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Série-Estudos

versión impresa ISSN 1414-5138versión On-line ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.28 no.64 Campo Grande set./dic 2023  Epub 05-Ene-2024

https://doi.org/10.20435/serieestudos.v28i64.1743 

Article

A construção histórica e social da infância: um diálogo entre alguns dos principais pesquisadores contemporâneos que estudam temas relacionados à cultura das crianças e à/s infância/s

The historical and social construction of childhood: a dialogue between some of the main contemporary researchers who study themes related to children’s culture and childhood

La construcción histórica y social de la infancia: un diálogo entre algunos de los principales investigadores contemporáneos que estudian temas relacionados con la cultura infantil y la infancia

Camila Ferreira da Silva1 
http://orcid.org/0009-0000-9527-7683

Janaína Nogueira Maia Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0002-1528-5665

1Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Aquidauana, Mato Grosso do Sul, Brasil.


Resumo

Esta pesquisa teórico-bibliográfica busca identificar os recentes estudos sobre o universo infantil e ilustra como compreendê-lo a partir da construção histórica e social. Permeia uma pesquisa a partir do Grupo de Estudo e Pesquisa Crianças e Infâncias (GEPCI), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Aquidauana (UFMS/CPAQ). Orienta-se na perspectiva da história social da infância e da criança, em que o foco se entrelaça na preocupação e necessidade de investigar a origem dos conceitos, levando-se em conta o contexto, a produção e suas relações sociais, bem como um panorama das concepções dos principais pesquisadores que estudam temas relacionados à cultura das crianças e à/s infância/s, como: Manuel Sarmento (2004), Alan Prout (2010), Willian Corsaro (2011), Régine Sirota (2006) e Jens Qvortup (2011). Dessa forma, o registro em questão sublinha o que pensam tais pesquisadores e como estão, para a sociedade, os estudos da criança, sobretudo a sociologia da infância. Para efeito de investigação, o conjunto de contribuições dos pensadores aqui reunidos expressa o vigor e o desafio de um grupo disposto a estudar a infância sob uma nova ótica: dando à criança um protagonismo inédito. Assim, este estudo é uma oportunidade para o conhecimento das perspectivas adotadas por um grupo de nvestigadores que têm ajudado a renovar o debate nas ciências sociais e humanas de nosso tempo e que, de alguma forma, sejam capazes de sublinhar novas investigações e instigar práticas pedagógicas mais sensíveis e respeitosas às possibilidades e aos direitos das crianças.

Palavras-chave: sociologia da infância; diálogo; protagonismo; práticas pedagógicas

Abstract

This theoretical-bibliographical research seeks to identify recent studies on the universe of children and illustrates how to understand it based on historical and social construction. It permeates research from the Children and Childhood Study and Research Group (GEPCI), at the Federal University of Mato Grosso do Sul – Aquidauana Campus (UFMS/CPAQ). It is guided by the perspective of the social history of childhood and children, in which the focus interweaves the concern and need to investigate the origin of concepts taking into account the context, production, and their social relations, as well as an overview of the conceptions of the main researchers who study topics related to children’s culture and childhood, such as: Manuel Sarmento (2004), Alan Prout (2010), Willian Corsaro (2011), Régine Sirota (2006), and Jens Qvortup (2011). In this way, the record in question highlights what these researchers think and how it is, for society, the child studies, especially the sociology of childhood. For research purposes, the set of contributions from the thinkers gathered here expresses the vigor and challenge of a group willing to study childhood from a new perspective: giving the child an unprecedented protagonism. Thus, this study is an opportunity to learn about the perspectives adopted by a group of researchers who have helped to renew the debate in the social and human sciences of our time, and that, in some way, they are capable of underlining new investigations and instigating pedagogical practices that are more sensitive and respectful of children’s possibilities and rights.

Keywords: sociology of childhood; dialogue; protagonism; pedagogical practices

Resumen

Esta investigación teórico-bibliográfica busca identificar estudios recientes sobre el universo infantil e ilustrar cómo comprenderlo a partir de la construcción histórica y social. Permea nvestigaciones del Grupo de Estudio e Investigación Niños e Infancia (GEPCI), de la Universidad Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Aquidauana (UFMS/CPAQ). Se guía por la perspectiva de la historia social de la infancia y del niño, en la que el enfoque entrelaza la preocupación y necesidad de investigar el origen de los conceptos teniendo en cuenta el contexto, la producción y sus relaciones sociales, así como un panorama de las concepciones de los principales investigadores que estudian temas relacionados con la cultura de los niños y de la/s infancia/s, tales como: Manue Sarmento (2004), Alan Prout (2010), Willian Corsaro (2011), Régine Sirota (2006) y Jens Qvortup (2011). De esta manera, el registro en cuestión resalta lo que piensan estos investigadores y cómo son, para la sociedad, los estudios sobre la infancia, especialmente la sociología de la infancia. Para fines de investigación, el conjunto de aportes de los pensadores aquí reunidos expresa el vigor y el desafío de un grupo dispuesto a estudiar la infancia desde una nueva perspectiva: otorgar al niño un protagonismo sin precedentes. Así, este estudio es una oportunidad para conocer las perspectivas adoptadas por un grupo de investigadores que han contribuido a renovar el debate en las ciencias sociales y humanas de nuestro tiempo, y que, de alguna manera, sean capaces de subrayar nuevas investigaciones e instigar prácticas pedagógicas más sensibles y respetuosas de as posibilidades y los derechos de los niños.

Palabras clave: sociología de la infancia; diálogo; protagonismo; prácticas pedagógicas

1 INTRODUÇÃO

Os estudos que permeiam as histórias das crianças e de suas infâncias, ao longo dos anos, são por meio de pesquisadores que se esforçam para divulgar a infância a partir da ideia de que ela é uma construção histórica e social, e não um conceito ligado à imaturidade biológica. A saber, é crescente o número de investigações sobre a infância em vários campos das ciências humanas e sociais, bem como a busca pela compreensão dos fenômenos sociais.

Assim, esta pesquisa teórico-bibliográfica busca identificar os recentes estudos sobre o universo infantil e ilustra como compreendê-lo a partir da construção histórica e social. Sublinha, dessa forma, uma pesquisa a partir do Grupo de Estudo e Pesquisa Crianças e Infâncias (GEPCI), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Aquidauana (UFMS/CPAQ), na perspectiva da história social da infância e da criança, em que o foco entrelaça a preocupação e necessidade de investigar a origem dos conceitos, levando em conta o contexto, a produção e suas relações sociais, bem como um panorama das concepções dos principais pesquisadores que estudam temas relacionados à cultura das crianças e à/s infância/s, como: Manuel Sarmento (2004), Alan Prout (2010), Willian Corsaro (2011), Régine Sirota (2006) e Jens Qvortup (2011).

Nesse sentido, o registro em questão ilustra o que pensam tais pesquisadores e como estão, para a sociedade, os estudos da criança, sobretudo a sociologia da infância. Para efeito de investigação, o conjunto de contribuições dos pensadores aqui reunidos expressa o vigor e o desafio de um grupo disposto a estudar a infância sob uma nova ótica: dando à criança um protagonismo inédito. Send o assim, este estudo é uma oportunidade para o conhecimento das perspectivas adotadas por um grupo de investigadores que têm ajudado a renovar o debate nas ciências sociais e humanas de nosso tempo e que, de alguma forma, sejam capazes de sublinhar novas investigações e instigar práticas pedagógicas mais sensíveis e respeitosas às possibilidades e aos direitos das crianças.

A pesquisa pontua pesquisadores que estão mais próximos da Sociologia da Infância, como o português Manuel Jacinto Sarmento, professor titular do Instituto de Estudos da Criança (IEC) e da Universidade do Minho em Portugal, que suscita, em seus estudos, um movimento contra-hegemônico de resistência diante das desigualdades geracionais, de classe, de gênero e de etnia que as crianças enfrentam em todos os continentes do mundo. Em suas linhas escritas e registradas, compreendemos que as crianças produzem saberes e conhecimentos sobre as experiências cotidianas das quais participam (Delgado; Muller, 2006).

O britânico Alan Prout, professor de Sociologia e Estudos da Infância no Institute of Education de uma das principais universidades do Reino Unido, University of Warwick, tem trabalhos referentes ao estudo social da infância, à participação das crianças, às relações das crianças com as tecnologias, ao cotidiano infantil e às relações entre educação e saúde. As ideias propostas por Prout (1987) foram seminais na construção de um novo paradigma para os estudos sobre a infância, causando significativo impacto no cenário científico.

Ele reconhece a necessidade de se aprofundar, de intensificar esse encontro, de ampliar cada vez mais o diálogo entre o que se tem de base comum e de diferenças. Nessa composição, a mobilidade e o fluxo que configuram o mundo contemporâneo, para ele, têm a possibilidade de serem considerados como: fluxos de pessoas, mercadorias, imagens, valores, os quais atravessam fronteiras, fincam-se em diferentes territórios, criam lugares para a infância, lugares não estáveis, mas em constante processo, como trajetórias que se constituem (Borba; Lopes, 2012).

O sociólogo norte-americano William Arnold Corsaro, docente da Universidade de Indiana, Bloomington, apresenta suas pesquisas sobre/com as crianças na sociedade contemporânea em perspectiva comparativa, com base em métodos etnográficos. Corsaro (2011) é considerado um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da Sociologia da Infância, suscita concepções clássicas sobre os processos de socialização, substituindo a visão da criança como receptora passiva pela da criança coconstrutora de sua inserção na sociedade e na cultura. Em seus registros, apresenta compreensão sobre a infância, como possibilidade de ser construída com a criança, e não somente a respeito dela, ao identificar processos sociais complexos e dignos de estudo no mundo da criança, superando, assim, o foco no desenvolvimento individual em termos de seus desenlaces no futuro. Ele contribui para a consolidação da Sociologia da Infância e para a reflexão sobre caminhos alternativos para práticas pedagógicas e políticas públicas de Educação Infantil (Muller; Carvalho, 2013).

A francesa Régine Sirota, nome de destaque da Sociologia da Infância Francesa, é docente e pesquisadora na Universidade Paris Descartes. Atualmente, além de diretora do Departamento de Ciências da Educação, é membro efetivo do Centre de Recherche sur Les Liens Sociaux (CERLIS), em Paris. Seu esforço está em desenvolver investigações sobre temas ainda pouco explorados (como o estudo das festas de aniversário das crianças entendidas como um processo de socialização e civilidade), e sua dedicação para constituir o campo da Sociologia da Infância está em apresentar que infância é uma construção social; ou seja, para entender as crianças, é preciso analisar de que maneira a infância é vista pela sociedade em questão. A pesquisadora enfatiza a variabilidade dos modos de construção da infância em todas as dimensões históricas e reintroduz o objeto infância como um objeto ordinário de análise sociológica (Abramowicz, 2013).

O dinamarquês Jens Qvortrup, professor emérito da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU), em Trondheim, Noruega, é considerado um dos fundadores e principais teóricos da Sociologia da Infância. Com ele, tem-se a possibilidade de entender os pressupostos teóricos e metodológicos que sustentam as formulações e os conceitos vigentes nesse campo de estudo. Seus escritos permeiam os elementos necessários para a compreensão das crianças como sujeitos sociais, capazes de produzir mudanças nos sistemas nos quais estão inseridas, ou seja, as forças políticas sociais e econômicas influenciam suas vidas ao mesmo tempo que as crianças influenciam o cenário social, político e cultural (Nascimento, 2013).

Eles são os principais pesquisadores contemporâneos que estudam e investigam temas relacionados à cultura das crianças e à/s infância/s. As ideias, concepções e contribuições desses pensadores aqui apresentados expressam uma nova abordagem nos estudos dirigidos à infância, dando à criança um protagonismo inédito. Ressalta-se, a partir dos seus desdobramentos, que a criança é um ator ativo do seu processo de socialização e, por essa razão, além de esta abordagem valorar a fala das crianças, compreende sua perspectiva sobre o mundo (Rego, 2013).

Para tanto, este estudo é uma oportunidade para o conhecimento das perspectivas adotadas por um grupo de investigadores que têm ajudado a renovar o debate nas ciências sociais e humanas de nosso tempo, e para que, de alguma forma, eles sejam capazes de sublinhar novas investigações e instigar práticas pedagógicas mais sensíveis e respeitosas às possibilidades e aos direitos das crianças.

2 A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E OS ESTUDOS DA INFÂNCIA: O QUE PENSAM OS PRINCIPAIS TEÓRICOS DESSA ABORDAGEM?

Por meio de leituras, pesquisas e investigações sobre o tema, é possível registrar que a infância foi ignorada na sociologia até o início dos anos 1980, o que é explicado pela visão de subordinação das crianças na sociedade (Corsaro, 1997; Qvortrup, 1994). Para corroborar o argumento, Qvortrup (1987, p. 28) relembra uma antiga canção folclórica sueca: “Crianças são pessoas que vivem em outro mundo”. Sirota (2001) expôs inventários sobre as produções do campo da Sociologia da infância e procurou dar visibilidade a algumas categorias-chave que essas produções contemplaram, tais como: estudos de gerações e interação entre crianças, vistas como um grupo de idade e dispositivos institucionais. Embora apresente muitas dúvidas sobre os direcionamentos do campo, inclusive se é uma disciplina ou uma subdisciplina, fica claro que, na Europa e nos Estados Unidos, a Sociologia da infância conquistou espaço acadêmico.

O avanço na reflexão sobre a condição das crianças foi se dando por meio da contribuição da criança na constituição de significados, sua participação na renovação da cultura e na constituição de uma cultura própria, ou seja, a cultura da infância como parte das diferentes culturas. A consideração das crianças como atores sociais de pleno direito, e não como menores ou como componentes acessórios ou meios da sociedade dos adultos, implica o reconhecimento da capacidade de reprodução simbólica por parte das crianças e a constituição das suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em cultura (Sarmento; Pint, 1997).

O que se pode perceber nesta constante é que os sociólogos passaram a teorizar a infância a partir de perspectivas diversas. Qvortrup (1987, 1994) tem sido um dos responsáveis pela defesa da Sociologia estrutural, pautando que, para a sociedade, a infância é uma forma estrutural permanente, mesmo que seus membros e suas concepções sempre mudem. Corsaro (1997) também sublinha que as crianças já fazem parte da sociedade desde que nascem, no entanto adverte que ainda é difícil reconhecer a infância como uma forma estrutural, porque é comum considerá-la um período em que as crianças são preparadas para serem introduzidas à sociedade.

Um importante argumento de Qvortrup (1994) é que, conceituando a infância como uma forma estrutural, seria possível avançar para além das perspectivas individualistas, centradas no adulto, temporalmente limitadas, para responder a um leque maior de questões sociológicas.

Já o pesquisador Prout (1987) defende o conceito de infância como uma categoria plural – infâncias – igualmente construída e reconstruída para e pelas crianças. Foi, no entanto, o primeiro a defender que não existe uma única infância, mas muitas, formadas pela articulação de diferentes e complexos sistemas sociais, culturais e econômicos.

A saber, uma curiosidade ousada na abordagem da sociologia da infância é o abrir-se para experimentar o mundo; o desejo de viver e conhecer é uma atitude importante na construção de projetos de investigação e, dessa forma, pode-se inferir que as crianças também são pesquisadoras e, portanto, são competentes para a criação de outras relações sociais no mundo e nas instituições que frequentam.

Segundo Sirota (2006), a infância é considerada não simplesmente como um momento precursor, mas como um componente da cultura e da sociedade. Para a autora, a infância se situa como uma das idades da vida que necessitam de exploração específica, como a juventude ou a velhice, já que é uma forma estrutural que jamais desaparece; não obstante, seus membros mudam constantemente, e, portanto, a forma evolui historicamente.

Nessa constante, Sirota (2006) sublinha que as crianças têm a possibilidade de serem consideradas como atores em sentido pleno, e não simplesmente como seres em devir, bem como serem, ao mesmo tempo, produtos e atores dos processos sociais. Trata-se de inverter a proposição clássica, não de discutir sobre o que produzem a escola, a família ou o Estado, mas de indagar sobre o que a criança cria na intersecção de suas instâncias de socialização. Isto quer dizer que a criança é ativa em seu processo de socialização. Ainda, em suas linhas teóricas, para a autora, a infância é uma variável da análise sociológica que tem a possibilidade de ser considerada em sentido pleno, articulando-se a variáveis clássicas, como a classe social, o gênero ou o pertencimento étnico.

Com M anuel Sarmento (2004), compreendemos que as crianças produzem saberes e conhecimentos sobre suas experiências cotidianas. Escutar o ponto de vista das crianças significa reconhecer a competência, a participação e o protagonismo delas nas cidades, nas decisões políticas, nas pesquisas, na ciência, na educação e em diferentes espaços sociais.

Sarmento (2004) explica que a modernidade configurou a norma social da infância, para compreender como uma administração simbólica da infância se expressa pela criação de regras, pela fundação de instituições e formulação de princípios e orientações. Essa norma é definida pelo princípio da negatividade da infância, ou seja, por um conjunto de interdições e prescrições que negam ações, capacidades ou poderes às crianças: elas não votam, não podem ser eleitas, não sabem e, por isso, têm de estudar; elas não se casam, não pagam impostos, não trabalham, não tomam decisões relevantes e não são puníveis por crimes.

Sabe-se que crianças sempre existiram, mas a infância como uma construção social, para a qual se criou um conjunto de representações sociais, dispositivos de socialização e controle, é uma ideia moderna.

Nas palavras de Manuel Sarmento (2004), na modernidade, institucionalizou-se e expandiu-se a escola pública e de massas, com as regras e prescrições que se encarregaram da educação das crianças pequenas. Lá, igualmente se produziu a formação de um conjunto de saberes específicos sobre a infância, como a Medicina, a Psicologia, e é importante ressaltar que culturas da infância, como traçado por Sarmento (2004), são os modos sistematizados de significação do mundo e de ação intencional realizados pelas crianças, os quais são diferentes dos modos adultos de significação e ação no mundo. Sua compreensão das crianças como atores sociais e produtoras de culturas marca uma ruptura com as concepções modernas de socialização, baseadas na adaptação ou interiorização de regras, hábitos e valores do mundo adulto. Por conta disso, as crianças não são compreendidas como sujeitos passivos que somente apreendem, elas produzem culturas em interação constante com seus pares e os adultos, ou seja, elas utilizam formas especificamente infantis de representação e simbolização do mundo, mas não o fazem sem uma conexão com outras formas culturais presentes nele.

Em linhas gerais, Sarmento (2008) argumenta que considerar as crianças como atores sociais implica reconhecer sua capacidade de produção simbólica e a constituição das suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas. Como essas culturas fazem parte dos mundos de vida das crianças e desses sentidos sobre o que fazem, seria desajustado compreender as culturas da infância desligadas das interações com o mundo dos adultos.

No entanto, Delgado e Muller (2006) ilustram, a partir das palavras de Sarmento (2008), que o conceito de culturas da infância tem implicações na educação, no trabalho pedagógico e na docência. Significa que as culturas da infância também fazem parte dos currículos e que as crianças são capazes de transformar as práticas pedagógicas com os adultos. Implica, de alguma forma, o reconhecimento da alteridade da infância, pois, sendo produtoras culturais, as crianças interpretam, simbolizam e comunicam suas percepções do mundo, interagem com outras crianças e com adultos.

Em consonância com Alan Prout (1987), Manuel Sarmento (2004) também compreende que a Sociologia da Infância só poderá desenvolver-se quando for capaz de articular o seu programa com a renovação da própria sociologia em geral, com a recusa das concepções dogmáticas e fechadas e com abertura à complexidade e à análise não dicotômica das relações entre a infância como categoria social e as crianças como atores das dimensões estruturais e dimensões culturais. Ele também partilha da defesa de um diálogo interdisciplinar, no interior da Sociologia da Infância, com as diferentes áreas do conhecimento, e, aqui complementamos, com as Pedagogias da Infância e Formação de Professoras/es da Educação Básica.

Esta investigação registra também a relevância que a disciplina da Sociologia da Infância tem, ou seja, há um desafio a enfrentar, além da superação dos dualismos que constituíram a Sociologia moderna e do desafio de investigar a infância em uma perspectiva interdisciplinar: trata-se de assumir que escutar o ponto de vista das crianças significa reconhecer a competência, a participação e o protagonismo delas nas cidades, nas decisões políticas, nas pesquisas, na ciência, na educação e em diferentes espaços sociais. Essas são questões marcantes na obra de Manuel Jacinto Sarmento, ainda incompreendidas em uma sociedade adultocentrada (Delgado; Muller, 2006).

As pesquisas de Tisdall et al. (2006) voltam-se para a aprendizagem das crianças com tecnologias, especialmente por meio de jogos eletrônicos. Assim, alargou-se a compreensão sobre as crianças, que ganham o status de atores sociais e deixam para trás a imagem de seres que estão se preparando para exercer sua cidadania no futuro. Defende-se que a infância, como parte da sociedade, ao mesmo tempo que a produz é por esta produzida.

Diante da crítica à imposição de uma concepção ocidentalizada de infância, construída principalmente pelos saberes, testes, mapas, descrições e estudos longitudinais psicológicos, Tisdall et al. (2006) propõe uma reconstrução da infância em torno de algumas proposições: a infância é uma construção social, e a ideia de que a infância é uma variável de análise social que não pode ser compreendida, senão na sua relação com outras variáveis, como gênero, classe social, etnia. Entende, ainda, que a infância não é um fenômeno único e universal; ao contrário, sofre variações nos diferentes contextos históricos e culturais nos quais se constitui.

Outra proposição está nas relações sociais das crianças e suas culturas, que merecem ser estudadas em si mesmas, de modo independente das perspectivas do adulto. Vê-se, aqui, uma mudança do olhar adultocêntrico, que constrói a infância de fora, do exterior, para um outro olhar situado no universo próprio das crianças, buscando percebê-las por meio dos significados e sentidos que atribuem às situações em que vivem e, ainda, dos conhecimentos e valores produzidos coletivamente nas suas interações sociais. Outra marca de Tisdall et al. (2006) é perceber que, nas crianças, suas práticas, formas de expressão, significados, valores, conhecimentos e artefatos, partilhados nas interações entre pares, constituem culturas próprias e modos específicos de organização das sociedades infantis.

Nesse viés, as crianças são e têm a possibilidade de serem estudadas como atores na construção de sua vida social e da vida daqueles que as rodeiam; elas são atores sociais competentes, seres presentes, que agem de forma própria e intencional nos tempos e espaços em que se encontram, por meio das interações que estabelecem com seus pares, com os adultos e com a sociedade na qual estão inseridas. As crianças são sujeitos que contribuem para a reprodução, mas também para a produção da cultura e da sociedade em que estão inseridas.

Reitera-se aqui a quinta proposição de Prout (2006), de que os métodos etnográficos são particularmente úteis para o estudo da infância, em que o autor afirma que esses métodos permitem um maior tempo na investigação no mundo da infância, conferindo participação e voz mais direta às crianças e contribuindo para revelar sua atividade social específica e seus próprios pontos de vista. Ainda na perspectiva de Prout (2004), a infância é um fenômeno no qual se encontra a dupla hermenêutica das ciências sociais, ou seja, proclamar um novo paradigma no estudo sociológico da infância é se engajar num processo de “reconstrução” da criança e da sociedade.

Ao adentrar na investigação deste estudo, Corsaro (2011) apontou que o modo de ver a criança e o caminho para sua compreensão são o pilar do seu trabalho, de onde decorrem suas contribuições metodológicas, conceituais e educacionais. A abordagem interpretativa de Corsaro (2011) se contrapõe às concepções funcionalistas sobre a cultura, as quais consistem em compreender cultura como valores e normas internalizados que orientam o comportamento; essa abordagem caracteriza a maioria dos estudos tradicionais sobre cultura de pares, que focalizam os resultados (positivos e negativos) de experiências coletivas sobre o desenvolvimento individual.

Para o autor, a socialização não é apenas uma questão de adaptação e internalização, mas também um processo de apropriação, reinvenção e reprodução. Nesta perspectiva sobre socialização, é fundamental o reconhecimento do coletivo: o modo como as crianças negociam, compartilham e produzem cultura com os adultos e com seus pares. Corsaro (2011) relata ainda que estudos sobre o desenvolvimento são importantes, mas ele insiste que estudar as crianças e suas culturas de pares é válido por si mesmo: “As crianças merecem ser estudadas como crianças” (Corsaro, 2011, p. 63). A cultura das crianças não é algo que está em suas cabeças, é pública e coletiva e se expressa em ações: define-se como conjunto estável de atividades, rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham em interação com pares, compreendidos como o grupo de crianças que passam algum tempo juntas regularmente.

Nesse viés, para Corsaro (2011), não basta enfatizar a importância de processos coletivos e se afastar da noção individualista de que o desenvolvimento consiste na internalização, pela criança, de habilidades e conhecimentos adultos, o que está implicado no termo “socialização”. Em substituição a este termo, ele propõe a noção de “reprodução interpretativa”, enquanto o termo “reprodução” significa que crianças não estão somente internalizando a sociedade e a cultura, e sim contribuindo ativamente para a produção e mudança cultural, “interpretativa” engloba os aspectos inovadores e criativos da participação da criança na sociedade. Ele ainda aponta que a infância é, na perspectiva das crianças, um período temporário; mas é também uma forma estrutural: é uma categoria ou uma parte da sociedade, assim como classe social e grupos etários, uma estrutura permanente, mesmo que seus membros se renovem e sua natureza e concepção variem historicamente.

Neste caso, o conceito de reprodução interpretativa implica pensar que crianças contribuem para a preservação ou reprodução social e para a mudança social. A reprodução interpretativa envolve linguagem e rotinas culturais. Como aspecto central para a participação das crianças em suas culturas, a linguagem se configura de duas formas: primeiro, como um sistema simbólico que codifica a estrutura cultural, social e local; segundo, como um instrumento para criar e manter realidades psicológicas e sociais.

Nessa constante, Corsaro (2011) volta-se para as rotinas, e não para os indivíduos ou para a internalização individual de conhecimentos e habilidades. É por meio da produção coletiva e da participação em rotinas que o pertencimento da criança é fortalecido, tanto em relação a suas culturas de pares quanto ao mundo adulto. Nas suas linhas registradas, as crianças estão permanentemente participando de duas culturas, a sua e a dos adultos, e estas estão intimamente entrelaçadas. Por meio desta perspectiva teórico-interpretativa, Corsaro (2011) entende transição como um processo coletivo que sempre ocorre em contextos sociais ou institucionais: transições, a seu ver, são sempre produzidas coletivamente e compartilhadas com pares.

Já Jens Qvortrup (2011) construiu um outro modo de estudar a infância, acrescentando uma nova perspectiva aos estudos sociológicos. De modo geral, este pesquisador apresentou a infância como um grupo social e as perspectivas geracionais para o estudo das crianças. Sua familiaridade com a categoria “classe social”, a partir dos estudos marxistas, combinada com a crítica à abordagem individualista da criança, idealizando-a numa perspectiva universal e histórica, motiva-o a considerar que a infância, a qual muda histórica e culturalmente, difere radicalmente da noção de criança individual, e a eleger a concepção de infância como construção social ou como forma estrutural como referência da pesquisa.

Ao caracterizar as crianças como um grupo populacional, numa perspectiva estrutural, Qvortrup (2011, p. 324) propõe utilizar a categoria “geração” para evidenciar as crianças como unidade de observação. Conceber a infância como construção social ou categoria estrutural promove a ideia de que ela “[...] é uma estrutura permanente em qualquer sociedade, mesmo que seus participantes sejam regularmente repostos”.

A concepção de infância como categoria na estrutura social possibilita a investigação da desigualdade na distribuição de poder, de recursos e de direitos entre adultos e crianças. O autor propõe utilizar a categoria geração para evidenciar as crianças como unidade de observação. Conceber a infância como construção social ou categoria estrutural promove a ideia de que ela “[...] é uma estrutura permanente em qualquer sociedade, mesmo que seus participantes sejam regularmente repostos” (Qvortrup, 2011, p. 325).

Ainda, na perspectiva de Qvortrup (2011), a infância é uma categoria na estrutura social que manifesta variações históricas e interculturais, e não exatamente uma fase da vida; crianças e adultos são afetados pelas mudanças nas sociedades; a natureza da contribuição das crianças é diferente em distintas culturas, embora em qualquer uma delas as crianças contribuam ativamente na sociedade.

Por fim, o autor marca, em suas pesquisas, que a infância é uma forma particular e distinta em qualquer estrutura social de sociedade, o que possibilita estabelecer a aproximação e a similaridade entre infância e classe social como formas estruturais, e que, como categoria estrutural, a infância não pode nunca se transformar em algo diferente e, menos ainda, em idade adulta, reforçando que existem características que fazem reconhecer e identificar a infância.

3 UMA PEDAGOGIA DA INFÂNCIA: PERSPECTIVA E DESAFIOS PARA ESTUDAR A/AS CRIANÇA/S E SUA/S INFÂNCIA/S

Estudar crianças e suas culturas da infância apresenta-se como a possibilidade e a perspectiva de uma mudança do olhar adultocêntrico para um outro olhar situado no universo próprio das crianças, buscando sublinhá-las por meio dos significados e sentidos que atribuem às situações em que vivem e, ainda, dos conhecimentos e valores produzidos coletivamente nas suas interações sociais.

Uma possibilidade deste estudo, e pensar na constante de ver a/s criança/s e sua/s infância/s como um todo, são os métodos etnográficos, particularmente úteis para o estudo da infância, como já ilustrado anteriormente, pois são métodos que permitem uma maior observação no mundo da infância, conferindo participação e voz mais direta às crianças e contribuindo para revelar sua atividade social específica e seus próprios pontos de vista. Importante aspecto como parte integrante de se olhar a criança é pensar na infância como um fenômeno das ciências sociais, ou seja, um novo paradigma no estudo sociológico da infância é se engajar num processo de “reconstrução” da criança e da sociedade.

Dadas as colocações de algumas das contribuições dos principais pesquisadores da Sociologia da Infância e ressaltando-se os avanços nos estudos da abordagem, pontua-se a importância de se ter um espaço de diálogo interdisciplinar dedicado a professores/as que atuam com crianças na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I, bem como para docentes em formação e outros profissionais envolvidos com a história das crianças e suas infâncias, evidenciando uma Pedagogia da Infância.

Para Sarmento (2006), a interdisciplinaridade está no coração da Sociologia da Infância, bem como a sua vinculação com uma proposta consciente de emancipação das crianças de meios populares, sendo:

[...] a análise do que as crianças realmente fazem na escola – e que, obviamente, não se limita a estar na aula e aprender -, as formas populares de educação e as relações intergeracionais em meio popular, as culturas infantis, os sentidos da participação das crianças, os nefastos efeitos geracionais do sistema dual educativo brasileiro (público para os pobres, privado para as classes médias e altas), tudo isto são pontos que configuram um programa investigativo da sociologia da infância efectivamente empenhado na escolarização das crianças, mas consciente de que esse programa só é emancipador se estiver veiculado à ampliação dos direitos sociais e, nomeadamente, dos direitos das crianças (Sarmento, 2006, p. 20).

O campo dos estudos da infância tem como foco a centralidade da criança na pesquisa; a interdisciplinaridade; a geração e alteridade da infância como categorias principais. Esse campo emerge nos anos de 1980, a partir da crítica a uma normatização da criança e da infância que vinha sendo desenvolvida e que pouco considera as categorias sociais que estavam implicadas na sua definição. Para tanto, esse movimento permitiu que pesquisadores/as de outras áreas desenvolvessem seus estudos baseados na Sociologia da Infância, tendo como pressuposto assumir a perspectiva das crianças e defender a possibilidade de estudá-las no seu próprio direito, e não como indivíduos no caminho para a vida adulta (Cruz, 2008).

Ressaltamos que, no espaço de diálogo para uma pedagogia da infância, a qual pontua que as crianças têm a possibilidade de serem estudadas como atores na construção de sua vida social e da vida daqueles que as rodeiam, as crianças são sujeitos que contribuem para a reprodução, mas também para a produção da cultura e da sociedade em que estão inseridas.

Nesse sentido, apresenta-se o Grupo de Estudo e Pesquisa Crianças e Infâncias (GEPCI)2, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Aquidauana (UFMS/CPAQ). Com formação no ano de 2021, o GEPCI é formado, em sua maioria, por professores/as da Educação Infantil da rede municipal de ensino do município de Aquidauana, Mato Grosso do Sul, e por estudantes do curso de Pedagogia da UFMS/CPAQ, evidenciando, assim, os profissionais da educação, a abordagem teórica da Sociologia da Infância, as possibilidades de mudanças das narrativas acerca dos conceitos e vivências, além da valorização de produções na área.

Considerando que os estudos são contemporâneos, o espaço busca a possibilidade de ampliar/desenvolver novas concepções que os docentes possuem de crianças e infâncias, construindo novos olhares para esses e outros conceitos aprofundados na Sociologia da Infância. Além disso, as abordagens, vivências e práticas pedagógicas também são dialogadas e alvo de reflexão, quando discutidas com base nos conceitos de criança e infância, por levantamento bibliográfico, que o campo científico apresenta. Destacam-se também a proteção e a defesa dos espaços de direito das crianças, assim como a infância como categoria social e a mudança na fala e na percepção dos docentes participando das discussões acerca dos conceitos encontrados na abordagem teórica da Sociologia da Infância.

Dando espaço específico e promovendo as produções e publicações que evidenciam os estudos da/s infância/s, foi elaborado um e-book3, intitulado “A sociologia da infância: possibilidade/s de voz e ação da criança e sua/s infância(s)”, organizado em uma diversidade de dez capítulos compostos por textos de autores que estudam a abordagem teórica. Os assuntos abordados na coletânea são alinhados às discussões e dialogam com as reflexões do GEPCI como também servem de apoio para docentes que atuam na Educação e buscam compreender crianças e suas infâncias.

Ainda nesse sentido, no ano de 2023, e em virtude do GEPCI e dos projetos de pesquisa “A abordagem da Sociologia da Infância: possibilidades de novas concepções de criança/s e infância/s da Educação Infantil – Aquidauana/MS” e “A Sociologia da Infância: mídias, escolas, cinema, linguagens e diálogos interdisciplinares”, deu-se o Colóquio da Sociologia da Infância: Diálogos Emergentes e Reflexivos, evento realizado na UFMS/CPAQ. Com palestras e mesas-redondas abarcando o tema comum da Sociologia da Infância, o evento promoveu o encontro entre docentes em formação e professores da rede municipal de Aquidauana, bem como com pesquisadores da área e amostras de suas pesquisas.

O evento contou com os objetivos de estudar a Sociologia da Infância com profissionais da Educação Infantil, bem como com acadêmicos/as de Pedagogia, para fomentar profissionais que avancem em inovações, planejamentos e, acima de tudo, tenham novas concepções de criança e sua/s infância/s. Além disso, buscou formar recursos humanos, consolidando a base científica dos novos estudos da Sociologia da Infância; fortalecer os grupos e as redes de pesquisa da UFMS, a fim de se consolidar a criação e a evolução de programas de pós-graduação; e estimular a articulação entre a academia e o setor público municipal e seus profissionais da Educação Infantil, para o desenvolvimento tecnológico e de inovação na área da abordagem teórica.

A docência é uma prática que consiste numa atuação permeada de desafios que requerem, dos docentes, diversas reflexões e perspectivas. E sob a abordagem da Sociologia da Infância, considerando-se que, na vivência de suas ações, as crianças se constituem protagonistas de suas vidas. Visto que elas são seres do presente, e não indivíduos em devir, faz-se necessário ponderar o cenário social contemporâneo pelo qual as crianças também estão imersas.

Assim, considerando-se outro grande desafio que urge ser enfrentado, para Fernandes (2015), traduz-se em compreender as crianças como presentes, visíveis e implicadas, valorizando a sua participação. Deste modo, é importante que os docentes redirecionem suas perspectivas e olhares em relação às crianças e para as suas infâncias, de maneira que considerem entre aprender/ensinar e que possibilitem a garantia de seus direitos enquanto atores sociais e sujeitos partícipes de suas aprendizagens.

Neste desafio, está o ofício docente em considerar suas crianças e suas infâncias em realidades distintas e do tempo atual, ou seja, do agora, e planejar experiências que sejam, de fato, significativas e válidas para as crianças. Experiências que vão muito além do preenchimento de papéis, pontilhados, reprodução de atividades óbvias e predeterminadas que não levam as crianças a pensarem, pois não fazem sentido e nem têm significado para elas.

Portanto, são notáveis as diversas possibilidades de a abordagem teórica da Sociologia da Infância permear por docentes e docentes em formação, evidenciando a criança como ponto de partida para os estudos, além de sublinhar os estudos atuais e os espaços de estudos e pesquisas que a universidade pode promover.

4 CONCLUINDO: MAS, AINDA, UMA RETÓRICA PARA PENSAR MUITAS E TANTAS COISAS...

[...] o debate não se centra no fato, reconhecido, de que as crianças produzem significações autônomas, mas em saber se essas significações se estruturam e consolidam em sistemas simbólicos relativamente padronizados, ainda que dinâmicos e heterogêneos, isto é, cultura (Sarmento, 2004, p. 21).

A partir das interações entre pares e com os adultos, as crianças experimentam a cultura em que se inserem distintamente da cultura adulta. Sarmento (2004, p. 21) ressalta, ainda, que “[...] veiculam formas especificamente infantis de inteligibilidade, representação e simbolização do mundo”. Dessa forma, esta é uma condição de entender a perspectiva deste estudo.

Assim, neste texto, foram apresentados diálogos entre alguns dos principais pesquisadores contemporâneos que estudam temas relacionados à cultura das crianças e à infância, compreendendo a infância como condição social do ser criança (e, por conseguinte, aceitando as variações conceituais que dependem do contexto social e cultural).

Foram suscitados alguns dos principais autores e correntes teóricas que embasaram reflexões de diferentes matizes ao longo do tempo, sendo possível observar o quanto a infância foi considerada há pouco tempo e trouxe implicações políticas que se traduzem na vida cotidiana, nas concepções de educação, de cidade e de formação de profissionais.

Entender os fenômenos que hoje cercam a criança, e sua/s infância/s, é, quem sabe, compreendê-las para atuar sobre ou com elas, passando pelo conhecimento dos saberes que sobre elas se debruçaram ao longo dos tempos, mesmo que recentes. Se, do ponto de vista teórico, os autores se inclinam para posições que consideram o papel ativo da criança, na prática, ainda encontramos as antigas concepções de criança como adulto em miniatura ou como objeto de atenções em que pouco se leva em conta a escuta.

Seria est e o momento de pensar em ser a Sociologia da Infância um paradoxo da contemporaneidade? Suscitamos, assim, construir um outro modo de estudar a infância, acrescentando uma nova perspectiva aos estudos sociológicos, reconhecimento da infância como categoria geracional, e escutar o ponto de vista das crianças, reconhecendo a competência, a participação e o protagonismo delas nas cidades, em decisões políticas, pesquisas, ciência, educação e espaços sociais, bem como a construção social e histórica da criança e sua/s infância/s.

2Diretório de Grupos de Pesquisa, Plataforma Lattes – CNPq, do Grupo de Estudo e Pesquisa Crianças e Infâncias (GEPCI): dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/9547653126071103

3Maia et al. (2022).

REFERÊNCIAS

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Recebido: 23 de Setembro de 2023; Aceito: 06 de Outubro de 2023

Camila Ferreira da Silva: Acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus Aquidauana, bolsista do Programa Institucional de Bolsa para Iniciação Científica (PIBIC/UFMS) e membro do Grupo de Estudo e Pesquisa Crianças e Infâncias (GEPCI). E-mail:camila_f@ufms.br, Orcid: https://orcid.org/0009-0000-9527-7683

Janaina Nogueira Maia: Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco (PPGE/UCDB) – Estágio Avançado de Doutoramento em Estudos da Criança(s), Universidade do Minho, Braga, Portugal. Mestra em Educação pela UCDB. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Estácio de Sá. Graduada em Pedagogia pela UCDB. Professora efetiva na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS/CPAQ). E-mail:maiajanaina@hotmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1528-5665

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