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Revista Internacional de Educação Superior

versão On-line ISSN 2446-9424

Rev. Int. Educ. Super. vol.8  Campinas  2022  Epub 12-Ago-2022

https://doi.org/10.20396/riesup.v8i0.8663729 

Pesquisa

A Ação Profissional do Assessor Pedagógico Universitário (APU): Diálogos Acerca de sua Trajetória no Brasil, Argentina e Uruguai

La Acción Profesional del Asesor Pedagógico Universitario (APU): Diálogos Sobre su Trayectoria en Brasil, Argentina y Uruguay

Ligia Bueno Zangali Carrasco1 
lattes: 9554343099681521; http://orcid.org/0000-0003-3599-1134

Maria Antonia Ramos de Azevedo2 
http://orcid.org/0000-0002-6215-2902

1,2,3Universidade Estadual Paulista


RESUMO

O presente artigo objetiva compreender a trajetória e a atuação profissional dos assessores pedagógicos universitários, a partir de uma investigação de abordagem qualitativa, de cunho exploratório, que se utilizou do método de estudo de caso múltiplo, com dados analisados por meio da análise de conteúdo. Foram investigados assessores de quatro universidades, sendo duas no Brasil, uma na Argentina e uma no Uruguai, cujos dados foram coletados entre 2018 e 2019. A análise indica que a profissionalidade do assessor está em desenvolvimento, no entanto, há inúmeros desafios que ele precisa superar, como a falta de autonomia, apoio institucional, legitimidade na função e a formação pedagógica do docente universitário. Concluímos que, relacionados ao desenvolvimento de sua profissionalidade e à superação dos ditos desafios, são necessários saberes profissionais específicos do assessor pedagógico universitário que, se desenvolvidos, podem auxiliar para o alcance de sua legitimidade profissional.

PALAVRAS-CHAVE: Assessor pedagógico universitário; Pedagogia universitária; Profissionalização; Formação docente; Saberes

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo comprender la trayectoria y desempeño profesional de los asesores pedagógicos universitarios, a partir de una investigación con enfoque cualitativa, de carácter exploratorio, que utilizó el método de estudio de casos múltiples, con datos analizados mediante análisis de contenido. Se investigaron asesores de cuatro universidades, dos en Brasil, uno en Argentina y uno en Uruguay, cuyos datos fueron recolectados entre 2018 y 2019. El análisis indica que la profesionalidad del asesor está en desarrollo, sin embargo, son numerosos los desafíos que necesita superar como la falta de autonomía, apoyo institucional, legitimidad en la función y la formación pedagógica del docente universitario. Concluimos que, relacionado con el desarrollo de su profesionalidad y la superación de estos desafíos, es necesario un conocimiento profesional específico del asesor pedagógico universitario, que de ser desarrollado puede ayudar a alcanzar su legitimidad profesional.

PALABRAS CLAVE: Asesor pedagógico universitario; Pedagogía universitaria; Profesionalización; Formación de docentes; Conocimiento

ABSTRACT

This article aims to understand the trajectory and professional performance of university pedagogical advisors, from an investigation of qualitative research approach, of an exploratory nature, which uses the multiple case study method, with data analyzed through content analysis. Advisors of four universities were investigated, being two in Brazil, one in Argentina and one in Uruguay, whose data were collected between 2018 and 2019. The analysis indicates that the advisor's professionalism is in development, however, there are countless challenges that they need to overcome, such as the lack of autonomy, institutional support, legitimacy in the function and the pedagogical training of university teachers. We conclude that, related to the development of their professionalism and the overcoming these challenges, specific professional knowledge of the university pedagogical advisor is necessary, which, if developed, can help to reach their professional legitimacy.

KEYWORDS: University pedagogical Advisor; University pedagogy; Profissionalization; Teacher education; Knowledge

Introdução

As pesquisas que têm sido realizadas no campo da Pedagogia Universitária, aportadas, principalmente, nas publicações de Cunha (2006a; 2006b; 2008; 2010; 2014) e Lucarelli (2000; 2004; 2008; 2015), demonstram que debater sobre Assessorias Pedagógicas Universitárias no Brasil é questão desafiadora, considerando que não existe, ao menos nas universidades públicas, uma função que tenha essa denominação oficialmente. Isso culmina em uma falta de identificação das pessoas que exercem a função assessora nas universidades com a nomenclatura utilizada na literatura, pelos pesquisadores da área.

A literatura evidencia que o assessor pedagógico universitário é um dos profissionais que se preocupa com as questões da Pedagogia Universitária (PU), campo polissêmico de produção e aplicação dos conhecimentos pedagógicos na educação superior, no âmbito das instituições de educação superior (IES). Desse modo, é importante ressaltar que o termo assessor pedagógico universitário (APU) foi utilizado no decorrer deste trabalho de forma comum a todos que exercem funções pedagógicas na educação superior, inclusive com a intenção de torná-lo conhecido.

A Pedagogia Universitária, a princípio, tinha como maior preocupação “compreender as estratégias institucionais direcionadas ao desenvolvimento profissional docente no contexto da democratização, expansão e interiorização da educação superior brasileira” (CUNHA, 2014, p. 55). Porém, com os acontecimentos dos últimos anos e o aumento do sucateamento da universidade pública, da mercadorização do ensino, dos discursos de desvalorização da educação pública, outras preocupações surgiram no campo, interferindo sobremaneira nos processos pedagógicos das universidades. Lucarelli (2000) enfatiza, nesse sentido, que a PU é um espaço de “conexão de conhecimentos, subjetividades e cultura, que exige um conteúdo científico, tecnológico ou artístico altamente especializado e orientado para a formação de uma profissão” (LUCARELLI, 2000, p. 36). Assim, tudo que se relaciona com os processos pedagógicos no espaço da IES, no âmbito da pesquisa, ensino ou extensão, é foco do campo da Pedagogia Universitária.

Não obstante, mesmo sendo o campo da PU fundamental para os processos pedagógicos que se desencadeiam na educação superior, bem como para a atuação do APU, esta função ainda é pouco conhecida ou valorizada no Brasil, diferentemente do que ocorre na Argentina e no Uruguai. Esta afirmação encontra evidência em qualquer aligeirada conversa com estudantes, docentes e mesmo com os profissionais que realizam o assessoramento pedagógico nas universidades. Tal realidade faz com que muitas pessoas que atuam profissionalmente nas Assessorias Pedagógicas Universitárias não se identifiquem como APU, o que, por vezes, os faz não conhecer o referencial aqui utilizado, reforçando a falta de identificação com as pesquisas produzidas no campo. Assim, situar o APU no contexto universitário, inclusive na denominação de seu cargo profissional, clarificando suas funções e ações, torna-se uma contribuição deste artigo, em seu objetivo de compreender a trajetória e a atuação profissional dos assessores pedagógicos universitários. A propósito, a tese que referencia o recorte deste trabalho se propôs questionar como tem ocorrido a ação profissional do indivíduo que exerce a função de assessor pedagógico na universidade objetivando compreender sua trajetória profissional e atuação no exercício da função.

Esta questão norteou o percurso metodológico que levou a conhecer, mais de perto, o trabalho desenvolvido por assessores de duas universidades federais brasileiras e duas instituições de fora do país, sendo uma na Argentina e outra no Uruguai. Estes caminhos auxiliaram na reflexão acerca da construção profissional do APU, sua atuação enquanto profissional, sua relevância, suas limitações, mas, especialmente, suas possibilidades. Essas realidades, produtoras de culturas e de demandas profissionais próprias, permitem olhar a trajetória profissional do assessor por diferentes ângulos, levando a uma visão panorâmica da construção dessa função tão jovem e pouco reconhecida.

O Assessor Pedagógico Universitário

O assessor pedagógico universitário é figura presente em muitas instituições de educação superior no Brasil e em outros países, mas que, normalmente, não possui muita visibilidade por não ser um docente ou um gestor. Contudo, ainda que face a essa pouca visibilidade, quando a figura do assessor é prevista na instituição, na maioria das vezes, este indivíduo está envolvido em muitas frentes, entre elas os planejamentos, discussões e ações que podem auxiliar na melhoria dos processos pedagógicos que circundam a universidade. Deste modo, um profissional ainda pouco ou nada reconhecido, especialmente no Brasil, tem demonstrado, pelas pesquisas realizadas no campo, que sua presença tem sido cada vez mais importante na universidade, pois tem, em meio a suas funções, o papel de desencadear processos formativos capazes de interferir na qualidade e no andamento das questões pedagógicas, especialmente do ensino de graduação (CARRASCO, 2016).

Entre os pesquisadores que investigam o assessor pedagógico universitário está Lucarelli, pesquisadora argentina que aponta que a ação profissional destes atores se vincula a uma profissão de ajuda. Segundo essa pesquisadora,

a Assessoria Pedagógica Universitária [...] é reconhecida como uma profissão de ajuda em um meio em que as práticas de intervenção se orientam no sentido de alcançar mudanças que afetem a instituição educativa como um todo e a aula em particular. [...] como profissão de ajuda, manifesta e requer um marco teórico valorativo que permita compreender e justificar o desenvolvimento dessa prática na universidade (LUCARELLI, 2008, p. 4).

As tarefas voltadas às questões pedagógicas que envolvem o ensino, a pesquisa e a extensão exigem desse profissional o estabelecimento constantemente de parcerias em seu trabalho. Esse pressuposto, aliado à compreensão de uma profissão de ajuda de Lucarelli (2008), favorece o sentido de parceria, de colaboração, rompendo com o sentimento de superioridade que pode se estabelecer em quaisquer das partes envolvidas nas relações pedagógicas, isto é, nas relações entre docentes, assessores e outros profissionais da universidade.

A Enciclopédia de Pedagogia Universitária, produzida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e pela Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educação Superior (RIES), tendo como editora chefe Morosini (2006), destaca como um de seus verbetes o assessoramento pedagógico. Nela se define o assessoramento pedagógico como

ação intencional de acompanhamento e apoio aos processos pedagógicos produzidos em espaços escolares e não escolares. Para alguns autores, é uma prática especializada em situação que requer a definição de valores e um enquadre teórico explicitado (NICASTRO e ANDRÉOZZI, 2003). Notas: o assessoramento pedagógico tem sido compreendido como uma ação política e institucional, pois, estando ligado a períodos históricos e projetos pedagógicos específicos, pode representar uma oscilação entre a função regulatória e a emancipatória. Na primeira perspectiva sua função é garantir o alcance de objetivos numa racionalidade de eficácia e eficiência; na segunda propõe-se a dar sustentação aos movimentos de construção da autonomia dos sujeitos envolvidos com processos pedagógicos (CUNHA, 2006b, p. 383, grifo do autor).

Cunha (2006a, 2006b, 2008, 2010, 2013, 2014) é outra pesquisadora que tem se dedicado às questões da Pedagogia Universitária e muitos de seus trabalhos tratam da função do assessoramento pedagógico na universidade. Como disposto no verbete apresentado, sendo o assessoramento uma ação intencional de acompanhamento e apoio, será necessariamente uma ação política que exigirá escolhas. Assim, Cunha (2006b) evidencia que processos formativos, de fato, exigem abertura e criação de possibilidades de construção de autonomia por parte dos sujeitos que estão inseridos neles. O APU é, nessa lógica, um desencadeador de processos formativos, de modo que não é possível falar da ação do assessor sem refletir sobre a docência universitária.

A docência, por ser uma atividade de grande complexidade, exige uma construção profissional específica relacionada a saberes profissionais também específicos. Porém, na educação superior, a forma como o indivíduo adentra à docência, pode inviabilizar essa construção profissional. Essa constatação se refere ao fato de que, fundamentada em uma formação muito mais voltada à pesquisa do que à docência, a profissão de docente do ensino superior acaba sendo construída na prática - o que não é ruim -, fazendo com que o movimento reflexivo, necessário à profissionalidade docente, não seja, por vezes, desencadeado. Esse movimento é absolutamente necessário para que haja avanços nas práticas de sala de aula junto aos estudantes, e essa reflexão na ação pode ser desencadeada pelo APU, que tem como uma de suas funções promover a formação pedagógica do docente universitário.

Nessa direção, Cunha (2014) enfatiza a importância do desenvolvimento de saberes docentes, no sentido de melhor articular teoria e prática na formação contínua do docente universitário. Deste modo, entre as responsabilidades dos assessores, segundo as pesquisas realizadas, a que mais imputa desafios aos profissionais que efetivam o assessoramento é aquela relacionada com a formação pedagógica do docente universitário. Nessa perspectiva, Cunha (2014) afirma a importância de estratégias que façam com que a formação não recaia em momentos pontuais que não se identificam com a ideia de desenvolvimento profissional, pois não oferecem o movimento ação - reflexão - ação (CARRASCO, 2016). Essa é a concepção assumida nessa pesquisa, em que a formação docente se concretiza na reflexão sobre a ação compartilhada, e não em uma reflexão solitária, compreendendo também que esse processo de formação se direciona ao próprio assessor, que precisa se formar na ação e na reflexão sobre a ação, partilhando aquilo que fez e experenciou.

Destarte, em relação a essa função formativa do APU, um dos desafios a serem superados é o caráter instrumental dos processos formativos que frequentemente acompanham as propostas de formação do docente universitário, uma vez que a complexidade da docência pode levar o assessor a assumir uma proposta formativa imediatista, ofertando, dentre suas propostas, aquelas que aparentemente promoveriam mudanças rápidas na prática dos professores e, consequentemente, resultados também rápidos nas aprendizagens dos estudantes. Posto esse cuidado, alerta Cunha (2014) que essa dinâmica de formação pedagógica permanente, alicerçada em uma concepção de construção de saberes em ruptura a uma compreensão pragmática e imediatista de receituário pedagógico, dificilmente acontecerá de forma espontânea, requerendo, para se efetivar, “um movimento institucional de estímulo e apoio para abrigar a reflexão [...], [em que] o processo será bem mais significativo quando partilhado com os pares, compreendendo que os espaços coletivos são produtores das culturas onde os saberes docentes se instituem” (CUNHA, 2014, p. 37, grifo nosso). O estímulo e apoio institucionais, dessa forma, devem emergir exatamente das Assessorias Pedagógicas, compreendendo, entretanto, que não se trata de um trabalho de uma pessoa só (CUNHA, 2014).

A par dessa compreensão, Hevia (2004) classifica o papel do assessor pedagógico como complexo por diversos motivos e um deles é, exatamente, a necessidade de se estabelecer parcerias. Considerando que o APU precisar fazer articulação com os vários agentes que compõem a IES, desde os membros da gestão, no que tange as questões de planejamento, decisões legais, propostas formativas, até os docentes e os técnicos envolvidos nos processos pedagógicos, é possível assimilar a dimensão dessa complexidade. Ainda segundo a autora, aliada a isso há a diversidade de exigências relacionadas às questões institucionais e à função formativa do assessor, que precisa se efetivar nesse contexto. No Brasil, é comum o assessoramento pedagógico se encontrar em um amálgama de funções, perdendo muito de seu foco, que é pedagógico e formativo, em meio a funções exclusivamente administrativas. Broilo (2015) alerta para o fato de que “a credibilidade dos setores pedagógicos precisa ser conquistada e suas ações e concepções devem ser transformadas” (BROILO, 2015, p. 51), ou seja, não basta apenas existir um setor pedagógico e assessores que nele atuam; é necessária uma luta constante por legitimidade em suas funções e isso se conquista por meio de um trabalho bem fundamentado e articulado.

Xavier (2019), após mapear 19 universidades brasileiras que aderiram ao REUNI e ao modelo curricular do Bacharelado Interdisciplinar, delimita as responsabilidades da Assessoria Pedagógica em cinco dimensões. Esse limite das funções do assessoramento pedagógico universitário contribui para que o foco de trabalho do APU não seja perdido. A autora define essas dimensões das responsabilidades do APU como:

  • a) Assessoramento a docentes: responsabilidade que envolve todo o atendimento relacionado às questões didático-pedagógicas, que abarcam a docência e a aula universitária, de modo a constituir um espaço de consulta e apoio, seja individual, para atender demandas específicas, seja coletivo, para atender demandas multi ou interdisciplinares, de equipes de determinadas áreas de conhecimentos.

  • b) Assessoramento ao desenvolvimento profissional docente: responsabilidade direcionada à realização de ações que permitem o permanente crescimento dos docentes na carreira, em termos de aquisição de saberes e domínio de competências relacionadas à docência. Refere-se às ações de formação, planejadas e sistematizadas, em todas as dimensões que tangem os saberes da profissão docente, que devem ser desenvolvidas com continuidade, intencionalidade, por meio de programas institucionais, em espaços coletivos de formação que valorizem e se pautem na aprendizagem da docência, a partir de suas diferentes culturas epistemológicas.

  • c) Assessoramento à avaliação institucional: responsabilidade que se conecta aos órgãos de gestão, mas também à prática educativa como um todo. Assumida como ferramenta institucional de grande poder de alcance, o assessoramento à avaliação institucional evidencia os pontos fortes e também as lacunas a serem sanadas no campo pedagógico, tomando como referente a visão de toda a comunidade acadêmica, abrindo oportunidades de redimensionar estas questões avaliadas.

  • d) Assessoramento curricular: responsabilidade que tange as questões de planejamento e desenvolvimento dos currículos, dos projetos pedagógicos, quer de cursos, quer institucionais, assim como dos planos de ensino. Contempla, nesta frente de ações, o conhecimento normativo-legal que cinge as carreiras profissionais, em questão na formação acadêmica, e a epistemologia das áreas de conhecimento. Trata de uma ação que apoia as decisões pedagógicas dos professores, em grupos colegiados, protagonizando discussões e transformações nos projetos e, por consequência, nas concepções e práticas sobre ensino, pesquisa e extensão, inovação, empreendedorismo, parcerias interinstitucionais, e suas intrínsecas relações.

  • e) Orientação discente: responsabilidade que aciona o outro ator do processo de ensino e aprendizagem, sem o qual não se podem determinar soluções e intervenções coerentes para as questões áulicas. Ao se apoiar os estudantes, por um lado se ouve, sob outro enfoque, as demandas pedagógicas que afetarão o processo de ensino e de aprendizagem, e, por outro, assessora-se as definições institucionais relativas às questões da permanência e do sucesso acadêmico (XAVIER, 2019, p. 297-298).

Xavier (2019, p. 297) pontua, ainda, que essas dimensões devem estar articuladas entre si e se retroalimentam para que sejam efetivas em seu propósito formativo. Exclui, dessa forma, “as responsabilidades técnico-administrativas que lhes são imputadas, porque estas desviam seu caráter propositivo e de intervenção, o que, por consequência, provoca as dificuldades de definição identitária e reconhecimento institucional”. A partir da clareza das funções que devem ser desencadeadas pelo profissional que desenvolve o assessoramento pedagógico, reforça-se a importância de seu trabalho nas IES, especialmente na perspectiva de mudança e transformação apontada por Lucarelli (2008). Nessa direção, a autora enfatiza que “a Assessoria Pedagógica se faz presente como um dos recursos possíveis para o qual a instituição pode se direcionar para empreender processos de transformação no campo do ensino” (LUCARELLI, 2008, p. 4).

Assumindo uma postura de cuidado com a definição profissional, Nepomneschi (2004) alerta para o perigo de se colocar os responsáveis pelo assessoramento pedagógico em uma posição de salvadores, daqueles que podem solucionar todos os problemas de ordem pedagógica, concepção que se institui em virtude da multiplicidade de tarefas compelidas à função. A autora reafirma que colocar o APU nessa perspectiva abre a possibilidade de “excluir dos membros do grupo ou equipe docente a responsabilidade de uma tarefa elaborada em comum, programada, discutida e compartilhada” (NEPOMNESCHI, 2004, p. 57). Assim, a ideia de parceria, de fazer e resolver junto, é condição necessária, como já mencionado, para um trabalho assessor efetivo. Ou seja, pensar a Assessoria Pedagógica implica em pensar uma pessoa ou grupo de pessoas que são articuladoras daquelas tarefas pedagógicas de sua competência, entendendo que há outros partícipes destes processos e que somente o trabalho em colaboração irá, efetivamente, legitimar a função do APU.

Reforçando esse referencial, Nepomneschi (2004) levanta condições facilitadoras e obstaculizadoras que se colocam frente ao trabalho do APU. Entre as condições facilitadoras está o apoio institucional, sendo que, para a autora, esse apoio, tanto da parte da gestão quanto dos docentes e discentes, legitima a função. A legitimidade da função do APU a coloca em um lugar de destaque dentro da instituição, promovendo a consciência dos docentes a respeito da importância de um departamento que se incumbe da formação permanente voltada a eles. Ainda segundo a autora, essa legitimidade é melhor alcançada quando o setor é composto por equipes multidisciplinares, promovendo estímulo às propostas de inovação curricular e pedagógica.

Já as condições obstaculizadoras são caracterizadas, especialmente, pelos recursos escassos destinados à Assessoria, conjugado com o excessivo volume de trabalho. Muitas vezes, também se verifica a ausência de um lugar físico adequado para a equipe assessora, questão agravada por desentendimentos entre os membros da equipe. No caso da Argentina, define Nepomneschi (2004) que cargos não concursados obstaculizam a função, assim como a má distribuição do tempo. Dificuldades com relação às questões de gênero, em que a maioria das assessoras são mulheres e o não reconhecimento dos avanços alcançados, associados à dificuldade na comunicação nos diversos segmentos, dificultam o trabalho de assessoramento, assim como conduz à pouca adesão dos docentes nas formações desenvolvidas pelo APU.

A Trajetória da Pesquisa

Em termos metodológicos, a opção dessa pesquisa foi por uma abordagem qualitativa, com delineamento de estudo de casos múltiplos para abordar questões relacionadas à construção profissional dos APU, em sua atuação relacionada à melhoria dos processos pedagógicos que ocorrem no contexto universitário. Colocamos evidência no eixo que perpassa todas as ações do assessor, ou seja, a formação pedagógica docente. Foram analisados casos específicos que possuem experiências contextualizadas e únicas e, que trazem em si, toda a complexidade da trajetória profissional do APU.

O estudo de casos múltiplos (YIN, 2001) auxiliou-nos a entender que cada um dos casos analisados era um recorte específico da realidade. Foi possível olhar para cada um deles, assimilando suas singularidades para, posteriormente, articulá-las às similaridades encontradas nos espaços pesquisados. Nesse direcionamento, em nenhum momento da pesquisa foi nossa intenção fazer qualquer estudo comparativo entre os locus de investigação, mas analisar cada um deles em sua essência, buscando pontos de similaridades e singularidade entre eles.

O locus de pesquisa foi a universidade pública. No Brasil, o foco esteve nas universidades federais, e na Argentina e Uruguai nas universidades nacionais que já desenvolvem um trabalho de assessoramento pedagógico consolidado. Referente ao Brasil, as instituições foram denominadas de Universidade Br1 e Universidade Br2; referente à Argentina, as duas faculdades pesquisadas são apresentadas como Faculdade Ar1 e Faculdade Ar2; a ao Uruguai, são abordadas como Faculdade Ur1 e Faculdade Ur2.

A escolha dessas instituições foi feita pelo conhecimento prévio do trabalho de assessoramento por elas realizado, conhecimento esse alcançado por meio de parcerias com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Pedagogia Universitária (GEPPU), do qual são membros efetivos as pesquisadoras e autoras desse trabalho. Tal conhecimento possibilitou, de antemão, saber que tanto as universidades brasileiras quanto aquelas dos dois países pesquisados possuem um histórico de produção científica na área, contribuindo significativamente para a ampliação do campo profissional do assessor.

Os participantes da pesquisa foram assessores pedagógicos universitários que estavam atuando nessas universidades no momento da coleta de dados. Esse momento, nas instituições brasileiras, ocorreu no ano de 2018, e na Argentina e Uruguai ocorreu no ano de 2019.

A coleta de dados foi realizada por meio de diferentes instrumentos de pesquisa, os quais questionários, entrevistas, grupos focais e análise documental. Gerhardt e Silveira (2009, p. 56) compreendem que a coleta de dados é “um conjunto de operações por meio das quais o modelo de análise é confrontado aos dados” e reforçam que se trata de um momento fundamental para pensar tanto nos instrumentos como em todo o processo de coleta, com cuidado, fazendo sempre as perguntas: “O que coletar? Com quem coletar? Como coletar?” (ibidem). Essas questões nortearam escolhas e procedimentos no decorrer da coleta e, por esse motivo, buscou-se não apenas a quantidade, mas a qualidade de cada dado coletado, utilizando diversificados instrumentos e procurando inclinar um olhar atento a cada um deles.

Nas instituições brasileiras foi possível realizar grupos focais e aplicar questionários que permitiram um primeiro contato com as ideias mais pessoais de cada participante. Gerhardt e Silveira (2009) destacam que a elaboração de um questionário deve ser cuidadosa e precisa se levar em conta os tipos de questões. Levantam, desta forma, três tipos: questões abertas, fechadas e mistas. No caso dessa pesquisa, optou-se por elaborar questões abertas, pois a intenção era que os participantes pudessem responder com liberdade e clareza ao questionário, apresentando sua compreensão sobre a função de APU. Foram elaboradas 16 perguntas que buscaram conhecer a cada participante, sua trajetória profissional dentro da função, a abrangência de sua atuação e sua visão acerca do assessoramento pedagógico.

A partir dos questionários foi realizado o grupo focal. Barbour (2009) considera a técnica de grupo focal muito apropriada, tanto para as pesquisas na área da saúde como nas ciências sociais. Explica que há diferenciação entre técnicas que podem ser confundidas com grupos focais. Segundo a autora, existem técnicas de entrevistas em grupo em que a intenção é ouvir cada indivíduo sobre suas impressões e visões, sem uma necessária interação. Enfatiza que para que essa reunião de grupo se configure como um grupo focal há especificidades na técnica e uma delas é a de que, sendo uma reunião de grupo, o que deve ser estimulado é a interação entre os participantes, além da interação com o pesquisador. Esse é um dos pontos fortes da proposta e, na pesquisa em questão, o referido ponto foi bastante observado. Assim, intervenções foram realizadas a todo momento de realização do grupo focal, no sentido de alcançar o objetivo de que os participantes dialogassem entre si, explicitando seus pontos de vista.

Já nas instituições da Argentina e do Uruguai os caminhos para a coleta foram outros, começando pelos contatos. Mesmo com um conhecimento prévio das pessoas que supervisionariam o trabalho, a distância e as diferenças de calendários acadêmicos foram complicadores do processo de coleta de dados. Nesse período, nos locais pesquisados, foram feitas entrevistas semiestruturadas, pois os contatos possíveis foram com apenas um indivíduo do grupo da Assessoria Pedagógica de cada faculdade pesquisada, sendo apresentadas justificativas relativas ao tempo e indisponibilidade do grupo em participar de uma discussão simultânea. A partir dessa realidade, não foram enviados os questionários e somente a entrevista foi realizada com base no mesmo roteiro de perguntas. Gerhardt e Silveira (2009) destacam a entrevista como sendo “uma técnica alternativa para se coletarem dados não documentados sobre determinado tema. É uma técnica de interação social, uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca obter dados, e a outra se apresenta como fonte de informação” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 72). Consideram, ainda, que há diferentes tipos de entrevistas, definindo-as como estruturada, semiestruturada, não-estruturada, orientada, em grupo e informal. Apresentam a entrevista semiestruturada como aquela em que o pesquisador “organiza um conjunto de questões - roteiro - sobre o tema que está sendo estudado, mas permite, e às vezes até incentiva, que o entrevistado fale livremente sobre assuntos que vão surgindo como desdobramentos do tema principal” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 72). O tipo de entrevista utilizado na pesquisa foi o semiestruturado, visto que, a despeito de existir um roteiro elaborado previamente e já até ter sido aplicado no Brasil, os entrevistados falaram livremente sobre cada questão colocada. Conforme a conversa fluía, algumas questões deixavam de ter sentido no processo e se criavam outras que auxiliavam na melhor compreensão do objeto pesquisado naquele locus específico. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas. Todas foram feitas in loco, ou seja, houve o deslocamento da pesquisadora até cada uma das instituições para estar com os profissionais participantes.

Na Argentina foi possível, ainda, fazer a observação de duas experiências, sendo uma de formação docente realizada pela Assessoria Pedagógica da faculdade e a outra observação como discente em uma disciplina do curso de Ciências da Educação. A formação docente era parte do curso de Carrera Docente, desenvolvido pela área de Assistência Pedagógica da instituição. O público-alvo eram os docentes do curso de Odontologia, especialmente aqueles com menos experiência na docência, recém-contratados. Entretanto, participavam, também, docentes mais experientes e com suas vidas funcionais bem desenvolvidas dentro da instituição. A segunda oportunidade foi a disciplina de Didáctica del Nível Superior, ministrada por uma das participantes da pesquisa. Essa disciplina é parte integrante da grade curricular do curso de Ciências da Educação, curso que forma professores da Educação Básica na instituição.

Gil (2008, p. 100) ressalta que “a observação nada mais é que o uso dos sentidos com vistas a adquirir os conhecimentos necessários para o cotidiano. Pode, porém, ser utilizada como procedimento científico”. O autor afirma que a observação simples favorece e facilita a obtenção de outras hipóteses, além de enriquecer os dados. No caso da experiência referida, a observação foi fundamental para melhor compreensão do processo formativo desenvolvido pelos assessores pedagógicos e de como esse processo afetava os docentes, que recorrentemente davam testemunho disso nos encontros presenciais. Permitiu, também, compreender a importância de haver uma disciplina que trate da Educação Superior na graduação, especialmente no que tange ao campo epistemológico da Didática.

Com relação aos documentos, todos foram conseguidos pelas páginas das universidades e/ou com o auxílio de assessores que enviaram arquivos que não estavam disponíveis on-line. Todos foram analisados para que pudessem clarificar o olhar sobre os demais dados coletados. Lakatos e Marconi (2003) afirmam que a pesquisa documental é um procedimento muito importante para complementar ou compor a coleta de dados. No caso dessa pesquisa, coletar documentos que tratam da organização das instituições e das Assessorias Pedagógicas, como resoluções, PDI, relatórios etc., foi de extrema relevância para complementar os dados conseguidos por meio dos questionários, grupos focais, entrevistas e observações.

Para a efetivação dessas análises, pelas características da pesquisa, optou-se pela Análise de Conteúdo. O diálogo foi com Bardin (2011), que considera a Análise de Conteúdo como “um tratamento da informação contida nas mensagens” (BARDIN, 2011, p. 41), ou seja, é fundamental pensar nesse tipo de análise como sendo um tratamento de informação, um olhar minucioso sobre as mensagens conseguidas por meio da coleta de dados, sejam elas escritas, gravadas, percebidas por meio das observações.

A Análise de Conteúdo pode ser uma análise dos "significados" (exemplo: a análise temática), embora possa ser também uma análise dos "significantes" (análise lexical, análise dos procedimentos). Por outro lado, o tratamento descritivo constitui uma primeira fase do procedimento, mas não é exclusivo da Análise de Conteúdo. Outras disciplinas que se debruçam sobre a linguagem ou sobre a informação também são descritivas: a linguística, a semântica, a documentação. No que diz respeito às características sistemática e objetiva , sem serem específicas da Análise de Conteúdo, foram e continuam sendo suficientemente importantes para que se insista nelas (BARDIN, 2011, p. 41, grifo do autor).

Trata-se, entre outras coisas, de uma ação de descrição, mas não uma descrição qualquer, necessita ser uma descrição objetiva, sistemática. A autora enfatiza, ainda, que a Análise de Conteúdo aparece como um “conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (BARDIN, 2011, p. 44). Dessa forma, é importante perceber que o elencar de categorias, bem como de dimensões, não é algo alcançado por mera dedução, mas por um trabalho árduo de estudo dos dados, que permite categorizá-los e refletir as questões postas, em meio a um olhar afinado a tudo o que foi coletado. Assim, a categorização “é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos” (BARDIN, 2011, p. 147).

Para fazer a análise de todos os dados coletados, tratou-se cada um deles de maneira a avaliar as informações dos documentos, as respostas dos questionários, bem como tudo o que foi pronunciado nas entrevistas e grupos focais, além das observações. Por esse motivo, buscou-se a fidelidade aos dados coletados e à fundamentação teórica, à pergunta de pesquisa, bem como aos objetivos. Foi a partir de um olhar atento a todos esses aspectos que se chegou às categorias e dimensões explicitadas na pesquisa de doutoramento, que alicerça o recorte desse trabalho.

Fonte: Carrasco, 2020.

Figura 1 Categorias e Dimensões de Análises. 

Dentro da categoria “Trajetória Profissional” foi possível observar que há caminhos distintos em cada instituição, mesmo quando pertencem ao mesmo órgão, tanto no Brasil, nas universidades federais, como nas faculdades das universidades da Argentina e do Uruguai. Será possível perceber que há grande amplitude de ações na intervenção profissional do APU e que essas experiências acabam por afetar sua identidade profissional.

Da mesma forma, na categoria “Legitimidade” foi possível perceber que as questões de valorização, do reconhecimento ou não-reconhecimento da função, interferem sobremaneira em maiores ou menores possibilidades de atuação do assessor pedagógico universitário. Mesmo se tratando de trajetórias e graus de legitimidade distintos todos acabam se encontrando em algum ponto do caminho, em situações, condições, reconhecimento e outros elementos que permeiam a profissão.

Com vistas a atender o recorte apresentado nesse artigo, será abordada a dimensão “Atribuições”, dentro da categoria “Trajetória Profissional”, delimitada na pesquisa que o alicerça (CARRASCO, 2020).

As Atribuições dos Assessores Pedagógicos Universitários e suas Implicações no Desenvolvimento de sua Profissionalidade - Uma Análise

Ao analisarmos os dados coletados por meio dos questionários, das experiências relatadas nos grupos focais e nas entrevistas, e dos documentos reconhecemos que há uma quantidade significativa de atribuições que são delegadas aos assessores pedagógicos. Verificamos bastante variação de atividades e a existência de diferentes formas de realização da função, face às políticas institucionais que permeiam esse setor. Essa diversidade fica bem explicitada quando elencamos as atribuições que são imputadas aos assessores, tanto no Brasil como na Argentina e no Uruguai, destacando-se:

  • Desenvolvimento de Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC);

  • Atendimento de discentes;

  • Atendimento de demanda individual de docentes;

  • Criação e regulação de cursos;

  • Reformulação curricular;

  • Elaboração de normativas;

  • Revisão de processos avaliativos;

  • Procedimentos ligados à EaD;

  • Acompanhamento de projetos institucionais;

  • Organização de eventos formativos;

  • Participação em comissões;

  • Proposição, planejamento e organização de atividades de formação pedagógica.

Entretanto, é evidente que nem todos os assessores realizam todas essas atribuições. Há locais em que o profissional atua sozinho no setor, por ser um campus descentralizado, e, nesses casos, ou lhe é solicitado cumprir todos esses papeis (o que se torna inviável), ou, acaba-se dedicando a apenas parte das demandas, em virtude de não ser possível uma pessoa apenas desenvolvê-las integralmente. Frente a isso, a realidade institucional acaba por determinar a lógica de intervenção profissional dos assessores, contribuindo, assim, para a construção de uma dada identidade. Entendemos ser esse um aspecto bastante delicado, pois a construção identitária dos assessores, muitas vezes, acaba ficando a mercê de políticas personalistas e não institucionais, gerando confusões no seu campo de ação que impactam a contribuição que poderia vir a dar, em distintas demandas e cenários.

No que se refere aos assessores que atuam junto a um grupo maior, em um setor melhor estruturado, esses, mesmo face a um rol diverso de atuação, dividem as responsabilidades entre si. Entretanto, refere-se a uma divisão não isolada, visto que os APU mencionam sempre a importância de todos os membros da Assessoria Pedagógica estarem a par do que está acontecendo, de forma geral e ampla. Deste modo, cada APU tem condições de desenvolver outras responsabilidades, no caso da ausência de algum dos profissionais, não comprometendo o desempenho das funções assumidas pela Assessoria. Essa articulação foi sentida em quase todas as instituições pesquisadas, embora demonstre que essa é uma organização dos próprios assessores, ou seja, não é uma ação institucionalizada e nem garantida.

No contexto das universidades brasileiras e nas faculdades do Uruguai, que compuseram o locus da pesquisa, a divisão das atribuições dos assessores é bem marcada em seus documentos regulatórios. Nas faculdades pesquisadas na Argentina, há encaminhamentos um pouco diferenciados. Na Ar1 há uma equipe pequena de três assessores que estão à frente de todo o trabalho e que também se divide nas responsabilidades. Porém, têm como pressuposto formar equipes de atuação com outros parceiros da própria instituição para o desenvolvimento de projetos dentro da área que lhes é atribuída. A Área Pedagógica da Ar2, por sua vez, não apresenta uma divisão de tarefas tão marcada. Na interlocução com a Participante 2 fica claro que a Carrera Docente, o curso ofertado nesse local, é desenvolvida e realizada por todas as cinco assessoras que atuam na Área de Educação da faculdade. Nessa lógica, destaca-se o fato de que esta Assessoria assume menos atribuições e se dedica especialmente à formação do docente universitário, o que favorece a ideia do trabalho coletivo, pois estão direcionadas a uma tarefa específica. Ampla, mas específica.

Assim, no que se refere à fragmentação do grupo em setores, há que se problematizar as situações em que uma única pessoa fica responsável por uma dimensão do trabalho. Pensar as dimensões do trabalho do assessor de modo integrado remete, portanto, a questionar se a segmentação nos fazeres dos assessores contribui de fato para o bom desenvolvimento de suas responsabilidades, na perspectiva de uma interlocução profunda entre os sujeitos do espaço do assessoramento pedagógico. Assumimos com Xavier (2019) que setorizar não pode equivaler a individualizar. Sem essa concepção, como fica o trabalho coletivo entre os assessores, a troca de ideias, o planejamento e a operacionalização das ações? Pelas interlocuções que ocorreram nos grupos focais no Brasil, inferimos que há integração entre alguns assessores, mas outros já se envolvem bem mais, ou tão somente, com a sua própria atribuição, específica, o que não favorece uma interlocução entre os sujeitos do grupo nas tomadas de decisões e na realização das ações. Entendemos que é preciso assumir uma concepção de assessoramento que se constitua pela formação enquanto eixo transversal, de modo que “assumir a transversalidade da formação significa tornar todas as suas ações em momentos de troca, interação, intervenção e oportunidades de aprendizagens mútuas” (XAVIER, 2019, p. 299, grifo nosso).

Resgatando um pouco da história de ingresso desses assessores nas IES brasileiras - Pedagogos e Técnicos em Assuntos Educacionais -, verificamos que seus setores surgiram, em grande parte, pela proposta de assessoramento destinado aos novos campi, frutos do REUNI, que fomentou a implantação de muitos cursos que apresentavam propostas diferenciadas. Por consequência, pensando no objetivo primeiro do programa que era “ampliar o acesso e a permanência no Ensino Superior” (MEC, 2010, s/p), é possível compreender que estes profissionais seriam primordiais nas IES, para desenvolverem ações junto aos docentes e discentes, no sentido de melhorar os processos pedagógicos, que implicariam ações desde o pensar nos projetos pedagógicos de cursos, alcançando a formação didático-pedagógica do docente universitário.

Todavia, a chegada desses assessores nas instituições ocorreu sem maiores orientações, e, em muitos casos, sem uma política institucional clara que definisse o papel dos assessores ou mapeasse suas funções, de modo a direcionar as intervenções profissionais que se esperava desses novos profissionais. Isso posto, acabou por levar as próprias chefias a se perderem nas atribuições dos assessores, deixando, por vezes, a cargo deles atribuições distintas que nem lhes cabiam, devido às inúmeras demandas que são próprias dos técnicos administrativos. A partir do depoimento de alguns assessores, esse descompasso da gestão com a organização das Assessorias Pedagógicas fica evidente, e sinaliza que é uma condição que ainda perdura. Uma das Assessoras da universidade Br2 explica que, sempre que chega um novo Pró-Reitor, ela é questionada sobre o porquê de o Departamento Pedagógico ter um regimento próprio. E essa incompreensão decorre de ser esse o único órgão submetido à Pró-Reitoria de Graduação que possui um documento dessa natureza, o que gera a necessidade de uma extensa explicação relativa a toda a história de constituição do setor para a nova gestão. Porém, todo o grupo de assessores tem total consciência de que, se não fosse por essa conquista institucional, o risco de o Departamento já ter sido desfeito e dos profissionais serem enviados a outros setores para realizarem outras atribuições técnico-administrativas é enorme. Nesse sentido decorre a importância levantada pelos assessores pesquisados em haver legislações com especificação de suas funções, que garantam a permanência do setor pedagógico. Nas universidades brasileiras pesquisadas há algumas regulamentações que buscam garantir a existência dos setores pedagógicos, o que fortalece a permanência do trabalho e delimita melhor as funções desses assessores, porém, como todos sinalizaram, em ambas as instituições pesquisadas essa é uma luta constante, ou seja, que essas regulamentações se transformem, de fato, em política da instituição e cultura institucional, e não fiquem à mercê de cada nova gestão.

Na Argentina, a função já se encontra mais consolidada, pois a Assessoria existe desde a década de 1980, quando ocorreu a abertura política no país. Porém, como nas experiências pesquisadas do Brasil, houve uma caminhada, sendo que hoje os assessores se dedicam a muitas outras atribuições que não se dedicavam àquela época. Nas faculdades pesquisadas, explicaram que, inicialmente, o APU se envolvia apenas com as questões da reorientação curricular dos cursos e de seu credenciamento. Porém, com o passar do tempo, foi se sentindo a necessidade de incorporar outras responsabilidades ao fazer deste assessor, pois havia também lacunas no atendimento aos docentes e discentes.

No Uruguai, a situação das duas faculdades pesquisadas apresenta similaridades com a da Argentina, especialmente no que tange às questões históricas. Uma singularidade é que todos os setores pedagógicos das faculdades são regidos por uma Comissão Setorial de Ensino, que acompanha e regulamenta o funcionamento dessas Unidades de Apoio Pedagógico. Tal denominação, entretanto, pode se diferenciar nas diversas faculdades, mas em todas o objetivo é o de oferecer apoio pedagógico à instituição. Mesmo com a regência da Comissão Setorial, há bastante autonomia de ação desses setores. Assim, a faculdade Ur2 tem esse espaço que é uma Unidade de Ensino, e já na Ur1 esse setor pedagógico conseguiu o status de departamento da instituição, com agentes que são concursados como docentes especialmente para realizarem o assessoramento pedagógico. Segundo o Assessor 1 dessa faculdade, foi uma conquista da Unidade que permitiu acessarem melhorias salariais, situação funcional reconhecida e melhores condições de trabalho.

É-nos evidente, portanto, que qualquer regulação deve permitir ao assessor assumir as responsabilidades que lhe cabem nas dimensões pedagógicas que lhe são devidas, em interlocução entre funções e entre pessoas, para que as ações desencadeadas realmente cumpram o papel de interferir de forma positiva nos processos de ensino e de aprendizagem que ocorrem nos cursos. Concordamos com Xavier (2019), que ao se definir o rol de responsabilidades pedagógicas que competem aos assessores, atinge-se

[...] nessa lógica, a integralidade das rotinas e práticas pedagógicas universitárias. Excluem, por seu turno, as responsabilidades técnico-administrativas que lhes são imputadas, porque estas desviam seu caráter propositivo e de intervenção, o que, por consequência, provoca as dificuldades de definição identitária e reconhecimento institucional (XAVIER, 2019, p. 297).

Para a autora, há dois eixos que perpassam transversalmente todas as dimensões de trabalho do APU, quais sejam “o incentivo à inovação e a formação pedagógica” (XAVIER, 2019, p. 298), destacando que a inovação que estará presente tanto na sua atuação com relação ao assessoramento curricular, nas reformulações de projetos pedagógicos, como no assessoramento pedagógico “por meio do incentivo e colaboração nas práticas, como, ainda, por meio da formação que põe em debate e em reflexão os pilares de inovação curricular a serem atendidos pela inovação pedagógica” (XAVIER, 2019, p. 298). Ademais, Cunha (2014), Lucarelli (2008), Broilo (2015) abordam a necessidade, ainda, de se qualificar o trabalho pedagógico por meio da sistematização de tudo o que tem sido realizado. Nessa direção, a pesquisa da própria prática do assessor é o caminho a ser trilhado, segundo as autoras.

Cunha (2014), além de resgatar a importância do desenvolvimento profissional do docente universitário por meio da formação pedagógica e da pesquisa da própria prática, evidencia a necessidade do desenvolvimento de saberes específicos da profissão docente e de uma formação pautada no conceito de ensino com pesquisa. A partir desses apontamentos coloca a importância das equipes de assessoramento pedagógico que atuam nas IES, especialmente na dimensão de formação docente, reforçando a necessidade do assessor pedagógico “sair do espontaneísmo amador e assumir uma condição profissional” (CUNHA, 2014, p. 43).

É, portanto, fundamental lembrar que essa formação se faz necessária em virtude da construção profissional do docente universitário, que se dá em cursos de pós-graduação stricto sensu, sendo uma formação voltada para a pesquisa. É amplamente reconhecido que para adentrar as universidades brasileiras como docente, apesar de sempre haver a solicitação de uma aula didática, na prática não se exige desse profissional saberes específicos da docência. Ao contrário, existe pouco ou nenhum estímulo para que esses profissionais se dediquem, de fato, à docência na graduação das instituições. Cunha (2014) salienta que esses docentes estão chegando na carreira cada vez mais jovens “com pouca experiência profissional e rara preparação pedagógica” (CUNHA, 2014, p. 30). Esse cenário potencializa o papel a ser assumido pelos APU, uma vez que a eles competirá a construção de espaços formativos que deem conta de abordar esses saberes junto aos docentes, em uma condição de formação em serviço.

Nessa atuação específica relativa à formação pedagógica do docente universitário, Cunha (2014) apresenta os modelos de formação em diferentes graus de centralização por parte daqueles que articulam as propostas formativas. São eles os modelos (A) Modelo de Centralização e Controle das Ações; (B) Modelo Parcial de Descentralização e Controle das Ações; e (C) Modelo Descentralizado de Acompanhamento e Controle das Ações. Em uma inferência a partir das análises dos dados coletados, indiciamos que há, ainda, grande distância para que as instituições alcancem o Modelo Descentralizado de Acompanhamento e Controle de Ações (C). Mesmo na Argentina, onde se vê cursos densos de formação pedagógica do docente, e ainda que alçados ao status de curso de Especialização, referem-se a cursos já formatados, prontos, elaborados sem a participação dos docentes que deveriam ser, na perspectiva de Cunha (2014), sujeitos nesse processo. Seria por essa lógica possível assumir que tais formações se referem a uma abordagem mais emancipatória. O modelo C só vai acontecer, portanto, se os assessores conseguirem construir uma cultura institucional de autodesenvolvimento profissional junto aos docentes, de modo que todos passassem por um processo que favoreça, também, a construção de uma cultura de investigação de suas próprias práticas.

Estes modelos permitem, então, identificar o tipo de formação que está sendo proposto e desencadeado para os docentes universitários, pelos assessores pedagógicos, tendo referência do que se espera alcançar. Se a formação é um dos eixos que perpassa todas as outras dimensões de atuação do assessor (XAVIER, 2019), não é possível pensar que a formação pedagógica do docente possa ser incipiente. Não é por acaso que todos os assessores pesquisados, no Brasil e no exterior, colocaram a formação pedagógica como sendo o grande desafio dentro de suas funções, sendo que é possível perceber, em todos os locais, uma diminuição das propostas formativas por parte das equipes assessoras. Isso se deve a fatores como a baixa adesão às formações por parte dos docentes, a falta de apoio, seja de recursos financeiros seja recursos humanos, por parte da gestão, além das demandas que emergem no dia a dia de trabalho do assessor. Essas mesmas questões são, também, grandes obstáculos para que as propostas formativas evoluam para um Modelo Descentralizado de Acompanhamento e Controle das Ações (CUNHA, 2014), pois, para tanto, seria necessária uma participação efetiva de todos os sujeitos do processo, ou seja, assessores, docentes, gestores e demais agentes, desenvolvendo no coletivo propostas formativas apoiadas na escuta atenta das demandas e apoiadas nas condições para sua consolidação.

Nas universidades brasileiras há ofertas de formação, porém, não há indícios de que sejam proposituras que incidam em um processo contínuo e reflexivo do professor. O que se vê são propostas pontuais, como encontros científicos, palestras, oficinas, ou seja, não foi encontrado, nas universidades pesquisadas, um processo formativo em andamento no que tange à continuidade e à concepção de uma formação que desencadeie a ideia de ação-reflexão-ação. Essa ideia, sustentada por Donald Schön (1993) quanto ao profissional reflexivo, considera que se basear somente na prática para garantir a formação de um profissional é tão incipiente quanto formações que não propõem a reflexão sobre essa prática, a partir de um coletivo e de referenciais teóricos alinhados com o que se deseja desenvolver. Logo, concordamos que “refletir não é retomar constantemente os mesmos assuntos utilizando os mesmos argumentos, na verdade, é documentar a própria atuação, avaliá-la (ou auto avaliá-la) e implementar os processos de ajustes que sejam convenientes” (ZABALZA, 2004, p. 126). Nessa lógica, Broilo (2015) aponta a importância dos espaços pedagógicos nas universidades, ocupados por assessores, serem “espaço de acolhida para garantir a discussão, a reflexão e o diálogo entre os professores” (BROILO, 2015, p. 240). Destaca que deve ser um espaço de reflexão acerca de uma inovação que alavanque a construção do conhecimento e o rompimento com a reprodução de formas de ensinar meramente transmissivas. Para tanto, faz-se necessário que, também, os próprios assessores construam a sua profissionalidade na autogestão de sua formação e nos desafios inerentes a ela.

Na Argentina, cada uma das faculdades pesquisadas seguiu por caminhos que têm similaridades e singularidades com as ofertas de formação que foram vistas nas universidades do Brasil. A faculdade Ar2, por exemplo, faz uma formação docente, com duração de dois anos, mas que ainda não tem status de pós-graduação. Apesar de ser uma formação específica, que tem um tempo de duração determinado, termina por não oferecer nenhuma continuidade, embora o processo desenvolvido ao longo de todo o curso seja bastante reflexivo. A despeito de ser um curso bem denso teoricamente, os professores participantes sempre são desafiados a relacionarem o conteúdo dos encontros com a prática de suas aulas, levando, inclusive, tarefas para desenvolverem e discutirem posteriormente. Com a oportunidade de ter realizado a observação em parte dessa formação, foi possível perceber o aprofundamento proposto, assim como a articulação da teoria com a prática. A similaridade com os cursos das universidades no Brasil está na não continuidade, porém, sendo um curso de dois anos denota maior continuidade do que as formações normalmente ofertadas nas instituições brasileiras pesquisadas.

A formação da Ar1 percorre caminhos parecidos com a Ar2, porém, o curso forma o docente no nível de Especialização em Educação. Uma característica a se ressaltar nos cursos ofertados por essas duas faculdades é que são formações pedagógicas totalmente voltadas às áreas de atuação dos docentes, ou seja, o curso desenvolvido na Ar2, assim como o desenvolvido pela Ar1, articula os saberes pedagógicos com as disciplinas desenvolvidas pelos professores em suas áreas específicas. Essa característica diferente de formações mais genéricas que lidam, única e exclusivamente, com as questões pedagógicas descontextualizadas da realidade do docente. O elemento contextualização então nos parece elementar na formação pedagógica, tanto no que tange à valorização e o foco na especificidade de determinada área quanto nas correlações das áreas num contexto onde o professor e seus estudantes estão historicamente situados.

No caso do Uruguai, a assessora pedagógica da faculdade Ur2 explica que ficaram com dois modelos de oferta de formação. Uma obrigatória para os ingressantes, momento em que buscam tratar de questões importantes para a atuação do docente em sala de aula, fazendo uma articulação de suas práticas com o Plano de Ensino do curso, e outra proposta formativa por demanda, por meio de editais que são lançados semestralmente pelo Setor Pedagógico, em que equipes de docentes que trabalham em um mesmo curso solicitam a intervenção dos assessores, em situações de problemas reais enfrentadas em sala de aula. Essa proposta de formação por demanda foi a solução encontrada para a baixa adesão em outras formações oferecidas pelo setor.

Na Faculdade Ur1 há grande preocupação com as questões da avaliação institucional e o Departamento dedica bastante tempo a isso. A formação pedagógica do docente é oferecida em propostas mais curtas, porém, constantes. Os assessores acompanham, ainda, o Mestrado em Educação que existe dentro da instituição para os docentes que desejam se especializar na área, atribuição devida por se tratar de uma faculdade da área da Saúde, logo, são os APU os especialistas no campo da Educação.

Os achados revelam que há grande adesão para as formações pedagógicas ofertadas nas faculdades estrangeiras, diferentemente da realidade das universidades brasileiras. Algumas hipóteses podem ser levantadas para se tentar compreender esse fato, sendo uma delas relacionada à exigência de formação para ser docente universitário, que é diferente nesses países pesquisados. No Brasil, a exigência é de formação em nível de doutorado para preenchimento das vagas de docentes. Na Argentina e no Uruguai é possível ser docente na universidade assim que se conclui a graduação, pois, nesses países, o professor não vai ser necessariamente o pesquisador. Logo, formado na profissão, pode atuar como docente. Nessa lógica, buscar formação específica na docência seria algo que realmente faria a diferença na carreira desses profissionais, o que, para os docentes universitários brasileiros mestres, doutores e pós-doutores, pode parecer uma dedicação com pouco sentido, já que possuem larga caminhada na perspectiva de formação na área específica e na pesquisa. Além dessa questão, há outros pontos que permeiam a cultura docente na universidade, como a não valorização dos aspectos pedagógicos na Educação Superior, nem o reconhecimento da complexidade da docência.

Outra hipótese estaria relacionada com os modelos de formação ofertados. Avaliamos que, talvez, uma proposta mais densa despertaria maior interesse de participação nos docentes, em detrimento a propostas formativas pontuais, que não oferecem oportunidade de continuidade e acompanhamento. Porém, isso dependeria de uma mudança de olhar dos docentes universitários para reconhecerem que, de fato, precisam se aprimorar no que diz respeito à aula e seus desdobramentos.

Uma terceira hipótese seria de uma proposta que resultasse em certificação e que trouxesse vantagens funcionais. No Brasil, verificou-se diferentes perspectivas sobre isso. Na Br1 há um movimento para que as formações pedagógicas passem a ter peso na avaliação do docente, o que acontece nas faculdades pesquisadas na Argentina e no Uruguai. Contundo, como já denuncia Xavier (2019), e como foi avaliado, também, na Br2, há um movimento contrário, em que associam o estágio probatório ao programa de formação docente. Deste modo, em vez de certificar de um modo favorável à adesão docente, quantifica-se a formação, dando-lhe o caráter de instrumento de aprovação em estágio probatório. Há, frente a essa realidade, o desejo de muitos assessores de mudar essa perspectiva, pois não querem atrelar os processos formativos às questões funcionais restritas ao estágio probatório.

Todas essas hipóteses, que podem ser tomadas como pressupostos relacionados à formação do docente universitário, conduzem a redimensionar as oportunidades de desenvolvimento profissional do docente universitário. Em mesma direção dos modelos formativos de Cunha (2014), Marcelo (2009) evidencia que não será por meio de modelos transmissivos e centralizados de formação que se chegará à transformação das concepções e, consequentemente, das práticas dos professores, mas por modelos de construção conjunta de conhecimentos. São processos que devem ocorrer a longo prazo, ou seja, devem ser contínuos, com o cuidado de conseguirem relacionar a teoria e a prática. Segundo o autor, as formações devem ter cunho colaborativo e coletivo, nunca individual, e deve ser desenvolvida a partir do contexto vivenciado pelo grupo de profissionais, tendo sentido dentro daquilo que os docentes desenvolvem em seu dia a dia em sala de aula.

É deste modo que, pensando no dia a dia da sala de aula e partindo-se do pressuposto de que a formação pedagógica perpassa todas as outras dimensões do trabalho do APU, que é importante analisar, também, como se dá sua atuação junto aos discentes. Assim, entendendo que o trabalho de assessoramento não pode ser dicotomizado, defendemos que as ações interligadas é que terão condições de promover mudanças reais nos processos de ensino e de aprendizagem da universidade. Este aspecto é delicado, pois nas instituições estudadas a divisão das tarefas pelas equipes de assessores, ora com foco nos estudantes ora com foco nos professores, acaba por fragmentar e diluir ainda mais as atribuições e suas formas de desenvolvimento do trabalho de assessoramento, dicotomizando as orientações entre os próprios sujeitos (professores- alunos- coordenadores), caso não haja um trabalho coletivo, coerente e correlato frente às demandas da própria instituição.

No Brasil, as duas universidades pesquisadas concentram o atendimento aos alunos nos setores responsáveis pelo assessoramento pedagógico. Há propostas de tutorias aos alunos ingressantes, propostas de atendimentos individualizados, de momentos formativos que buscam desenvolver práticas de organização, gestão de tempo e informações importantes sobre a instituição. Assim, no caso brasileiro, há uma tentativa significativa da não fragmentação do trabalho dos assessores envolvidos com professores e os estudantes, pois, apesar de possuírem necessidades diversas, estão no mesmo espaço institucional, cujo processos formativos vivenciados por ambos precisam de coerência, conexão e inter-relação.

Na Argentina, a faculdade Ar1 faz um trabalho bem consolidado no atendimento de estudantes, apresentando dois projetos para isso. A tutoria dos estudantes acontece em várias etapas de sua permanência na instituição, no ingresso, nos estágios e no último ano, para dar orientações acerca do mercado de trabalho e possíveis atuações, acolhendo as angústias e dificuldades dos alunos nesses momentos específicos. Essa tutoria é organizada pelo Setor Pedagógico da faculdade, porém, conta com a participação de docentes e discentes veteranos, o que torna o projeto muito profícua sua ação. São formados grupos de tutoria que acompanham a grupos de alunos por todo seu percurso acadêmico. Há, ainda, o Programa de Alfabetização Acadêmica para os alunos ingressantes, que aprendem a linguagem própria da academia, especificamente na área das Ciências Veterinárias. É organizado da mesma forma, ou seja, em parceria com docentes e discentes veteranos, com a supervisão e acompanhamento do Setor Pedagógico.

Na faculdade Ar2, a Área de Educação, apesar de focar maiores esforços na formação docente e nas assessorias diretas a professores, se dedica também ao atendimento pedagógico de estudantes que estejam com dificuldades de aprendizagem no decorrer do processo vivenciado na instituição.

No Uruguai, nas duas faculdades pesquisadas, o atendimento ao aluno é realizado por outros órgãos, porém, declararam que, não raras vezes, fazem parcerias com esses espaços para auxiliarem nesses atendimentos. Nesta realidade, portanto, não se refere a uma função específica dos assessores das faculdades.

Ainda que entendamos ser o atendimento ao discente uma ação essencial no processo formativo desencadeado pelo APU, faz-se necessário indicar limites para esse atendimento. A exemplo da Argentina e do Uruguai, o Setor Pedagógico faz atendimentos a alunos de cunho estritamente pedagógico, o que não foi o verificado nas universidades do Brasil. O que se observou no caso brasileiro, a partir da coleta de dados, é que o APU atende todo tipo de problema que o estudante apresenta. Além das questões pedagógicas, os assessores atendem, ainda que em condição de triagem inicial para posteriores encaminhamentos, a problemas sociais, psicológicos e de qualquer outra natureza que aparecer. Quando percebidos problemas que fogem do escopo pedagógico, os alunos são encaminhados aos setores de atendimento psicológico e social, porém, passam pelo assessoramento pedagógico em primeira instância, na maioria das vezes, como relatam os assessores. Se esse atendimento realizado por esse setor tivesse o foco estritamente pedagógico, a articulação com os elementos que envolvem o docente poderia gerar processos formativos mais contundentes. Isso significa que, se o assessor se dedica à formação do docente no espaço acadêmico e participa da reformulação das propostas curriculares e de avaliação, saber o que ocorre com os estudantes na aula, a partir de uma escuta atenta às demandas deles, pode ser informação primordial para o direcionamento de ações formativas em todos estas dimensões.

Outra atribuição analisada nesta dimensão é a da pesquisa. Pelos dados levantados na coleta e com base nas atribuições elencadas por Xavier (2019), é possível inferir que no Brasil, os Assessores Pedagógicos Universitários não trabalham com pesquisa de forma profissional. Pode ocorrer de realizarem suas próprias pesquisas em seus mestrados e doutorados, porém, não há uma ação de investigação no departamento em que desenvolvem o assessoramento pedagógico. Assim, para além do rol de responsabilidades recorrentemente verificado nas instituições brasileiras e mapeado por Xavier (2019), tanto na Ar2 como na Ar1 há uma ação muito própria das faculdades pesquisadas na Argentina, que é a pesquisa na área do assessoramento pedagógico ou de temáticas que estejam relacionadas ao ensino. Na faculdade Ar2, uma pesquisadora foi contratada pelo setor para dinamizar a investigação na área e há uma estrutura montada nessa perspectiva. Na faculdade Ar1, segundo a assessora entrevistada, a pesquisa acaba ficando atrelada às questões de tempo, mas acontecem efetivamente. Organizam inclusive, uma revista científica da faculdade onde podem divulgar seus achados investigativos.

A questão da pesquisa como atribuição do APU levou-nos a pensar o objetivo dessa ação dentro da instituição, por parte desses profissionais. Observou-se que no exterior, fazer pesquisa na área já é uma ação consolidada em três das quatro instituições pesquisadas. No Brasil, essa ação ainda não é prioridade dentro dos espaços de assessoramento, mas é uma questão a ser refletida, especialmente quando se propõe a relação da autoformação e do desenvolvimento profissional do APU com a pesquisa da própria prática.

Para pensar na importância dessa ação, Cunha (2013) resgata o paradigma da ciência moderna. Inspirado nas ciências exatas e naturais, inicialmente foi a fundamentação desses campos que acompanhou as ciências sociais no âmbito da pesquisa, em virtude da busca de legitimidade no que tange à investigação do campo epistemológico. Tanto as temáticas sociais como educacionais ficavam a mercê de uma neutralidade que não era possível ser alcançada no estudo dos fenômenos do campo. Cunha (2013) aponta que foi necessária uma mudança paradigmática para que as ciências sociais assumissem outra postura mediante a pesquisa. Dessa forma, trabalhos nas diversas dimensões desse campo foram rompendo essas barreiras, o que impactou os pressupostos de pesquisa na área.

Quando se toma o pressuposto de que a pesquisa pode ser um elemento-chave para a formação emancipadora, está se adotando a ideia de coerência entre os processos investigativos e uma proposição valorativa de educação. Na medida em que o paradigma da racionalidade técnica foi dando lugar à compreensão do fenômeno educativo como produzido social e culturalmente, houve significativas mudanças nas formas de produzir conhecimento sobre educação (CUNHA, 2013, p. 620).

Pensar, portanto, na pesquisa que pode ser realizada pelos assessores pedagógicos remete a refletir a que pressupostos tais pesquisas estarão atendendo. Se a pesquisa em Educação precisa ser vista como um fenômeno social e cultural, em que medida essas pesquisas estarão contribuindo para melhorar o campo educacional, ou da Pedagogia Universitária? Se a pesquisa assumir, de fato, sua condição questionadora e sua contribuição para os processos educativos emancipatórios, como enfatiza Cunha (2013), realmente há que se pensar em investir tempo e energia para ser desenvolvida pelo APU. Com efeito, seria possível não a assumir como uma nova atribuição, mas, sim, como outra dimensão transversal ao rol de atuação do assessor, assim como formação e inovação o são, na perspectiva de Xavier (2019). Deste modo, assumimos, nesse estudo, que a pesquisa deveria ser parte de todas as funções do assessor, não um adendo; deveria, portanto, ser a teorização de sua prática, um requisito de sua própria função.

As análises nos faz alcançar a trajetória percorrida pelos APU, verificando que, apesar de inicialmente os assessores pedagógicos nas universidades pesquisadas no Brasil terem sido vistos como um agente técnico-administrativo, que desenvolveria sua atuação profissional de acordo com as demandas da gestão, eles conseguiram, por empenho próprio dentro de uma dimensão coletiva e por reconhecimento e auxílio de alguns outros agentes dos espaços de atuação, desobstruir barreiras e construir um caminho diferente daquele ao qual seria destinado, a princípio, em suas instituições de trabalho. Esse caminho se revelou ser de significação dentro da função, buscando e dando sentido a ela no decorrer do tempo.

Na Argentina e no Uruguai essa caminhada também se deu em termos de avanços importantes, vez que, inicialmente, os assessores se dedicavam somente à orientação curricular e ao credenciamento de cursos junto aos órgãos federais daqueles países. Com o tempo, foram assumindo papeis formativos fundamentais e tão significativos que, de acordo com depoimento de uma das entrevistadas, não há como ver essas instituições sem as Assessorias Pedagógicas, que “hoje, são parte integrante de todo o trabalho desenvolvido na universidade” (Entrevista com docente Ar, 2019).

Resultados e Considerações

A partir do objetivo geral do estudo, de compreender a trajetória profissional e atuação do Assessor Pedagógico Universitário, foi traçado um caminho de busca de experiências de assessoramento pedagógico que sustentasse a pesquisa proposta. Era necessário olhar para espaços em que existisse uma trajetória já consolidada de assessoramento, que demonstrasse como o caminho havia sido estruturado. Com o comprometimento de verificar como tem se dado a ação profissional do APU, foi possível vivenciar cada um dos espaços pesquisados, buscando conhecer os diversos caminhos percorridos pelos assessores nessa construção profissional dentro de suas instituições.

Verificamos que o contexto histórico de cada local, e mesmo de cada país, interferiu sobremaneira no caminho de desenvolvimento desta ação profissional. O Brasil, por iniciar o processo de ampliação de acesso, consequentemente, de abertura de espaços de assessoramento pedagógico dentro da universidade tardiamente, está ainda bastante distante de alcançar uma legitimidade da função do APU. Na Argentina e no Uruguai, esse caminho já está mais consolidado, sem, no entanto, estar encerrado, pois, ficou evidente, por meio das manifestações dos assessores, que a luta pela legitimidade é constante em virtude das também constantes mudanças no cenário social, cultural e político das instituições.

Foi possível perceber que a ação profissional do assessor pedagógico passa a ser fundamental quando ele ganha espaço dentro da instituição e reconhecimento de na realização de seu trabalho. É fundamental o foco em suas responsabilidades, percebendo a importância de não se desviar delas - nem se deixar desviar - para que possa realizar seu trabalho de tal forma que consiga alcançar o desencadeamento de todo um processo formativo que precisa se dar em cada uma de suas ações. As instituições pesquisadas no Brasil e no exterior têm conseguido preservar essa essência, apesar dos inúmeros desafios que enfrentam. A luta por manter os espaços que possuem, e fazer com que cheguem a ser territórios de atuação, foi constatada ser muito forte e muito árdua. Espaço, lugar e território são referências para se entender os espaços de formação como lugares que precisam ser ocupados. O espaço é apenas a distância entre dois pontos, enquanto o lugar é o espaço ocupado e o território é o local do exercício da soberania (CUNHA, 2010). “O espaço se transforma em lugar quando os sujeitos que nele transitam lhe atribuem significados. O lugar se torna território quando se explicitam os valores e dispositivos de poder de quem atribui os significados” (CUNHA, 2010, p. 56). Observamos que essa é uma luta que não pode cessar. As instituições da Argentina e do Uruguai se encontram igualmente no foco de manter a essência, porém com espaços mais estruturados, talvez já lugares, que podem estar mais próximos de se tornarem territórios.

A formação específica do assessor pedagógico, ofertada pela instituição, é outro tópico importante. Se há busca pessoal na formação do assessor, se a autoformação tem sido uma possibilidade de crescimento dos assessores, tanto no Brasil como na Argentina e no Uruguai, defendemos que há a necessidade de existirem espaços formativos específicos para esse agente, também dentro da instituição. Nesse sentido, amplia-se a possibilidade de desenvolvimento profissional e de autoformação, com vistas à melhoria dos processos vivenciados em suas atribuições, a partir de experiências que promovam a reflexão acerca da função e o redimensionamento de ações, sempre que for necessário. Não se afirma, com isso, que sua busca pessoal não deva continuar porque, sim, deve. Porém, necessita ser acompanhada de outras experiências formativas institucionais, totalmente engajadas com seu trabalho, proporcionando significado ao fazer diário.

Além dos espaços formativos que devem ser criados nas instituições, afirmamos que há outros coletivos de importante reverberação na formação do assessor pedagógico universitário, redes às quais devem ser dadas a devida visibilidade e valorização. A exemplo desses espaços de autoformação dos APU está a RedAPU1, formada por assessores de vários países da América Latina, especialmente Argentina e Uruguai, contando com pesquisadores do Brasil. No Brasil, há uma iniciativa recente intitulada Grupo de Estudos de Assessores Pedagógicos Universitários (GEAPU)2, que conta com assessores pedagógicos de instituições públicas e privadas de todo o Brasil e também objetiva constituir-se como um espaço de autoformação de assessores pedagógicos.

Outro espaço importante de encontros e de aprendizagem que avaliamos fundamentais para a autoformação dos assessores e qualificação de suas práticas, à vista de sua aproximação com a pesquisa, são Grupos de Pesquisas instalados nas instituições, destinados a este fim, especificamente. O Grupo de Estudos e Pesquisas em Pedagogia Universitária (GEPPU), da UNESP Rio Claro, é um desses espaços de estudos e pesquisas acerca das questões que envolvem a Pedagogia Universitária. Como no grupo há assessoras pedagógicas e há pesquisadoras que se dedicam a investigar o campo, torna-se um lugar importante de desenvolvimento de ideias e abertura de novos espaços de discussão e aprendizagem. A exemplo disso, verifica-se nas atividades do grupo a realização de um evento que já está indo para sua terceira edição, o Congresso Brasileiro de Pedagogia Universitária (CBPU). Em suas duas edições já realizadas, proporcionou muitas reflexões acerca de diversos aspectos da PU, inclusive, sobre o assessoramento pedagógico. Na última edição, realizada em janeiro de 2020, aconteceram oficinas sobre temáticas específicas da PU e, entre essas oficinas, havia a de Assessoria Pedagógica Universitária. Um espaço onde foi possível discutir a função do APU, por meio de dinâmicas e diálogos, que levaram os assessores presentes a avançarem em suas reflexões acerca de sua atuação profissional dentro das universidades em que trabalham, contribuindo para a construção de sua profissionalidade.

Defendemos, portanto, que todos esses espaços são de fundamental importância, porém, não eximem as instituições de investirem na organização de lugares próprios de formação do assessor pedagógico universitário.

Constatamos o grande empenho dos assessores pedagógicos em delimitar seu rol de atuação dentro da instituição, o que, por vezes, nas poucas regulamentações existentes, ocorre. Na prática, verificamos que, por mais que as ações estejam explicitadas em documentos e planos, o assessor ainda fica à mercê do imediatismo da dinâmica institucional, condição que desfavorece sua constituição identitária. Tal afirmação se fundamenta, primeiramente, com base no que emergiu dos grupos focais, por parte dos assessores, com relação à pouca autonomia de trabalho que possuem, ou seja, por mais que se empenhem em serem protagonistas nos processos que desenvolvem, ainda dependem muito das decisões da instituição acerca daquilo que irão realizar. Entretanto, é importante levantar a questão de que a autonomia é uma construção que demanda conhecimento e legitimidade no trabalho. Os assessores estariam preparados para terem maior autonomia em suas responsabilidades com relação às questões pedagógicas? Assim, por mais que existam ações de resistência, estas ainda se revelam isoladas e pouco profícuas na direção de alcançarem maior autonomia.

Além da questão da autonomia, a dinâmica da instituição e problemas imediatos a serem resolvidos, por vezes, limitam a atuação específica do profissional nos setores que ele deveria de fato atuar, isto é, reconfiguração dos currículos e dos processos avaliativos, formação docente, atendimento a estudantes, assessoramento pedagógico. Ainda que se vejam desenvolvendo atividades típicas de cada um desses eixos de trabalho, não raras vezes, se veem presos a questões mais burocráticas, imputadas pela gestão, que acabam por sufocar os demais encaminhamentos que precisam ser realizados. Essas condições fazem pensar na importância de uma maior autonomia para os setores pedagógicos das universidades brasileiras, além de uma melhor estruturação, tanto em termos de pessoal quanto de limitação de demandas, sendo que as demandas que devem ser consideradas precisam ser as que trazem em si o eixo da formação pedagógica, da inovação e da pesquisa.

A questão da pesquisa é outro elemento que precisa ter reconhecimento e visibilidade no trabalho de assessoramento. Em seu lugar de articulador de processos formativos, seria de fundamental importância que o APU se dedicasse, como a uma atribuição de trabalho, à pesquisa no campo, tanto para ser desencadeadora da sua autoformação como para ser construtora de conhecimento no campo da Pedagogia Universitária e da Assessoria Pedagógica Universitária.

Com relação à formação pedagógica do docente universitário, a exemplo do que ocorre nas faculdades internacionais, é preciso pensar no desenvolvimento de formações mais estruturadas, a exemplo do curso Carrera Docente. Reconhecemos o valor da certificação e da valorização na carreira, sendo que essa poderia ser uma forma de despertar o interesse do professor, criando demandas de formação a partir dessa. Assumimos que é preciso formações que sejam pensadas em termos de continuidade, fundamentadas em concepções dialógicas de construção do conhecimento e de formação reflexiva, envolvendo sempre o movimento de ação-reflexão-ação, considerando a área de atuação de cada professor. Outro trabalho bastante interessante e que nos parece um bom exemplo a se divulgar é a oferta de assessoramento pedagógico por meio de editais de desenvolvimento de ações junto a grupos de docentes, como acontece na faculdade Ur2.

A partir de todo o contexto pesquisado, de cada caso observado em sua essência, considerando todos os pontos já mencionados, especialmente a necessidade de formação específica e autoformação para o APU, para que possa avançar em sua profissionalidade, afirmamos que há saberes que devem ser desenvolvidos especificamente pelos assessores pedagógicos universitários, para bem realizarem o exercício de sua função. Da mesma forma que diversos pesquisadores elencaram os saberes docentes, e defendendo que os assessores precisam, necessariamente, dominar conhecimentos específicos em primeira mão, uma construção de “Saberes Assessores” se faz necessária. Apresentamos, assim, de acordo com os estudos e experiência da pesquisa que aporta este artigo (CARRASCO, 2020), seis “Saberes do Assessoramento Pedagógico Universitário”, quais sejam:

  1. Saberes voltados aos conhecimentos pedagógicos - independente da formação inicial do profissional que adentra a pedagógica de uma IES, é primordial que, de fato, domine os conhecimentos pedagógicos em seus aspectos teóricos e práticos, e na capacidade de articular estes aspectos em todas as suas ações.

  2. Saberes voltados à formação - assessores pedagógicos são formadores de formadores. Assumindo a formação direta dos docentes, ou sendo articuladores dessa formação, desenvolver esse saber é essencial. Por vezes, o que o docente espera são formações pontuais, que resolvam de imediato os problemas que enfrenta na sala de aula. Cabe ao APU desenvolver formas de articular teoria e prática, ensino com pesquisa, para que essas dinâmicas possam ser vistas como oportunidade de aprendizagem por parte do docente, atendendo, por um lado, alguma necessidade imediata, pois trabalhará diretamente com suas realidades, e de outro, possibilidades de avançar em concepções e formas de ver o processo de ensino e de aprendizagem.

  3. Saberes voltados à valorização e à articulação das diversas pedagogias, ou diferentes campos epistemológicos com os quais o APU precisa lidar - esse é um saber totalmente necessário e difícil de se construir. Sua formação inicial pode limitar essa ampliação de visão e de interpretação do espaço em que atua, mas é essencial ultrapassar essas barreiras para que possa sempre buscar compreender as formas de se construir conhecimentos nas outras áreas de atuação que não sejam a sua.

  4. Saberes relativos ao desenvolvimento de sua autoformação - a autoformação não é inata, precisa ser aprendida e precisa de espaços específicos para que ocorra. Construir saberes relacionados a ela favorecerá o fortalecimento da sua própria autoformação, assim, como auxiliará o desenvolvimento da autoformação do docente e de outros agentes dentro da perspectiva de formação pedagógica.

  5. Saberes relacionados à gestão de pessoas - o assessor pedagógico é um agente que se relaciona com outros agentes institucionais, de outros espaços da instituição, desde a gestão até docentes, discentes e técnicos. Assim, é fundamental que desenvolva esse saber para que possa, especialmente, expandir a capacidade de se colocar sempre como copartícipe dos processos pedagógicos desencadeados, entendendo que somente o trabalho em parceria e colaboração é que vai efetivamente legitimar a função do assessoramento pedagógico.

  6. Saberes relacionados à pesquisa-ação - metodologia de produção de conhecimentos sobre a prática pedagógica produzida com e pelos professores sobre problemas da sua prática profissional. Pressupõe uma concepção de assessoramento entre pares, que institui uma troca de saberes de campos de conhecimento diversos, com vistas a qualificar o processo de ensinar e aprender na universidade.

Questionar como a ação profissional dos assessores afeta aos demais agentes da IES, seria uma grande pergunta a ser feita em continuidade a este estudo. Neste recorte, buscou-se apresentar a constituição das atribuições dos assessores, dentro de sua trajetória profissional, para legitimar ainda mais o trabalho deste agente, identificando, sim, as limitações imputadas à sua atuação profissional dentro de um espaço institucional, mas reconhecendo, entretanto, o quão potente e transformador é o seu fazer.

Referências

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1A RedAPU é a Rede de Assessorias Pedagógicas da Argentina, que foi criada em 2008 e formalizada no I Encontro de Assessores Pedagógicos das Universidades Nacionais da Capital Federal e do Cone Urbano, realizado pelos Assessores Pedagógicos da Universidade de Buenos Aires e outros que já estavam envolvidos com a temática dos processos pedagógicos em diversas universidades. Com o objetivo de compartilhar experiência, conhecimentos e projetos, a Rede busca alternativas de identificação mútua entre aqueles que desempenham tarefas vinculadas às práticas de assessoramento pedagógico na universidade.

2O GEAPU é registrado como um Projeto de Extensão da UNIFAL-MG, e emergiu de uma necessidade dos próprios assessores no momento ímpar de pandemia e isolamento social, em que as aulas remotas se tornaram comuns e as questões pedagógicas ganharam importância e visibilidade nunca vista dentro das IES. A partir de uma demanda específica, os profissionais que atuam como assessores pedagógicos nas IES passaram a ser exigidos no sentido de fornecerem formação para que os professores pudessem adequar suas práticas à nova realidade. A partir disso, os assessores passaram a buscar, também, apoio em outras experiências para poder oferecer o melhor respaldo aos docentes e estudantes e, nessa busca por apoio e acolhimento montaram o grupo. Neste momento, o GEAPU está sendo liderado por uma pesquisadora da área que é assessora pedagógica universitária, que está iniciando com o grupo um trabalho não só de apoio, mas de estudos e, quiçá, de pesquisa na área, em algum tempo futuro.

Recebido: 23 de Dezembro de 2020; Aceito: 12 de Dezembro de 2021; Publicado: 02 de Março de 2022

Correspondência ao Autor1 Ligia Bueno Zangali Carrasco E-mail: li_carrasco@yahoo.com.br Universidade Estadual Paulista Rio Claro, SP, Brasil CV Lattes http://lattes.cnpq.br/9554343099681521

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