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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.34 no.1 Goiânia jan./abr 2018

https://doi.org/10.21573/vol34n12018.82470 

DOSSIÊ: ARENA CONSTITUTIVA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA: AS REGRAS DO JOGO E COMO O JOGO É JOGADO

Educação Superior a Distância no Brasil: democratização da oferta ou expansão do mercado

Distance Education in Brazilian higher education: democratization of the offer or market expansion

Educación Superior a Distancia en Brasil: democratización de la oferta o expansión del mercado

CATARINA DE ALMEIDA SANTOS1 

1 - Professora Adjunta da Universidade de Brasília


Resumo

O artigo apresenta resultados da análise do processo de regulação, implantação e expansão da Educação Superior a distância no Brasil, que buscou compreender em que medida esse processo está em consonância com a expansão do mercado educacional. A pesquisa, de base documental, analisou os dados do Censo da Educação Superior, documentos do Banco Mundial, ONU, Unesco e OCDE. Os resultados apontam um acelerado processo de expansão da oferta pelo setor privado, o arrefecimento da oferta pública, além de um processo de regulação que favorece a expansão do mercado educacional.

Palavras-Chave: Educação a distância - Brasil; expansão educacional; Educação Superior

Abstract

The article presents the results of the process of regulation, implantation, and the expansion of distance education in Brazil, which sought to understand how this process is in line with the expansion of the educational market. The documentary-based survey analyzed data from the Census of higher education, World Bank, UN, Unesco, and OECD documents. The results point to an accelerated process of expansion of supply by the private sector, the cooling of the public offering, and a process of regulation that favors the expansion of the educational market.

Key words: distance education - Brazil; educational expansion; college education

Resumen

El artículo presenta los resultados de análisis del proceso de regulación, implantación y expansión de la educación superior a distancia en Brasil, cuyo objetivo es comprender en qué medida ese proceso está en consonancia con la expansión del mercado educativo. En la investigación, de base documental, se analizaron los datos procedentes del Censo de la Educación Superior, de los documentos del Banco Mundial, ONU, Unesco y OCDE. Los resultados apuntan a un acelerado proceso de expansión de la oferta por el sector privado, el enfriamiento de la oferta pública, además de un proceso de regulación que favorece la expansión del mercado educativo.

Palabras-clave: Educación a distancia - Brasil; expansión educacional; educación superior

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo apresentar alguns resultados do processo de investigação sobre a regulação, implantação e expansão da Educação Superior na modalidade a distância no Brasil, buscando compreender em que medida esse processo está em consonância com a expansão e reestruturação do setor produtivo capitalista. Para tanto, foi necessário historiar o contexto em que se deu essa implantação, sua difusão e ampliação em meio ao processo de expansão e globalização de bens duráveis e culturais, incluindo aí a tecnologia e a educação. O trabalho foi feito por meio de pesquisa documental e foram analisados documentos de organismos multilaterais, como Banco Mundial, Organização das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Censo da Educação Superior dos últimos 16 anos.

Nesse contexto, analisar a expansão da Educação Superior e suas modalidades, como a educação a distância, requer uma clara compreensão da importância da educação como princípio vital para as relações sociais, políticas e institucionais. A educação é, sem dúvida, possibilidade de desenvolvimento das potencialidades humanas, da apropriação dos saberes sociais construídos historicamente, aquisição de conhecimentos e habilidades que permitem conhecer e compreender a realidade de modo a contribuir para sua transformação. Assim, a educação representa condição e parte integrante do processo de construção e de inserção social e, portanto, de desconstrução de projetos que produzem e naturalizam a exclusão social.

No entanto, é preciso compreender que, no âmbito da sociedade organizada sob o modo de produção capitalista e suas inerentes contradições, a educação será sempre utilizada como ferramenta e condição necessária à construção de um ideário que favoreça a implementação de receitas econômicas e programas políticos de efeitos ampliados, para a manutenção da hegemonia política dos grupos de poder e da expansão e reprodução ampliada do capital. Nesse processo, os discursos ratificam a educação como elemento chave para o desenvolvimento das relações sociais de produção capitalistas, ao mesmo tempo em que passa a ser inscrita como serviço a ser amplamente comercializado.

É nessa lógica da internacionalização da educação, particularmente da Educação Superior, que ocorre um movimento de apologia à democratização desse nível de ensino por meio da utilização da modalidade de educação a distância, defendendo que a Educação Superior, possa ser entendida como um locus a mais para a gestão expansionista do capital.

Para a exposição dos resultados, o texto está organizado em quatro partes, além dessa introdução. Na primeira, mostra os atores que vêm, nas últimas décadas, construindo e disseminando o discurso da importância de uma “sociedade da informação”, “sociedade do conhecimento” e da “economia do conhecimento”, apontando-as como fatores definidores para que um país seja, ou não, economicamente desenvolvido e indicando as ações a serem implementadas para que aqueles em desenvolvimento adquiram condições para inserirem-se nesse grupo. Além disso, mostra os embates e contradições desse processo, como esses atores apontam a Educação Superior como elemento chave, indicando a ampla utilização da modalidade a distância.

Na segunda parte, o texto mostra o processo de expansão da educação a distância (EaD) no Brasil, desde o credenciamento das IES, explicitando o processo desigual e contraditório do crescimento das matrículas na Educação Superior na modalidade à distância, tendo em vista a inversão do movimento de crescimento inicial, atrelado ao setor público, e posteriormente, particularmente nos últimos dezesseis anos, passa a ser dominado pelo setor privado.

A terceira parte discute o processo de regulação da educação a distância, a influência dos diferentes atores nesse processo, especialmente dos empresários, e quanto essa regulação favorece a ampliação do mercado educacional sem a garantia de critérios de qualidade.

INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO A SERVIÇO DA EXPANSÃO ECONÔMICA

Informação e conhecimento como fatores-chave para o desenvolvimento econômico se fazem cada vez mais presentes nos discursos de educadores e empresários da educação, além de aparecerem de forma recorrente nos documentos dos governos nacionais, das agências e dos organismos multilaterais. Assim, “sociedade da informação”, “sociedade do conhecimento”, “economia do conhecimento” têm se tornado temas de publicações, seminários e conferências em âmbito global, especialmente nas últimas décadas do século XX e nos primeiros anos do século XXI1.

A partir das últimas décadas do século XX, esses termos se tornaram hegemônicos nos discursos e nos documentos das políticas oficiais dos países mais desenvolvidos; no entanto, desde os anos 1970, o sociólogo norte americano, Daniel Bell (1973), ao lançar o livro O advento da sociedade pós-industrial, cunhou a expressão “sociedade da informação”. No citado livro, Bell defendeu “que o eixo principal da sociedade pós-industrial seria o conhecimento e que os serviços nele baseados teriam de converter-se na estrutura central de uma nova economia e de uma sociedade sustentada na informação, na qual as ideologias seriam supérfluas” (SANTOS, 2008).

O ideário da “sociedade da informação” ganhou centralidade, no entanto, no desenrolar da década de 1990 nos fóruns de decisões dos grandes grupos econômicos do mundo. Como afirma Stiglitz (2003), nesse momento os “artigos de jornal e especialistas proclamavam que havia uma Nova Economia, que as recessões eram coisa do passado e que a globalização traria prosperidade para o mundo todo” (STIGLITZ, 2003, p. 33) tendo como base o modus operandi do capitalismo americano, difundido como modelo para o mundo.

Segundo o autor,

no centro do moderno capitalismo americano estava o que veio a ser chamado de Nova Economia, simbolizada pelas empresas “ponto-com” que estavam revolucionando a forma de fazer negócio na América — e no mundo —, alterando o ritmo da própria mudança tecnológica e elevando a taxa de crescimento da produtividade a níveis não vistos em um quarto de século ou mais (Idem, p. 34).

Quando a ideologia neoliberal2 proclamava as benesses da “nova ordem mundial”, a economia americana, que segundo essa ótica, estava levando o fluxo de dinheiro dos países desenvolvidos para o mundo em desenvolvimento, a ONU, por ocasião da elaboração do projeto do milênio, divulgou dados que apontavam as exorbitantes desigualdades sociais no mundo, demonstrando que, à época, mais de 3.9 bilhões de pessoas lutavam para sobreviver com menos de dois dólares/dia (ONU, 2006). As restrições impostas a essas pessoas, majoritariamente dos países em desenvolvimento, não se limitavam a renda, mas à escassez de acesso a tudo que possa satisfazer as necessidades básicas. Um número significativo dos habitantes desses países caminhava mais de 1.5 quilômetros todos os dias, apenas para ir buscar água e lenha e sofria de doenças que, nos países ricos, tinham sido erradicadas há décadas.

Mas, foi em meio a essa realidade que, em meado da década de 1990, a “sociedade da informação” foi incluída na agenda das reuniões do G7 (grupo dos sete países economicamente mais desenvolvidos) e passou a ser abordada em fóruns da Comunidade Européia e da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), além de passar a ser adotada por várias agências das Nações Unidas e pelo Banco Mundial. A partir de 1998, essa expressão foi escolhida, primeiro na União Internacional de Telecomunicações (UIT), e depois na ONU, para nomear a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI), realizada nos anos de 2003, em Genebra e 2005, em Tunes, capital da Tunísia (UTI, 2003).

Burch (2005), ao discutir a construção política e ideológica do conceito de “sociedade da informação”, afirma que esse desenvolveu-se no bojo da globalização neoliberal, tendo como meta primordial a aceleração e instauração de um mercado mundial aberto e “auto-regulado”. Política que, segundo a autora,

Contou com a estreita colaboração de organismos multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, para que os países pobres abandonem as regulamentações nacionais ou medidas protecionistas que “desencorajassem” o investimento; tudo isso com o conhecido resultado da escandalosa intensificação dos abismos entre ricos e pobres no mundo. Na verdade, no final do século, quando a maioria dos países desenvolvidos já havia adotado políticas de desenvolvimento da infra-estrutura das TIC, ocorre o espetacular auge do mercado de ações da indústria das comunicações. Entretanto, os mercados do Norte começam a se saturar. Assim, intensificam-se as pressões com relação aos países em desenvolvimento para que deixem a via livre ao investimento das empresas de telecomunicações e informática em busca de novos mercados para absorver seus excedente de lucros (BURCH, 2005, p. 65).

O idéario da “sociedade da informação” não saiu de cena com os problemas desencadeados pela crise no setor finaceiro da maior potência econômica do mundo, especialmente com o colapso no setor das telecomunicações, a partir dos últimos anos do século passado. Ao contrário, foi reforçado com a inclusão de novos termos, como “sociedade do conhecimento”, “economia do conhecimento”, expressões que, enfim, tenham no conhecimento o principal fator de sustentação e desenvolvimento.

Stiglitz (2003), ao discutir os problemas desencadeados com o processo de desregulamentação do setor de telecomunicações nos EUA, traz dados que indicam como esse setor influenciou o boom e o colapso da economia americana. Segundo o autor, entre os anos de 1992 a 2001, “a participação relativa dessa indústria na economia dobrou, propiciando dois terços dos novos empregos e um terço do novo investimento. Novas fortunas foram criadas, tanto por aqueles que estavam na indústria quanto por agentes do setor financeiro que articulavam os negócios” (p. 114).

No ano seguinte, no entanto, a situação se altera significativamente. O autor explica que, em 2002, o quadro já era outro, com a indústria das comunicações apresentando um quadro sombrio:

Meio milhão de pessoas sem trabalho, uma perda de 2 trilhões de dólares em valor de mercado. O indice Dow Jones de tecnologia da comunicação com uma queda de 86%. Falências à direita e à esquerda. Falência de 23 companhias de telecomunicação, incluindo a WorldCom, a maior insolvência já vista. No mercado da telefonia, Covad, Focal Communications, McLeod, Northpoint e Winstar, todas quebradas. (....). Os fabricantes de equipamentos também estavam em dificuldades: Lucent, Nortel, Motorola, Alcatel, Cisco. (...) Os investimentos de cerca de US$ 65 bilhões de dólares despejados no setor de telefonia entre 1997 e 2001 valiam menos de US$ 4 bilhões no final do período, uma quantidade de desperdício que poucos governos jamais haviam conseguido (Idem, p. 114 -15).

Nesse “novo” contexto, a defesa da existência de uma “sociedade da informação”, do conhecimento ou de uma “economia do conhecimento”, tornaram-se componentes obrigatórios, guardando suas especificidades, nos discursos de diversas agências da ONU e dos organismos multilateriais.

A temática “economia do conhecimento” esteve na ordem do dia na Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI), e os componentes da União Internacional de telecomunicações afirmaram que isso se justificava, pois, segundo eles, a revolução digital, impulsionada pelos avanços das tecnologias da informação e da comunicação, modifica fundamentalmente a maneira pela qual as pessoas pensam, atuam, comunicam-se, trabalham e ganham seu sustento. Segundo essa lógica, as TICs possibilitaram novas formas de criar conhecimentos, de educar a população e de transmitir informação. Além disso, a UIT afirma que as tecnologias de informação e comunicação têm reestruturado a forma como os países fazem negócios, regem suas economias, ou como se governam e se comprometem politicamente.

O ideário da “sociedade do conhecimento” aparece também na Unesco que, além de organizar encontros ou seminários sobre a temática, publica, em 2005, o informe mundial Hacia las sociedades del conocimiento, no qual define que “as sociedades do conhecimento são sociedades em redes que proporcionam necessariamente uma melhor tomada de consciência dos problemas mundiais” (UNESCO, 2005, p.19).

O Banco Mundial, no documento Construir Sociedades de Conocimiento: Nuevos Desafíos para la Educación Terciaria, publicado em 2003, não só destaca o ideário da “sociedade” e da “economia do conhecimento”, como aponta que a capacidade de uma sociedade para produzir, selecionar, adaptar e comercializar o conhecimento é crucial para que um país tenha crescimento econômico sustentável e possa melhorar as condições de vida da sua população. Isso significa que, no entendimento do BM, o conhecimento se transformou em fator preponderante de desenvolvimento econômico dos países.

O ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico tem transformado o conhecimento em um requisito crucial para participar da economia global. O impacto das novas tecnologias de informação e comunicação tem agilizado a produção, o uso e a divulgação do conhecimento, como demonstra o incremento das publicações cientificas e das solicitações de patentes. Portanto, a capacidade de um país para beneficiar-se da economia do conhecimento depende da rapidez com que se possa ajustar a sua capacidade de gerar e distribuir conhecimento (BM, 2003.p.16).

Outro dado apresentado pelo BM como importante fator para medir a relevância do conhecimento no desenvolvimento econômico é o acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, especialmente por meio da Internet. Segundo o BM, um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) diz que essas novas tecnologias podem ter impacto positivo nos países, seja qual for seu nível de desenvolvimento econômico. Cita como exemplo países como Brasil, China, Costa Rica, Índia e Malásia que, com a ajuda de sistemas educativos relativamente eficazes têm criado nichos informáticos que lhes permitem competir no mercado global.

Os países apresentados como exemplo, no entanto, fazem parte do grupo de países que compõem o chamado mundo subdesenvolvido e em desenvolvimento e possuem a maioria esmagadora da população mundial. Esses países lideram o ranking de todos os problemas econômicos e sociais, inclusive o chamado “abismo digital”, definido pela Força-Tarefa para Tecnologias da Informação da ONU como a diferença de acesso às TIC entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento”3.

Uma análise dos dados apresentados pelo Banco revela que não existe um único abismo digital, mas abismos digitais, pois eles se dão, dentre outros, em relação a gênero, raça e localização geográfica, consequências de abismos sociais típicos das relações sociais capitalistas, que se efetivam por complexas assimetrias regionais e nacionais.

De acordo com dados da OCDE o crescimento real e o valor agregado registrados pelas indústrias baseadas no conhecimento4 têm superado, sistematicamente, nas últimas décadas, as taxas globais de crescimento em muitos de seus países-membros.

O crescimento do valor agregado durante o período de 1986-1994 foi de 3% nas indústrias do conhecimento em comparação com 2.3% no conjunto do setor empresarial. Entre 1985 e 1997 a proporção de indústrias baseadas no conhecimento no que diz respeito ao valor agregado total aumentou de 15 para 59% na Alemanha, de 45 para 51% no Reino Unido e de 34 para 42% na Finlândia. (OCDE, apudBM, 2003, p. 10).

Para o Banco Mundial,

Na atualidade, o crescimento econômico é um processo de acumulação tanto de conhecimento como de capital. Nos países da OCDE, o investimento nos bens intangíveis que constituem a base de conhecimentos – investigação e desenvolvimento, e educação e software – equivale ou supera o investimento em equipes físicas. As empresas destinam pelo menos uma terça parte de seus investimentos na aquisição de bens intangíveis baseados no conhecimento, tais como capacitação, investigação e desenvolvimento, patentes, licenças, desenho e mercado. [...] Nas indústrias de alta tecnologia como a eletrônica e as de telecomunicações, a força motora das economias de alcance pode ser superior à exercida pelas tradicionais economias de escala (BM, 2003, p. 11).

Nesse sentido, não são o conhecimento e as TIC que determinam o grau de desenvolvimento econômico de um país, mas o seu nível de desenvolvimento industrial é que define a produção, disseminação e acesso ao conhecimento e à informação. Como assevera Dias Sobrinho (2005) “a sociedade do conhecimento” não é

Uma sociedade da e para a maioria da população. É, sobretudo, uma sociedade dos e para os que têm capacidade de produzir conhecimento e/ou dele obter os benefícios. Quem detém o conhecimento também tem o poder de criar e assegurar as normas e direitos que regem a posse, o valor e os usos desse capital. Assim, também determinam o tipo de conhecimento que tem valor, por quem, como e quando deve ser produzido e consumido (p. 75).

A busca da superação da ideologia do determinismo tecnológico no desenvolvimento dos países está expressa na Declaração da Sociedade Civil, adotada na plenária da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, em Genebra, em 2003, na qual ficam assinaladas novas compreensões e conceitos desenvolvidos por meio de processos participativos, durante os meses anteriores ao evento. Ao se referir à temática do abismo digital, a declaração diz que;

A desigual distribuição das TICs e a falta de acesso à informação de grande parte da população mundial, fenômenos que costumam ser denominados abismo digital, são de fato uma expressão de novas assimetrias no conjunto de abismos sociais existentes. Estes incluem os abismos entre o Norte e o Sul, os ricos e os pobres, os homens e as mulheres, as populações urbanas e as rurais, aqueles que têm acesso à informação e aqueles que carecem dela. Tais disparidades podem ser vistas não só entre as diferentes culturas, mas também dentro das fronteiras nacionais. A comunidade internacional deve exercer seu poder coletivo para garantir que os Estados adotem medidas com a finalidade de reduzir os abismos digitais nacionais (UTI, 2003).

Em meio a esses embates, a educação e, especialmente, a Educação Superior entram nas agendas de discussões ganhando importância, tendo em vista a compreensão desses atores de que esta é fundamental para produção do conhecimento e disseminação desse ideário. Ganham centralidade, ainda, as articulações para o movimento de expansão global desse nível de ensino, no qual a EaD aparece como grande aliada e as tecnologias de informação e comunicação como ferramentas que devem ser amplamente utilizadas.

EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA NO BRASIL: REDUÇÃO DA OFERTA PÚBLICA E EXPANSÃO PRIVADA

Embora a primeira instituição a ofertar curso superior a distância no Brasil tenha sido a Universidade Federal do Mato Grosso, no ano de 1995, o credenciamento das primeiras instituições para oferta de Educação Superior a distância no país se deu em 1999, quando o Ministério da Educação credenciou as universidades federais do Ceará e do Pará, a primeira, para ofertar os cursos de licenciatura plena em Biologia, Física, Matemática e Química e a segunda, para oferecer o curso de Matemática em Bacharelado e Licenciatura Plena.

Se o processo de oferta da Educação Superior na modalidade a distância começa tarde no país, final da década de 1990, esse cenário se altera já nos primeiros anos do novo século, não só no que se refere à expansão da oferta, mas também à esfera administrativa. Até o ano de 2003, o país possuía 19 instituições credenciadas para oferecer cursos nessa modalidade, das quais apenas três eram privadas, o que equivale a dizer que 84,2% do total das IES credenciadas pertenciam a esfera pública. A partir de 2004, esse quadro se modifica, tendo em vista que nos próximos três anos, do total de IES credenciadas, 53 (67%) foram da rede privada de ensino e apenas 30 (33%) da rede pública.

O processo expansionista continuou nos próximos anos e o Censo da Educação Superior de 2006 demonstrou que no período de 2003 a 2006, o número de cursos passou de 52 para 349, o que significou um aumento de 571%. O crescimento do número de estudantes em cursos de educação a distância também aumentou, tendo em vista que o país passou de cerca de 49 mil matrículas em 2003, para quase 208 mil em 2006, um aumento de 315%.

Os dados dos censos da Educação Superior dos últimos anos apontam um claro e acelerado processo de expansão desse nível de ensino por meio da modalidade a distância. Como demonstra o gráfico 1, em 2006 tínhamos pouco menos de 207 mil alunos. Em 2016, esse número chegou a quase 1.500.000 matrículas, o que representa uma expansão de mais de 570% em 12 anos.

Gráfico 1 Expansão da Matrícula na Educação Superior a distância 2000-2016Elaboração própria. Fonte: MEC/Inep/Deed 

É possível observar pelos dados apresentados no gráfico que, apesar da maior expansão no período de um ano ter-se dado entre 2007 e 2008, a regularidade no crescimento da matrícula se mantém ano a ano, no período analisado.

No Brasil, a legislação exige que na oferta de cursos a distância, haja atividades presenciais obrigatórias. Essas atividades serão realizadas, de acordo com art. 4º do Decreto 9.057 de 2017, na sede da instituição de ensino, nos polos de educação a distância ou em ambiente profissional, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais. Nesse sentido, a instituição deverá oferecer as condições necessárias para a realização das atividades presenciais, “como tutorias, avaliações, estágios, práticas profissionais e de laboratório e defesa de trabalhos, previstas nos projetos pedagógicos ou de desenvolvimento da instituição de ensino e do curso [...]” (BRASIL, 2017).

Os dados do Censo da Educação Superior de 2016 apontam que o sistema privado, no Brasil, concentra 75,3% das matrículas desse nível educacional. No caso da modalidade a distância, essa realidade não é diferente; ao contrário, a concentração da oferta na esfera privada é muito maior. No início dos anos 2000 o setor público detinha a maior oferta; no entanto, como pode ser visto no gráfico 2, no decorrer desses 16 anos, a oferta ascendeu no campo privado e decresceu na esfera pública, fazendo com que do total das 1.494.418 matrículas existentes, 91,8% (1.371.817) esteja nas instituições particulares e apenas 8,2% (122.601) nas IES mantidas pelo poder público.

Gráfico 2 Expansão da Educação Superior a distância 2006-2016 por categoria administrativaElaboração própria. Fonte: MEC/Inep/Deed. 

Analisando os dados do gráfico 2, pode-se observar que os últimos três anos foram de queda no número de matrículas no segmento público. Uma das explicações para essa queda pode ser a forma predominante de oferta de Educação Superior nessa modalidade e segmento, especialmente no que se refere ao financiamento. Esse financiamento da oferta se dá, predominantemente, pelo repasse de verba para as instituições públicas via sistema UAB, com a abertura de Editais e o pagamento dos professores e tutores por meio de bolsas pagas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes).

Nos anos de 2014, 2015 e 2016 com a justificativa da crise econômica, o governo brasileiro cortou verbas para a educação e houve redução de repasse de verbas via UAB, o que fez com que muitas instituições não tivessem condições de viabilizar novas entradas.

O aumento da oferta de Educação Superior pelo segmento público foi tema de discussão nas Conferências Nacionais de Educação de 2010 e 2014 assim como no processo de tramitação do Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014 pelo Congresso brasileiro e sancionado pela Presidenta Dilma Rousseff, sob a Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014. A meta 12 do PNE definiu que a taxa bruta de matrícula na Educação Superior no Brasil deve aumentar para 50% (cinquenta por cento) até 2024 e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos de idade. Além disso, estabeleceu que deve ser assegurada a qualidade da oferta e que, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas deve ser no segmento público. No bojo dessa expansão, estão as matrículas da modalidade a distância. Assim, um dos grandes desafios para as instituições públicas é retomar a oferta na modalidade EaD e aumentar o crescimento da oferta em ambas as modalidades.

Mas, em que pese o que prevê a meta 12, a atitude do governo federal se deu na contramão dessa previsão, tendo em vista que no ano seguinte à aprovação do Plano, a então presidenta do Brasil Dilma Rousseff cortou 10% do orçamento do MEC, ou seja, R$ 10,5 bilhões. No orçamento de 2017, houve outro corte, dessa vez no valor de R$ 4,3 bilhões o que fez com que o orçamento da pasta para 2017, que havia sido definido pelo Congresso em R$ 35,74 bilhões, fosse reduzido para R$ 31,43 bilhões.

Esses cortes estão impactando o cumprimento das metas do PNE, o acesso da população á Educação Superior pública e de qualidade, além de favorecer que o setor privado permaneça dominando a oferta de ensino superior no país.

Como pode ser observado no gráfico 3, entre os anos de 2008 e 2014, mais nitidamente nos anos de 2010 a 2014, há um processo de expansão na matrícula da Educação Superior da esfera pública, mas, para alcançar o que define a meta, o país precisaria acelerar esse processo expansionista pulando das atuais 1.990.078 para cerca de 3 milhões e 700 mil matrículas até 2024. Isso significa que o Brasil precisa de um acréscimo de aproximadamente 1 milhão e 700 mil novas matrículas no sistema público, sendo que mais de 1 milhão dessas novas vagas devem ser ofertadas nas Instituições Federais de Educação Superior (Ifes).

Gráfico 3 Expansão da Educação Superior 2008-2016 por categoria administrativaElaboração própria. Fonte: MEC/Inep/Deed. 

O mesmo gráfico mostra, ainda, que, a partir de 2010, há também uma expansão ascendente no número de matrícula no setor privado, que coincide com as mudanças nas regras no programa de Financiamento Estudantil (Fies). No entanto, levantamento feito por colunistas do Jornal Estado de São Paulo, demonstra que, apesar dos gastos federais com mensalidades de alunos em universidades privadas por meio do Fies ter disparado a partir de 2010, o ritmo do crescimento de matrícula não acompanhou esse crescimento; ao contrário, houve queda nas matrículas no ensino superior.

Segundo a matéria veiculada no dia 15 de fevereiro de 20155, de 2010 até o ano de 2014, “o custo do programa cresceu 13 vezes - saltou de R$ 1,1 bilhão para R$ 13,4 bilhões, em valores corrigidos - mas a média anual de aumento de alunos nas instituições particulares passou de 5%, entre 2003 e 2009, para 3%, de 2010 até 2013”.

Essa explosão de contratos se deu após as mudanças que ocorreram em 2010 tendo como objetivo a elevação das matrículas na rede privada, pois segundo o então ministro da Educação, Fernando Haddad, o país precisava chegar a 10 milhões de matrículas no ensino superior.

Levantamento do Estadão, baseado nas informações do Portal da Transparência e microdados do Censo da Educação Superior, mostrou que, a partir de 2010, “o número de alunos no Fies subiu 448% - de 150 mil, em 2010, para 827 mil em 2013”, mas o total de alunos na rede privada subiu apenas 13% - de 3,9 milhões para 4,4 milhões. A matéria explica o que levou ao aumento nos contratos sem aumentar o número de matrículas. Segundo os jornalistas,

A explicação é que muitas faculdades passaram a incentivar alunos já matriculados a não pagar a própria mensalidade, mas a entrar no Fies - que, por sua vez, repassa os valores diretamente para as instituições, sem atraso ou inadimplência. Enquanto as empresas têm dinheiro garantido, a dívida fica com o aluno e o risco, com o governo6.

Ao se analisar a oferta da Educação Superior no Brasil, observa-se que a expansão da modalidade a distância se dá em ritmo mais acelerado que na presencial.

O gráfico 4 demonstra como a oferta da Educação Superior a distância vem crescendo progressivamente. No que tange à matrícula, esse crescimento se mantém, como apontado no gráfico 1, o que demonstra ter havido nos últimos dez anos, nesse nível e modalidade, aumento de 570% no número de matrículas. Em contraposição, as matrículas na modalidade presencial expandiram em proporções bem menores, tendo em vista que em 2006 o país possuía 4.676.646 alunos matriculados e, em 2016, esse número era de 6.554.283, o que significa que o sistema presencial sofreu um incremento de apenas 1.877.637 matrículas em uma década.

Gráfico 4 Evolução do número de matrículas na Educação Superior presencial e a distância - 2006-2016Elaboração própria. Fonte: MEC/INEP/DEED. 

A REGULAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA NO BRASIL: A FLEXIBILIZAÇÃO DAS REGRAS E A EXPANSÃO DO MERCADO

Compreender o processo de regulação da Educação Superior a distância no Brasil requer a compreensão de como a expansão dessa modalidade educativa, nesse nível de ensino, tem sido influenciada pelo mercado educacional e como os empresários influenciam as decisões no campo da regulação no país. Como afirma Barroso (2005), o conceito de regulação adquire uma pluralidade de significados e, na sua concretude, adquire nuances diferenciadas de acordo com a complexidade do sistema regulado. No que concerne aos sistemas educativos, o autor afirma ser o que se vê é uma “transformação profunda no modo como é entendida e posta em prática a regulação das políticas educativas, no contexto de uma alteração mais ampla relacionada com a própria concepção, reforma e reestruturação do Estado e da sua administração” (BARROSO, 2005, p.735).

Nesse sentido, os modos de regulação presente nas orientações do sistema educativo são resultados não apenas da aplicação pura e restrita de normas, regras e orientações emanadas do poder político, mas também da interação dos vários dispositivos reguladores. Para Barroso,

Os ajustamentos e reajustamentos a que estes processos de regulação dão lugar não resultam de um qualquer imperativo (político, ideológico, ético) definido a priori, mas sim dos interesses, estratégias e lógicas de acção de diferentes grupos de actores, por meio de processos de confrontação, negociação e recomposição de objectivos e poderes. (Idem, p. 734)

A análise de alguns documentos orientadores do campo educacional é importante para compreender a influência dos diferentes grupos no processo de regulação dos sistemas educativos, como, por exemplo, as orientações do Banco Mundial, presentes no documento “Construir sociedades de conocimiento: Nuevos desafíos para la Educación Terciaria”, publicado em 2003. Nesse documento, o Banco defende que haja alterações no modelo tradicional de controle estatal, apontando que os governos “podem promover mudanças por meio do estabelecimento de linhas gerais de ação e estímulos às instituições de Educação Superior em um contexto de políticas coerentes, um marco regulatório favorável e a existência de incentivos financeiros adequados” (BM, 2003, p. xxiv).

Segundo o BM, o marco regulatório deve “respaldar ao invés de limitar a inovação nas instituições públicas, assim como as iniciativas do setor privado de ampliar o acesso a uma Educação Superior de boa qualidade” (BM, 2003, p. xxv) e, ainda, devem “as normas para o estabelecimento de novas instituições, incluindo as privadas e as virtuais, restringir-se a requisitos mínimos de qualidade e não devem constituir barreiras para o acesso ao mercado” (BM, 2003, p. xxv).

O Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017 (BRASIL, 2017), que regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394/96, que estabelece nova regulamentação para a EaD, atende em grande medida o que está previsto nas orientações do Banco. O decreto acaba com a necessidade de autorização prévia do MEC para abertura de polos, definidos como unidades descentralizadas da instituição de Educação Superior, no País ou no exterior, para o desenvolvimento de atividades presenciais relativas aos cursos ofertados na modalidade a distância. As instituições que tiverem autorização do MEC para cursos a distância, terão autonomia para a abertura dos polos, bastando que essas instituições tenham bons indicadores de qualidade.

Os indicadores de qualidade do ensino superior, atualmente, calculam as modalidades presencial e a distância de forma conjunta, o que impossibilita o detalhamento da qualidade dos cursos à distância de forma separada. Assim, esses critérios serão definidos em regulamentação futura, mas os representantes das instituições privadas de ensino superior indicam que, segundo matéria veiculada na Folha de São Paulo, no dia 25 de maio de 2017, nas conversas com o MEC sobre essa legislação, a regra sobre quantidade de polos por instituição estará ligada às notas nos indicadores de qualidade garantidas pela instituição. Quanto maior a nota, mais polos a instituição poderá abrir”. Ainda segundo a mesma matéria, o presidente da ABMES (Associação Brasileira das Mantenedoras do Ensino Superior) e dono do Ser Educacional, um dos maiores grupos de Educação Superior do país, Janguiê Diniz, considerou a decisão uma "modernização" do setor educacional, pois, no seu entendimento, essa nova legislação confere mais autonomia às instituições. Ressalta que essa é uma atitude de vanguarda que equipara o Brasil “ao que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos. Existe a avaliação e depois as instituições tem autonomia para a expansão".

Vale ressaltar, no entanto, que o Fies sofreu alterações e esvaziou substancialmente os recursos para o financiamento estudantil por parte do governo federal. Assim, o setor privado vê no ensino a distância um enorme potencial de expansão de matrículas no ensino superior.

Esse potencial aumenta com o que está previsto no art. 19 do referido Decreto, ao definir que

A oferta de cursos superiores na modalidade a distância admitirá regime de parceria entre a instituição de ensino credenciada +para educação a distância e outras pessoas jurídicas, preferencialmente em instalações da instituição de ensino, exclusivamente para fins de funcionamento de polo de educação a distância, na forma a ser estabelecida em regulamento e respeitado o limite da capacidade de atendimento de estudantes. (BRASIL, 2017)

Assim, a regulação da Educação Superior e as medidas implementadas pelo governo brasileiro, especialmente por meio da legislação para regulação da oferta de EaD no país, embora sejam síntese dos embates travados entre os diferentes grupos, apresenta clara influência do mercado e seus atores, estando em consonância com as orientações para o ensino superior, provenientes de organizações como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e organismos multilaterais, como o Banco Mundial.

Nesse sentido, a análise da expansão dessa modalidade não pode acontecer sem se levar em consideração, por exemplo, a força do mercado educacional e a incidência que os empresários do ramo fazem frente aos tomadores de decisões em todos os campos, inclusive no regulatório. Não pode ser ignorado, nesse processo de análise, que esses empresários influenciam nas decisões, inclusive nos votos dos parlamentares, no âmbito das agências de regulação. A influência desses atores pode ser medida pela magnitude dos negócios fechados nos últimos anos, após intensos processos de negociação entre empresários do ramo e instâncias reguladoras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho procurou compreender e analisar o processo expansionista da Educação Superior na modalidade a distância no Brasil. Essa modalidade de ensino no país está permeada pelo discurso da democratização e da ampliação das oportunidades educacionais, discurso fortemente marcado pelos compromissos internacionais assumidos pelas autoridades governamentais perante as indicações dos organismos multilaterais e, ainda, pelos princípios formativos e suas múltiplas e históricas interfaces com o mercado educacional.

Nesse processo, novos conceitos, outros espaços e diferentes atores são inseridos no campo do ensino superior, denotando novas gestões políticas, primando, sobretudo, pela comercialização da educação, tendo em vista que esta se torna alvo dos grandes grupos empresariais, bancos, empresas nacionais e multinacionais, que passam a investir na criação de IES e a negociar ações nesse ramo de ‘negócios’, até mesmo na bolsa de valores.

A ideologia da sociedade da informação como conhecimento leva a uma ideia instrumentalista do saber. O conhecimento limitado à informação seria o fator chave para o desenvolvimento econômico, que passa a representar o discurso dos organismos multilaterais, tornando-se recomendações oficiais a serem seguidas pelos países pobres para que alcancem a condição de país desenvolvido. Para se contrapor a essa visão, o presente trabalho compreendendo a possibilidade de redirecionamento da informação, assim como da tecnologia em geral, é estratégia importante, assim como a elaboração de análises e conteúdos críticos e criativos. Entretanto, não se produz conhecimento de qualidade enfatizando-se a prática educacional das salas virtuais.

Os processos de expansão da Educação Superior a distância ora analisados indicam que o desenvolvimento da EaD no Brasil vem atendendo às prerrogativas expansionistas do mercado educacional, sem garantia de padrão de qualidade, atendendo muito mais aos processos de ampliação da certificação e de aumento dos índices estatísticos relacionados à aceleração da formação em atendimento às orientações dos organismos multilaterais, sobretudo no que tange às indicações da utilização do ensino a distância para a flexibilização dessa formação. Indicam, ainda, que há uma flexibilização na regulamentação, especialmente com o Decreto 9.057 de maio de 2017, que negligencia a garantia do padrão de qualidade e favorece a expansão do mercado da Educação Superior, por meio de uma oferta massiva pelo privado.

REFERÊNCIAS

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1 A Unesco realizou em Paris, nos dias 8 e 9 de dezembro de 2003, um seminário de pesquisa global, cujo título foi: Sociedade do conhecimento versus Economia do conhecimento: conhecimento poder e política. Em 2005, publicou documento Hacia las sociedades de conocimiento. Construir Sociedades de Conocimiento: Nuevos Desafíos para la Educación Terciaria é o documento do Banco Mundial, publicado em 2003, que traz suas recomendações para a Educação Superior.

2 Para Netto, o conceito de neoliberalismo significa uma reestruturação do próprio sistema liberal, que, ideologicamente, apresenta uma crise do Estado do bem-estar social, como forma de manter os privilégios dos detentores do capital (NETTO, 2001).

3 A UN ICT Task Force (Força-Tarefa para Tecnologias da Informação da ONU), foi criada em 2003, tendo como objetivo relacionar o uso das TIC à realização dos objetivos do milênio, também definidos pelas Nações Unidas.

4 As indústrias baseadas no conhecimento são, de acordo com a OCDE, as de alta e média tecnologia, serviços de comunicação, finanças, seguros e outros serviços empresariais, assim como serviços comunitários, sociais e pessoais.

5 Matéria de José Roberto de Toledo, Paulo Saldaña e Rodrigo Burgarelli. Disponível em: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-com-fies-cresce-13-vezes-e-chega-a-r-13-4-bi-mas-ritmo-de-matriculas-cai-imp-,1634714

Recebido: Fevereiro de 2018; Aceito: Abril de 2018

CATARINA DE ALMEIDA SANTOS é Professora Adjunta da Universidade de Brasília, Doutora em Educação pela USP, membro do Comitê Editorial da Revista Retratos da Escola, Vice-coordenadora da pesquisa Institucionalização da EaD nas Universidades Federais no Centro-Oeste e coordenadora da mesma pesquisa na Universidade de Brasília. E-mail: cdealmeidasantos@gmail.com

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