SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28 número64Gestión escolar democrática y retos de la interpretación y aplicación de la legislación en escuelas de la red municipal de Caiçara, Rio Grande do SulEl potencial educativo de los memes como recurso pedagógico índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Série-Estudos

versión impresa ISSN 1414-5138versión On-line ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.28 no.64 Campo Grande set./dic 2023  Epub 05-Ene-2024

https://doi.org/10.20435/serieestudos.v28i64.1792 

Article

Uma formação para EJA sobre educação financeira aportada na Etnomatemática e na Teoria da Aprendizagem Significativa

A training for EJA on financial education based on Ethnomathematics and the Theory of Meaningful Learning

Capacitación para EJA sobre educación financiera basada en la Etnomatemática y la Teoría del Aprendizaje Significativo

Wanderson Felix Viana1 
http://orcid.org/0000-0001-5178-4923

José Roberto da Silva1 
http://orcid.org/0000-0003-2970-9702

Maria Aparecida da Silva Rufino1 
http://orcid.org/0000-0002-4850-7228

1Universidade de Pernambuco (UPE), Nazaré da Mata, Pernambuco, Brasil.


Resumo

O artigo em questão é um recorte de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em Educação da Universidade de Pernambuco (UPE), cujo intuito é a preparação de professores na criação de caminhos para intervenção na Educação de Jovens e Adultos. Neste estudo, além de uma fundamentação adequada em termos do objeto matemático de ensino, preconiza-se que o professor precisa ter o seu fazer docente aportado nos referenciais epistemológico e pedagógico, os quais só foram definidos após a análise das percepções de um grupo de seis professores que atuam nessa modalidade de ensino. O levantamento das compreensões dos professores sobre suas práticas docentes foi realizado por meio de um questionário diagnóstico e da elaboração/entrega de um plano de aula sobre Juros Simples na perspectiva de uma Educação Financeira. O propósito de modificar a realidade educacional a partir do olhar que os envolvidos têm sobre suas ações/interações remete a uma natureza investigativa de cunho qualitativo, no viés da pesquisa-ação. Como resultado, indica-se que uma formação pautada epistemologicamente na Etnomatemática e pedagogicamente no marco ausubeliano atenderia às necessidades dos participantes, corroborando a premissa inicial, trazida neste estudo, de aportar o fazer docente nos enfoques teóricos matemático, epistemológico e pedagógico.

Palavras-chave: Etnomatemática; aprendizagem significativa ausubeliana; Educação de Jovens e Adultos

Abstract

This article is part of a research carried out within the framework of the Professiona Master’s Degree in Education at the University of Pernambuco (UPE), which purpose is to prepare teachers to create ways to intervene in Youth and Adult Education. In this study in addition to an adequate substantiation in terms of the mathematical object of teaching, it is recommended that the teacher needs to have his teaching work supported by epistemological and pedagogica references that were only defined after analyzing the perceptions of a group of six teachers who work in this teaching modality. The survey of teachers’ understandings about their teaching practices was carried out through a diagnostic questionnaire and the elaboration/delivery of a esson plan on Simple Interest in the perspective of Financial Education. The purpose of modifying the educational reality from the point of view that those involved have on their actions/interactions refers to a qualitative investigative nature, in the bias of the action-research. As a result, it is ndicated that training based epistemologically on Ethnomathematics and pedagogically on the Ausubelian framework would meet the needs of the participants, corroborating the initia premise, brought in this study, of contributing to teaching in mathematical, epistemological and pedagogical theoretical approaches.

Keywords: Ethnomathematics; ausubelian meaningful learning; Youth and Adult Education

Resumen

El artículo en cuestión es un recorte de una pesquisa desarrollada en el ámbito de la Maestría Profesional en Educación de la Universidad de Pernambuco (UPE), cuyo objetivo es la preparación de profesores en la creación de caminos para intervenir en la Educación de Jóvenes y Adultos. En este estudio, además de una fundamentación adecuada en términos del objeto matemático de la enseñanza, sugiere que el profesor necesite estar, en su práctica docente, aportado en referenciales epistemológico y pedagógico que solo fueran definidos posterior análisis de las percepciones de un grupo de seis profesores que actúan en esta modalidad de la enseñanza. El levantamiento de los entendimientos de los profesores sobre sus prácticas docentes fue realizado a través de un cuestionario diagnóstico y de la elaboración/devolución de un plan de clase sobre Juros Simples en la perspectiva de una Educación Financiera. El propósito de modificar la realidad educacional a partir de una mirada que los involucrados poseen sobre sus acciones/interacciones, remite a una naturaleza investigativa de carácter cualitativo, en lo que sugiere pesquisa-acción. Como resultado, es posible indicar que una formación pautada epistemológicamente en la Etnomatemática y pedagógicamente en el marco ausubeliano atendería las necesidades de los participantes, ratificando la premisa inicial, presentada en este estudio, de aportar la práctica docente en enfoques teóricos matemático, epistemológico y pedagógico.

Palabras clave: Etnomatemática; aprendizaje significativo ausubeliano; Educación de Jóvenes y Adultos

1 INTRODUÇÃO

As oportunidades de empregos formais oportunizam condições mais seguras para os trabalhadores do que as do mercado informal, mas ingressar e se manter em um emprego exige ter habilidades para lidar com a escassez e acompanhar suas mudanças. Isto envolve uma tarefa difícil, pois, segundo Robbins, Judge e Sobral (2010), há seis forças que promovem o desencadeamento de mudanças, são elas: natureza da força de trabalho, tecnologia, choques econômicos, concorrência, tendências sociais e política mundial. Na perspectiva destes pesquisadores, Santos (2014, p. 17) evidencia que:

Quase todas as organizações hoje precisam se ajustar a um ambiente multicultural, a mudanças demográficas, imigração e terceirização da força de trabalho. Além disso, a tecnologia vem mudando a forma de trabalho e as organizações continuamente.

A comercialização de produtos de forma autônoma obteve avanço significativo nos últimos anos, o que pode ser observado nos dados do IBGE, nas regiões brasileiras, tanto nas metrópoles como no seu entorno. Essa caracterização se confirma com a afirmação do coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, de que a partir de 2014, após demissão de empregos formais, houve um crescimento significativo no número de trabalhadores ambulantes, em particular, no setor de alimentação (Saraiva et al., 2018).

É relevante chamar atenção sobre a existência de estudos com trabalhadores como esses, como o de Correia, Pereira e Carrieri (2018), afirmando que, à medida que a idade avança, observa-se a diminuição do grau de escolaridade. Por sua vez, além de não ser difícil encontrar ambulantes na escola em turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), há preocupações análogas às do então chamado ensino regular, presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Brasil, 1997), como valorizar saberes cotidianos de âmbito social, cultural e étnico, bem como suas implicações na aprendizagem de conteúdos curriculares da educação básica.

Para Chiappetta e Silva (2018), os professores que atuam na EJA carecem de ações voltadas para suprir deficits advindos de suas graduações. Essa preparação, durante o processo de atualização docente, deve considerar as necessidades dos professores em termos de ordens epistemológicas, pedagógicas e metodológicas que fomentem mudanças consistentes na prática de sala de aula.

Isso não pode ser visto de forma pragmática, como evidencia Silva (2009), ao destacar que o êxito educativo nas pesquisas em Didática das Ciências e Matemática vai além da elaboração e do uso de contextualizações e de recursos didáticos; compreende, também, a necessidade do amplo domínio docente sobre as atividades a serem vivenciadas em sala de aula. Se guindo essa perspectiva, as ações preconizadas neste estudo foram planejadas a partir dos conhecimentos prévios que os professores já possuíam em termos de enfoques epistemológicos, pedagógicos e de conteúdo matemático; isto, aliado ao conhecimento aprofundado dos intentos educativos do material de ensino, por terem participado da sua construção, pode ampliar consideravelmente as chances de êxito do fazer docente e discente.

Diante disso, o aporte epistemológico escolhido foi a Etnomatemática; já o pedagógico, a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS). Em relação ao objeto matemático de interesse, este encontra-se entre os conteúdos curriculares que estão relacionados com a Matemática Financeira (MF), mas com intuito de oportunizar uma Educação Financeira (EF).

Por fim, a análise dos conhecimentos prévios levantados sobre as práticas desses professores do ensino básico deu início às ações de uma pesquisa que foi realizada no PPGE/UPE2. Em particular, serviu de lastro para orientar a realização de um curso de formação pautado na Etnomatemática e na TAS, visando subsidiar a produção e o uso de material de ensino que potencialize aprendizagem de Juros Simples.

2 UMA FORMAÇÃO PARA EJA SOBRE EF APORTADA NA ETNOMATEMÁTICA E NA TAS

As especificidades inerentes às diferentes culturas têm sido objeto de interesse em estudos voltados para compreender o conhecimento produzido pela humanidade em toda parte mundo. No que se refere ao saber matemático, aspectos históricos e filosóficos, tanto nas culturas antigas como contemporâneas, relacionados a sua construção/evolução, têm oportunizado contextos relevantes para o estudo da matemática (DAmbrosio, 2002).

No entanto, como destaca Rosa e Orey (2014), embora o acúmulo de conhecimentos científicos venha ocorrendo na história da humanidade em seus ambientes natural, social, cultural, político, econômico e ambiental, o modo como a ciência se apresenta atualmente não decorre da forma distinta de explicar, compreender e lidar com esses ambientes. Porém o Programa em Etnomatemática procura entender o saber-fazer matemático recorrendo a esse percurso histórico/ contemporâneo, a partir da investigação de características próprias de grupos sociais com traços culturais devidamente identificados (DAmbrosio, 2002).

Assim, cientes da diversidade cultural e do conhecimento de mundo que os estudantes da EJA possuem, o Programa em Etnomatemática pode e já vem contribuindo com a melhora do desempenho do ensino e da aprendizagem matemática nesta modalidade. Além do mais, segundo Pergher e Moraes (2011), os estudantes da EJA que vivenciam práticas pautadas na Etnomatemática ressigni-ficam o papel do ensino e da aprendizagem matemática em suas vidas, e isto os leva, de certo modo, a se manterem matriculados.

Outro aspecto apontado por esses pesquisadores ajuda a entender a opção pela Etnomatemática neste estudo. Trata-se da falta de preparação para os professores de matemática que atuam na EJA; inclusive, há casos em que nem sequer são graduados na área, o que se observa na incoerência de suas práticas,

[...] percebe-se que não há material adequado para a faixa etária, os conteúdos são insignificantes, fora de seu contexto e sem utilidade real na vida diária. Muitas vezes, os educadores os tratam como crianças, em termos de vivências e acabam não respeitando seus conhecimentos, história de vida, cultura e forma de viver (Pergher; Moraes, 2011, p. 76).

Para Domite (2004), muitas das dificuldades enfrentadas por parte dos professores que lecionam na EJA podem ser atribuídas ao desconhecimento de teorias para embasar o trabalho nessa modalidade de ensino que advém de suas formações iniciais e de programas de formações continuadas. Trata-se de um pressuposto básico para qualquer mudança na prática educativa, em especial, quando se almeja potencializar uma inter-relação do tipo ação/reflexão/ação, pois, conforme Freire (2001, p. 39): “[...] o importante é que a reflexão seja um instrumento dinamizador entre teoria e prática”. Ele situa como questão central na formação de professores a possibilidade de articular o viés teórico e o prático, pois esta profissão se faz no chão da escola, consistindo no contexto da práxis, do fazer educativo, da atividade pedagógica simultaneamente teórica e prática.

Desse modo, foi posto em relevo que esse enfoque freiriano sobre a importância da reflexão no processo de articulação entre teoria e prática no ato educativo matemático ganha expressividade com a Etnomatemática. E, para potencializar esse tal ato educativo quanto à organização pedagógica neste estudo, fez-se opção pela TAS, de David Paul Ausubel (2002).

Na publicação dessa teoria em 1963, David Paul Ausubel preconiza que a aquisição e a retenção de conhecimentos “[…] son el producto de un proceso activo, integrador e interactivo entre el material de instrucción (la materia) y las ideas pertinentes en la estructura cognitiva del estudiante con las que las nuevas ideas se pueden enlazar de maneras particulares” (Ausubel, 2002, p. 13). Na publicação de 2002, ele considera que: “En realidad, la adquisición y la retención de conocimientos son actividades omnipresentes durante toda la vida que son esenciales para la actuación competente, la gestión eficaz y la mejora del trabajo cotidiano” (Ausubel, 2002, p. 14).

No entanto, há críticas relacionada ao título, Aquisição e retenção do conhecimento, remeter a “[...] un proceso ya manido de instrucción y aprendizaje de carácter memorista basado en enfoques pasivos, autoritarios, a modo de esponja y mecánicos al aprendizaje de las materias (Ausubel, 2002, p. 16). Porém Ausubel (2002) esclarece que o termo aquisição tem um significado mais usual e geral, reportando-se a apoderar-se, e, após apontar a possibilidade de debilidade no processo de construção de novos significados no âmbito construtivista, o autor apresenta a seguinte conclusão:

[...] se pude decir que eltítulo del presente libro se refiere principalmente al objetivo educativo y al producto final esperado, preponderante y familiar, de un programa de aprendizaje significativo y consistente y un dominio de corpus de conocimientos jerárquicamente organizados (Ausubel, 2002, p. 16).

No âmbito desse enfoque teórico, Moreira (2011a) afirma que, no ato de ensinar, antes de mais nada, o professor precisa realizar um mapeamento conceitual da matéria a ser apreendida pelo estudante, de modo a identificar as ideias mais gerais, os conceitos estruturantes e específicos. O autor complementa que tal mapeamento deve servir para orientar a escolha do que deve ser priorizado e o direcionamento a ser tomado no ato educativo.

A opção por esse aporte teórico pode ser trazida sob várias perspectivas, mas aqui o argumento de Pozo (2005) evidencia o intento educativo deste estudo, ao expor que, dentre as teorias cognitivistas elaboradas a partir de posições organicistas, a TAS se sobressai, por se centrar na aprendizagem produzida em um contexto educativo. Além disso, este marco teórico se relaciona bem com os intentos da educação dialógica freiriana bem recorrente nos estudos da EJA; portanto, vale a pena se atentar a esse enfoque advindo da obra Pedagogia do Oprimido, de Freire (2018):

O conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição - um conjunto de informações a ser depositado nos educandos - mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.

No que diz respeito à EF, inicia-se na escola regular, como tem sido posta por entidades de referências internacionais, como a Organi zação para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2005). Essa organização preconiza que o ensino da educação financeira deve ser obrigatório e trabalhado de forma que prepare a pessoa para lidar com experiência plena e cidadã diante da vida.

Essa organização caracteriza a EF como um processo em que os indivíduos adquirem informações para aprimorar suas percepções sobre questões relacionadas a finanças. Assim, passam a desenvolver as competências necessárias para se tornarem cada vez mais conscientes acerca das oportunidades e dos riscos que envolvem as suas finanças, tornando-se capazes de tomar decisões consistentes e atuar socialmente com mais “responsabilidade”, sem comprometer o seu futuro.

De certo, essa organização, diante de seus propósitos básicos sobre finanças, tem um interesse mais voltado para contemplar as necessidades de mercado. Por sua vez, na ENEF3, a educação financeira procura conscientizar os indivíduos sobre a relevância do planejamento financeiro, oportunizando o desenvolvimento de uma relação equilibrada com o orçamento financeiro e fomentando a tomada de decisões sobre finanças e consumo de boa qualidade.

No contexto escolar, Rossetti Junior e Schimiguel (2009) recordam que a efetivação de competências e habilidades nos currículos requer uma educação financeira com viés no social e na cidadania que propicie autonomia diante de problemas correlatos. Porém estudos como o de Muniz Júnior (2010) indicam que a população brasileira não saber lidar com finanças e ocorrem ações desastrosas por deficit de informação matemática.

Considerações desse tipo, cada vez mais, colocam a EF como influente na relação direta com a formação dos cidadãos, tornando-a fundamental para que se tenha uma vida financeira controlada (Dias; Tassote; Viana, 2011). Nessa mesma direção, de acordo com Savoia, Saito e Santana (2007, p. 1122) afirmam:

Na sociedade contemporânea, os indivíduos precisam dominar um conjunto amplo de propriedades formais que proporcione uma compreensão lógica e sem falhas das forças que influenciam o ambiente e as suas relações com os demais. O domínio de parte dessas propriedades é adquirido por meio da educação financeira, entendida como um processo de transmissão de conhecimento que permite o desenvolvimento de habilidades nos indivíduos, para que eles possam tomar decisões fundamentadas e seguras, melhorando o gerenciamento de suas finanças pessoais [...].

Assim, Savoia, Saito e Santana (2007, p. 1122) concluem o raciocínio anterior afirmando que os indivíduos “quando aprimoram tais capacidades, [...] tornam-se mais integrados à sociedade e mais atuantes no âmbito financeiro, ampliando o seu bem-estar”. Dessa forma, o bem-estar social está também relacionado à forma como as pessoas utilizam suas finanças e planejam suas ações na sociedade capitalista vigente, que exige do indivíduo essa relação de compra/ venda de mercadorias para o seu bem de consumo. Nesse sentido, a EF envolve um processo que permite capacitar a tomada de decisão consciente das pessoas envolvidas, por meio das orientações acerca de suas finanças, para auxiliá-las a gerir e orçar suas rendas.

A MF é definida por Rossetti Junior e Schimiguel (2009, p. 4) como “[...] a aplicação da matemática para decisões de gestão a respeito de operações financeiras”. Nesse sentido, este campo de estudo da matemática subsidia a gestão das finanças respaldado em princípios, conceitos, definições e operações matemáticas para tratar de ações do capital/recurso financeiro em situações domésticas e/ou de mercado.

Santos (2005), sucintamente, apresenta que a MF é o ramo da Matemática Aplicada que tem seus estudos relacionados ao comportamento do dinheiro no decorrer do tempo. Para ele, a MF busca atribuir valores às transações que ocorrem no âmbito das finanças, levando em consideração o tempo, a grosso modo, o valor monetário das coisas no tempo (time value of money); e tem como variáveis mais relevantes, no processo de quantificação financeira, o capital, a taxa de juros e o tempo.

No ensino básico, de acordo com Bigode (2000), os conteúdos inerentes à MF são: razão, proporção, regra de três, porcentagem, juros simples e compostos. Além disso, o autor ressalta que tais conteúdos devem ser trabalhados por meio de situações do cotidiano dos estudantes. Essa ressalva está presente entre os autores de livros didáticos como o mencionado anteriormente, mas também se encontra entre os pesquisadores com interesse na área, como Lovatti (2016), ao defender que os estudantes precisam se apropriar do conteúdo de MF, de forma a utilizar-se desses conhecimentos em situações cotidianas oportunas.

Vale apenas resgatar a seguinte afirmação de Lakatos (1978): “A Filosofia da Ciência sem a História da Ciência é vazia; a História da Ciência sem a Filosofia da Ciência é cega”. Pois, conforme os pressupostos trazidos neste estudo, chega a ser possível afirmar que algo análogo pode ser dito sobre EF e MF

3 METODOLOGIA

A realização de uma pesquisa científica, como se sabe, não requer apenas a escolha adequada de seu embasamento teórico, uma vez que necessita também de uma boa organização sistemática, com metodologia e métodos investigativos bem definidos. No âmbito metodológico, de início, faz-se necessário, diante das características inerentes à forma de abordagem, estabelecer o enfoque, se quantitativo, qualitativo ou misto.

Nas pesquisas em educação, há predomínio do enfoque qualitativo em relação ao quantitativo. Para trazer uma visão panorâmica acerca desses enfoques, recorre-se aqui a Sampieri, Collado e Lucio (2010, p. 6). Eles preconizam que o primeiro enfoque apresentado “[...] utiliza recolección de datos sin medición numérica para descubrir o afinar preguntas de investigación y puede o no probar hipótesis en su proceso de interpretación”; já o segundo “[...]: usa recolección de datos para probar hipótesis con base en la medición numérica y el análisis estadístico para establecer patrones de comportamiento”.

No caso do enfoque misto, Sampieri, Collado e Lucio (2010, p. 22) destacam que o “Modelo mixto: constituye el mayor nivel de integración entre los enfoques cualitativo y cuantitativo, donde ambos se combinan durante todo el proceso de investigación”; portanto, o interesse em levantar as percepções dos professores participantes desta pesquisa, visando interpretar, traduzir e planejar ações para produzir coletivamente um material de ensino com o propósito de promover mudanças nas práticas de sala de aula, deixa claro, de algum modo, que esta pesquisa se situa no enfoque qualitativo.

Para complementar a demarcação em termos da tipicidade da pesquisa, falta trazer a sua caracterização em termos de natureza, objetivos e procedimentos. Nesta ordem, o interesse em desvendar informações sobre a prática docente, potencializar a descrição do fenômeno investigado com clareza e promover mudanças nas suas práticas remete às tipicidades: pesquisa aplicada, pesquisa descritiva e pesquisa-ação.

A pesquisa-ação, para Tripp (2005, p. 447), é “[...] uma forma de investi-gação-ação que utiliza técnicas de pesquisas consagradas para informar a ação que se decide tomar para melhorar a prática”. Já Dionne (2007, p. 11) “[...] vê a pesquisa-ação principalmente como instrumento de ‘intervenção’ na realidade circundante dos pesquisadores, em parceria com os atores implicados em determinadas situações problemáticas”.

Esse pesquisador destaca que, na pesquisa-ação, a integração entre o pesquisador e os sujeitos investigados deve ser organizada por meio de um planejamento que envolve quatro etapas: a identificação, a projetação, a realização e a avaliação. Dionne (2007, p. 58) traz a 1ª etapa como a identificação da situação (diagnóstico). Para ele:

Todo projeto de pesquisa em ciências humanas começa dando conta de uma situação inicial. Qual é o escopo da pesquisa? Qual o tema? Qual situação problemática é considerada como ponto de partida, legitimando um investimento em pesquisa? O conhecimento prévio do meio é necessário antes de se iniciar a formulação de um roteiro de perguntas de pesquisa [...].

Diante disso, compreende-se que essa etapa exige que o pesquisador seja muito perspicaz, pois é nessa etapa que o problema será observado em sua amplitude, para que sejam estabelecidas ações de superação da realidade.

As ações foram realizadas no Laboratório de Matemática de uma escola estadual de Camaragibe que está vinculada à Gerência Regional de Educação Metropolitana Sul Pernambuco (GRE METROSUL/PE), que envolve 6 municípios: Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Ipojuca, Jaboatão dos Guararapes, Moreno e São Lourenço da Mata.

A escolha da escola se deve, em parte, ao número razoável de comerciantes autônomos existentes no município, onde muitos desses trabalhadores estão matriculados nas turmas da EJA. Já quanto aos professores, a disponibilidade de poder participar de um curso de formação continuada foi determinante, assim, chegou-se a seis professores de Matemática (P, ..., P). Cinco deles são egressos do curso de Licenciatura em Matemática da UPE.

Acerca dos aspectos inerentes à 1a etapa, a identificação advém dos encontros realizados com os professores por meio da perspectiva de nortear a elaboração e a orientação das ações voltadas para projetação. Além das observações in locus, os participantes elaboraram planos de aula e responderam a um questionário com 5 perguntas, sobre três enfoques: 1. planejamento de suas aulas; 2. preparação acadêmica recebida; e 3. práticas embasadas nos termos teóricos matemático, pedagógico e epistemológico, procurando identificar a forma como se encontram as percepções dos professores e suas preparações para atuarem no chamado ensino regular e na EJA em relação ao ensino de juros simples.

No tocante à etapa da projetação, Dionne (2007, p. 59) afirma que “Partindo do estado da situação inicial, torna-se possível definir o objeto de pesquisa re-correndo-se às diversas pesquisas anteriores que já abordam o assunto estudado [...]”. Assim, diante das informações obtidas na 1ª etapa, foram formuladas ações na intenção de viabilizar soluções adequadas para as situações problemáticas que foram formuladas nesta pesquisa.

Nessa 2a etapa, são geradas mais informações acerca do que pode ser pro-jetado. Foram formulados três questionários diagnósticos visando caracterizar a compreensão dos participantes sobre os fundamentos teóricos da pesquisa, ou seja, EJA, TAS, Etnomatemática, MF/EF. Para além disso, solicitou-se aos participantes que elaborassem um plano de aula para vivenciar o conteúdo de juros simples na EJA, com o propósito de identificar se há ou não distinção entre suas práticas docentes do “ensino regular” e na modalidade da EJA.

Diante da compreensão advinda das 1ª e 2ª etapas, as ações realizadas levam a crer que uma formação no âmbito de curso de extensão enquanto ação, com a oferta de três minicursos, um sobre a Etnomatemática, outro sobre a TAS e o terceiro sobre MF e EF, pode promover mudanças relevantes na qualidade prática docente dos participantes.

A 3a etapa, a da realização, envolveu a intervenção e vale ressaltar que, para Dionne (2007, p. 84-85): “[...] não devemos esquecer que se trata de uma das mais importantes fases da pesquisa-ação, na medida em que ela torna possível a modificação da situação inicial [...]”. Nesta etapa, inicialmente, ocorreu a realização dos três minicursos planificados na projetação, com vistas a superar as inquietudes identificadas nas 1a e 2a etapas. Como produto final do curso de formação continuada em questão, foi construído, de forma colaborativa, um texto de apoio aportado em termos epistemológicos, na Etnomatemática, e, pedagogicamente, na TAS, sobre juros simples na EJA, na perspectiva de uma EF.

Quanto à 4a etapa, a da avaliação, foi o momento de observar se as ações realizadas foram relevantes para se chegar aos objetivos propostos neste estudo. Aqui se averigua o desempenho dos participantes, avaliando as suas percepções iniciais e os procedimentos vivenciados durante a organização do curso de extensão, incluindo a planificação, a realização dos minicursos e a produção do material de ensino, intencionando que oportunize a aprendizagem significativa de juros simples.

Os critérios de análise, neste recorte da pesquisa, tratam das categorizações originadas a partir das respostas dos professores ao questionário diagnóstico, explicitadas no tópico que aborda os resultados e as discussões. E, para análise dos planos de aula, os critérios envolvem os 4 objetos seguintes: conteúdos, objetivo, metodologia e avaliação, com suas respectivas descrições que foram trazidas de Cunha (2019), a partir das prescrições comuns de Libâneo (1993) e Castro, Tucunduva e Arns (2008).

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O relato desta análise, que envolve parte dos registros de duas etapas da pesquisa-ação, a identificação e a projetação, serviu para orientar a planificação da 3a etapa, a realização; juntas, subsidiam o recorte em questão desta pesquisa, como já apresentado no tópico anterior, o que fica mais claro diante da sistematização do Quadro 1, que está disposto a seguir:

Quadro 1 Visão panorâmica da pesquisa 

1ª Etapa Identificação: Demarcação dos conhecimentos prévios dos participantes Modalidade
I. Momento Atividade: aplicação de um questionário - perfil dos participantes Remoto
Atividade: aplicação de um questionário - Visão dos participantes sobre Etnomatemática, TAS, EJA, EF e MF
II. Momento: Atividade: elaboração/entrega de planos de aula sobre juros
III. Momento: Atividade: Definição sobre a opção pelo conteúdo de juros simples
2ª Etapa Projetação: Planejamento das ações
I. Momento Atividade: Demarcação das incompatibilidades acerca das compreensões dos participantes sobre Etnomatemática, TAS, EJA, EF e MF Remoto
II. Momento Atividade: Solução imaginada: Realização de um Curso de Formação
III. Momento Atividade: Formulação das ações inerentes ao Curso de Formação
3ª Etapa Realização: Formação preconcebida a partir da 1 e 2 etapas
Minicurso I Atividade I.1: aplicação de questionário diagnóstico sobre a EJA Remoto
Atividade I.2: Estudo sobre a EJA enquanto modalidade de ensino
Atividade I.3: Discussão acerca dos assuntos abordados na atividade 22
Minicurso II Atividade II.1: Aplicação de um questionário diagnóstico sobre a TAS Remoto
Atividade II.2: Uso da TAS como aporte pedagógico
Atividade II.3: A TAS como aporte para a elaboração de materiais de ensino
Atividade II.4: Elaboração de Mapas Conceituais (MC) sobre a TAS
Atividade II.5: Discussão sobre as Atividades II.2 e II.3
Atividade II.6: Questionário de avaliação de aprendizagem - TAS
Minicurso III Atividade III.1: Questionário diagnóstico sobre a Etnomatemática Remoto
Atividade III.2: Uso de Etnomatemática como aporte epistemológico
Atividade III.3: Elaboração de MC sobre a Etnomatemática
Atividade III.4: Discussão sobre as atividades III.2 e III.3
Atividade III.5 Questionário de avaliação de aprendizagem -Etnomatemática
Minicurso IV Atividade IV.1: Questionário diagnóstico sobre a MF e EF Remoto
Atividade IV.2: Embasamento sobre a MF
Atividade IV.3: Embasamento sobre a EF
Atividade IV.4: Elaboração de MC sobre a MF e EF
Atividade IV.5: Discussão sobre as Atividades IV.2, IV.3 e IV.4
Atividade IV.6: Questionário de avaliação de aprendizagem sobre a MF e EF
4ª Etapa Avaliação: percurso adotado e potencialidade das ações vicenciadas
I. Momento Atividade: Elaboração de um Material Potencialmente Significativo (MPS) para o ensino de juros simples em turmas da EJA Remoto
II. Momento Atividade: Reflexões compartilhadas sobre o processo de elaboração do MPS
III. Momento Atividade: Reflexões compartilhadas envolvendo todas as quatro etapas
IV. Momento Atividade: Elaboração do relatório final
V. Momento Atividade: Defesa da dissertação

Fonte: Elaborado pelos autores.

As respostas relativas à 1a pergunta do questionário diagnóstico estão sistematizadas no Quadro 2, para oportunizar uma melhor interpretação dos registros, mas as demais perguntas não tiveram esta necessidade. Por sua vez, a análise dos planos de aula que foram disponibilizados por apenas três dos professores, como protagonizado no término do item anterior deste artigo, recorreu aos critérios dotados por Cunha (2019).

Quadro 2 Priorizações encontradas no planejamento das aulas dos participantes 

Modalidade/ Categorias Professores Ensino Regular (a) / Educação de Jovens e Adultos (b)
1 2 3 4 5 6 7 8
a b a b a b a b a b a b a b a b
P x x x x x x x x
P x x x x x
P x x x x
P x x x x x
P x x
P x x x x x
Total 2 1 5 2 3 1 3 2 2 0 2 1 0 1 0 1

Legenda: 1. Reporta-se a Currículo; 2. Reporta-se a Conteúdo; 3. Situações pautadas no cotidiano; 4. Recursos didáticos; 5. Levantamento de conhecimentos prévios; 6. Diagnose; 7. Ausência de faixa etária na EJA; 8. Contextualização voltada para o campo e/ou zona urbana na EJA. Fonte: Dados da pesquisa.

4.1 Análise das respostas dos professores ao questionário diagnóstico

No Quadro 2, que sistematiza as respostas da 1ª questão, observa-se que, em relação a todas as categorias identificadas, os professores priorizaram o conteúdo; em particular, P2 e P4 afirmam fazer diagnose, mas só P3 e P5 que não fizeram tal afirmação, dizem que levam em consideração, em suas práticas, os conhecimentos prévios dos estudantes. O professor P6 se sobressai nas categorias mais relacionadas à EJA, já o professor P1 se reporta às mesmas categorias em suas práticas do Ensino Fundamental/Médio, bem como na EJA, o que o situa como o mais preparado para atuar em ambas as modalidades, em termos de currículo, conteúdo e situações de ensino.

A 2a questão, item (a), investiga a preparação docente quanto aos fundamentos matemático, pedagógico e epistemológico, nesta ordem, em que atestam segurança, insegurança e posicionamento evasivo no convívio de suas práticas. Isto fica explícito nos extratos de P2 e P3: “A questão teórica foi muito bem desenvolvida ao longo do curso, com pesquisa e pesquisadores relevantes para a educação. Sobre o enfoque pedagógico, acredito que as disciplinas a esse respeito não trouxeram segurança e/ou realismo suficiente para nos aproximar da relação aluno-professor. Epistemologicamente o curso proporcionou a busca do conhecimento assim como nos estimulou para tal” (P2); “A parte pedagógica poderia ser mais explorada, pois a realidade se contradiz com a prática. Na parte teórica e o epistemológico contribuiu bastante para minha formação, pois me fez ver que ou quais teorias educacionais estariam presentes em minha pratica como professor” (P3).

O item (b) da 2a questão envolve o mesmo intento do item (a), só que agora relaciona-se ao ensino da EJA, no entanto as respostas foram mais precárias. Basta evidenciar que, dos seis professores, P4 e P5 esboçaram resposta diferente, de não terem recebido formação alguma, ou formação com prática reduzida: “Na minha graduação não houve um enfoque voltado para as turmas da EJA, os poucos estágios curriculares foram para acompanhar as turmas do Ensino Fundamental - Anos Finais e/ou as turmas do Ensino Médio” (P4); “Só tive uma cadeira e muito vaga, pouca prática, com enfoque apenas teórico” (P5).

Na 3a questão, item (a), que examina se os professores em suas práticas de sala de aula do Ensino Fundamental/Médio utilizam alguma teoria pedagógica, observou-se que P3 e P4 se reportam ao teórico David P Ausubel sem sequer nomear a sua teoria ou mesmo indicar algo deste aporte relacionado com a sua prática de sala de aula. Por sua vez, P6 menciona Vygotsky, de modo análogo ao comentário anterior envolvendo P3 e P4: “Sim. Tomando base do teórico Ausubel, onde se busca uma aprendizagem que gere significado para o educando” (P3); “Levaria em consideração Vygotsky. Observando o contexto social do aluno onde está inserido, suas vivências, proporcionando ponto de ancoramento. Socializando as suas vivências para construir o conhecimento mútuo” (P6).

O item (b) da 3a questão averigua se os professores, em suas práticas de sala de aula do Ensino Fundamental/Médio, fazem uso de algum aporte epistemológico, em que se identificou que P2 faz referência à Etnomatemática, enquanto P3 e P4 , à Resolução de Problemas, como se observa nos seguintes extratos: “Assim como na primeira resposta, trazer a Etnomatemática como aporte é um caminho que pode viabilizar bons momentos de aprendizagem e conhecimento” (P2). “Sim. Resolução de problemas matemáticos, apoiada na teoria metodológica de Polya, que leva em consideração as estratégias de resolução desenvolvidas pelo aprendiz” (P3). “Sim; se baseando na teoria de George Polya, na resolução de problemas, buscando estratégias heurísticas para aplicar e resolver problemas” (P4).

O levantamento das concepções dos professores sobre MF e EF foram discorridos, respectivamente, nos itens (a) e (b) da 4a questão. Em relação ao item (a), a resposta de P está compatível com as recomendações dos documentos oficiais, já P, P P e P fazem associação com procedimentos financeiros, o que se confirma nas respostas de P e P4: “Área da Matemática que estuda valores no decorrer de um tempo (juros, montante etc.)” (P ); “Parte da Matemática Financeira que aborda procedimentos do sistema financeiro” (P ).

Por sua vez, no item (b), P alude articulação entre EF e MF, já P2 e P3 se reportam ao planejamento, enquanto P , P5 e P6 trazem mais objetos de estudo relacionados à EF, como ilustram os seguintes extratos de P , P3 e P5: “Visa elucidar caminhos que possibilitem a aplicação da Matemática Financeira no cotidiano do indivíduo” (P ); “Aborda caminhos que desperte no aprendiz capacidades de realizar procedimentos de planos financeiros” (P ); “Área especifica para trabalhar maneiras de consumo, planejamentos, gastos etc., de tal forma que não venha prejudicar o orçamento familiar, por exemplo, os gastos” (P5).

4 .2 Análise dos planos de aula dos professores

O plano de P2 não trata do conteúdo em si, inicia-se com o objetivo, em que se prioriza o cálculo de juros simples e a compensação. Mesmo sem pontuar a metodologia de forma direta, descreve procedimentos com um jogo de tabuleiro, visando a uma aprendizagem significativa; e sobre a avaliação, apesar de anunciar a realização de atividades em grupo, limita-se a aludir acerca da aprendizagem individual, “- individual, partindo do princípio de que cada um aprende em ritmos diferentes, e contínua, pois, quanto mais contato o aluno tem com o conteúdo, mais ele tende a aprender ou aperfeiçoar seus conhecimentos”.

No plano de P3 há clareza sobre os três elementos balizadores da análise: objetivo, metodologia e avaliação; mas o primeiro elemento balizador, o conteúdo, incluindo cada operação a ser vivenciada na aula, não foi caracterizado. Por sua vez, o objetivo aponta o propósito de aprendizagem, no entanto não alude a nenhum embasamento epistemológico e pedagógico; a metodologia não evidencia como a aula será desenvolvida; e a avaliação não apresenta os critérios que vão ser observados.

No caso do plano de P4 é observado cada um dos quatro elementos nomeados de etapas: conteúdo, objetivo, metodologia e avaliação. O conteúdo, de cada operação a ser vivenciada, foi caracterizado de forma razoável; o objetivo, como no caso do professor P3, indica o intento de aprendizagem, mas não alude a nenhum aporte epistemológico e/ou pedagógico; a metodologia esclarece como a aula será desenvolvida; e a avaliação, apesar de anunciar o que vai ser observado, não apresenta os critérios sobre como isto será feito.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os docentes esboçam comentários de terem recebido, ao longo de suas formações, preparação para organizarem aulas que estejam fundamentadas em termos matemáticos, mas relatam fragilidade pedagógica e epistemológica. Há outro aspecto a ser ressaltado acerca dessa caracterização, no que diz respeito à modalidade de ensino, pois essa foi observada tanto no âmbito do Ensino Fundamental/Médio como na EJA.

O intento de identificar com mais aprofundamento a forma em que se encontrava a percepção dos professores quanto aos seus fundamentos em termos pedagógicos e epistemológicos revelou que o aporte pedagógico foi menos exitoso do que o epistemológico. Essa afirmação encontra respaldo nas menções de professores sobre Ausubel e Vygotsky, que estão plenamente desprovidas de seus enfoques teóricos pedagógicos; o mesmo ocorreu com a Etnomatemática em termos epistemológicos, ao contrário da forma mais elaborada como foi situada a Resolução de Problemas na perspectiva de George Polya.

Quanto à percepção dos professores sobre MF e EF, o levantamento revelou a existência de objetos de conhecimento inerentes tanto ao campo matemático de interesse quanto ao da Educação Matemática. Nesse contexto, foi possível reconhecer que os argumentos dos professores em relação à MF se mostraram mais elaborados em termos argumentativos do que os apresentados sobre a EF.

No plano de P4 estão dispostas as quatro categorias que foram adotadas por Cunha (2019): conteúdo, objetivo, metodologia e avaliação; no entanto, nos planos dos professores P2 e P3 não consta a categoria conteúdo. Além disso, a diagnose do perfil docente retrata que P4 possui o maior tempo de experiência docente, um ano a mais que P2 e seis a mais do que P3, porém isto não figura como fator determinante para justificar que o seu plano contemple as quatro categorias mencionadas.

A categoria conteúdo também foi encontrada em cada um dos planos de aula disponibilizados pelos professores. Essa priorização, de certa forma, permite afirmar que esses professores, no ato educativo, valorizam mais o conteúdo do que o objetivo, a metodologia e a avaliação.

Esta diagnose revela que a formação recebida pelos professores investigados não os preparou para realizar práticas devidamente fundamentadas nos termos teóricos matemático, pedagógico e epistemológico. Os três referidos fundamentos povoam a compreensão dos professores, porém precisam de meios para viabilizar uma seleção mais criteriosa de princípios, conceitos e definições em favor da organização do sistema de informação do conhecimento e da sua difusão.

Diante desses achados, junto ao orientador, conjecturou-se que uma formação pautada em aspectos da EJA, Etnomatemática, TAS e MF/EF, apresentados no item 2 deste artigo, pode ser vislumbrada por meio das descrições dos minicursos na 3a etapa do Quadro 1, como parte de uma pesquisa a ser realizada no âmbito do PPGE-UPE como ação do GECM-UPE4, por meio de um curso de extensão através do Edital de Fluxo Contínuo de Extensão-02/2020 da PROEC-UPE5. Além desse pressuposto, durante a formação, foi produzido, de forma colaborativa, um material de ensino que recebeu o título de “Produto Educacional: Sequência Didática - Material de Ensino Potencialmente Significativo para o trabalho com juros simples na EJA”, o qual se encontra disponível em: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/643271.

2Mestrado Profissional do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Pernambuco (PPGE/UPE), campus Mata Norte, 2020.

3Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) foi criada por meio do Decreto Federal 7.397 (Brasil, 2010).

4Grupo de Ensino das Ciências Matemáticas da UPE.

5Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade de Pernambuco.

REFERÊNCIAS

AUSUBEL, D. P. Adquisición y retención del conocimiento: una perspectiva cognitiva. Barcelona: Padiós, 2002. [ Links ]

BIGODE, A. J. L. Matemática hoje é feita assim. São Paulo: FTD, 2000. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação [MEC]; Secretaria de Educação Fundamental [SEF]. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC; SEF, v. 3, 1998. [ Links ]

BRASIL. Decreto n. 7.397, de 22 de dezembro de 2010. Institui a Estratégia Nacional de Educação Financeira - ENEF, dispõe sobre a sua gestão e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7397.htm. Acesso em: 15 jun. 2019. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação [MEC]. Parâmetros curriculares nacionais: matemática. Brasília, DF: MEC; SEF, 1997. [ Links ]

CASTRO, P. A. P. P; TUCUNDUVA, C. C; ARNS, E. M. A. Importância do planejamento das Aulas para Organização do Trabalho do professor em Sua Prática Docente. Athena Revista Científica de Educação, Cáceres, v. 10, n. 10, p. 49-62 jan./jun. 2008. [ Links ]

CHIAPPETTA, S. K. S.; SILVA. J. R. Uma proposta para o ensino de Educação Financeira embasada na Etnomatemática: Consumo Consciente a partir do contexto do Orçamento Financeiro. Tangram - Revista de Educação Matemática, Dourados, v. 2 n. 1, p. 79-101, 2019. Doi: https://doi.org/10.30612/tangram.v2i1.8848. [ Links ]

CORREIA, G. F. A.; PEREIRA, H. G.; CARRIERI, A. P. Ser um ambulante é necessidade que nós temos de trabalhar: cotidiano e identificação de trabalhadores pipoqueiros de Belo Horizonte. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 165-80, 2018. Doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v21i2p165-180. [ Links ]

CUNHA, A. M. V. Uma abordagem histórica com raiz quadrada: implicações didáticas pedagógicas para professores dos anos iniciais. 2019. 165f. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação) - Universidade de Pernambuco (UPE), 2019. Disponível em: https://w2files.solucaoatrio.net.br/atrio/upe-ppge_upl//THESIS/131/dissertao_angela_visgueira_20200713115934369.pdf. Acesso em: 11 nov. 2019. [ Links ]

DAMBROSIO, U. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. [ Links ]

DIAS, M. V.; TASSOTE, E. M.; VIANA. A. Matemática Financeira: um alicerce para o exercício da cidadania. 2011. TCC (Licenciatura em Matemática) - Universidade do Vale do Sapucaí, Pouso Alegre, 2011. [ Links ]

DIONNE, H. A pesquisa-ação para o desenvolvimento local. Brasília: Líber Livro Editoria, 2007. [ Links ]

DOMITE, M. C. C. B. Da compreensão sobre formação de professores e professoras numa perspectiva Etnomatemática. In: KNIJNIK, G.; WANDERER, F.; OLIVEIRA, C. J. (Org.). Etnomatemática: currículo e formação de professores. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 45. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2018. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001. [ Links ]

LAKATOS, I. History of Science and Its Rational Reconstruction. In: WORRAL, J.; CURRIE, G. (Ed.). The Methodology of Scientific Research Programs. Cambridge: Cambridge University Press, 1978. p. 102-38. [ Links ]

LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão escolar: teoria e prática. Goiânia: Alternativa, 1993. [ Links ]

LOVATTI. F. A. Educação Financeira no Ensino Médio: contribuições da educação matemática crítica. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA [EBRAPEM], 20., 2016, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: EBRAPEM, 2016. [ Links ]

MOREIRA, M. A. Aprendizagem Significativa: a teoria e textos complementares. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2011a. [ Links ]

MOREIRA, M. A. Teorias de Aprendizagem. 2. ed. ampl. São Paulo: EPU, 2011b. [ Links ]

MUNIZ, JUNIOR, I. Educação Financeira: Conceitos e Contextos para o Ensino Médio. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 10., 2010, Salvador. Anais [...]. Salvador: ENEM, 2010. p. 1-11. [ Links ]

ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO [OECD]. Recommendation on principles and good practices for financial education and awareness. Paris: OECD, 2005. Disponível em https://www.oecd.org/finance/financialeducation/35108560.pdf. Acesso em: 20 dez. 2018. [ Links ]

PERGHER, S.; MORAES, V Contribuições da matemática na perspectiva da etnomatemática da educação do campo nas aulas do EJA. ANALECTA, Guarapuava, v. 12 n. 1 p. 71-91, 2011. [ Links ]

POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. 5. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2005. [ Links ]

ROBINS, S. P.; JUDGE, T A.; SOBRAL, F. Comportamento organizacional: teoria e prática no contexto brasileiro. 14. ed. São Paulo: Pearson, 2010. [ Links ]

ROSA, M.; OREY, D. C. Etnomodelagem: a abordagem dialógica na investigação de saberes e técnicas êmicas e éticas. Contexto & Educação, Ijuí, v. 29, n. 94, p. 132-52, 2014. Doi: https://doi.org/10.21527/2179-1309.2014.94.132-152. Acesso em: 28 ago. 2020. [ Links ]

ROSSETTI JUNIOR, H.; SCHIMIGUEL, J. Educação matemática financeira: conhecimentos financeiros para a cidadania e inclusão. Inter Science Place, [s.l.], ano 2, n. 9, p. 1-13, 2009. [ Links ]

SAMPIERI, H. R.; COLLADO, C. F.; LUCIO, P. B. Metodología de la Investigación. 5. ed. México: McGraw-Hill, 2010. [ Links ]

SANTOS, G. L. C. Educação financeira: a matemática financeira sob nova perspectiva. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência) - Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2005. [ Links ]

SANTOS, M. S. S. Gestão da Mudança Organizacional: uma revisão teórica. 2014. 106f. Dissertação (Mestrado em Gestão Empresarial) - Instituto de Administração e Gerência, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, 2014. [ Links ]

SARAIVA, A.; SANTOS, L; BOING, M.; MARTINS, R. Comércio ambulante como alternativa de ganhar a vida. Retratos a Revista do IBGE, Rio de Janeiro, n.10, abr. 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/bc63183b37080b9b1c5db0af4cb631f7.pdf. Acesso em: 25 jun. 2019. [ Links ]

SAVOIA, J. R. F.; SAITO, A. T; SANTANA, F. A. Paradigmas da educação financeira no Brasil. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 41, n. 6, p. 1121-141, 2007. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122007000600006. [ Links ]

SILVA, J. R. Textos de apoyo como organizadores prévios para la enseñanza de Álgebra, Combinatoria, Lógica Matemática y Geometría Euclidiana. 2009. 390f. Tese (Doutorado em Enseñanza de las Ciencias) - Universidade de Burgos, Burgos, 2009. [ Links ]

TRIPP, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-66, 2005 [ Links ]

Recebido: 06 de Maio de 2023; Aceito: 06 de Outubro de 2023

Wanderson Felix Viana: Mestre em Educação pela Universidade de Pernambuco (UPE) - Campus Mata Norte. Especialista em Metodologia do Ensino a Distância pela UNINASSAU. Especialista em Gestão Educacional pela Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE). Graduação em Pedagogia pela FAFIRE. Atualmente, é professor em tempo integral no Ensino Fundamental Anos Iniciais na Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho, PE, e professor executor de EAD do curso de Pedagogia Digital do Grupo Ser Educacional. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação a Distância, no Ensino Fundamental I, nas temáticas da Etnomatemátia e da Teoria da Aprendizagem Significativa. E-mail:profwandersonviana@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5178-4923

José Roberto da Silva: Doutorado em Enseñanza de las Ciencias pela Universidad de Burgos (UBU), Burgos, España, com tema relacionado à área de formação de professores. Mestrado em Ensino das Ciências pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), com tema em Educação Matemática relacionado à Etnomatemática. Graduação em Engenharia Civil pela Universidade de Pernambuco (UPE). Pesquisador líder do Grupo de Ensino das Ciências e Matemática (GECM/ UPE) da UPE. É parecerista ad hoc de alguns periódicos nacionais e internacionais de Ensino de Ciências e de Educação Matemática. E-mail:jroberto.silva@upe.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2970-9702

Maria Aparecida da Silva Rufino: Doutorado en Enseñanza de las Ciencias - Didácticas Especificas, por el Programa Internacional de Doctorado en Enseñanza de las Ciencias (PIDEC), da Universidad de Burgos, España. Graduada em Licenciatura em Ciências e Matemática pela Universidade de Pernambuco (UPE). Pesquisadora e colaboradora do Grupo de Ensino das Ciências e Matemática da Universidade de Pernambuco (GECM/UPE). Professora adjunta da UPE, atuando como professora permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), Campus Mata Norte (CMN), no Mestrado Profissional em Rede em Educação Inclusiva (PROFEI) e na Graduação de Matemática do CMN. Atualmente, é coordenadora de Estágios Supervisionados do Curso de Matemática do CMN. E-mail:aparecida.rufino@upe.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4850-7228

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado