a Declaração de Incheon para a Educação 2030, que estabelece uma nova visão para a educação, para os próximos 15 anos.

Tal declaração tem como objetivo “[...] assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” (UNESCO, 2016, p. 29). Consiste em

[...] um documento que representa um compromisso histórico entre as nações para transformar vidas através de uma nova visão da educação. Nele, se apoia o compromisso dos países e da comunidade mundial educacional com a Agenda Educação 2030, que propõe medidas ousadas e urgentes. A Declaração de Incheon é também a origem de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) porque incumbe a UNESCO, como organização especializada na Educação para continuar com a função que foi lhe conferida de liderar e coordenar a agenda Educação 2030. (SOUZA; KERBAUY, 2018, p. 675).

Ela reafirma a visão abordada no movimento global EPT, iniciado em Jomtien (UNICEF, 1990) e reiterado em Dakar (UNESCO, 2000). Explana que ainda há muito a ser feito para a efetivação de uma educação para todos, ao apontar

[...] que a visão e a vontade política serão refletidas em inúmeros tratados de direitos humanos, internacionais e regionais, que estabelecem o direito à educação e sua inter-relação com outros direitos humanos. Reconhecemos os esforços feitos; contudo, constatamos, com grande preocupação, que estamos longe de alcançar a educação para todos. (UNESCO, 2016, p. 6).

Essa declaração visa construir, até 2030, o compromisso da comunidade educacional com a Educação, como um bem público para todos, e com a Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030, reconhecendo que é apenas pela educação que se pode obter desenvolvimento eficiente e eficaz. O documento ressalta que

[...] na implementação da nova agenda, o foco deve ser voltado à eficiência, à eficácia e à equidade dos sistemas educacionais. Os sistemas educacionais devem alcançar, atrair e reter os que estão atualmente excluídos ou sob risco de serem marginalizados. Além disso, para garantir uma educação de qualidade e condições para resultados educacionais eficazes, os governos deveriam fortalecer os sistemas educacionais instituindo e aprimorando mecanismos apropriados e eficazes de responsabilização e governança; garantia de qualidade; sistemas de informação para gerenciamento educacional; procedimentos e mecanismos de financiamento transparentes e eficazes [...]. (UNESCO, 2016, p. 31).

Além de uma educação pautada em características como eficiência e eficácia, a Declaração de Incheon para a Educação 2030 propõe estratégias no intuito de garantir educação para todos, assegurando doze anos de escolarização primária e secundária gratuita, pública, inclusiva, equitativa e de qualidade, sendo nove destes doze anos obrigatórios. A Declaração destaca também, como objetivo, garantir a oferta de aprendizagens de forma igualitária, de modo que a leitura, a escrita e a matemática sejam mediadas para todos.

Essa declaração, assim como as declarações supracitadas, busca a erradicação do analfabetismo e a universalização da educação, avançando ao propor uma escolarização primária e secundária gratuita, pública, inclusiva, equitativa e de qualidade, o que também vem sendo contemplado nas diretrizes educacionais do Brasil e do Paraguai

Tais declarações apresentam características da gestão gerencial, tais como: o fortalecimento de alianças com instituições privadas para alcançarem determinados índices de desempenho, a descentralização de tarefas, mecanismos de monitoramento e controle, dominação política e ideologias neoliberais e a formulação de políticas que defendem o Estado mínimo e tem em vista um planejamento educacional que vise à busca por desempenho, à relação público-privada e a resultados de aprendizagem eficazes.

A partir desses acordos, Brasil e Paraguai procuram orientar suas ações para a descentralização da educação. E os acordos internacionais firmados, segundo Gentili (2001, p. 66),

[...] no contexto das políticas educacionais promovidas pelo neoliberalismo na América Latina têm se transformado numa ferramenta eficaz de legitimação do ajuste. Tais experiências visam a criação de mecanismos de mercado na esfera escolar, bem como promover diferentes formas de descentralização e transferência institucional, as quais tendem a responsabilizar comunidades pelo financiamento dos serviços educacionais. ‘Pactua-se’ dessa maneira, a privatização direta e indireta, descoberta ou encoberta, da educação como (aparentemente) o único mecanismo que possibilitará uma administração eficiente e produtiva dos recursos destinados às instituições escolares [...].

O autor destaca a imisção dos organismos internacionais na educação, com atenção a essa descentralização, que, com uma concepção gerencial, atém-se a eximir o Estado de responsabilizar-se sobre os resultados educacionais e objetiva estabelecer a divisão de tarefas, inclusive com relação público-privada, com foco em descentralizar responsabilidades em busca de lucros e resultados. De acordo com Neto e Rodriguez (2007, p. 15),

[...] paradoxalmente, junto com a descentralização reforça-se uma centralização por meio de três ações fundamentais: a fixação de objetivos e prioridades regionais; a avaliação dos resultados; e a compensação das diferentes resultantes do processo de descentralização. Quer dizer, por um lado cria-se aparente e relativa autonomia; por outro, adotam-se fortes mecanismos de controle.

É nesse contexto que o planejamento educacional dos países se situa, já que a influência sobre ele é determinada por uma agenda global, que, por sua vez, tem forte ingerência dos organismos multilaterais e apresenta uma concepção de gestão educacional gerencial, voltada para a eficiência e a eficácia em busca de resultados e desempenho educacionais.

3 INFLUÊNCIA DOS ACORDOS INTERNACIONAIS NA CONCEPÇÃO DE GESTÃO DO PLANEJAMENTO EDUCACIONAL DO BRASIL

No Brasil, na década de 1980, houve um movimento pela democratização da sociedade brasileira, o que desencadeou conquistas muito significativas, que foram expressas na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a qual firma que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios deverão organizar seus sistemas de ensino, definindo formas de colaboração, com vistas a garantir a universalização, a qualidade do ensino.

A Constituição apresenta a educação como um direito de todos, dever do Estado e da família, que deve ser propiciada de forma colaborativa e democrática, com liberdade de aprender e ensinar; pluralismo de ideias e concepções pedagógicas; igualdade de condições para acesso e permanência na escola; garantia de um padrão de qualidade, a fim de possibilitar uma educação de qualidade, para a cidadania e o trabalho.

No que concerne explicitamente ao planejamento educacional, em seu artigo 214, estabelece que

A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:

  1. erradicação do analfabetismo;

  2. universalização do atendimento escolar;

  3. melhoria da qualidade do ensino;

  4. formação para o trabalho;

  5. promoção humanística, científica e tecnológica do País.

  6. estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (BRASIL, 1988, s.p.).

Desta feita, normatiza que a educação brasileira deve realizar um planejamento educacional decenal em busca de ofertar uma educação de qualidade a todos os brasileiros, de forma a erradicar o analfabetismo, o que está em consonância com os tratados internacionais supracitados.

Em seu artigo 206, apresenta como concepção de gestão educacional que deve vigorar nos sistemas de ensino da educação pública a gestão democrática na forma da lei, que se constitui em um dos princípios dessa Constituição Federal, sendo uma conquista para o âmbito da gestão e do planejamento educacional, já que possibilita a organização de uma educação que leve em consideração os anseios da comunidade.

Após a aprovação dessa Constituição Federal, iniciou-se a discussão e a busca pela elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) com a participação da sociedade, principalmente dos profissionais da educação (BRASIL, 1996). Concomitante, nos anos de 1990, estava ocorrendo a abertura do Brasil para o mercado e a sua participação nos acordos internacionais. A partir disso, começaram a ser introduzidos na normatização e nas ações educacionais brasileiras preceitos da agenda internacional para a educação, bem como a busca por reformas induzidas pelos organismos multilaterais, sob influência dos organismos multilaterais, principalmente o Banco Mundial, BIRD, UNESCO e UNICEF.

No ano de 1993, foi criado no Brasil o Plano Decenal de Educação para Todos, em cumprimento às metas assumidas na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, na qual cada país se comprometeu a fazer seu próprio plano decenal, de acordo com suas características, prioridades e grau de desenvolvimento.

Esse plano tinha como principal objetivo o oferecimento da educação fundamental com qualidade a todos os brasileiros, bem como a modernização da gestão educacional como um fator essencial para a materialização dos objetivos da escola. Ele é considerado um conjunto de diretrizes políticas que têm como intento a recuperação da escola fundamental no país e devem ser levadas em consideração no planejamento educacional brasileiro.

E, em 1995, iniciou-se no Estado brasileiro uma reforma com característica da gestão gerencial, com vistas a sua modernização, liberalização, em busca de transferir suas responsabilidades para a sociedade civil e propriedades privadas (PERONI, 2003), já que seu principal objetivo era redefinir o papel do Estado quanto ao seu formato intervencionista, deixando-o com livre iniciativa de mercado, por meio de programas de privatizações e de flexibilização do monopólio estatal. Essa reforma intenta substituir o modelo de administração pública burocrática pela administração pública gerencial.

Isso abre espaço para um planejamento estratégico, que tenha em vista a eficiência, a eficácia, a relação público-privada, a descentralização de tarefas, a meritocracia, o controle e o monitoramento, objetivando o desempenho e resultados educacionais, estando em conformidade com os preceitos dos acordos internacionais, e não de uma educação com a participação da sociedade brasileira, a fim de proporcionar uma formação para a cidadania, conforme seus anseios, visando à transformação humana, como requer a gestão democrática da educação (ALVES, 2015).

No ano de 1996, foi aprovada a Lei n. 9.394, que aprova a LDB, que está em consonância com a Constituição Federal de 1998 e com o Plano Decenal Educação para Todos.

Cabe destacar que tal normatização tem sofrido alterações ao longo dos anos, ficando consoante aos acordos internacionais supracitados, que vêm buscando estimular a formulação e implementação de iniciativas educacionais conforme suas metas estipuladas. E, mesmo essa agenda apresentando uma concepção de gestão gerencial, a LDB reafirma como concepção de gestão a democrática, mas não a define, deixando tal ação a cargo dos sistemas de ensino.

Tal lei apresenta que a União deverá encaminhar, ao Congresso Nacional, PNE com diretrizes e metas para o decênio, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (BRASIL, 1996), devendo organizar, assim, o planejamento educacional do país para os próximos dez anos, conforme os preceitos dessa declaração.

Quanto aos PNEs brasileiros, esses já vêm contemplando, em seus objetivos e metas, os preceitos dos acordos internacionais supramencionados, de modo que tanto a Lei 10.172 (que, em 2001, aprovou o PNE com vigência de 2001 a 2011 [BRASIL, 2001]) como a Lei 13.005 (a qual aprovou o PNE que vigora de 2014 a 2024 [BRASIL, 2014]) apresentam metas e estratégias consoantes a eles, como: a erradicação do analfabetismo, a universalização da educação básica; o acesso e a permanência nas instituições escolares; programas e ações compensatórias; a implantação de um sistema nacional de educação; a descentralização e a participação da comunidade escolar na execução das tarefas previamente pensadas pelo Estado; a melhoria da qualidade de educação e a mensuração dela por meio de um sistema de avaliação em larga escala, seguindo as influências dos organismos multilaterais que, desde 1990, vem tendo parceria nos programas e nas ações do Ministério da Educação brasileiro.

Ambos os planos foram construídos com a participação da sociedade e apresentam como concepção de gestão a ser apresentada no planejamento educacional brasileiro e na organização do ensino a gestão democrática da educação. Entretanto, o PNE (BRASIL, 2014) a associa a critérios de mérito e desempenho, principalmente na nomeação de diretores escolares, que são características da gestão gerencial, levando-nos a refletir sobre o indicativo de que este PNE apresenta um conteúdo híbrido em relação à concepção de gestão democrática da educação (ALVES, 2015).

Assim, o Brasil, ao mesmo tempo que firma em sua normatização educacional a concepção de gestão democrática como o modelo de gestão que deve vigorar nos sistemas de ensino e no planejamento educacional brasileiro, apresenta um planejamento educacional com iniciativas e ações consoantes aos acordos internacionais que apresentam uma concepção de gestão gerencial e sofrem grande ingerência dos organismos internacionais.

4 INFLUÊNCIAS DOS ACORDOS INTERNACIONAIS NA GESTÃO E NO PLANEJAMENTO EDUCACIONAL DO PARAGUAI

Com o fim do período militar, no ano de 1989 se inicia o período de democratização do Paraguai, e, com vistas à descentralização administrativa e integração, o Paraguai tão logo buscou atender aos preceitos que estavam em curso mundialmente, com a inserção dos ideais neoliberais na organização dos países da América Latina.

O Paraguai se integrou ao movimento de reformas a partir da segunda metade da década de 1990, procurando aplicar a maior parte do receituário das reformas sugeridas pelo Consenso de Washington no funcionamento e papel do Estado, como também no âmbito da educação, conforme os interesses dos organismos multilaterais, de cooperação financeira, que impulsionaram principalmente o projeto de reforma educativa.

É importante mencionar que a Carta Constitucional do Paraguai foi aprovada em 1992, após a elaboração da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, apresentando em seu planejamento educacional alguns aspectos, em consonância com essa Declaração, tais como a busca pela equidade, a qualidade, a eficiência e a eficácia do sistema, a descentralização, avaliação de desempenho e a elaboração de seu plano de educação.

Além disso, a Carta Constitucional de 1992 já firma a criação de um Sistema Educativo Nacional (PARAGUAI, 1992), o que foi previsto no Plano Nacional de Educação brasileiro apenas em 2014 e, até o momento, não foi efetivado no Brasil. Contudo, a Carta Constitucional de 1992 não faz menção à concepção de gestão educacional a ser adotada no seu sistema de ensino, e, apesar de propiciar a participação da comunidade escolar e uma formação crítica dos paraguaios, ao buscar estar em consonância com os preceitos que estavam em curso mundialmente, apresenta características da gestão gerencial.

No ano de 1994, foi elaborado o documento “Reforma Educativa: Compromisso de todos”, o qual teve como objetivo aprimorar a educação em todos os níveis ofertados à sociedade, implantando reforma educacional em 1994, no Paraguai, que, segundo Lafuente (1998), pautou-se em três pilares: organizacional, jurídica e pedagógica. Cabe destacar que esse documento foi elaborado no mesmo período em que, no Brasil, foram elaborados o Plano Decenal Educação para Todos e o Plano de Reforma de Estado do Ministério de Administração e Reforma do Estado (MARE), e eles buscam estar em consonância com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.

A supracitada reforma impactou no planejamento educacional paraguaio, que reestruturou todo o setor educacional, o que resultou em revisões curriculares, pedagógicas, administrativas, de gestão e investimentos estruturais (ROESLER, 2017), além da incorporação de um sistema de avaliação de aprendizagens, criando um Sistema Nacional de Avaliação, o que também ocorreu no Brasil, nesse período.

A partir de então, o Paraguai elaborou seu planejamento educacional com vistas a nortear a garantia do direito à educação para todos. E ressalta a responsabilidade do Estado em garantir o direito de aprender e ofertar oportunidades iguais de acesso ao conhecimento; e os benefícios da cultura humanística, artística, científica e tecnológica, sem discriminação alguma (PARAGUAI, 2009).

Em consonância com tal reforma, em 1996, foi elaborado o Plan Estratégico de Educación (PEE), com vigência até 2020, que foi atualizado em 2008, em busca de acompanhar as transformações da sociedade, com vistas a oferecer à população paraguaia melhores estratégias para a qualificação da educação.

No âmbito do planejamento educacional,

[...] al 2020 se anhela para el Paraguay un sistema educativo: Democrático con enfoque basado en los derechos humanos, descentralizado, participativo, abierto e intercultural, que desarrolla la educación como bien público a favor de todos los ciudadanos y todas las ciudadanas del Paraguay durante toda su vida. Regido por la legislación, dotado de suficientes recursos financieros y tecnológicos, gestionado por profesionales competentes y actores comprometidos, con transparencia en sus procesos y sus resultados, con una cooperación internacional recíproca y eficaz. Que contribuye a la cohesión social, a la igualdad de género, al respeto y valoración de las etnias, a la participación activa de la familia y la comunidad, a la competitividad, al desarrollo sostenible del país, y a la integración activa con las naciones de la región y del mundo, en el contexto de una política intersectorial. (PARAGUAI, 2008, p. 14).

Assim, intenta uma educação para todos, com desenvolvimento humano, a participação da família e a cooperação internacional. Além disso, defende como princípio fundamental a educação como um direito inalienável de cada pessoa e um bem social que o Estado deve garantir. Apresenta como uma de suas metas a efetivação de uma gestão eficiente e eficaz que seja articulada entre as instâncias centrais, departamentais e locais, objetivando edificar instituições educacionais que utilizem mecanismos para efetivar a participação por meio da democracia.

Neste contexto, o Paraguai recebeu financiamento do Banco Mundial e do BID, para impulsionar e materializar os projetos e programas destinados à educação básica escolar. A reestruturação educativa encaminhada naquele momento histórico foi marcada por empréstimos dos organismos internacionais destinados para a universalização da educação (DUARTE, 2016, p. 13). O que não foi diferente no Brasil, a partir de 1990, que também apresenta programas e ações em parceria com organismos multilaterais, recebendo apoio técnico e recursos financeiros deles, como já mencionado.

No ano de 1998, foi promulgada a Lei n. 1264, que aprova a Ley General de Educación do Paraguai (LGE), que procura garantir educação de qualidade a todos os paraguaios, com igualdade de oportunidades e condições, participação, liberdade de ensinar e pluralismo ideológico, além de buscar a descentralização dos serviços (PARAGUAI, 1998). Em seu artigo 10, apresenta como princípios nos quais a educação deve ser pautada: a participação, autonomia, formação crítica, prática de hábito de comportamento democrático, avaliação de processos e resultados.

A LGE, assim como a LDB, tem por objetivo estabelecer os princípios e propósitos gerais para o Sistema Educativo Nacional, organizando o planejamento educacional do país ao regular a gestão, organização, estrutura, educação geral e, especialmente, o sistema escolar e suas etapas e modalidades, orientando todo o sistema educacional do país quanto a direitos, obrigações e garantia da educação, de forma a nortear todos os níveis de ensino público e privado.

Em seu artigo 90, a LGE firma que o Poder Executivo, em colaboração ao MEC/Paraguai, deve

[...] formular las políticas, establecer las metas y aprobar los planes de desarrollo del sector a corto, mediano y largo plazo, en coordinación con el Consejo Nacional de Educación y de acuerdo con las leyes emanadas del Poder Legislativo [...]. (PARAGUAI, 1998, p. 29).

Estabelece que a elaboração dos Planos de Educação no país deve ocorrer sob coordenação do Consejo Nacional de Educación (CONEC), que, conjuntamente ao MEC/Paraguai, também deverá realizar a implementação e monitoramento desses Planos “[...] mediano y largo plazo, así como asegurar la coherencia y coordinación entre todas las instancias administrativas e instituciones del Estado que prestan servicios de educación y Cultura” (PARAGUAI, 1998, p. 29).

Abarca ainda que os departamentos e municípios devem elaborar seus respectivos planos, que deverão ser aprovados pelo MEC/Paraguai (PARAGUAI, 1998). É importante destacar que, segundo a LGE, esses Planos (departamentais e municipais) devem ser construídos de forma dialogada e em sintonia ao PNE do Paraguai, o que também ocorre no Brasil, já que a normatização brasileira também firma que os planos municipais e estaduais devem ser elaborados de forma coletiva e estar em consonância com o PNE brasileiro.

Mesmo o planejamento educacional do Paraguai estando consoante aos acordos internacionais aos quais o país é signatário, no ano de 2009, dando ênfase a uma pedagogia emancipatória e crítica, a direção e gestão do MEC/Paraguai elaborou o “Plan Nacional de Educación 2024 “Hacia el centenario de la Escuela Nueva de Ramón Indalecio Cardozo” (doravante PNE [2024]), vigente até 2024.

Desta feita, o PNE (2024) apresenta, dentre os fins e princípios para a educação, a busca pela preparação dos paraguaios para a participação na vida social, política e cultural como atores reflexivos e criadores em uma sociedade democrática, livre e solidária. Esse Plano, assim como os planos nacionais brasileiros de educação, compreende todas as etapas e modalidades da educação paraguaia e prevê a eliminação da taxa de analfabetismo no país até seu último ano de vigência.

Tanto o PNE (2024), como os planos nacionais brasileiros buscam a ampliação do setor educacional com vistas a abarcar todos os ciclos da educação, com garantia de acesso e permanência. Para tanto, procuram fortalecer programas compensatórios que são direcionados para a população em situações de vulnerabilidade, bem como a reorganização e expansão da oferta educacional, como requerem os acordos internacionais.

O PNE (2024) visa o acesso à educação paraguaia com qualidade, eficiência e equidade, com uma gestão das políticas educacionais de forma participativa, eficiente, efetiva e articulada nos níveis, nacional, departamental e local, o que também é um dos objetivos do PNE do Brasil, estando em consonância com os acordos internacionais. Mas não apresenta explicitamente uma concepção de gestão educacional como os planos nacionais de educação brasileiros.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os acordos internacionais têm buscado criar uma agenda educacional para os países signatários, com uma concepção de gestão gerencial. Objetivam, principalmente, a erradicação do analfabetismo e o acesso a uma educação universal de qualidade, com equidade, eficiência e eficácia e rendimento educacional de aprendizagem, por meio de ações focalizadas, em cooperação com os organismos multilaterais, que vêm oferecendo apoio técnico e financeiro para tanto, desde 1990.

Brasil e Paraguai vêm buscando estabelecer seu planejamento educacional conforme os preceitos dos referidos acordos a partir desse momento histórico, realizando parceria técnica e financeira com os supracitados organismos que vêm influenciando a politica educacional desses países.

Assim, ambos têm procurado adequar sua normatização educacional nacional, a fim de nela constar metas e estratégias desses acordos, como a erradicação do analfabetismo, a oferta de uma educação básica com qualidade e equidade, a criação de sistema nacional de educação e de um sistema de avaliação e monitoramento do ensino, a elaboração de planos de educação, a flexibilização dos currículos, a descentralização, em busca da melhoria dos resultados de aprendizagens. Mesmo apresentando aspectos dessa agenda, que possuem uma concepção de gestão gerencial, a normatização educacional brasileira apresenta como concepção de gestão educacional a democrática, que deve ser implementada em seu planejamento educacional.

É importante ressaltar que o planejamento educacional em ambos os países, explanado em seus planos de educação, está perto do final de sua vigência, em 2024, e, diante do contexto social e econômico em que esses países se encontram, a construção do novo plano de educação que vigorará a partir do referido ano se constituirá em esforços para superar a crise em que os países se encontram devido à pandemia de covid-19.

No final do ano de 2019, tal pandemia se disseminou pelo mundo e todas as áreas de vida social, departamentos e setores tiveram de se reorganizar, de modo a cumprir as exigências da Organização Mundial da Saúde (OMS), que declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional.

A partir de então, adotaram-se, nos países, medidas de isolamento social, quarentena, determinação de realização compulsória de exames médicos e testes laboratoriais, restrição excepcional e temporária de entrada e saída do país, locomoção interestadual e intermunicipal, entre outros, ocasionando uma crise de saúde, social, educacional e econômica mundial, o que não foi diferente no Brasil e no Paraguai.

No âmbito educacional, inicialmente, as escolas foram fechadas no mundo inteiro, e o ensino foi suspenso e, depois, começou a ser ofertado a distância e remotamente, tanto nas escolas públicas como nas privadas, o que também ocorreu nos supracitados países. Vale dizer que esse formato de ensino não abrangeu todos os estudantes brasileiros e paraguaios, já que, para tanto, necessitava-se de tecnologias educacionais que nem todos têm acesso, o que culminou em uma maior fragilidade no sistema educacional, dado que estudantes passaram a apresentar deficits educacionais por conta desta forma de ensino, para além dos habituais, já que ainda não se erradicou o analfabetismo nesses países.

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Recebido: 24 de Setembro de 2022; Aceito: 15 de Março de 2023

Andréia Vicência Vitor Alves: Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Graduada em Pedagogia pela UFGD. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFGD. E-mail:andreiaalves@ufgd.edu.br

Pamela Caetano Gimenes: Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Estado, Política e Gestão da Educação (GEPGE). E-mail:pamela.gimenes.pcg@gmail.com

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