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Revista Internacional de Educação Superior

versão On-line ISSN 2446-9424

Rev. Int. Educ. Super. vol.8  Campinas  2022  Epub 12-Ago-2022

https://doi.org/10.20396/riesup.v8i0.8663797 

Dossiê

Internacionalização da Educação Superior na Perspectiva Sul-Sul: Movimentos e Contextos Emergentes em Tempos Pandêmicos

Internacionalización de la Educación Superior en la Perspectiva Sur-Sur: Movimientos y Contextos Emergentes en Tiempos de Pandemia

Marilene Gabriel Dalla Corte1 
lattes: 1554366181630485; http://orcid.org/0000-0001-8272-2944

Marilia Costa Morosini2 
http://orcid.org/0000-0002-3445-1040

Vera Lucia Felicetti3 
http://orcid.org/0000-0001-6156-7121

1Centro Universitário Cesmac

2Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

3Universidade La Salle


RESUMO

Prioriza-se analisar movimentos e contextos emergentes relacionados à internacionalização da Educação Superior na perspectiva sul-sul em tempos pandêmicos, com atenção a internacionalização em casa (IaH) e aos estudantes. A metodologia de pesquisa, natureza qualitativa, constitui-se exploratória-interpretativa com aplicação de questionários on-line à coordenadores de Programas de Pós-graduação (PPGs) da região Sul do Brasil. A análise aborda a articulação de Programas de Pós-graduação quanto a IaH e movimentos de internacionalização sul-sul realizados a partir da pandemia Covid-19. Também, busca-se mapear quais [re]articulações das relações internacionais e de cooperação acadêmica que estão sendo realizadas entre países e Instituições de Educação Superior do global Sul. Tais [re]articulações podem se constituir a partir de movimentos de internacionalização solidária e horizontal ou mercantilista, considerando possíveis novos contextos emergentes na Educação Superior.

PALAVRAS-CHAVE: Educação superior; Internacionalização em casa; Contextos emergentes; Pandemia Covid-19; Estudantes

RESUMEN

Se da prioridad al análisis de los movimientos y contextos emergentes relacionados con la internacionalización de la Educación Superior en la perspectiva sur-sur en tiempos de pandemia, con atención a la internacionalización en el hogar (IaH) y los estudiantes. La metodología de investigación, de naturaleza cualitativa, se constituye exploratoria-interpretativa con la aplicación de cuestionarios en línea a coordinadores de Programas de Posgrado (PPGs) en la región sur de Brasil. El análisis aborda la articulación de los Posgrados sobre IaH y los movimientos de internacionalización sur-sur realizados desde la pandemia Covid-19. Asimismo, busca mapear qué [re] articulaciones de las relaciones internacionales y la cooperación académica están siendo que se realizan entre países e Instituciones de Educación Superior del Sur global, que pueden [re] articularse a partir de movimientos de solidaridad e internacionalización horizontal o mercantilista, considerando posibles nuevos contextos emergentes en la Educación Superior.

PALABRAS CLAVE: Educación superior; Internacionalización en casa; Contextos emergentes; Pandemia Covid-19; Estudiantes

ABSTRACT

We analyze emerging processes and contexts related to the internationalization of Higher Education from the South-South perspective during the pandemic, with a focus on internationalization at home (IaH) and students. Our qualitative research methodology is exploratory-interpretative in nature, with the application of online questionnaires to Graduate Programs (GP) from the Southern region of Brazil. The analysis addresses the connections of Graduate Programs regarding IaH and South-South internationalization processes after the onset of the Covid-19 pandemic. We also aimed to map the [re]connections of international relations and academic cooperation that are occurring between countries and Higher Education Institutions in the Global South. These [re]connections can be made based on joint and horizontal or commercial processes of internationalization, considering potential new emerging contexts in Higher Education.

KEYWORDS: Higher education; Internationalization at home; Emerging contexts; Covid-19 pandemic; Students

Considerações Iniciais

A Educação Superior, e o seu eixo da internacionalização, caracteriza-se como campo que tem entre seus constitutivos o movimento. Esta afirmação se constata quando identificamos a crescente importância que a internacionalização vem adquirindo para as Instituições de Educação Superior (IES), desde os finais do século passado. Ela se torna critério de qualidade e, sendo assim, é buscada e avaliada não só por métricas internacionais, mas por perspectivas, tanto nacionais como institucionais, que copiam, remodelam ou se inspiram em padrões globais. No entanto, muitas vezes, não percebem que existem outras possibilidades de internacionalização.

Por um grande período dominavam nesse campo, de forma única, os standards dos países desenvolvidos, que pensavam em indicadores para territórios marcados por instituições seculares, bem como por um significativo fomento à produção do conhecimento nessas instituições. De forma sintética, podemos classificá-los como integrantes do global norte, entendidos esses como os países desenvolvidos. É importante destacar que esse conceito não é simplesmente uma questão geográfica - e que mesmo nesses espaços desenvolvidos podem existir bolsões de pobreza. Junto a essa realidade, temos um conjunto de outros países que refletem acentuadas desigualdades sociais e econômicas, e que, historicamente, denominam-se de global sul. Via de regra, são países refletores de contextos emergentes, entendidos como configurações em construção na Educação Superior, observadas em sociedades contemporâneas e que convivem com tensões e concepções pré-existentes, refletoras de tendências históricas. São contextos com um marcado ethos social (AUTORA 2, 2014) e por um largo período mantidos na invisibilidade. Em outras palavras, as instituições universitárias ali presentes, foram pensadas, quase que exclusivamente, em padrões inspirados no global norte.

Com a crise sanitária pandêmica, decorrente da Covid-19, a qual assolou o mundo em 2020, essas diferenças se tornam mais claras e passam a conviver e tensionar de maneira evidente o que era até então latente. Tal postura está imbricada com os escritos de Boaventura quando declara a presença de uma nova concepção de contemporaneidade:

[…] es una visión holística sin ser unitaria, diversa sin ser caótica, que generalmente apunta a la copresencia de lo antinómico y lo contradictorio, lo bello y lo monstruoso, lo deseado y lo no deseado, lo inmanente y lo trascendente, lo amenazante y lo auspicioso, el miedo y la esperanza, el individuo y la comunidad, lo diferente y lo indiferente, y la lucha constante por encontrar nuevas correlaciones de fuerza entre los diferentes componentes del conjunto. (SANTOS, 2020, p. 36-37)

Reiterando a constatação anterior identificamos que posturas teóricas se consubstanciam de forma diferenciada quando se considera a perspectiva do local (AUTORA 2; AUTORA 1; GUILHERME, 2017). Esse é o objeto de reflexão na presente produção científica, que prioriza analisar movimentos e contextos emergentes relacionados à internacionalização da Educação Superior na perspectiva do global sul, a partir da pandemia Covid-19. Focamos, mais especificamente, no vetor da pós-graduação, procurando identificar a articulação de Programas de Pós-graduação quanto a internacionalização e movimentos de internacionalização sul-sul realizados; e avaliar as potencialidades de mudanças decorrentes da internacionalização no Programa de Pós-graduação como um todo.

No texto construímos, inicialmente, discussões acerca da relação do capitalismo e da colonialidade que envolvem os países do global norte e global sul, com aspectos conceituais que envolvem movimentos de internacionalização da Educação Superior. Na sequência, apresentamos um panorama da internacionalização da Pós-graduação no Brasil. A seguir, analisamos a articulação de Programas de Pós-graduação quanto a internacionalização em casa e movimentos de internacionalização realizados a partir da pandemia Covid-19, com vistas a dar ênfase a perspectiva de coordenadores de Programas de Pós-graduação em Educação da Região Sul. Priorizamos, ao longo do texto, delinear um conceito alternativo de internacionalização em casa, tornado emblemático pela pandemia, assim como reflexionar acerca de contextos emergentes neste cenário. Concluímos o artigo com as considerações finais que retomam os propósitos desta produção e apresentam alguns posicionamentos decorrentes da pesquisa.

Aspectos Metodológicos

Os procedimentos metodológicos adotados, para o desenvolvimento desta pesquisa, compreendem um conjunto de conceitos e de técnicas utilizadas com o objetivo de “compreender movimentos e contextos emergentes relacionados à internacionalização da Educação Superior na perspectiva sul-sul em tempos pandêmicos, com atenção a internacionalização em casa (IaH) e aos estudantes”.

A pesquisa qualitativa, de cunho exploratório-interpretativo, serviu de embasamento para a definição e encaminhamentos dos elementos teórico-metodológicos. Nesse sentido, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa on-line que considera importante utilizar a “[...] internet como ferramenta, como fonte ou como questão de pesquisa. Âmbitos novos [...] levantam questões de pesquisa relativas à ética e aos problemas práticos” (FLICK, 2009, p. 32). Também, o autor menciona que: “A pesquisa qualitativa dirige-se à análise de casos concretos em suas peculiaridades locais e temporais, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais” (FLICK, 2009, p. 37).

Para tanto, foi aplicado um questionário com perguntas abertas a 50 coordenadores de Programas de Pós-graduação em Educação (PPGs) da Região Sul (acadêmicos e profissionais). Os coordenadores discorreram a partir de seis questionamentos, sendo os três primeiros sobre a identificação do Programa, o ano de criação e o conceito, segundo a Capes. Os outros três focaram em: 1) Quais as ações que o programa desenvolve no âmbito da internacionalização? Com quais países? 2) Como você avalia as potencialidades de mudança, decorrentes da internacionalização, no PPG como um todo? 3) Diante da pandemia Covid-19, como o PPG se articulou quanto a internacionalização?

Para Stake (2011, p. 111-112), o questionário consiste num “[...] conjunto de perguntas, afirmações ou escalas (no papel, pelo telefone ou na tela) geralmente feitas da mesma forma para todos os entrevistados” sendo que “em muitos estudos qualitativos, os itens do questionário são itens interpretativos, cada um devendo ser considerado separadamente”. Além disso, uma das vantagens do questionário é que propicia atingir um maior número de investigados e minimizar as distâncias. O questionário construído para a versão on-line priorizou questões abertas para que, em sua totalidade, se percebesse as características dos PPGs e percepções do Coordenadores quanto a internacionalização.

A pesquisa on-line foi realizada a partir dos questionários com recursos disponíveis na plataforma google forms e, por meio dessa dinâmica, o tempo e as restrições espaciais foram minimizados. Contou com a participação de 26% dos coordenadores de PPG da Região Sul (13 respondentes) no processo de construção do corpus de pesquisa. Os excertos das respostas dos coordenadores são indicados por meio de siglas PPG1, PPG2 até PPG13.

O procedimento de análise dos dados, com base em Bardin (2011), foi articulado a partir da análise de conteúdo considerando-a como uma das técnicas de tratamento de dados em pesquisas qualitativas, especialmente quando o corpus de pesquisa decorre de técnicas de cunho exploratório e de levantamento. A partir de um olhar atento, buscamos o que está dito claramente na mensagem, o que está oculto e o que poderia aparecer nas entrelinhas, a fim de construir um melhor entendimento da temática e contexto em estudo.

Cabe destacar que, para a análise de conteúdo, Bardin (2011, p. 96) prevê três fases fundamentais: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados - a inferência e a interpretação, conforme segue:

Na primeira fase, da pré-análise, iniciamos a organização do material resultante da pesquisa on-line, estabelecendo procedimentos bem definidos, mas flexíveis, sistematizando as ideias iniciais e construindo um plano de análise. A seguir, partimos para a leitura flutuante das comunicações, tomando conhecimento dos dados “[...] deixando-se invadir por impressões e orientações” (BARDIN, 2011, p. 96) e para a escolha dos dados mais relevantes. No caso dos questionários, eles foram tabulados e transcritos para formarem o corpus de dados da empiria da pesquisa.

O processo de análise de dados foi desenvolvido englobando diversos procedimentos, como a codificação das respostas em que, segundo Bardin (2011, p. 101), “[...] o analista, tendo à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos, ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas”.

A seguir, ou ao mesmo tempo da análise, foi feita a interpretação dos dados, ou seja, priorizamos estabelecer um elo entre os dados e os resultados da pesquisa, com outros já conhecidos por meio de referências da área temática. Nessa direção, buscamos compreender as características, as estruturas ou os modelos que estavam no conjunto dos fragmentos das mensagens, a fim de posteriormente categorizar essa comunicação. Assim, surgiram as categorias de análise (Figura 1):

Fonte: Elaborada pelas Autoras.

Figura 1 Categorias de análise 

Com base nas categorias de análise delineadas, priorizamos explorar e analisar os dados construídos demonstrando o contexto da empiria quanto a internacionalização em PPGs da Região Sul do Brasil e, em especial, reflexionar acerca dos efeitos da pandemia Covid-19 em meio aos processos de internacionalização da pós-graduação na atualidade.

Internacionalização em Casa e a Perspectiva Sul-Sul

Os aspectos epistemológicos que permeiam a multiplicidade das culturas dos países do eixo Sul-Sul foram historicamente definidos pela perspectiva hegemônica do eurocentrismo interconectado ao capitalismo e a colonialidade do poder. Nessa direção, Quijano (2005, p. 136) menciona que:

[...] a colonialidade do poder estabelecida sobre a ideia de raça deve ser admitida como um fator básico na questão nacional e do Estado-nação. [...] na América Latina a perspectiva eurocêntrica foi adotada pelos grupos dominantes como própria e levou-os a impor o modelo europeu de formação do Estado-nação para estruturas de poder organizadas em torno de relações coloniais.

É perceptível que o colonialismo foi ancorado em estruturas de poder, de dominação e exploração política do trabalho e da economia, criando espaços e comportamentos que contribuíram e contribuem para a formação de identidades geoculturais, a exemplo dos países colonizados pelos povos europeus como os da América Latina e da África, entre outros. Essa lógica, no que diz respeito ao conhecimento, interfere na cultura organizacional das instituições e nos aspectos subjacentes a democracia, tornando-se responsável por [re]produzir uma hegemonia cultural e intelectual que traz, em seu bojo, a ideia de que existe o centro e a periferia colonial e considerando, portanto, que todo e qualquer conhecimento válido e relevante tem origem no centro (eurocêntrico) e no norte.

Como períodos que circundam a discussão sobre a necessária cooperação entre países emergentes ou em vias de desenvolvimento, podemos apontar o fim da Segunda Guerra Mundial, assim como a consequente reorganização geopolítica, a abertura internacional, os processos de descolonização, as crises econômicas da América Latina na década de 1980 e do Sudeste Asiático na década de 1990 e o contexto econômico e globalizado da atualidade (CABANA, 2014). Nesse contexto, os países do global sul passaram a assumir e construir dispositivos de cooperação solidária e equitativa, na perspectiva de transpor a “superioridade” dos colonizadores quanto a subjugação de conhecimentos locais e culturais, contrapondo, portanto, a dominação epistemológica perpetuada na cultura dos povos do sul (SANTOS e MENESES, 2010).

Para Santos (1995, apud SANTOS e MENESES, 2010, p. 42) o global sul se refere as “[...] regiões periféricas e semiperiféricas e aos países do sistema mundo moderno, que foram denominados de Terceiro Mundo, após a Segunda Guerra Mundial”. Esse conceito e correlação com países situados no global sul diz respeito aos domesticados pelo colonialismo europeu (SANTOS e MENESES, 2010). Portanto, não se trata de relações assimétricas entre os povos, ou critérios geográficos, mas, sobretudo, dos aspectos culturais, das condições e do desenvolvimento dos Estados nação do norte e do sul.

A cooperação sul-sul é anunciada como um dispositivo voltado para superar as assimetrias causadas pela égide do colonialismo e da colonialidade do poder, os quais perpetuaram e perpetuam distanciamento intelectual e muitas desigualdades entre os povos do sul global e os do poder hegemônico. Nessa direção, surgiram várias ações entre as nações, as quais destacam-se: a) atuação e influência dos organismos multilaterais que passaram a inserir em suas agendas as discussões e orientações para ações de internacionalização; b) em 2009, com o Plano de Ação Accra, surge o debate das experiências referentes a cooperação horizontal; c) entre 2009 e 2013, são realizados fóruns entre outros eventos de conotação mundial, voltados à discussão sobre a cooperação Sul-Sul, entre eles destacamos o Fórum de Diálogo Ibas (agenda bilateral Índia/Brasil/África do Sul), em 2005 com o Processo Aspa (América do Sul/Países Árabes) e em 2006 com o Processo ASA (América do Sul/África). Essas, entre outras estratégias, foram voltadas para a promoção do diálogo internacional e inter-regional, com vistas a busca e ao fortalecimento de parcerias sem a intervenção europeia ou norte-americana.

Com a intencionalidade de busca de uma identidade local e regional, bem como do enfrentamento dos desafios globais econômicos, políticos, sociais e culturais, entre outros, o processo de regionalização passou a ser fortalecido com a formação e consolidação do trabalho conjunto e compartilhado de blocos econômicos regionais a exemplo do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), dos grupos BRICS e dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

A partir dos estudos de Cunha (2015), verificamos a importante reflexão de que a expressão “sociedade do conhecimento” tem se constituído referência para articular compartilhadamente a agenda da Educação Superior na perspectiva sul-sul. Além disso, de acordo com Escrigas e Lobera (2009, p. 8),

Uma sociedade hipertécnica, que é deficiente em compreensão humana e em capacidade de prover contextos e condições decentes para toda a vida no planeta, com iguais oportunidades para todos, precisa repensar uma maneira de criar uma sociedade verdadeiramente embasada em conhecimento.

Nessa lógica, as discussões acerca da internacionalização e da regionalização na América Latina precisam pautar-se nas possibilidades de transpor as experiências e os pontos negativos dos processos de internacionalização no norte global e sua hegemonia econômico, histórico e cultural que se preocupa, sobremaneira, com a empregabilidade e a construção de grandes empresas, deixando à margem a construção humanística e valorização da cultura local. Então, sob a ótica do poder econômico, a construção de espaços comuns de conhecimento no contexto sul-sul não se caracteriza apenas pela perspectiva idealista de ações de solidariedade, mas pela necessária constituição de redes de cooperação acadêmica internacional, articulada com a participação de nações decorrentes de contextos históricos que possuem características similares. Tal perspectiva, poderá contribuir com a aproximação das nações e na definição de estratégias para (re)construir e difundir o conhecimento e a Educação Básica e Superior, tendo em vista o desenvolvimento cultural, científico, tecnológico, social e econômico.

A coparticipação solidária de produção do conhecimento, entre instituições nacionais, regionais e internacionais, pode se constituir um dos caminhos para conduzir as nações do sul global a repensarem sua posição no contexto mundial e, sobremaneira, passarem a priorizar seu afastamento dos processos de colonização e colonialidade fortemente impregnados em seu cotidiano. Um dos movimentos que vem contribuindo para encontrar múltiplas possibilidades de ampliar e conectar as fronteiras demarcadas pelos movimentos e tratados históricos é a internacionalização da Educação Superior (em suas nuances e interfaces). Sob o foco das estratégias para a concretização e fortalecimento do processo de internacionalização da Educação Superior, entre outras possibilidades, demarcamos dois grandes eixos: a internacionalização abroad ou crossborder e a at home (IaH) ou em casa.

A “internacionalização abroad ou crossborder” tem como principal característica a experiência acadêmica no exterior, em movimentos in/out, sendo que a Instituição de Educação Superior prioriza sua projeção no mundo pela mobilidade acadêmica de alunos, docentes e staff. Constitui-se, portanto, num período de estudos no exterior como forma usual e seus benefícios estão centrados nas oportunidades de interlocução in lócus, interculturalidade e conexões para a vida profissional e acadêmica.

A “internacionalização at home (IaH) ou em casa” é compreendida comumente como resultante de atividades que estejam relacionadas à dimensão internacional, porém sem a efetivação de processos de mobilidade (in/out) para/do estrangeiro. Ocorre que, mesmo entendida de maneira simplificada, esse tipo de internacionalização refere-se a processos que impactam na cultura organizacional das Instituições de Ensino Superior, sobremaneira, nos processos de ensino, pesquisa e extensão que envolvem a graduação e pós-graduação. Altbach, Reisberg e Rumbley (2009) compreendem que a IaH diz respeito a estratégias que podem potencializar a dimensão internacional no campus, seja pelo currículo ou com a recepção de professores e alunos internacionais por exemplo.

Knight (2008) refere-se a uma percepção mais ampla do conceito original, considerando que os dois eixos abroad e at home necessitam ser entendidos como interdependentes em vez de independentes. Para a autora, a internacionalização no exterior tem implicações significativas para a internacionalização em casa e vice-versa. Mendes (2019) produziu uma síntese, apresentada no Quadro 1, que retrata as ações de IaH levantadas por Knight.

Quadro 1 Eixos e ações de internacionalização IaH 

EIXO AÇÕES
Currículo e programas • Programas com temas internacionais
• Inserção de dimensões internacionais, culturais, globais ou comparativas em cursos existentes
• Estudo de língua estrangeira
• Estudos regionais
• Duplo diploma e titulações conjuntas
Processos de ensino / aprendizagem • Envolvimento ativo de estudantes nacionais e internacionais
• Mobilidade virtual de estudantes
• Cursos conjuntos e projetos de pesquisa
• Uso de professores internacionais
• Integração de materiais internacionais de referência e estudos de casos interculturais
Atividades extracurriculares • Clubes e associações estudantis nacionais e internacionais
• Eventos universitários internacionais e interculturais
• Grupos e programas de apoio dos pares
Ligação com grupos culturais / étnicos locais • Envolvimento de estudantes em organizações culturais e étnicas locais por meio de estágios e pesquisa aplicada
• Envolvimento de representantes de grupos culturais e étnicos locais em atividades de ensino/aprendizagem, iniciativas de pesquisa, eventos extracurriculares e projetos
Pesquisa e atividade acadêmica • Centros temáticos
• Projetos conjuntos de pesquisa
• Conferências e seminários internacionais
• Artigos publicados em rede
• Acordos internacionais para pesquisa
• Integração de pesquisadores visitantes e acadêmicos em atividades acadêmicas no Campus
Mobilidade dos provedores • IES internacional com parceria e responsabilidade acadêmica pelo programa e outorga de título
Movimento de pessoas • Intercâmbio de estudantes ao longo do semestre/ano no exterior para estágio ou programas de pesquisa ou programa completo no exterior
• Movimento de professores/acadêmicos e especialistas para fins de ensino e pesquisa, assistência técnica e consultoria, licenças sabáticas e desenvolvimento profissional
Oferta de programas • Programa/curso se move para o aluno (não vice-versa)
• Modelos de oferta com franchising e dupla titulação
• Oferta de serviço inclui programas educacionais ou de treinamento oferecidos por parceria entre instituições internacionais / nacionais e estrangeiras / fornecedores em uma base de troca (sem fins lucrativos) ou comercial (com fins lucrativos)
Projetos internacionais • Atividades como desenvolvimento de currículo conjunto
• Benchmarking
• Plataformas de e-learning
• Programas de desenvolvimento profissional e outras iniciativas de capacitação
• Projetos e serviços realizados como parte do desenvolvimento de projetos de ajuda

Fonte: Adaptado de Mendes (2019).

Complementando os eixos e ações de IaH pontuadas por Knight, encontramos em Bartell (2003) que a internacionalização em casa é um processo direcionado por condições materiais, as quais, de certa forma, são permeadas pelo colonialismo conceitual e por uma perspectiva regionalista, com vistas a paulatinamente transformar as relações internacionais de maneira cooperativa, dialógica e participativa. Utilizando desses preceitos, e das contribuições dos coordenadores de PPGs colaboradores da pesquisa, elaboramos possíveis ações, as quais se caracterizam por diferentes modos de pensar e gestar a internacionalização para além da perspectiva “abroad”: a) adoção de um currículo com dimensão regional e internacional; b) adoção de perspectivas interdisciplinares para dinamizar currículo da graduação e pós-graduação; c) interconexão entre IES nacionais e internacionais; d) oferta de referenciais bibliográficos de cunho internacional e que promovam estudos analíticos comparativos; e) ampliação da cultura e/ou do conhecimento construído/transmitido para além do âmbito nacional; f) reflexões sobre diferentes modos de pensar as múltiplas culturas locais e internacionais, com especial ênfase aos contextos sul-sul.

É pontual que a internacionalização IaH pode estar interconectada a atividades curriculares e extracurriculares realizadas por estudantes e docentes, justamente porque a IoC é uma dimensão essencial da IaH e ocorre por meio de atividades intra e extrainstitucionais, as quais se constituem ótimas oportunidades formativas e educativas. Entre elas destacamos: a) momentos dialógicos e troca de experiências de ensino e de aprendizagem (interculturais e internacionais) mediatizadas em eventos científicos, semanas acadêmicas, lives, vídeos, seminários, painéis, mesas redondas, debates, exposições temáticas, entre outros; b) clubes, oficinas, disciplinas, entre outras estratégias de ensino e de aprendizagem das línguas estrangeiras; c) atividades voluntárias de cooperação docentes e estudantes em contextos nacionais e internacionais; d) desenvolvimento de redes de pesquisa e de práticas de ensino e extensão, mediatizadas por projetos entre docentes e estudantes em contextos nacionais e internacionais; e) utilização de recursos tecnológicos e digitais com vistas à interlocução e mobilidade virtual, entre outras.

As estratégias de internacionalização IaH, mobilizadas pelas atividades da IoC, são capazes de contribuir para que os docentes, os estudantes e o staff da pós-graduação passem a reconhecer e compreender a diversidade e a multiculturalidade dos contextos nacionais, regionais e internacionais, no sentido de desenvolver competências interculturais orientadoras para: tornarem-se cidadãos atuantes e corresponsáveis no mundo globalizado; saberem trabalhar em equipes internacionais e interculturais; viverem e produzirem em sociedades multilíngues e multiculturais; desenvolverem e exercerem competências interculturais necessárias na sociedade atual.

Outra perspectiva, é apontada por Clemente e Autora 2 (2021, p. 18) quando apresentam componentes do “tripé universitário” para o desenvolvimento de competências interculturais (Figura 2):

Fonte: Clemente e Autora 2 (2021, p. 18).

Figura 2 Componentes para o desenvolvimento de competências interculturais na Educação Superior 

É evidente que a internacionalização se constitui na relação e cooperação entre países e suas instituições, o que proporciona um processo de construção compartilhada do conhecimento, saberes e fazeres permeados pelas múltiplas culturas, sistemas, instituições e produções, e em íntima relação com os elementos do tripé universitário mencionado pelas autoras (atores sociais, práticas e contexto). Essa perspectiva, repercute, sobremaneira, em diversificadas oportunidades para a inserção e interlocução entre sujeitos (atores sociais) de e entre nações e instituições (contexto), nos processos formativos e de gestão da/na Educação Superior, considerando a produção e a troca de conhecimento científico e tecnológico (práticas).

A Internacionalização na Pós-Graduação no Brasil, um Panorama

A pós-graduação no Brasil tem seu desenvolvimento a partir da década de 70 e a internacionalização é identificada em toda a sua trajetória. Inicialmente, alguns elementos do corpo docente eram capacitados em instituições europeias e americanas do global norte. A tendência de consolidar relações com o norte e, mais recentemente, incluindo a Austrália (está no sul, mas comporta-se como norte) se mantém. Essa direção é decorrente de políticas estatais que determinam esse foco; tais políticas de Educação Superior no país estão centralizadas no governo central e a da pós-graduação na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), complementada pelas políticas de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Desde o início das políticas de internacionalização há o predomínio de políticas transfronteiriças1 individualizadas e centradas na figura do pesquisador e do estudante e em direção ao Norte (mobilidade out). Nessa direção, citamos como marcante o Programa Ciências sem Fronteiras - CsF (CAPES, 2014), que concedeu milhares de bolsas a estudantes da graduação e pós-graduação. Na Figura 3 é possível visualizar onde se concentrou o maior número de bolsistas do CsF durante seu período de vigência:

Fonte: Portal do Programa Ciência sem Fronteiras, disponível em: http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/bolsistas-pelo-mundo.

Figura 3 Fluxo de bolsistas do Programa Ciências sem Fronteiras 

Conforme consta nos registros do Programa e no mapa de bolsistas do CsF (Figura 3), a maioria das bolsas foram direcionadas para mobilidade acadêmica em países do global norte, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, o que também é comprovado pelas respostas dos coordenadores partícipes desta pesquisa quando sinalizam, em sua maioria, as ações de parceria, cooperação e mobilidade acadêmica com países do global norte. Entre os países do global norte, citados pelos coordenadores, destacamos: Portugal, Espanha, Itália, Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e Polônia.

Em 2017, a Capes (2017) publicou uma pesquisa sobre a internacionalização na universidade brasileira, a partir de informações dos programas de pós-graduação e concluiu que existem, pelo menos, dois grupos distintos de IES no Brasil em termos de internacionalização com níveis e necessidades diferenciadas e que o processo de internacionalização não é mais incipiente. Por essa investigação a internacionalização apresentava como indicadores: professores visitantes e pós-doutores estrangeiros; professores estrangeiros permanentes; projetos com cooperação internacional; artigos em coautoria estrangeira; artigos publicados em revistas com Journal. Citation Reports (JCR); aulas ministradas em outro idioma; alunos estrangeiros matriculados; dupla diplomação; alunos em disciplinas lecionadas em idiomas estrangeiros; alunos da pós-graduação com fluência em idioma estrangeiro; alunos com doutorado sanduiche e corpo técnico com fluência em idiomas estrangeiro (CAPES, 2017, p. 18).

Mais recentemente, a Capes lança um edital Capes PrInt (CAPES, 2020) que objetiva a internacionalização da instituição universitária como um todo e não mais somente na figura dos docentes e/ou estudantes individualmente. De um universo de 2.500 Instituições de Educação Superior, concorreram em torno de 100 e foram selecionadas apenas 36 para efetivar os objetivos de internacionalização da Educação Superior no Brasil.

Paralelamente, fazendo um balanço da política de internacionalização de Instituições de Ensino Superior brasileiras, Autora 2 constatou a presença de:

[...] internacionalização como critério de qualidade; forte presença do conceito de internacionalização como mobilidade presencial; carência de políticas para a implantação da internacionalização na graduação e, na pós-graduação, restrita a poucas instituições e não ao sistema; acanhada tendência a um modelo de internacionalização integral na instituição em direção a países do global norte; e, desafio de uma internacionalização como integração universitária. (AUTORA 2, 2020, s/p)

Em continuidade as produções que avaliam o processo de internacionalização da Educação Superior no Brasil, e frente as mudanças que o Covid-19 está trazendo, questionamos, aos coordenadores de Programas de Pós-graduação da Região Sul do Brasil, como está acontecendo a articulação no quesito da internacionalização em tempos pandêmicos. Assim, para auxiliar na resposta a esse questionamento é importante registrar que anterior a esta pandemia o modelo predominante de internacionalização era o transfronteiriço - centrado na mobilidade presencial. A estratégia mais usual era aquela ligada ao sonho do avião! Estudantes, professores, pesquisadores, técnicos, gestores, enfim, a comunidade acadêmica se deslocando ou recebendo pessoas de outras instituições ou centros de pesquisa, presencialmente.

Já nessa época estavam sendo propostos os modelos de internacionalização do currículo - IoC e, alternativamente, o de internacionalização em casa - IaH. Assim, a IoC conceituada como a incorporação de dimensões internacionais, interculturais e/ou globais no conteúdo do currículo (LEASK, 2012) e a IaH conceituada como a integração intencional de dimensões internacional e intercultural no currículo formal e informal para todos os alunos nos ambientes de aprendizagem doméstico (BEELEN; JONES, 2015), têm sido focadas na dinamização de um currículo intercultural e internacional, com base nos resultados do ensino e da aprendizagem, nas tarefas de avaliação e serviços de apoio de programas de estudo. A interculturalidade é importante, pois o ambiente universitário congrega grupos de diferentes etnias, gêneros, estratos socioeconômicos e outros constitutivos.

O modelo de IoC (AUTORA 2, 2018) abarca a internacionalização transfronteiriça (mobilidade) e a internacionalização em casa. Atualmente, com as fronteiras fechadas, com a maioria das IES trabalhando on-line, a IaH passou a ser a principal forma de internacionalização no Brasil e no mundo. Assim, a mobilidade tem ocorrido via parcerias e atividades virtuais Exchange. Despontam aulas, seminários, lives, bancas, entre outras atividades, com a participação e interlocução de professores e estudantes nacionais, internacionais, na perspectiva interinstitucional, via plataformas digitais entre outros dispositivos. A internacionalização do avião foi para a nuvem da web!

Em âmbito global, a conectividade digital tornou-se uma necessidade, seja para comunicação entre as pessoas em diferentes espaços e contextos sociais e institucionais, quanto para o trabalho remoto, tendo por base a necessidade de estabelecer conexão e coletividade, assim como o atendimento as demandas sociais e a produção compartilhada. A internet tornou-se, portanto, uma das portas de entrada e saída para a realização da maioria dos serviços essenciais, a exemplo das plataformas de saúde, transferências digitais e sistemas de pagamento eletrônico, compras on-line, realização de eventos e atividades culturais e educacionais, entre outros. Mas, notadamente, o acesso à infraestrutura digital e à conectividade tem se constituído num dos fatores limitadores em países de economia emergente e/ou mais pobres do mundo. Apesar de a cobertura móvel ter consideravelmente se expandido rapidamente em âmbito global, muitos contextos, a exemplo dos países latino-americanos e africanos, ainda possuem várias dificuldades com a internet móvel e conectividade em tempo real. Esse, entre outros fatores como, por exemplo, a baixa renda familiar, estão intimamente relacionados com o acesso, a permanência e a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão universitária. Por exemplo,

O número de usuários de internet no Brasil em 2019 chegou a 134 milhões, ou 74% da população acima de 10 anos de idade, com 71% dos domicílios com acesso à rede, segundo a pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor da Internet (CGI.br). Dos 47 milhões de brasileiros que não usam a internet, a maioria está nas áreas urbanas e pertence às classes DE (quase 26 milhões de pessoas). Em áreas rurais, são perto de 12 milhões. (BRIGATTO, 2020, s/p)

Embora, em meio a pandemia Covid-19, esteja ocorrendo maior conectividade e o investimento em estratégias diversificadas voltadas para o trabalho e o ensino remoto por exemplo, também, “no outro lado da moeda” visualiza-se a exclusão digital.

A interrupção temporária das atividades presenciais das IES tem funcionado como um grande disruptor ao seu funcionamento e o mais provável é que ocorra uma retração da demanda a curto prazo e uma recuperação ascendente já no próximo ano acadêmico. Nessa lógica, encontram-se os estudantes, entre os quais em um percentual considerável tiveram interrupção das atividades em sala de aula das IES, justamente porque a pandemia acelerou o movimento de desigualdades sociais e, no caso da Educação Superior, durante o ano de 2020, até meados de setembro, constavam 40% IES sem ensino remoto e 70% dos estudantes internacionais voltaram aos seus países de origem. Além disso, no âmbito das IES que oferecem ensino remoto há o percentual de estudantes que não tem este acesso de seus espaços de residência, o que impacta diretamente nas taxas de evasão.

A Covid-19 apresentou e induziu a novas realidades e limitações ao contato social da e na Educação Superior, seja no Brasil quanto no mundo. A pandemia passou a fortalecer a necessidade de a sociedade atribuir a devida valorização para a educação e a ciência, especialmente no que diz respeito a busca de soluções dos problemas sociais. Nesse contexto, as melhores universidades do mundo têm mobilizado esforços no combate ao novo coronavírus e na minimização de danos causados, quer sejam eles sanitários e de saúde, econômicos, políticos, educacionais, entre outros, sobretudo danos que colocam em “xeque” a qualidade de vida das pessoas e a convivência social.

Assim, o cenário pandêmico e pós Covid-19 se apresenta com novos desafios para a Educação Superior, entre eles destacamos os direcionados à pós-graduação: ações para além da mobilidade, utilizando-se de estratégias da IaH e da IoC; fortalecimento de parcerias interinstitucionais, com destaque para as regionais; construção de uma política institucional da internacionalização; constituição de parcerias e fortalecimento de redes colaborativas internacionais envolvendo atividades de ensino, pesquisa e extensão; capacitação de docentes, estudantes e técnicos na perspectiva da IaH e da IoC; articulação e desenvolvimento de currículos flexíveis e novos formatos de avaliação; constituição de cátedras gêmeas que oportunizem a mobilidade virtual e o trabalho compartilhado e intercultural entre docentes e estudantes; estabelecimento de cultura EaD, com suporte, práticas e interculturalidade; reflexão crítica acerca da qualidade versus contexto presencial e contexto virtual. Essas ações e transformações, entre outras, não se constituem triviais, justamente porque poderão contribuir para a construção de nova cultura organizacional institucional e, nessa direção, o esforço conjunto e colaborativo entre países do global norte e global sul numa perspectiva solidária e valorativa aos aspectos locais.

Aprofundando a perspectiva institucional da internacionalização da ES com relação ao Covid-19, Autora 2 (2020), em recente participação como conferencista (junho de 2020) no webinarário “Acafe de Internacionalização - rumos da internacionalização pós-pandemia”, apresentou estratégias institucionais com base em orientações da Iesalc/Unesco (Figura 4).

Fonte: Autora 2 (2020).

Figura 4 Estratégias Institucionais - Covid-19 

Tais estratégias se apoiam no reconhecimento do impacto da crise sanitária na Educação Superior e preveem um plano de internacionalização. Em outras palavras, o institucional deixa de ser casual e parte para uma perspectiva de administração sistemática e colaborativa. O foco apontado é na função ensino, partindo da reflexão-ação-reflexão frente a possibilidades de uma pandemia intermitente e para a tendência a manutenção da virtualização das atividades e, com isso, a implantação do ensino-aprendizagem híbrido.

Internacionalização em Programas de Pós-Graduação em Educação da Região Sul do Brasil

A partir da análise realizada às respostas atribuídas ao questionário on-line, verificou-se que dos 13 Programas de Pós-graduação da Região Sul do Brasil, participantes da pesquisa, um tem nota A pois é recém aprovado, um tem nota 3, sete têm nota 4, dois com nota 5 e dois com nota 6.

As ações desenvolvidas nos programas são diversas. Algumas exclusivas, tais como disciplinas ministradas em idioma que não o Português, vagas para alunos estrangeiros, projeto guarda-chuva no programa voltado à internacionalização, recebimento de alunos pelo Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), coorientações e participações em bancas. Para estas duas últimas ações não são explicitadas se elas têm a participação de professores do programa no exterior ou professores do exterior no programa. Outras ações se repetem em três ou mais programas, tais como convênios, publicações em conjunto, doutorado sanduiche, cotutela, projetos de pesquisa, realização e participação em eventos, seminários, disciplinas, presença de professor visitante e pós-doutorado de docentes no exterior.

Observamos que a maior diversidade de ações de internacionalização é desenvolvida em programas com conceito 5 e 6, refletindo as orientações da Capes de que programas avaliados como de excelência possuem como uma das principais metas a internacionalização.

No que diz respeito aos países com os quais os programas têm parceria, convênio, acordo de cooperação ou outra atividade, foram listados os seguintes: Portugal em oito programas; Colômbia em sete; Espanha, Argentina e Chile em seis; México em cinco; Uruguai e Itália em três, Alemanha, Cabo Verde, Inglaterra, Cuba, Estados Unidos, Nicarágua e França em dois programas; e Angola, Venezuela, Guiné Bissau, Equador, Paraguai, Peru, Costa Rica e Polônia citados em um programa. Constatamos nuances de trabalho conjunto com países do global norte e global sul e, nesta demanda de PPGs pesquisados, há um predomínio de interlocução com países da América latina e, numa visão mais ampla, com a ibero-américa, demonstrando que os programas têm priorizado o estabelecimento de parcerias sul-sul.

A internacionalização do PPGEdu se dá por meio de convênios internacionais com universidades da Alemanha, Espanha, Portugal, México, Argentina, Angola, Venezuela, Colômbia, Itália, Chile, Inglaterra, França e Guiné Bissau. Nos intercâmbios destacam-se as visitas de professores pesquisadores, produção científica em conjunto, projetos de investigação em conjunto. Cada linha de pesquisa do programa tem atividades específicas que amplamente diversificadas. [...] Em 2020 o programa conta com 1 aluno regular de doutorado da Angola e 2 alunos regulares no mestrado de Guiné-Bissau. (PPG 1)

[...] Temos atividades de intercâmbio com a Universidade Marta Abreu de Las Villas (Santa Clara, Cuba) e ainda com a UDELAR (Universidad de la República, Uruguay). Também, o PPG estabeleceu [...] convênio com a Universidad Pedagógica Nacional - Bogotá/Colômbia [...]. Atualmente o PPGEA participa da Alianza de Redes Iberoamericanas de Universidades por la Sustentabilidade y el Ambiente - ARIUSA. Também, em decorrência da inserção de acadêmicos através do convenio OEA/FURG estamos ampliando relações com Universidades dos quais são originários estes pesquisadores como Colômbia, Nicarágua e Peru. (PPG 6)

Projetos de pesquisa, congressos em conjunto, rede, disciplinas em língua estrangeira; coorientações; convênios interinstitucionais. Países: Portugal, Colômbia, Argentina, Estados Unidos, Itália, Chile, Polônia. (PPG 13)

Observamos que com relação a IaH ficou pontual que há investimento em disciplinas ministradas em outro idioma, realização de coorientações e participações em bancas, realização de publicações conjuntas, realização e participação em eventos e seminários. Em 2020, com o advento da pandemia Covid-19, o trabalho remoto aproximou distâncias e o contexto on-line retrata ações realizadas de maneira compartilhada entre os programas colaboradores da pesquisa e outros programas estrangeiros, especialmente no que diz respeito a realização de eventos científicos virtuais, lives e webnários, inclusive com apresentação de trabalhos, bem como bancas de qualificação e defesas de mestrado e doutorado. Tais atividades contam com a participação e protagonismo dos estudantes, incluindo também o doutorado sanduiche.

Sobre a avaliação das potencialidades de mudança da internacionalização, as respostas se dividiram em dois grupos. O primeiro retrata os PPGs pensando e articulando ações de internacionalização a longo prazo, visto que possuem a inserção regional, nacional e social como prioritárias, ou seja, tais programas têm em seus planejamentos o fortalecimento de indicadores necessários à nota atual, prospectando uma nota maior após consolidarem a função social a que lhes compete, como pode ser observado nos excertos que seguem:

O PPGEdu pelo fato de ser conceito 5 tem realizado esforços para avançar na internacionalização. Há um cenário promissor nesse sentido que se materializa tanto na produção científica em conjunto com universidades de países listados acima, bem como com a possibilidade de atrair alunos estrangeiros para o programa. (PPG 1)

Temos ainda possibilidades de mais avanços. Há a intenção de divulgar a oferta de atividades de ensino abertas a alunos estrangeiros regularmente (todos os semestres). Também se estuda o reforço de cooperações com instituições estrangeiras, especialmente da América Latina e passar a oferecer disciplinas em espanhol ou inglês. Também se entende a importância estratégica de oferecer mestrados ou doutorados interinstitucionais com instituições do Sul Global. (PPG 11)

A expectativa para o próximo período é de aprofundar estas relações, tanto por meio de estágios de pós-doutorado, parcerias em pesquisas, produções e eventos. No entanto, o grande desafio mesmo é o da imersão de professores/pesquisadores estrangeiros no nosso PPGE. Esse é o horizonte a ser explorado. (PPG 5)

Reforçando a afirmação anterior, os programas com nota 5 e 6 têm a internacionalização como potencializadora à atração de alunos estrangeiros, às publicações com parceiros de outros países; têm a internacionalização como possibilidade de interação com diferentes culturas, diferentes pensamentos e constroem uma ideia de educação globalizada.

Considero as ações realizadas enriquecedoras tanto para alunos como para professores. O Programa interage com diferentes culturas, diferentes pensamentos e constrói uma ideia de educação planetária e não apenas local. (PPG 7)

No segundo grupo há o entendimento de que a internacionalização necessita ser tratada como uma política institucional e não uma iniciativa particular de alguns professores. Nesse sentido, um coordenador manifesta que “o que temos a oferecer" é mais importante do que "o que podemos receber”. Identificamos aí a necessidade de constituir políticas institucionais com vistas a apoiar e direcionar as ações de internacionalização e, consequentemente, resultarem em avanços no que concerne o campo científico e nas relações interinstitucionais para além do âmbito local.

Falta também que a internacionalização deixe de ser uma iniciativa particular dos professores e se constitua em política. (PPG 5)

Na verdade, temos vários convênios e parcerias, mas não temos ainda uma política interna de internacionalização. A pandemia este ano dificultou os encontros e discussões para estabelecer metas e diretrizes para tanto. Estamos planejando fazer a construção e fortalecer a internacionalização em 2021. (PPG 6)

Nas respostas obtidas, nos 13 questionários, não foram registrados dados que direcionassem para o entendimento de internacionalização como forma de construção de conhecimentos capazes de sustentarem e desenvolverem novas propostas de ensino e aprendizagem ou, também, como possibilidade de repensar e/ou reestruturar práticas educativas ou, então, do desenvolvimento de competências tais como formação de redes acadêmicas, de conhecimento da área de atuação ou de comunicação (AUTORA 2; AUTORA 3, 2010). Aspectos como o intercâmbio de conhecimentos culturais e científicos, entre outros, necessitam permear a internacionalização em todas as suas esferas.

Com relação a categoria de análise Covid-19 e a internacionalização do PPG, constatou-se que em momentos de crise de saúde pública como a da pandemia em 2020, o isolamento social foi imperativo para a diminuição da propagação do vírus. Para tanto, os programas investiram em estratégias de manutenção e continuidade do fazer e viver em sociedade, bem como as atividades educacionais passaram a ser desenvolvidas em novo formato.

O trabalho e o ensino remoto se fizeram necessários e presentes no cotidiano das instituições universitárias, enfrentando desafios e superando-se a cada dia. A Educação Superior passou a se reinventar; aos professores e estudantes foram colocados desafios nunca antes vivenciados. A distância física remeteu à aproximação e suas fronteiras foram rompidas, dando espaço para a comunicação e desenvolvimento de atividades outrora realizadas somente na presencialidade; agora de forma virtual e o distanciamento social serviu para aproximar as pessoas de outras maneiras.

Houve iniciativas apoiadas pelo PPGE em eventos internacionais bem como participações individuais em eventos e publicações. Tudo isso facilitado pelos meios de comunicação remota, especialmente as ferramentas StreamYard e Google Meet. (PPG 5)

Mantivemos as atividades de forma remota, inclusive com a realização de um congresso internacional. (PPG 2)

As atividades de internacionalização foram realizadas de forma remota, com participação de docentes do Programa em atividades acadêmicas de instituições conveniadas e vice-versa. (PPG 10)

Nesse contexto inevitável de um mundo virtualizado, de um usar das tecnologias no âmbito educacional, Nóvoa (2020) em videoconferência no youtube destaca que este é o momento da educação se aliar às novas tecnologias, como meios possíveis para que o ensino chegue ao estudante de modo a amenizar os efeitos da pandemia no meio educacional. Destarte, se necessitou

[...] ‘para ontem’, dominar, investir, apoiar e utilizar-se das ferramentas tecnológicas no modelo de aula remota. O progresso tecnológico, mesmo que visto como irreversível, ainda era ponderado a uma das possibilidades de estímulo ao aprendizado. Hoje (25 de maio de 2020) é a única possibilidade voltada para a aprendizagem [...]. (NETO, 2020, p. 33)

Para o autor há entre os sujeitos, um sistema operacional que envolve interfaces, aplicativos e plataformas que fazem as experiências em educação serem sustentadas pela tecnologia. O momento que estamos vivendo demonstra que o repensar a internacionalização na e da pós-graduação é necessário e que a articulação desenvolvida pelos sujeitos nela envolvidos, via tecnologias digitais, é inegavelmente importante, porém preocupante quando utilizada de maneira exaustiva, conforme retrata um colaborador da pesquisa.

Continuamos com o processo de contratação dos visitantes, cujos contratos já estão fechados e os mesmos já estão atuando nas linhas de pesquisa e no Programa; organizamos seminários do tipo ‘webnar’ por dentro do currículo flexibilizado com grande aderência dos docentes e discentes; aproximação com possíveis parceiros e redes. Focamos nas prioridades do projeto de internacionalização com a compreensão que não é possível saturar os docentes e discentes de lives, por exemplo. A contínua exposição aos dispositivos digitais e à rede Internet tem efeitos nocivos quando não são respeitadas algumas regras, como ambientação, qualidade de navegação, tempo de exposição, importância da atividade online, dentre outras. (PPG 9)

O uso das tecnologias, cada vez mais decorrente da necessidade, fez a pós-graduação transitar por cenários tímidos até então, desencadeando em ações virtuais antes não pensadas, como por exemplo a realização de “lives”, congressos, conferências, seminários, aulas com estudantes de diferentes regiões, estados e países. Experienciou-se atividades síncronas e assíncronas com mais de um idioma em aula e em bancas de qualificação ou defesa realizados pelo Zoom, Meet, Tean, Skype e outros meios de dialogar, trabalhar e compartilhar ideias, independente do espaço geográfico em que nos encontramos, diminuindo distâncias e nos tornando mais próximos. Nessa direção, todos os PPGs apontaram como importante a continuidade das atividades concernentes ao desenvolvimento educacional de forma remota, e que a internacionalização se mostrou ativa e profícua neste novo cenário.

Os encontros foram de forma virtual, com Meet, Zoom... As atividades ficaram mais democratizadas. Antes do distanciamento um número pequeno de alunos e professores se beneficiavam com a internacionalização, no entanto com a pandemia e a reinvenção dos cotidianos do PPGEDU, mais pessoas tiveram a oportunidade de participar das ações. Não paramos nenhum cotidiano, todos foram remodelados para serem desenvolvidos. (PPG 7)

O contexto da pandemia aprofundou mecanismos formativos remotos via internet. Nesse sentido, docentes do PPGPE seguiram ações formativas previstas para 2020, tais como: (a) convênio com a ULisboa, envolvendo projetos de pesquisa, seminários conjuntos e publicações; (b) participações em eventos, associações e fóruns acadêmicos, principalmente com a CPLP; (c) convites para eventos, bancas e outras atividades acadêmicas (p.e., com docente da University of Southern California, USA). (PPG 8)

Outro aspecto a destacar é de que houve uma participação maior de estudantes estrangeiros em atividades realizadas nos programas, bem como a participação de estudantes brasileiros em atividades no âmbito de Programas de Pós-graduação de outros países.

Aprimorou atividades com eventos internacionais, possibilitou a realização de bancas com pesquisadores internacionais, aprimorou os processos de produção em conjunto e viabiliza a possibilidade de alunos estrangeiros estudarem nos programas. (PPG 1)

A oferta de seminários em formato remoto facilitou a participação de alunos estrangeiros em nossas atividades. Tem-se a intenção de reforçar essa participação. (PPG 6)

Foram realizadas algumas ‘lives’ e vários grupos mantiveram seus esforços de parcerias e produções conjuntas. (PPG 12)

Com base nas respostas e frente à realidade vivenciada em tempos de pandemia, tornou-se possível compreender que, neste momento, independente das circunstâncias, a vida tem que continuar e a pós-graduação vem investindo em encontrar formas de se adaptar, se reinventar e porque não afirmar “se atrever” a fazer uso de possibilidades antes não experienciadas ou refutadas pelo limitado pensamento cartesiano de que a internacionalização só se realiza pela mobilidade, pelo ir e vir físico entre os países. Sendo assim, a internacionalização qualifica um Programa de Pós-graduação, entretanto, ela ainda é insipiente na realidade brasileira, uma vez que precisa avançar da perspectiva de mobilidade acadêmica.

Conclusões

A produção de conhecimento científico e tecnológico, tradicionalmente, ocorre em universidades, mais especificamente em Programas de Pós-graduação stricto sensu (AUTORA 2; AUTORA 3, 2010) e associado a isso está a internacionalização, visto que também por meio dela que o conhecimento se fortalece, se amplia e move a globalização da ciência e da economia, aprofundando a segmentação do conhecimento entre países e no interior dos países.

Considerando a pandemia Covid-19, constatou-se que a virtualização da internacionalização nos PPGs pesquisados é considerada positiva e foi abraçada por todos com maior ou menor grau. Outro aspecto importante a ser destacado que a IoC se aproximou da IaH. Lembremo-nos que a IoC abarca a IaH e os intercâmbios internacionais presenciais e, nessa direção, se fazem necessárias ações complementares de perspectivas de IaH, as quais possam disseminar e fortalecer a internacionalização e seus benefícios aos estudantes, docentes, técnicos e instituição como um todo.

No momento em que as fronteiras foram fechadas e a mobilidade presencial foi proibida os programas se voltaram à mobilidade virtual. Em outras palavras, o currículo passou a tornar-se internacional e/ou regional “em casa”, contribuindo para o alargamento das fronteiras do conhecimento e para o processo de interlocução entre docentes, estudantes e staffs nacionais e estrangeiros para além da mobilidade física. Fortaleceu-se, portanto, um novo formato de mobilidade: a virtual.

Podemos conjecturar que, ao término da pandemia, o presencial voltará, mas para um país em que a mobilidade presencial atinge raríssimos estudantes, apoiados por escassas políticas nacionais de intercâmbio ou por famílias. Nesse sentido, a mobilidade e todas as ações virtuais subjacentes vieram para mudar o contexto educacional atual e direcionar a internacionalização a um novo patamar com características mais solidárias, democráticas e equitativas. Essa lógica constitui-se como contexto emergente na perspectiva da virtualização da internacionalização da Educação Superior e, certamente, vai passar a ser ponto de pauta das discussões que desencadeiam a (re)formulação das políticas públicas para esse nível de ensino no Brasil.

Considerando os efeitos do Covid-19 na Educação Superior, corrobora-se a concepção de que

[...] as transformações que acontecem no contexto das Instituições de Educação Superior (IES), aparentemente, são internas, porém, possuem inter-relação com as demandas sociais, culturais, econômicas, entre outras, que implicam no surgimento de uma nova arquitetura para a Educação Superior e, consequentemente, atuais demandas para a universidade que, influencia e se deixa influenciar pelas políticas públicas educacionais globais e locais. Essa realidade multifacetada passou denominar-se contexto emergente e requer uma nova pedagogia universitária que se ancora num ambiente de mudança e tensionamentos [...] Para tanto, uma realidade multifacetada que emerge e culmina no rápido acesso à informação e em novos modos de organização institucional e societal, ancorada nos preceitos da globalização, mas que requer quase que cotidianamente que as instituições de [re]dimensionem, novos ambientes educativos, novas práticas pedagógicas e, neste sentido, inovações educacionais ancoradas em [re]configurações e [re]articulações dos/nos processos de gestão e de ensino-aprendizagem. (AUTORA 2, 2017, p. 358)

Os efeitos da pandemia repercutiram em novas formas de articular e concretizar estratégias de internacionalização da Educação Superior. Tais perspectivas implicam em aprender com os desafios postos pela pandemia, os quais produziram um arcabouço de informações e de novos processos de gestão que desencadearam uma cultura organizacional diferenciada quanto a produção do conhecimento para além do contexto presencial. Portanto, tornou-se emergente pensar o ensino, a pesquisa, a extensão e os processos de gestão universitária olhando para múltiplas possibilidades de interlocução e produção técnica e científica compartilhada e em rede, com vistas a aproximar distâncias e criar novas estratégicas via mundo digital. Entre tais contextos emergentes, cita-se o fortalecimento de redes acadêmicas sul-sul; o trabalho e ensino remoto, ampliando a participação dos docentes, estudantes e staff das IES em diferentes atividades e países, mostrando a viabilidade da IoC e da IaH para além da internacionalização abroad ou crossborder. Também, o estudante passou a adotar maior protagonismo e desenvoltura junto aos processos de internacionalização.

A Capes vem fomentando muitos quesitos de internacionalização na perspectiva da cooperação e parcerias para a realização de atividades institucionais entre contextos locais, regionais e internacionais, porém, ainda, atingindo pouquíssimas IES, o que denota que as políticas públicas que envolvem a internacionalização da Educação Superior no Brasil, ainda, se traduzem em práticas segregadoras e pouco democráticas. Não basta a existência de determinada política pública; é preciso que ela possa efetivamente abranger a todos/as de maneira equitativa. Esse é um desafio a ser transposto no contexto da pós-graduação brasileira.

Certamente, um novo fazer em internacionalização que se mostrou possível, não somente entre países do norte e do sul, mas entre IES, entre Programas de Pós-graduação no próprio país, o que evidencia que estar aberto à novas oportunidades e informações faz a diferença e contribui para nos tornarmos melhores. Faz o conhecimento avançar e, como bem afirmou Albert Einstein em sua célebre frase: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”. Assim, concluímos que a internacionalização pode e precisa fazer uso dos artefatos tecnológicos e digitais e isso é uma ideia não tão nova, mas que precisa, especialmente a partir das experiências com a pandemia Covid-19, ser aceita e difundida entre e pelos PPGs, independentemente de estarem localizados em diferentes países e blocos econômicos, mas em especial do próprio país, caracterizando assim a internacionalização em casa, no currículo e com o exterior.

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1A internacionalização transfronteiriça é a que ocorre por mobilidade, seja out (saída de pessoas) seja in (receber pessoas). Consiste em todas as formas de Educação Superior realizadas, presencialmente, além das fronteiras do país. Todavia, está provado que a mobilidade é fator importante, mas insuficiente para internacionalizar uma universidade.

Recebido: 02 de Janeiro de 2021; Aceito: 09 de Fevereiro de 2022; Publicado: 11 de Fevereiro de 2022

Correspondência ao Autor1 Marilne Gabriel Dalla Corte E-mail: marilenedallacorte@gmail.com Universidade Federal de Santa Maria Santa Maria, RS, Brasil CV Lattes http://lattes.cnpq.br/1554366181630485

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