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Série-Estudos

versão impressa ISSN 1414-5138versão On-line ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.28 no.64 Campo Grande set./dez 2023  Epub 05-Jan-2024

https://doi.org/10.20435/serieestudos.v28i64.1682 

Article

A inclusão da criança surda na Educação Infantil no estado de Mato Grosso do Sul, MS

The inclusion no fdeaf children in e arly Childhood Education in thes tate of Mato Grosso do Sul, MS

La inclusión del niño sordo en la Educación Infantil en el estado de Mato Grosso do Sul, MS

Marcia Pires dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0001-9551-4917

Raquel Elizabeth Saes Quiles2 
http://orcid.org/0000-0003-0943-2259

1Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil.

2Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil.


Resumo

Este estudo discute os elementos que envolvem as práticas político-pedagógicas com crianças surdas nas instituições de Educação Infantil, no estado de Mato Grosso do Sul, enfocando a mportância da Libras em todas as experiências e vivências com as crianças. Enfatiza-se, no decorrer dapesquisa, a formação de professores para o atendimento das especificidades linguísticas da criança surda e as barreiras encontradas no atual momento da sociedade capitalista, marcada pela exclusão. Para o alcance desta reflexão, a pesquisa foi realizada por meio de revisão bibliográfica. O referencial teórico e a análise dos trabalhos encontrados apresentam resultados importantes sobre a necessidade de se priorizarem políticas públicas mais efetivaspara a educação de surdos na Educação Infantil. O estudo evidenciou a carência de produções científicas e acadêmicas direcionadas à área da Educação Infantil que tratam sobre o processo de inclusão de crianças surdas, no estado de Mato Grosso do Sul. Os principais resultados encontrados evidenciam a falta de capacitação específica para os professores, no sentido de proporcionar a inclusão escolar da criança surda de modo eficaz; e o desafio de implementar a educação bilíngue, que, na atualidade, é considerada uma modalidade de ensino.

Palavras-chave: Educação Infantil; criança surda; Mato Grosso do Sul

Abstract

This study discusses the elements that involve political-pedagogical practices withdeaf children in Early Childhood Education institutions, in the state of Mato Grosso do Sul, focusing on the importance of Libras in all experiences with children. During the research, the training of teachers to attend to the linguistic specificities of deaf children and the barriers encountered in the current moment of capitalist society, marked by exclusion, is emphasized. To reach this reflection, the research was carried out through a bibliographic review. The theoretical framework and the analysis of the works found present important results on the need to prioritize more effective public policies for the education of the deaf in Early Childhood Education that deal with the process of inclusion of deaf children in the state of Mato Grosso do Sul. The main results found show the lack of specific training for teachers, in order to provide the school inclusion of deaf children effectively, and the challenge of implementing bilingual education, which is currently considered a teaching modality.

Keywords: Early Childhood Education; deaf child; Mato Grosso do Sul

Resumen

Este estudio discute los elementos involucrados en las prácticas político-pedagógicas con niños sordos en las instituciones de Educación Infantil, en el estado de Mato Grosso do Sul, con foco en la importancia de Libras en todas las experiencias y las vivencias con los niños. Durante la investigación, se enfatiza la preparación de profesores para atender las especificidades lingüísticas de los niños sordos y los obstáculos encontrados en el momento actual de la sociedad capitalista, marcada por la exclusión. Para llegar a esta reflexión, la investigación se realizó a través de una revisión bibliográfica. El marco teórico y el análisis de los trabajos encontrados presentan importantes resultados acerca de la necesidad de priorizar políticas públicas más efectivas para la educación de los sordos en la Educación Infantil. El estudio evidenció la falta de producciones científicas y académicas dirigidas al área de Educación Infantil que traten del proceso de inclusión de niños sordos en el estado de Mato Grosso do Sul. Los principales resultados encontrados muestran la falta de capacitación específica de los docentes, para facilitar la inclusión escolar de los niños sordos de manera efectiva; y el reto de implementar la educación bilingüe, que actualmente se considera una modalidad de enseñanza.

Palabras clave: Educación Infantil; niño sordo; Mato Grosso do Sul

1 INTRODUÇÃO

Neste estudo, de cunho bibliográfico (Ludke; André, 2015), busca-se analisar a produção científica atual sobre a inclusão da criança surda na Educação Infantil, no estado de Mato Grosso do Sul.

A escolha desta temática fundamenta-se na importância de entender sobre oprocesso de inserção da criança surda na Educação Infantil na perspectiva daeducação inclusiva, movimento que se intensificou internacionalmente a partir da década de 1990, tendo em vista asdiscussões em torno da universalização da educação como um direito fundamental de todos.

Considera-se que, independentemente de o professor regente ter ou não formação específica no campo da Educação Especial, para atuar na sala comum, a partir do advento da educação inclusiva, está sujeito a lidar com o desafio e as possibilidades de receber em sua turma uma criança usuária da Língua de Sinais, a criança surda, pois este é um direito constitucional.Logo, é dever da instituição de Educação Infantil estar preparada para acolher essa criança.

Sabe-se que, mesmo considerando os avanços no campo da Educação Especial e educação inclusiva, há ainda poucosinvestimentos e preocupação, por parte dos gestores públicos, em criar, monitorar e implementar políticas públicas para que realmente o direito educacional da criança surda seja efetivado com qualidade e equidade.

Assim, com o intuito de desenvolver uma investigação mais abrangente sobre a temática da inclusão escolar de crianças surdas na Educação Infantil, no estado de Mato Grosso do Sul, realizou-se uma busca pelos estudos e pesquisas já efetivados, no período de 2008a 2021. Os critérios desse recorte temporal se justificam pela promulgação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, no ano de 2008, no sentido de analisar as mudanças em relação ao atendimento da criança na Educação Infantil, no Estado de Mato Groso do Sul.

Dessa forma, as inquietações que nos inspiram são:quais elementos político-pedagógicos envolvem o acolhimento de crianças surdas nas instituições de Educação Infantil, no Estado de Mato Grosso do Sul? A partir deste documento, pode-se afirmar que houve mudanças em relação ao acolhimento e atendimento da criança surda na Educação Infantil, no Estado de Mato Groso do Sul? Quais dificuldades os professores que atuam na Educação Infantil encontram para atender às necessidades específicas e garantir a participação da criança surda nas atividades propostas?

Considerando-se essas questões, oobjetivo geral do estudo é apresentar uma discussão dos elementos que envolvem as práticas político-pedagógicas com crianças surdas nas instituições de Educação Infantil, no estado de Mato Grosso do Sul, enfocando a importância da LIBRAS em todas as experiências e vivências com as crianças.Especificamente, buscou-secontextualizar as políticas públicas de inclusão escolar para as crianças surdas, nas esferas federal e estadual; analisar a produção acadêmica e científica do estado de Mato Grosso do Sul sobre a inclusão escolar da criança surda na Educação Infantil, na produção acadêmica e científica do estado de Mato Grosso do Sul, as dificuldades e os desafios vivenciados pelos professores regentes no contexto da Educação Infantil, no atendimento de crianças surdas.

O artigo foi constituído em quatro seções. Na primeira, explicita-se a metodologia da pesquisa. Esta opção se justifica por se tratar de um estudo bibliográfico que possui um caminho de pesquisa que precisa ser detalhado. Na segunda, são apresentadas as concepções de criança, e Educação Infantil na perspectivahistórica e cultural. Na terceira seção, realiza-se uma análise sobre a criança surda no contexto escolar, no estado do Mato Grosso do Sul, MS. Na última, apresentam-se o levantamento e a análise das produçõesacadêmicas e científicasdo Estado de Mato Grosso do Sul sobre o tema em tela. As considerações finais expressam os principais achados do estudo e indicam as brechas para pesquisas posteriores.

1.1 O caminho da pesquisa: procedimentos metodológicos

Para analisar como acontece o processo de inclusão da criança surda na Educação Infantil, no Estado de Mato Grosso do Sul, realizou-se o levantamento e, posteriormente, a análise da produção acadêmica e científica sobre o tema. Trata-se de um conjunto significativo de pesquisas conhecidas pela denominação “estado da arte” ou “estado do conhecimento”. (Ferreira, 2002, p. 257).

De caráter bibliográfico, e de acordo com as ideias de Ferreira (2002), a pesquisa trouxe o desafio de mapear e discutir a produção acadêmica e científica sobre o objeto de estudo, em como analisar quais aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes momentos históricos no Estado de Mato Grosso do Sul.

Assim, foram priorizados artigos, dissertações e tesesdisponíveis nas seguintes bases de indexação: a) Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); b) Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT); e c) Portal da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Essas bases foram selecionadas por abrangerem diferentes tipos de produção: teses, dissertações e artigos científicos.

Para o levantamento, foram utilizados os seguintes descritores: criança surda; Educação Infantil; Mato Grosso do Sul; e educação inclusiva. Foram selecionados os trabalhos que apresentaram a combinação de, no mínimo, dois descritores observando-se, especificamente, as produções de 2008 a 2021.

Foram selecionados sete trabalhos, sendo: três dissertações, duas teses e dois artigos. As sete produções serão apresentadas em seção específica. Porém, somente as reflexões de três produções foram aprofundadas, por serem as que mais se aproximaram da temática da pesquisa. A partir do levantamento realizado, constata-se que há pouca produção sobre o tema deste estudo localmente, ou seja, no estado de Mato Grosso do Sul. Por isso, considerou-se importante evidenciar todas as produções encontradas, mesmo que apenas três tenham sido selecionadas para serem mais bem explanadas.

2 A CRIANÇA E A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL

Considera-se Educação Infantil, no Brasil, como o atendimento prestado em instituições escolares a crianças de zero a cinco anos e onze meses de idade, sendo o atendimento em creche destinado a crianças de zero a três anos e onze meses, e pré-escola, a crianças de quatro a cinco anos e onze meses.

Nestes espaços de atendimento coletivo, as crianças desenvolvem suas estruturas biológicas e cognitivas e se constituem socialmente. “O atendimento em creches e pré-escolas como direito social das crianças se afirma na Constituição de 1988, com o reconhecimento da Educação Infantil como dever do Estado com a Educação” (Brasil, 2010, p. 7). Nesse sentido: “A Educação Infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a cinco anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (Brasil, 1996, art. 29).

Parte-se desteprincípio para estabelecer como uma de suas diretrizes a indissociabilidade entre o cuidado e a educação no atendimento às crianças de zero a cinco anos. Sobre esse atendimento, Kuhlmann (2000, p. 65) esclarece que:

A caracterização da instituição da Educação Infantil como lugar de cuidadoeeducação adquire sentido quando segue a perspectiva de tomar a criança como ponto de partida para a formulação de propostas pedagógicas [...]. A expressão tem o objetivo de trazer à tona o núcleo do trabalho pedagógico consequente com a criança pequena. Educá-la é algo integrado ao cuidá-la.

Nas palavras do autor, as instituições de Educação Infantil devem cumprir o papel de educar e cuidar, de forma articulada, além de oferecer atendimento de qualidade, complementando as vivências da criança estabelecidas no âmbito familiar. Sendo assim, a Educação Infantil:

Deixa de ser só uma necessidade dos adultos que convivem com ela, mas passa a ser um direito que ela tem de vivenciar novas formas de aprendizagem que venham a contribuir para o seu desenvolvimento. Esse é o ponto nodal em que se pautam as intensas discussões sobre a educação das crianças pequenas, pois a criança passa a ser o centro das ações nos espaços coletivos que cuidam e educam crianças e, estes, devem constituir-se enquanto instituições educacionais (Brostolin, 2018, p.152).

Nesse cenário, defende-se que a Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, é um direito humano e social de todas as crianças, sem distinção alguma decorrente de origem geográfica, etnia, nacionalidade, sexo, deficiência, nível socioeconômico ou classe social.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009) definem que as interações e brincadeiras devem se constituir em eixos das práticas pedagógicas na Educação Infantil. Percebe-se, aqui, “[...] a concepção sociointeracionista desse processo, oferecendo destaque às interações tanto entre crianças e adultos quanto entre as próprias crianças” (Santos, 2020, p. 45).

Na próxima seção, busca-se compreender o processo de ensino e aprendizagem da educação da criança surda em uma perspectiva inclusiva/bilíngue na Educação Infantil, tendo a LIBRAS como centralidade na prática pedagógica.

3 A CRIANÇA SURDA NO CONTEXTO ESCOLAR NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL (MS)

Considera-se criança surda, com base no Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005, como aquela que “[...] compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras” (Brasil, 2005, art. 2).

Este mesmo documento estabelece o dever das instituições de ensino responsáveis pela educação básica, nas esferas federal, estadual e municipal, de garantir a inclusão de surdos ou pessoas com deficiência auditiva, por meio da organização de escolas e classes bilíngues, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

No Estado de Mato Grosso do Sul, promulgou-se, recentemente, a Lei n. 5.563, de 8 de setembro de 2020 (Campo Grande, 2020), que dispõe sobre a inclusão do tema “Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)”, como conteúdo transversal, nos componentes curriculares; no entanto, somente para o Ensino Médio das escolas da rede estadual de ensino.

O teor desta lei é interessante, por propor que sejam abordados os aspectos conceituais, históricos e culturais da LIBRAS, evidenciando sua importância no contexto da inclusão social. O artigo 4º explicita que: “O tema Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) poderá ser desenvolvido por meio de palestras, comunicação e expressão em que o sistema linguístico de natureza visual e motora se torne familiar aos estudantes e comunidade escolar (Campo Grande, 2020).

Todavia, esta perspectiva de trocas comunicativas entre surdos e ouvintes não atinge as crianças pequenas, da Educação Infantil, momento em que muitas crianças surdas têm o seu primeiro contato com a instituição escolar e a Língua de Sinais, já que nem sempre essa língua é apresentada no contexto familiar (Moura, 2014).

Além da Língua de Sinais, o contexto de interação das crianças também contribui muito para a potencialização desses problemas. Nas palavras de Lodi e Luciano (2010, p.34),

[...] o desenvolvimento da linguagem, atividade exclusiva dos seres humanos, tem seu início a partir das interações do bebê com as pessoas ao seu redor, por meio das quais ele poderá se apropriar dos aspectos culturais do meio social em que vive.

Segundo Lacerda (2006), para as crianças surdas, o atraso de linguagem pode acarretar sérios problemas emocionais, sociais e cognitivos, mesmo que realizem aprendizado tardio de uma língua. A autora salienta que:

Devido às dificuldades acarretadas pelas questões de linguagem, observa-se que as crianças surdas se encontram defasadas no que diz respeito à escolarização, sem o adequado desenvolvimento e com um conhecimento aquém do esperado para sua idade. Disso advém a necessidade de elaboração de propostas educacionais que atendam às necessidades dos sujeitos surdos, favorecendo o desenvolvimento efetivo de suas capacidades (Lacerda, 2006, p.165).

Neste sentido, muitas discussões têm surgido para a elaboração de propostas educacionais como forma de suprir as necessidades individuais das pessoas surdas, entre elas, a educação bilíngue. Percebe-se que a luta da comunidade surda por seus direitos é análoga aos demais grupos considerados como minorias, que perduram e tecem o seu processo educativo. Diversas crianças surdas são fadadas a se “encaixarem” em diagnósticos de incapacidades cognitivas oriundos de concepções errôneas, as quais subjugam essas crianças como impossibilitadas de alcançar o currículo proposto.

Na pesquisa realizada por Lacerda (2006), em um Centro de Educação Infantil com crianças surdas inseridas, a autora evidencia que:

A escola sabe pouco sobre a surdez, e mesmo com a realização de capacitação [...] a construção de sentidos e a compreensão da realidade enfrentada pelas pessoas surdas se fazem lentamente e ainda são bastante parciais [...] um conhecimento superficial sobre a surdez, que nos embates cotidianos se revelam insuficientes para o enfrentamento das necessidades das crianças surdas e as demandas impostas pela inclusão (Lacerda, 2006, p. 60).

Sabe-se que a LIBRAS não é um jogo de mímicas, como algumas pessoas podem pensar. Trata-se de uma língua organizada, com estrutura gramatical própria e reconhecida em nosso país a partir de24 de abril de 2002, por meio da Lei n.10.436 (Brasil, 2002), como meio legal de comunicação e expressão dos surdos brasileiros.

Desde então, vários avanços foram alcançados. A obrigatoriedade de um intérprete de LIBRAS, por exemplo, nas salas de aulas comuns, para a comunicação da criança surda com o professor e demais crianças, é resultado de lutas e embates. No entanto, nas palavras de Quiles (2015, p. 225), “[...] o respeito à singularidade linguística desta criança significa muito mais do que apenas ‘permitir’ o uso da Libras no espaço escolar”.

Nesta perspectiva, o intérprete não é garantia de atendimento linguístico, considerando que muitas crianças, como já destacado anteriormente, possuem defasagens linguísticas. Neste caso, indica-se a presença do professor surdo, ou professor ouvinte bilíngue, para que o processo de ensino e aprendizagem seja na primeira língua da criança. O Decreto n. 5.626/2005 (Brasil, 2005) assegura, entre outras orientações, o professor bilíngue para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental.

Ainda conforme as reflexões de Quiles (2015), a educação de surdos pode orquestrar-se em uma perspectiva inclusiva/bilíngue, mas, para que isso aconteça, a LIBRAS deve ter centralidade na ação pedagógica. “A constituição da educação bilíngue para surdos no contexto da educação inclusiva está nos limites e possibilidades engendrados neste paradigma podendo determiná-lo ou ser determinado por ele” (Quiles,2015, p.22).

Nesta mesma direção, ao considerar a escola como espaço de transformação e possibilidades em meio às contradições, Kassar (2006, p. 84-85) pontua que:

Tomando a contradição presente em nossa sociedade podemos conceber a instituição escolar como um espaço extremamente dinâmico e contraditório, pois é parte de uma sociedade que não é homogênea, mas antagônica. A contradição é parte constitutiva da sociedade e é parte constitutiva da própria escola. No interior da escola está presente a dinâmica do movimento social, que é construída a partir de lutas de forças antagônicas [...]. Por este ponto de vista, a escola pode ser tomada como palco de lutas pela conquista de direitos e de construção de modos de organização social. A conquista de direitos, na escola, dá-se pela apropriação da cultura produzida na história da sociedade.

Um exemplo de luta e conquista que se pode evidenciarrecentemente para a comunidade surda foi a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, determinada pela Lei n. 14.191, (Brasil, 2021) que torna a educação bilíngue uma modalidade de ensino. Assim, determina-se que:

Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas materiais didáticos e professores bilíngues com formação e especialização adequadas, em nível superior. Parágrafo único. Nos processos de contratação e de avaliação periódica dos professores a que se refere o caput deste artigo serão ouvidas as entidades representativas das pessoas surdas (Brasil, 2021).

Dessa forma, este documento, além de assegurar os direitos de toda comunidade surda,ainda nos leva a acreditar que as crianças surdas alcançarão experiências significativas na Educação Infantil, que deve ser um espaço de experiências e possibilidades.Porém, essas experiências precisam ser mediadas pela Língua de Sinais, por ser esta a língua que possibilita a ela a significação do mundo.

Considerando-se as infinitas possibilidades da/na educação, a próxima seção apresenta algumas reflexões sobre a inclusão escolar de crianças surdas na Educação Infantil, no estado de Mato Grosso do Sul.

4 INCLUSÃO DE CRIANÇAS SURDAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: O QUE REVELAM AS PESQUISAS

Como já anunciado, na busca pelas produções acadêmicas e científicas relacionadas ao objeto de estudo desta pesquisa, foram selecionados sete estudos para este momento da discussão, sendo que três serão mais detalhados, considerando-se maior aproximação com os objeti vos propostos.Ain da, é preciso destacar que, dessas três pesquisas, apenas uma tem relação direta com este estudo (Silva, 2014). As informações gerais desses trabalhos são explicitadas no Quadro 1, a seguir:

Quadro 1 Apresentação das pesquisas selecionadas no levantamento bibliográfico 

Nome Tipo do estudo Título do trabalho Ano Instituição
Sheyla Cristina Araújo Matoso Silva Mestrado “Inclusão de crianças surdas na educação infantil: entre a intencionalidade e a realidade revelada na pesquisa” 2014 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)
Raquel Elizabeth Saes Quiles Doutorado “Educação de surdos em Mato Grosso do Sul: desafios da educação bilíngue e inclusiva” 2015 Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
José Carlos Monteiro Mestrado “O processo de inclusão de crianças com deficiência na educação infantil: desafios da prática pedagógica” 2015 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)
Clarice Karen de Jesus Mestrado “A inclusão e escolarização dos alunos com deficiência auditiva e surdez no ensino fundamental em Brasilândia/MS: desafios, avanços e perspectivas” 2016 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)
Sheyla Cristina Araújo Matoso Silva Artigo “Surdez e Educação Infantil: os desafios para a proposta educacional bilíngue no município de Três Lagoas, Mato Grosso do Sul” 2017 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Aurélio da Silva Alencar, Marilda Moraes Garcia Bruno e Ilma Regina Castro Saramago de Souza Artigo “Alunos surdos e desafios do atendimento especializado para a aquisição de Língua Brasileira de Sinais (Libras) nas escolas municipais de Dourados” 2018 Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)
Tânia Maria Filiú de Souza Doutorado “Crianças com deficiência na Educação Infantil: processo de inclusão e formação docente na rede municipal de ensino de Campo Grande (MS)” 2020 Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)

Fonte: Produção própria, 2021.

Iniciaremos uma breve descrição dos quatro trabalhos que contribuem com as reflexões deste estudo, mas que não serão aprofundados.A tese de doutoramento de Quiles (2015) teve como objetivo principal evidenciar a proposta de educação para surdos no estado de Mato Grosso do Sul, a fim de identificar seu delineamento em uma escola polo para surdos, focando a educação bilíngue no contexto da educação inclusiva. A autora conclui que a escola pesquisada não se mostrou plenamente inclusiva nem plenamente bilíngue, já que a Língua de Sinais não ocupava lugar central nas atividades escolares.

A dissertação de mestrado de Jesus (2016) teve como objetivo compreender e analisar o processo de inclusão e escolarização do aluno surdo e com deficiência também no Estado de MS. A pesquisa apontou para a necessidade de repensar o uso das metodologias utilizadas pelos professores para escolarização dos estudantes e a função do intérprete em sala de aula, sendo ainda confundido como professor regente, e não como mediador das interações na sala de aula.

Silva (2017) discute a atual proposta educacional para alunos surdos na etapa da Educação Infantil, evidenciando as necessidades mais latentes das crianças surdas inseridas na etapa inicial do ensino comum. A autora observa que os profissionais envolvidos ainda desconhecem os principais pontos de uma proposta educacional bilíngue, ressaltando a importância de se discutir as propostas educacionais para os surdos desde os primeiros anos escolares, no intuito de atender e efetivar a educação bilíngue.

Alencar, Bruno e Souza (2018) refletem os desafios de atendimento especializado para a aquisição daLIBRAS pelos alunos surdos matriculados nas escolas municipais de Dourados, MS. Os resultados deste estudo também apontam que os alunos surdos, ao ingressarem na escola comum, não possuem o domínio de uma língua de comunicação. Ainda, há baixa frequência ao Atendimento Educacional Especializado (AEE); e os intérpretes educacionais desenvolvem duas funções: de interpretar as aulas e ensinar os alunos surdos.

Inicia-se, neste momento, a análise das três produções que mais se aproximam do objeto de estudo desta pesquisa. Começamos com adissertação de mestrado de Silva (2014), que apresentao processo de inclusão escolar das crianças surdas, na Educação Infantil, no interior das políticas públicas.

A autorainvestiga e discute como vem acontecendo o atendimento das crianças surdas na etapa da Educação Infantil nas escolas e CEIs municipais da cidade de Três Lagoas, MS, pontuando, entre outras discussões, a dificuldade de implementaçãoda inclusão escolar dessas crianças perante uma sociedade cada vez mais excludente em suas práticas.

Silva (2014) chama atenção sobre a carência de estudos direcionados à área da inclusão escolar na Educação Infantil, tanto em estudos mais gerais quanto os que se debruçam sobre a educação de surdos. A autora destaca também o “desconhecer”, por parte dos professores entrevistados e demais profissionais envolvidos no processo de escolarização e nos cuidados dessas crianças. Sobre os demais profissionais, refere-se ao instrutor surdo3 e ao tradutor-intérprete de Língua de Sinais4.

Para Silva (2014), esses dois profissionais são importantes, porque oferecem acesso à comunicação com a criança surda. Porém, a responsabilidade de planejar ações é de todos os segmentos da comunidade escolar: do gestor, coordenador, professor regente, intérprete e famílias, no sentido de envolvê-los por meio de um planejamento interdisciplinare coletivo.

As reflexões de Silva (2014) corroboram as ideias de Quiles (2015),ao refletir sobre a falta ou o pouco conhecimento que as instituições escolares possuem sobre a surdez.Os resultadosda pesquisa,a partir das entrevistas com os profissionais envolvidos na inclusão escolar das crianças surdas, apontaram que osprofessores se encontram perdidos sobre a melhor forma de se pensar e protagonizar a educação de surdos. Os papéis ainda se confundem e existe pouca informação para esses professores (e coordenadores) de como trabalhar com essas crianças, de forma a respeitar e incentivar as características linguísticas delas.

Segundo a autora, isso acontece porque os professores desconhecem o que vem a ser esse ensino bilíngue, bem como as peculiaridades de se ensinar no caráter de segunda língua (Língua Portuguesa, na modalidade escrita), e, ainda, pelo fato de as crianças, em sua maioria, serem filhos de pais ouvintes. Essa ausência do diálogo, por não compartilharem uma língua comum, leva as crianças surdas a situações de isolamento social e cultural.

No contexto educativo, essa ausência da língua ocasiona, também, por parte das crianças, sentimentos de desinteresse pelos estudos. Isso por se ter, no ensino comum, uma organização escolar pensada e planejada apenas para crianças ouvintes, em sua língua oral-auditiva. Há professores interessados, mas sem saber como desenvolver estratégias para o ensino das crianças surdas.

Para finalizar, Silva (2014) considerou que esse desconhecimento por parte dos professores refletenos planejamentos, com ações em que as crianças surdas são, muitas vezes, excluídas das atividades proporcionadas, por conta do ideário de uma sala homogênea. Mesmo com todas as informações e discussões sobre diversidade, ainda existem fortes influências de uma pedagogia homogênea, que desconsidera as diferenças.

Este estudo nos leva à reflexão de que, para mudar a prática, é preciso modificar o discurso, e, para que essa transformação aconteça, é necessário que se invista no professor,ampliando suas possibilidades de atuação, aprimorando suas habilidades e renovando seus conhecimentos, por meio de capacitações que considerem, de forma efetiva, a prática docente.

A dissertação de mestrado de Monteiro (2015) apresenta como objetivo investigar a prática pedagógica em dois Centros de Educação Infantil no município de Campo Grande, MS, e identificar possíveis interlocuções com a coleção “Educação Infantil: Saberes e Práticas da Inclusão”5, do Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial.

Segundo o pesquisador, esta coleção não faz parte do cotidiano das creches. Isso se evidenciou a partir das entrevistas com as colaboradoras da pesquisa, ao declararem total desconhecimento deste material. O autor também fez um levantamento das propostas da legislação vigente no que diz respeito à Educação Infantil e à educação inclusiva. A pesquisa evidenciou que o município de Campo Grande, MS, possuía 100 Centros de Educação Infantil (CEINFs), em 2015, que atendiam cerca de 13.800 crianças em período integral. Dessas, cerca de 45 apresentavam algum tipo de deficiência.

Os dados obtidos, a partir das entrevistas realizadas,indicaram que a reorganização da escola deve iniciar-se pela Educação Infantil, por ser esta a primeira etapa da Educação Básica, e que a escola inclusiva precisa organizar seus espaços educacionais, ser capaz de intensificar o processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança com deficiência, de acordo com a necessidade específica de cada uma.

Foi possível observar, nas entrevistas, que os professores têm dificuldades em saber como e o que ensinar aos alunos com deficiência. A grande maioria dos professores trabalha na perspectiva de uma inclusão excludente (recebe as crianças, mas ignora suas necessidades), o que colabora para que esses alunos sejam cada vez mais excluídos do acesso ao conhecimento difundido pelas escolas.

Há falta de atenção dos cursos de graduação em relação à inclusão, em seus currículos, de conhecimentos teóricos especificamente voltados para a formação para a Educação Especial e oportunidades de vivenciar experiências práticas, nos estágios supervisionados, com os alunos público-alvo da Educação Especial.

Os dados deste estudo revelam concordâncias e divergências de concepções e expectativas sobre o significado do termo “educação inclusiva” e os aspectos que envolvem a inclusão na Educação Infantil. O autor não trouxe relatos específicos sobre as experiências dos professores com crianças surdas, utilizando o termo “criança com deficiência” para todos os participantes.

Para finalizar, apresenta-se a tese de doutorado de Souza (2020), que destaca a criança na perspectiva da inclusão escolar. A pesquisa tem como objetivo geral analisar o processo de inclusão das crianças com deficiência na Rede Municipal de Ensino de Campo Grande, MS, no período compreendido entre 2014 e 2019.

A autora problematiza as mudanças ocorridas em relação à concepção de atendimento das crianças com deficiência na Educação Infantil do município de Campo Grande, MS, a partir da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, apresentada no ano de 2008. A tese aborda a temática trazendo reflexões sobre a Sociologia da Infânciapor meio de estudos teóricos, como, por exemplo, Corsaro (1997), Delalande (2001) e Sarmento e Cerisara (2004), que relatam existir variáveis as quais justificam que a criança é a protagonista de sua história e constrói a cultura em que vive por meio de pequenos grupos em que vivencia esta cultura. Estes autores, segundo a pesquisadora, consideram as crianças como atores sociais, por isso não podemos excluir, deste contexto, a criança com deficiência.

Dados desta pesquisa revelam que odireito da matrícula de todas as crianças de 4 a 5 anos de idade, estabelecido no Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014-2024, ainda não foi efetivado em Campo Grande, MS. A Meta 1, do PNE, solicita ao poder público a oferta com 100% de frequência na pré-escola até 2016, e, em creches, atendimento, no mínimo, de 50% das crianças de até 3 anos até o final do Plano. Porém, até o final do ano de 2020, a demanda não havia sido atendida. Essa obrigatoriedade nos leva a entender que, se o acesso à educação tem seu início na Educação Infantil, então a criança com deficiência também tem direito à matrícula.

A pesquisa evidencia a somatória de matrículas de trezentas e vinte e seis crianças que apresentam alguma deficiência. Destas, 40% aproximadamente ainda se encontram matriculadas nas Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIS), sem acompanhamento por uma equipe multidisciplinar para auxiliar em seu processo de desenvolvimento. Aproximadamente 60% já estão matriculadas na pré-escola das escolas de Ensino Fundamental.

A pesquisadora destaca informações obtidas pelo Censo Escolar (2020), das crianças com idade de quatro e cinco anos, matriculadas, que apresentam diagnóstico/laudo de deficiência. Entre as setes deficiências encontradas por Souza (2020), destacamos somente duas para apresentar os dados elencados, relacionadas ao nosso objeto de pesquisa: 12 (doze) criançascom deficiência auditiva e 8 (oito) com surdez.

Segundo Souza (2020),o número de crianças por sala, das turmas pesquisadas, extrapola o que está estabelecido pela norma, ou seja, são salas de aula superlotadas,não seguindo a Resolução n. 188/2018, no seu art. 46, que estabelece o quantitativo máximo de 20 alunos em sala de aula na pré-escola, quando houver alunos público-alvo da Educação Especial.

Como observa Souza (2020), a demanda é maior que a oferta. Dados da entrevista dos professores deixam em evidência a dificuldade em realizar a adaptação, tanto pessoal quanto profissional, como relatou uma professora, afirmando que o seu maior desafio foi quando ocorreu a matrícula de uma criança surda.

Uma das professoras entrevistadas pela pesquisadora relata que, inicialmente, sentiu dificuldade e começou a pedir ajuda para a intérprete que atendia a criança, para ensinar algum sinal a ela, pois não sabia LIBRAS. Para se comunicar com a criança, a professora relata que passou a pesquisar as coisas mais simplese, com a ajuda da intérprete, aprendeu um pouco.

Entretanto, dados da entrevista também apontam a ideia de normalização por parte dos professores sobre as crianças com deficiência, ao afirmarem que o processo de inclusão acontece naturalmente, sendo um processo bem tranquilo, em razão de a criança se comunicar do jeito dela e conseguir acompanhar a mesma atividade que as outras crianças desenvolvem.

Nos relatos das professoras, foi informado que a Secretaria de Educação oferece curso de LIBRAS, mas nunca tem vaga. Além disso, os cursos acontecem no período noturno, o que dificulta a participação, pelo fato de chegarem cansadas do trabalho e ainda precisarem fazer atividades para o próximo dia.

Para finalizar, Souza (2020) ressalta a efetivação do trabalho colaborativo, em que todos são beneficiados: a professora, a intérprete e, principalmente, a criança. A pesquisadora evidencia também a necessidade da formação continuada em serviço. Embora a Secretaria, por meio da DEE, ofereça cursos de LIBRAS, a oferta destes ainda se configura de maneira fragmentada, pois não consegue atingir todos os docentes.

Da análise desta pesquisa, observou-se que a educação inclusiva é tema que tem estado presente na educação nos últimos vinte anos, conforme relatam os estudos realizados por Drago e Oliveira (2011), que discutem acerca de como poderia ocorrer esse processo nas escolas brasileiras e a maneira como os professores devem estar preparados para receber essas crianças em sala de aula, de forma que ocorra o processo de inclusão esperado pela educação.

Dentre os trabalhos destacados, todos apresentam em comum, nas suas considerações, a indicação e a necessidade de programas de incentivo à formação continuada como facilitador e apoio, a fim de minimizar os desafios ou as dificuldades que o professor da Educação Infantil enfrenta no processo de inclusão de crianças surdas.

Dos resultados obtidos e apresentados nas produções, evidencia-se a necessidade urgente de as instituições escolares se reorganizarem, e que isso deve se iniciar pela Educação Infantil, por ser esta a primeira etapa da Educação Básica. Ademais, a Educação Infantil inclusiva precisa organizar seus espaços educacionais, condições estruturais e formação para todos os profissionais da educação que atuam na sala comum.

Voltando o olhar para o contexto local, ou seja, o estado de Mato Grosso do Sul, observa-se que continuamos no processo de construção da proposição inclusiva para crianças surdas na Educação Infantil. O atendimento das singularidades linguísticas dessas crianças precisa ser foco dos processos político-pedagógicos da instituição escolar. O estado precisa avançar para a proposição bilíngue, principalmente no momento atual, em que a educação bilíngue para surdos se coloca como modalidade de ensino, devendo se iniciar na Educação Infantil, ao zero ano.

Por fim, destaca-se a importância de continuar o oferecimento de formações continuadas para os professores. Essas formações devem enfocar não apenas o ensino da LIBRAS, de forma instrumental, mas proporcionar a compreensão da importância dessa língua para o desenvolvimento da criança surda, mediando suas experiências, brincadeiras e vivências.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo, por focar em uma revisão bibliográfica, evidencia, em primeiro lugar, a carência de produções acadêmicas e científicas direcionadas à área da Educação Infantil e ao processo de inclusão escolar de crianças surdas, no estado de Mato Grosso do Sul.

Assim, faz-se necessário o aumento de pesquisas sobre estes dois temas – criança surda e Educação Infantil–, considerando-se ser esta a etapa em que a criança terá contato com a instituição escolar e, muitas vezes, com a Língua de Sinais. A Educação Infantil deve possibilitar tempos e espaços em que a criança viva livremente sua infância. Para a criança surda, essa experiência precisa ser mediada pela Língua de Sinais, bem como “outras linguagens”, como dança, circo, teatro, brincadeiras, contato com a natureza, entre outras.

Também se indica, em Mato Grosso do Sul, a necessidade de fortalecimento da educação bilíngue, iniciando-se na primeira infância. Às crianças deve ser garantido o direito de brincar, experimentar, conhecer e aprender. No caso das crianças surdas, todas essas experiências têm relação direta com a Língua de Sinais. A socialização com outras crianças, surdas e ouvintes, só acontecerá de forma significativa se houver um território linguístico compartilhado.

Retomando o objetivo geral do estudo, qual seja, discutir os elementos que envolvem as práticas político-pedagógicas com crianças surdas nas instituições de Educação Infantil, por meio das produções acadêmicas e científicas apresentadas, é possível afirmar que ainda háinsatisfação, evidenciada por parte dos professores, sobre a maneira que vem acontecendo a inclusão escolar. Em geral, os professores argumentam que precisam de mais informações e formações sobre as especificidades das crianças surdas.

Quanto à realidade do estado de Mato Grosso do Sul, é preciso destacar que a concretude vivenciada nas instituições de Educação Infantil, no atendimento de crianças surdas, não é diferente à da maioria dos estados brasileiros. Todos têm, pela frente, o desafio de implementar a educação bilíngue, e esse processo envolve vários aspectos, como investimentos e uma (re)significação das práticas pedagógicas.

Esperam-se, para um futuro próximo, possibilidades concretas de alcance da equidade na educação de crianças surdas, ou seja, que elas sejam compreendidas como são e tenham a liberdade de serem quem são. O nosso desejo é de que as crianças (surdas e ouvintes) sejam atendidas de acordo com suas necessidades específicas e que o estado de Mato Grosso do Sul se destaque pela promoção de práticas político-pedagógicas significativas e inclusivas na Educação Infantil, para todas as crianças.

3“[...] instrutor surdo: que possui, entre outras funções, a de permitir à criança surda uma maior familiarização com a Língua de Sinais, que se dá pelas trocas linguísticas que um adulto surdo pode permitir” (Silva, 2014, p. 103).

4“[...] tradutor-intérprete de Língua de Sinais: que faz parte desse processo como um dos meios para se alcançar o proposto na interação das crianças surdas com os professores e com os colegas ouvintes” (Silva, 2014, p. 103).

5Tem como objetivo alavancar a inclusão das pessoas com deficiência, nas salas comuns da rede pública, por intermédio de um processo de formação contínua, além de melhorar a organização do trabalho didático com crianças com deficiência.

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Recebido: 20 de Maio de 2022; Aceito: 10 de Agosto de 2023

Marcia Pires dos Santos: Doutoranda em Educação pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Mestre em Educação pela UCDB. Graduada no Curso Normal Superior pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Coordenadora Pedagógica na Secretaria de Educação e Cultura no município de Bonito, MS. Desenvolve pesquisas sobre o processo de inclusão de crianças com deficiências na Educação Infantil. Email: Profmarciapires@Hotmail.Com, Orcid: https://orcid.org/ 0000-0001-9551-4917

Raquel Elizabeth Saes Quiles: Doutora em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduada em Pedagogia pela UFMS. Professora adjunta da UFMS. Intérprete e tradutora de LIBRAS/Língua Portuguesa, certificada pelo PROLIBRAS. E-mail:rsaesquiles@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0943-2259

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