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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.34 no.1 Goiânia jan./abr 2018

https://doi.org/10.21573/vol34n12018.75993 

Outros Artigos

O trabalho dos gestores nas instituições de Educação Infantil

The work of managers in Child Education institutions

El trabajo de los gestores en las instituciones de Educación Infantil

LUCIANA GALDINO1 

VALDETE CÔCO2 

1 - Professora e Pedagoga da Rede Municipal da Serra - ES . Professora da Rede Doctum- Ensino Superior Brasil

2 - Professora no Departamento de Linguagens, Cultura e Educação ; no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo , Vitória - ES Brasil


Resumo

Nos desafios conexos à gestão educacional, este artigo sintetiza dados de pesquisa qualitativa, abordando o trabalho dos gestores das instituições de Educação Infantil, com procedimentos de aplicação de questionário e de desenvolvimento de entrevista. Com ancoragem teórica-metodológica bakhtiniana, evidencia-se um trabalho instado pelas bases legais e demandas – por vezes, conflitantes – dos órgãos gestores, pares de trabalho, estudantes e comunidade. Nesse movimento, o compartilhamento coletivo das ações reúne exigências, implicando responsabilização, que informam novas imposições à gestão educacional.

Palavras-Chave: Educação Infantil; Gestão; Trabalho docente

Abstract

In the challenges related to educational management, this article synthesizes qualitative research data, addressing the work of the managers of the institutions of Early Childhood Education, with procedures for application of questionnaire and interview development. With Bakhtin's theoretical and methodological anchorage, it puts in evidence a work by the legal bases and demands - sometimes conflicting - of the management organs, work pairs, students, and community. In this movement, the collective sharing of actions brings together demands, implying accountability, which inform new impositions to educational management.

Key words: childhood education; management; teaching work

Resumen

En los desafíos relacionados con la gestión educativa, este artículo sintetiza datos de investigación cualitativa, abordando el trabajo de los gestores de las instituciones de Educación Infantil, con procedimientos de aplicación de cuestionario y de desarrollo de entrevista. Con anclaje teórico-metodológico bakhtiniano, se evidencia un trabajo instado por las bases legales y demandas – a veces conflictivas – de los órganos gestores, parejas de trabajo, estudiantes y comunidad. En ese movimiento, el compartir colectivo de las acciones reúne exigencias, implicando responsabilización, que informan nuevas imposiciones a la gestión educativa.

Palabras-clave: Educación Infantil; Gestión; Trabajo docente

INTRODUÇÃO

No contexto dos desafios presentes no campo da gestão educacional, em especial dos advindos da implementação progressiva da Nova Gestão Pública (NGP), este artigo aborda o trabalho dos gestores das instituições educativas, focalizando o campo da Educação Infantil (EI). Em função do objetivo de compreender o trabalho dos gestores das instituições, cabe destacar que a EI integra, como primeira etapa, a Educação Básica (BRASIL, 1996), compondo-se com a faixa da creche (crianças de zero a três anos) e da pré-escola (crianças de quatro a seis anos). Campos (2011) assinala que a passagem da EI dos setores de assistência social para a educação, requerendo a ampliação da política de financiamento (BRASIL, 2007), trouxe mudanças significativas no contexto da educação nacional e também:

[...] vem contribuindo para a consolidação dos sistemas municipais de Educação e para a ampliação da oferta de Educação Infantil, bem como para um estímulo à demanda por vagas, exigindo dos municípios o enfrentamento de dois principais desafios: a pressão por atendimento, principalmente em creches, e as exigências de qualificação de suas redes (CAMPOS, 2011, p. 1).

Assim, ainda que a trajetória nacional da EI evidencie avanços no seu reconhecimento social, agregando normatizações próprias no interior dos sistemas de ensino (BRASIL, 1996; 2006; 2007; 2009), e evidencie também aumento progressivo da oferta e configuração de quadros profissionais associados, os indicadores nacionais destacam desafios concernentes tanto à demanda ainda por ser atendida (em especial na faixa da creche) quanto à necessidade de qualificar o atendimento, implicando o estabelecimento de metas para o seu avanço no cenário social (BRASIL, 2014). Trata-se de metas importantes que, mesmo ameaçadas no contexto de desmonte das políticas sociais - em especial, por meio do contingenciamento de recursos (BRASIL, 2016) - constituem premissas para a continuidade da luta por seu fortalecimento.

Nesse movimento, dado o escopo de problematização proposto para este artigo - buscando compreender o trabalho dos gestores - cabe considerar também que a integração da EI à Educação Básica vem implicando a configuração de uma profissionalidade docente ligada aos sistemas de ensino, reconfigurando os quadros funcionais nesse campo. Nesse sentido, de forma geral, nas instituições que apresentam um quadro ampliado de trabalhadores docentes, é possível observar funções ligadas à gestão administrativa e pedagógica do coletivo da instituição (tais como gestor/diretor institucional e pedagogo/coordenador pedagógico), ao trabalho docente direto com as crianças (tais como professor, auxiliar/apoio a professor e estagiário), aos registros escolares (tais como auxiliar administrativo e secretário escolar) e à limpeza, ao preparo da alimentação e à segurança. Não obstante, os estudos sobre a feição funcional da EI indicam que é diversificada essa organização, assim como as formas de provimento e as políticas de reconhecimento e valorização, conforme as distintas localidades e redes de ensino. Em síntese, a EI integra um contexto em que se encontra “grande diversidade de condições de trabalho, profissionais, salariais e de formação no contingente de professores brasileiros, devido às disparidades regionais, que refletem as desigualdades econômicas presentes no país” (OLIVEIRA, 2008, p. 2).

Essa reconfiguração dos quadros funcionais, associada à inserção da EI nos sistemas de ensino, precisa ainda ser articulada às transformações que vêm ocorrendo no conjunto do campo educacional. Oliveira (2005) assinala que as mudanças introduzidas por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) informam um “ciclo de reformas que muitos países conheceram nos seus sistemas educacionais a partir dos anos de 1990” (OLIVEIRA, 2005, p. 753), implicando a reestruturação no trabalho docente, pois “são reformas que atuam não só no nível da escola, mas em todo o sistema, repercutindo em mudanças profundas na natureza do trabalho escolar” (OLIVEIRA, 2004, p. 1128).

Nesse contexto de mudanças focalizando o campo da EI, é possível observar transformações que, instadas pela expansão do atendimento, reúnem indicadores relativos à ampliação do número de instituições, à reconfiguração dos espaços físicos (abrangendo maior número de salas e, consequentemente, quantitativo maior de trabalhadores) e, especialmente, à implementação de novas lógicas organizativas do trabalho institucional, em meio à afirmação de sua especificidade, voltada ao trabalho educativo com as crianças pequenas (ROCHA, 1999). Assim:

A Educação Infantil tem hoje o desafio e a oportunidade de se colocar como uma área da Escola Básica que apresenta novas formas de planejar, organizar e avaliar o trabalho pedagógico de suas unidades enquanto ambientes de aprendizagens significativas e de desenvolvimento ético, político e estético das crianças de 0 a 5 anos e 11 meses (OLIVEIRA, 2014, p. 187).

Destarte, tal especificidade busca marcar dimensões próprias da EI sem apartá-las do contexto educacional. Com isso, é possível caminhar na lógica de que também a EI é afetada por mudanças que se efetivam no conjunto contexto educacional, ainda que seja necessário reconhecer também que, em função de sua especificidade, os impactos e as respostas às mudanças estarão, provavelmente, marcados por sua especificidade.

Isso posto, miramos as transformações no contexto educacional focalizando a gestão no campo da EI, observando, em especial, que, nessas transformações, o trabalho docente não se constitui exclusivamente do trabalho do professor, mas compreende também os processos de gestão, permitindo assinalar mudanças na organicidade interna das instituições educativas e em sua relação com a comunidade (OLIVEIRA, 2004). No bojo da consideração da emergência de proposições implementadoras de uma nova organicidade para as escolas, destaca-se a implementação das assertivas vinculadas à NGP.

Esse destaque não pode ser tomado de modo isolado no contexto educacional, vista sua vinculação com a reestruturação que o Brasil, assim como outros países da América Latina, vêm sofrendo, especialmente a partir da década de 1990. Ainda que não seja possível, nos limites deste artigo, estendermo-nos à abordagem dessa vinculação, é importante salientar que essa reestruturação está situada nas disputas pelos investimentos do Estado, em razão de crises econômicas e de negociação da dívida externa, marcando um paradigma de “adoção dos critérios da economia privada na gestão da coisa pública” (OLIVEIRA, 2015, p. 629). Nesse quadro, a NGP pode ser entendida como um amplo programa de reforma, visando a aplicar conhecimentos e instrumentos da gestão empresarial no setor público, que avança também sobre o contexto das instituições educativas (VERGER; NORMAND, 2015). Assim sendo, as reformas educacionais têm implicado novas regulações, tal como afirma Oliveira (2008):

As reformas educacionais têm configurado uma nova regulação educativa no contexto latino-americano e, em especial no Brasil, caracterizada pela centralidade atribuída à administração escolar, elegendo a escola como núcleo do planejamento e da gestão; o financiamento per capita e a avaliação sistêmica e sistemática (OLIVEIRA, 2008, p. 5)

Ainda sobre esse destaque, circunscrevendo o contexto educacional, também é importante considerar a processualidade inerente aos processos de implementação de mudanças, assim como a heterogeneidade na apropriação dessas assertivas e a emergência de questionamentos, sobretudo porque a participação cidadã na gestão pública não faz parte das características da NGP.

No contexto dos embates sobre a feição das instituições educativas, no escopo desse artigo sustentados no referencial bakhtiniano, marcamos uma compreensão de política ligada à governança social da vida, que se (re)configura num processo participativo ampliado - possibilitando captar várias enunciações circulantes (instando convergências e também divergências, em vários graus relacionais), em distintas formas de dizer (assim como de fazer calar) - e se move sistematicamente em articulação com as várias pautas em questão no curso das disputas sociais.

Nessa perspectiva, destacamos a pauta educacional, focalizando a gestão das instituições, com vistas a abordar o trabalho dos gestores que atuam nas instituições de EI, a partir das vozes dos próprios sujeitos que assumem essa função. Entendendo que “cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados [...]” (BAKHTIN, 2011, p. 297), acreditamos que a interação com esses sujeitos permite puxar fios que podem dizer das várias dimensões vinculadas à gestão integradas à vida social. Simultaneamente, permite evidenciar as singularidades de cada sujeito, entendido como alguém que, com sua voz, ocupa um lugar único na existência (BAKHTIN, 2011), portanto, pode indicar modos particulares de lidar com as demandas da gestão pública.

Nesse propósito, selecionamos dados de uma pesquisa qualitativa que tematizou a gestão nas instituições de EI, produzidos no ano de 2015, em um município da região metropolitana da Grande Vitória, Espírito Santo. Esse município foi escolhido em função de implementar processo de eleição, junto à comunidade educativa para escolha da gestão de suas instituições. Considerando os acúmulos produzidos sobre os desafios da gestão, em especial, na EI (PARO, 2001; WITTMANN; GRACINDO, 2001; SOUZA, 2006; TOME, 2011; CÓSSIO, 2012, MONÇÃO, 2013 e outros), na primeira etapa da pesquisa desenvolvemos o procedimento de aplicação de questionário (Q) aos gestores das instituições de EI, contando com trinta e cinco gestores (58,3%) como respondentes (do total de sessenta). Na segunda etapa, desenvolvemos entrevistas semiestruturadas com seis desses gestores, que assinalaram em campo próprio do Q a disponibilidade para prosseguirem na pesquisa. Em função dessa arquitetônica, para garantir a proteção aos sujeitos, as referências às enunciações decorrentes do questionário serão identificadas com a letra Q, seguida de numeração, indicadora da ordem de devolução dos instrumentos. As enunciações decorrentes das entrevistas serão identificadas com nomes fictícios (escolhidos pelos próprios sujeitos).

A partir desses dados, organizamos este artigo em dois tópicos, acrescidos desta introdução e das considerações finais. No primeiro tópico, abordamos a gestão e o trabalho do gestor que atua na EI, situados no contexto de afirmação da gestão democrática, ainda que as assertivas na NGP venham impondo-se no cenário social. No segundo tópico, detalhamos o trabalho do gestor, considerando suas ações nas dimensões pedagógica, administrativa e financeira, situadas na conviviabilidade coletiva desse trabalho, envolvendo os órgãos regulares, os pares de trabalho, as crianças e suas famílias além da comunidade. Por fim, apresentamos as considerações finais, realçando a valorização de perspectivas de gestão que se desenvolvem no compartilhamento coletivo do trabalho educativo, reconhecendo a alteridade, em meio à observação da intensificação do trabalho, com novas exigências implicadas com a responsabilização dos trabalhadores docentes e com a exigência de conhecimentos técnicos que, por vezes, extrapolam o âmbito da formação docente. Assim, avançamos para abordar, no tópico que segue, o trabalho do gestor nas instituições de EI.

1. GESTÃO DEMOCRÁTICA E O TRABALHO DO GESTOR NA EI

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), ao incorporar o princípio da gestão democrática do ensino público (conforme Art. 206), traz como prerrogativa a descentralização, nas vertentes administrativa, financeira e pedagógica. Esse princípio é reafirmado na LDB, no seu artigo 15, quando esta estabelece que:

Art. 15º. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público (BRASIL, 1996).

Essa normativa delega progressivos graus de autonomia às instituições, com destaque para a elaboração do Projeto Político Pedagógico e para a administração de recursos financeiros, sendo importante também considerar a demanda pelo desenvolvimento dos conselhos escolares, como órgãos colegiados responsáveis por partilhar as ações de gestão. Assim, destaca-se a ampliação da autonomia em vinculação com a implementação da gestão de forma mais colegiada, reposicionando o contexto de “autoridade que o director exibia, com tanta eficácia, que entre individuo e dispositivo não haveria distinção. Escola e director se fundiam em coisa única” (CARVALHO, 2000, p. 36). Em síntese, a gestão de uma instituição pressupõe o exercício de compartilhamento das decisões, entendendo esse exercício integrado às particularidades de cada instituição, de modo a aventar uma multiplicidade de formas – das mais amplas às mais restritas – de encaminhar as deliberações.

De todo modo, parece-nos que essa normativa contribui para o fortalecimento da organização do trabalho no âmbito das instituições, visto que abre espaço para processos deliberativos mais internos, ainda que em observância a um conjunto de outras normativas, geralmente mais externas às instituições. Todavia, sua concretização vem associada a uma transferência de responsabilidades e obrigações legais do sistema para a escola, gerando novas demandas de trabalho, por vezes sem a infraestrutura e os recursos necessários. Vem associada também a mecanismos de controle e avaliação que, dadas as expectativas estabelecidas, geralmente de modo externo às instituições, acabam por delimitar os processos decisórios em seu interior, informando controle e regulação do trabalho escolar. Com isso, é possível assinalar a emergência de um movimento contraditório, em que “[...] a ampliação de direitos veio acompanhada de mudança nas formas de organização e gestão da educação [...]” (OLIVEIRA, 2015, p. 632), associando a possibilidade de configurar estruturas mais democráticas a maior eficiência de resultados.

Cabe, então, indagar as implicações dessas associações, em especial das relações que se estabelecem entre as imposições de lógicas de eficiência e os propósitos de garantia do direito à educação, uma vez que “no mesmo passo que cresce a autonomia escolar, aumenta o controle sobre o trabalho docente” (FERREIRA; VENTORIM; CÔCO, 2012, p. 23). Então, no horizonte de afirmação da gestão democrática, emerge um contexto complexo para o exercício do trabalho do gestor, que relativiza o próprio conceito de autonomia perspectivado, conforme assinala uma das gestoras entrevistadas na pesquisa:

Eu sou uma diretora eleita e gostaria de ter muito mais autonomia do que eu tenho. Não acho que temos tanta autonomia assim, não. Às vezes, porque você é eleita, as pessoas acham que a pessoa pode tudo. Mas não é assim, não, você tem que seguir regras. Em alguns momentos você gostaria de ter um pouco mais de liberdade, de fazer algo diferente dentro do seu espaço, mas você não consegue porque você não tem autonomia para isso. E também você não pode fazer nada que infrinja também a legislação, as leis, enfim (BRUNA).

No entendimento da educação como bem público, a descentralização de poder pode possibilitar compartilhar aquilo que constitui prerrogativa de uma coletividade, pressupondo exercícios de envolvimento e pertencimento, instando à participação nas problemáticas próprias de cada instituição. Contudo, parece importante distinguir descentralização de tarefas de desconcentração de poder, indagando os poderes das distintas instâncias envolvidas, uma vez que, nos moldes de uma autonomia limitada (conforme o relato da gestora), tomam realce as obrigações em detrimento das potencialidades, minimizando as possibilidades de forjar movimentos para estender as conquistas de poder decisório até então garantidas.

Nesse quadro, “a autonomia da escola adquirida por meio dos processos de descentralização traz maiores custos para os trabalhadores docentes” (OLIVEIRA, 2008, p. 8), pois vem implicada com a demanda pela execução de novas tarefas em associação à responsabilização. Em meio às mudanças advindas por meio da NGP, a responsabilização se apresenta com várias nuanças, impondo às escolas e a seus trabalhadores que respondam à demanda de elaboração de documentos organizativos das instituições, de prestação de contas de investimentos e, com grande destaque, de resultados de desempenho dos estudantes. Isso afeta tanto o coletivo institucional quanto cada trabalhador docente, em especial os gestores. Interagindo com as múltiplas vozes que vêm tensionando a configuração das instituições educativas, a pesquisa assinala que os dizeres dos gestores atuantes na EI, compreendidos como “um conjunto de sentidos” (BAKHTIN, 2011, p. 329) convergem para a constatação da complexidade da função, conforme sintetizado a seguir:

Uma das características é você ter clareza da complexidade do cargo. Ele não tem uma dimensão só, a dimensão pedagógica, a dimensão financeira, administrativa; elas têm que dialogar o tempo inteiro e ser um profissional que esteja disposto a mediar, a delegar, quem não tem característica de delegar minimamente, não consegue porque as atribuições são muitas, mas ao mesmo tempo que delega tem que ter a condição de acompanhar (JULIA).

Partilhar, delegar, acompanhar e, com grande ênfase na pesquisa, responder pelo encaminhamento das ações. Continuando a síntese:

[...] Há 30 anos atrás, o gestor tinha exigências que eram específicas do tempo, ele decidia muitas vezes por conta própria, principalmente na Educação Infantil, poucas vezes se respondia por aquilo. E eu tenho percebido nos últimos anos, que tem tido aqui (diz o nome do município) e (diz o nome de um município vizinho), uma corrida muito grande, de você mostrar a viés sistêmica da função do gestor, pois você responde por aquilo como responde o presidente da república, como responde o secretário de educação [...] então eu acho que é uma coisa séria hoje, são essas as atribuições do gestor e que ele responde mais por elas, do que usufrui mesmo das decisões, é mais essa questão da resposta, da resposta legal, de você ter feito o que era que a Lei mandava... Isso me preocupa muitíssimo (JULIA).

Com as muitas referências sobre a responsividade solicitada aos gestores, com o referencial bakhtiniano salientamos a observação de uma dialogia com as várias instâncias envolvidas que informa que responder não se apresenta somente como ato responsável junto aos pares e à comunidade, mas, muito particularmente, apresenta-se investido pela necessidade de atender às expectativas dos órgãos reguladores. Nesse diálogo tensionado, essas respostas têm apresentado “exigências que estão além de sua formação” (OLIVEIRA, 2005, p. 769).

Ainda que, a despeito da diversidade e dos desafios próprios de cada instituição, a lógica da NGP busque impor-se com assertivas generalizantes, situadas em lógicas de eficiência próprias da gestão empresarial, conforme assinalamos, a especificidade da EI (BRASIL, 2009) implica conceber práticas próprias a essa etapa. No que se refere a práticas ligadas à gestão, Campos (2012) assinala que:

[...] a gestão de creches e pré-escolas apresenta especificidades importantes, quando comparada à gestão de escolas que atendem crianças acima de 6 anos de idade, como: integrar o cuidado à Educação, uma vez que as crianças pequenas necessitam maior atenção por parte dos adultos; organizar ambientes que estejam de acordo com as necessidades das faixas etárias atendidas; planejar rotinas para atendimento em turno integral (caso de muitas creches); manter uma relação próxima com as famílias. Assim, as instituições de Educação Infantil têm preocupações peculiares, que geram demandas bastante diversas das do Ensino Fundamental (p. 28).

Essas práticas informam, então, indicadores para o desenvolvimento de processos formativos. Nesse sentido, a pesquisa informa que o trabalho, na especificidade da instituição de EI, apresenta desafios para muitos gestores, em especial, quando estão associados a carência de condições de infraestrutura:

Na Educação Infantil as dificuldades que a gente encontra é não ter uma equipe maior para nos ajudar, não temos um vigilante, não temos um coordenador, muitas das vezes nós não temos uma auxiliar de secretaria, que às vezes a gente fica sem mesmo, porque a educação não dá essa condição. E a gente aqui acaba fazendo um pouco de tudo, a gente acaba deixando de atuar no que é principal, que é o pedagógico, porque a gente depende de fazer tudo isso (LAURA).

Observando as questões estruturais próprias do campo da EI, importante é não esquecer “o quanto a escola pode se apresentar de forma desigual para os mais pobres” (OLIVEIRA, 2015, p. 639), uma desigualdade que não se aparta da disputa pela participação social. Então, caminhando para uma síntese desse tópico relativo ao trabalho do gestor, procuramos evidenciar que as assertivas da gestão democrática, importantes para avançar nos processos de compartilhamento das ações educativas, no (des)encontro com o campo da EI, movem tensionamentos em interação com o progresso da imposição das lógicas vinculadas à NGP.

Ainda assim, a pesquisa retrata um conjunto de esforços em processos coletivos de trabalho que, movendo aprendizagens processuais, evidencia a potência da aposta na gestão democrática no campo da EI. Sem desconsiderar os investimentos mais pessoais, as composições grupais no interior das instituições, as mobilizações de projetos coletivos de trabalho, as parcerias com a comunidade e muitas outras formas de trabalhar no horizonte de afirmação da gestão democrática, urge reconhecer, entre os desafios desse tempo presente, a necessidade do fortalecimento das políticas públicas de valorização da educação e de seus profissionais, integradas à afirmação do direito à educação pública e de qualidade para todos. Nesse contexto, considerando “a importância excepcional da voz, do indivíduo” (BAKHTIN, 2011, p. 320), continuamos a abordar o trabalho dos gestores, passando a focalizar mais detidamente algumas dimensões desse trabalho, situadas na conviviabilidade coletiva com os pares, com as crianças, com suas famílias e comunidade e, não menos importante, com os mecanismos de controle e regulação que se impõe a esse trabalho.

2. O TRABALHO DO GESTOR NAS DIMENSÕES PEDAGÓGICAS, ADMINISTRATIVAS E FINANCEIRAS

No propósito de perquirir, em maior detalhamento, o trabalho do gestor das instituições de EI, neste tópico, apresentamos algumas das atividades desenvolvidas, considerando a dimensão pedagógica e a dimensão administrativa e financeira. No reconhecimento dessas dimensões, incluímos a demanda pela atenção à orquestração do trabalho, indicando também a presença de uma dimensão relacional. Assim, sustentados no referencial bakhtiniano, reconhecemos o movimento de articulação do conjunto das ações - das quais emergem também desarticulações e fragmentações - instado (não sem tensionamentos) com uma rede alargada de interlocutores.

Dada sua natureza, essa dimensão relacional não será tratada em sua particularidade, integrando o conjunto da discussão, de modo a evidenciar que as atividades foram distribuídas somente para efeito de apresentação, uma vez que sua concretização revela elos que não autorizam isolar cada dimensão. Também nesse sentido de não perder de vista os possíveis elos entre as ações e dimensões e em articulação com o propósito de síntese (requerido pelos limites de um artigo), organizamos as atividades em quadros, com vistas a mover análises dos itens em seu conjunto. Todavia, não desconsideramos que cada atividade permite circunscrever análises particulares que, em muitos casos, podem ganhar tematização própria. Ainda, para observar a atuação em cada atividade, detalhamos a atuação dos gestores considerando movimentos ligados à execução, à coordenação, à orientação, ao acompanhamento e à participação, admitindo múltiplas associações. Lembrando o conjunto de trinta e cinco respondentes do questionário, esse procedimento de pesquisa permitiu evidenciar os destaques presentes nas formas de atuação.

Assim sendo, começamos pela abordagem da dimensão pedagógica no trabalho dos gestores das instituições de EI, apresentando as atividades descritas no quadro a seguir:

Quadro 1 – Atividades vinculadas à função de gestor: dimensão pedagógica 

Atividades Atuação do gestor
Executa Coordena Orienta Acompanha Participa
Avaliação do trabalho pedagógico do conjunto da instituição 11 10 9 14 18
Planejamento junto ao corpo técnico pedagógico 10 17 8 12 17
Planejamento junto aos docentes 5 5 12 27 17
Planejamento de trabalhos coletivos da instituição 11 16 9 12 13
Formação continuada na instituição 10 6 13 14 21
Avaliação das crianças 1 4 11 26 12
Atividades com as crianças no interior da instituição 5 7 14 27 19
Atividades externas (passeios pedagógicos, visitas) com as crianças 5 10 14 17 15
Atividades com pais e familiares 26 15 11 11 16
Comunicação, aos pais e familiares, da proposta pedagógica da instituição 17 15 10 9 12
Atendimento a familiares que procuram a instituição 26 7 11 10 10
Convocação de pais e familiares para conversar sobre a criança 15 5 11 15 16
Assumir turmas na ausência de profissionais 5 12 13 12 5
Acompanhamento da entrada e saída das crianças 23 9 5 9 13
Acompanhamento das atividades de alimentação 8 8 11 24 10
Estímulo ao trabalho coletivo 25 8 13 10 9
Orientação e acompanhamento dos registros no diário de classe 1 6 18 28 3
Acompanhamento e análise de fichas de avaliação das crianças 1 3 12 30 5
Elaboração, junto com o pedagogo, do horário de aulas, bem como do mapa de carga horária, calendário escolar e da organização curricular 24 9 11 13 10
Acompanhamento da rotina das crianças durante o período em que estão na instituição 6 7 10 28 8

Fonte: elaboração das autoras a partir dos dados da pesquisa.

Entendemos que a dimensão pedagógica constitui papel central das instituições educativas, devendo, então, ganhar prioridade no trabalho docente. Nesse sentido, a observação dos dados integrantes do quadro permite assinalar, como destaques, o investimento dos gestores em executar as ações ligadas à mobilização do trabalho coletivo, as demandas organizativas da instituição (elaboração de horários, da organização curricular e de calendário letivo, supervisão das entradas e saídas) e a interação com as famílias. No que se refere ao acompanhamento, ganha realce a dialogia com os professores (observando os planejamentos e registros associados) e com o trabalho com as crianças (considerando a rotina de trabalho realizado e avaliação das crianças). Em relação à participação, destaca-se a formação continuada realizada no interior da instituição. Se esses dados podem ser associados a uma preocupação em apoiar as ações, evidenciando o compromisso e a responsabilidade com o trabalho da instituição, eles podem também ser considerados no bojo das consequências das reformas educacionais, que vêm assinalando, cada vez mais intensamente, a responsabilidade da gestão de responder às expectativas de eficiência das instituições.

Nas entrevistas, a problematização das demandas pedagógicas permitiu evidenciar que muitos gestores, em função das demandas administrativas e financeiras, não conseguem atuar como gostariam na dimensão pedagógica. De todo modo, como nessa dimensão há mais parceiros de percurso (pedagogos, professores e demais trabalhadores docentes), é possível investir na orquestração do trabalho institucional sem a necessidade de assumir o protagonismo da execução de muitas das ações. Na polifonia integrante da vida comum nas instituições de EI, ganham visibilidade as narrativas de movimentos de solidariedade e de exercícios de deliberação coletivos para o cumprimento dessas atividades. Ainda assim, os dados também assinalam uma expectativa de realizar o trabalho de gestão garantindo uma visão panorâmica que integre informações das várias ações em curso na instituição, reiterando preocupações com a possibilidade de terem que “[...] responder pelo que fazem, como fazem e para que fazem” (OLIVEIRA, 2008, p. 7).

No bojo da observação da preocupação com as “[...] prescrições de ordem orçamentárias, jurídicas, pedagógicas e políticas” (Idem, p. 8), que vêm reforçando a ideia de uma “gestão escolar eficaz” (OLIVEIRA, 2015, p. 627), avançamos para integrar a análise dos indicadores referentes às atividades que foram vinculadas às dimensões administrativas e financeiras do trabalho do gestor, apresentando o quadro a seguir.

Quadro 2 – Atividades vinculadas à função do gestor: dimensão administrativa e financeira 

Atividades Protagonismo dos gestores
Executa Coordena Orienta Acompanha Participa
Consulta de legislação, estatutos e regimentos 23 8 14 14 8
Consulta da proposta curricular do município 16 5 10 13 10
Elaboração do Projeto Político Pedagógico da instituição 17 14 8 13 18
Observância do Projeto Político Pedagógico da instituição 21 10 10 17 9
Avaliação/acolhimento das propostas da comunidade escolar quanto ao uso dos recursos financeiros 25 15 13 11 13
Levantamento de orçamentos 25 7 3 6 4
Compra de materiais 35 4 4 5 5
Elaboração de documentos contábeis 20 6 6 12 4
Sistematização da prestação de contas dos recursos financeiros 31 6 5 7 7
Prestação de contas dos recursos financeiros à comunidade escolar 29 6 3 5 5
Fiscalização de serviços terceirizados (alimentação e limpeza) 14 11 8 18 7
Reunião com o Conselho de Escola 24 17 6 7 8
Informes administrativos à comunidade escolar 30 7 5 6 5
Reuniões gerais na instituição 26 14 7 7 7
Orientação a profissionais da instituição sobre suas atribuições e postura profissional 26 8 11 5 5
Resolução de conflitos 24 10 11 8 6
Utilizar novas tecnologias 14 6 10 15 6
Divulgação do trabalho realizado 11 14 8 9 7
Atendimento a convites e solicitações da Secretaria Municipal de Educação 17 4 3 7 23
Encaminhamento de solicitações relativas às demandas da instituição 29 10 3 7 5
Outros: Especifique          

Fonte: Elaboração das autoras a partir dos dados da pesquisa.

A partir deste quadro, é possível inferir que o protagonismo da gestão se evidencia nas dimensões administrativa e financeira, uma vez que essas atividades possuem os maiores indicadores na execução, com destaque para a compra de materiais (100%), a sistematização da prestação de contas dos recursos financeiros (88,5%), a prestação de contas desses recursos à comunidade escolar (82,8%), o encaminhamento de solicitações relativas às demandas da instituição (82,8%), a realização de reuniões gerais na instituição (74,2%), a orientação a profissionais (74,2%), o levantamento de orçamentos (71,4%), a avaliação/acolhimento das propostas da comunidade escolar quanto ao uso dos recursos financeiros (71,4%), a resolução de conflitos (68,5%), a reunião com o conselho de escola (68,5%), entre outros itens.

Nas vivências no cotidiano da instituição, com suas múltiplas demandas, as respostas integrantes desse quadro de atuação se efetivam com tensionamentos, como explicita uma das gestoras entrevistadas:

Não sou contadora, não entendo nada de contabilidade, arrisco [...]. Eu acho que a questão da segurança também, abrir e fechar escola, isso não é minha atribuição, nem minha função, eu acho que é uma condição que me sobrecarrega (CARLA).

Então, novas atribuições se apresentam no horizonte de trabalho da gestão na EI, implicadas com as assertivas das novas formas de gestão e de financiamento da educação, que, dando realce à racionalização dos recursos existentes, transparência, participação local, eficiência e expectativa de resultados, também informam processos de intensificação do trabalho docente (OLIVEIRA, 2005), bem como, atividades que, segundo os gestores, não integram seu processo de formação inicial. Reiterando essas análises, trazemos mais uma narrativa decorrente das entrevistas:

Na verdade, hoje, principalmente no município [nome do município], ele [referindo-se ao gestor] tem inúmeras funções [...]. Eu faço trabalho de secretaria, eu abro o portão, [...]. Tem a questão da prestação de contas [...] (BRUNA).

Avançando para a conclusão deste tópico, reunindo as várias dimensões do trabalho do gestor, com suas diversas atividades e, sobretudo, distintos interlocutores associados, os dados da pesquisa informam que a dimensão administrativa é a que mais ocupa o tempo cotidiano do trabalho. Na dimensão relacional, convém retomar os indicadores dos quadros funcionais, que informam a reunião de professores e auxiliares no trabalho direto com as crianças, em especial, na faixa da creche, requerendo da gestão processos de mediação com vistas a apoiar as ações conjuntas entre esses profissionais, que vivem em condições muito desiguais de reconhecimento e valorização profissional (FERREIRA; OLIVEIRA; VIEIRA, 2012). A dimensão financeira, além de ocupar o tempo, é a que apresenta maiores dificuldades para a atuação, em especial por exigir conhecimentos relativos à utilização dos recursos públicos e à prestação de contas. A dimensão pedagógica se apresenta com o maior destaque de afinidade, ainda que os gestores não consigam a ela dedicar-se a contento, agregando também maior possibilidade de mobilizar parceiros no encaminhamento das ações. Nessa complexidade, a pesquisa evidencia o realce para a execução de rotinas administrativas, em particular ligadas a aplicação de recursos (CÔCO, 2012).

Assim, com o referencial bakhtiniano, evidenciamos a perspectiva de focalizar a alteridade presente no trabalho escolar, entendendo que as distintas demandas, ainda que de modo diferente, impactam as várias ações que compõem o conjunto da instituição educativa e, consequentemente, afetam os pares de trabalho e, muito especialmente, os estudantes. Nesse quadro é pertinente lembrar que,

[...] Assim, os trabalhadores docentes se tornam mais presos às suas atividades e compromissos, passam a se sentirem mais responsabilizados pelo destino da escola, dos alunos e dos projetos em desenvolvimento. É como se os trabalhadores docentes tivessem que pagar o preço pela autonomia conquistada, já que sentem que a mesma é resultante de suas lutas (OLIVEIRA, 2008, p. 9).

Portanto, no contexto da evidência de que a NGP “tem alterado de maneira drástica a forma como se concebe a governança das instituições educativas” (VERGER; NORMAND, 2015, p. 600), cabe indagar a potência das soluções locais, em especial quando os problemas são de ordem geral e impactados com grande força por elementos externos à ação escolar (OLIVEIRA, 2015). Nesse caso, parece-nos mais uma desobrigação dos sistemas, por meio da transferência de responsabilidades para as instituições educativas. Cabe indagar também o efetivo espaço de manobra dos trabalhadores docentes e instituições para responder, do modo como acreditam, às demandas que se apresentam no cotidiano da atividade educativa, em especial, com as crianças pequenas. Algumas regulações, em particular quando se associam a ranqueamentos de desempenho, testagens padronizadas, avaliações em larga escala e outros meios de controle, não indicam orientações e apoio ao trabalho educativo, impondo diretamente o controle sobre este trabalho.

Enfim, com o conjunto dos dados da pesquisa, não podemos deixar de assinalar o reconhecimento de avanços instados pelas - ainda que tímidas - conquistas ligadas à democracia participativa, requerendo o “envolvimento dos atores sociais na implementação ou execução das políticas públicas” (Idem, p. 633), um envolvimento que, muitas vezes, exerce pressões que alargam as conquistas. Todavia, também não podemos desconsiderar que as lógicas de eficiência e eficácia associadas à descentralização vêm encaminhando processos de culpabilização que, intensamente, são dirigidos às instituições educativas e a seus trabalhadores docentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, tematizamos o trabalho dos gestores que atuam nas instituições de EI. Com o referencial bakhtiniano, tomamos o trabalho docente na gestão integrado à dinâmica da vida social, ou seja, não apartado das negociações sociais, nesse caso relativas ao encaminhamento do direito à educação. Nessa perspectiva, observando as distintas dimensões do trabalho dos gestores na EI, com as respectivas atividades, numa mirada mais panorâmica, os desafios apresentados não parecem muito distantes daqueles já enumerados nos estudos que focalizam a gestão nas demais etapas e níveis da escolarização. No destaque a essa aproximação, marcada pela centralidade das demandas administrativas e financeiras, em detrimento das demandas ligadas à dimensão pedagógica, convém realçar a especificidade da EI, que vive mais intensamente as precariedades nas suas condições de infraestrutura.

Nesse quadro, também dada a particularidade do trabalho com as crianças pequenas, a gestão encontra demandas próprias do acolhimento a essa faixa etária. A título de ilustrar essas demandas, tomamos, como um exemplo destacado nos dados, a demanda por acompanhar as entradas e saídas, associada ao contato cotidiano com as famílias. Se aparentemente podem parecer tarefas simples, requer integrá-las ao conjunto dos propósitos inerentes ao compromisso de possibilitar o desenvolvimento integral das crianças (BRASIL, 2009), em meio às múltiplas demandas que coincidem no encaminhamento do trabalho educativo (CÔCO; ALVES, 2017). Com isso, emerge uma complexidade que, capitaneando várias possibilidades de abordagem, assinalam os processos de precarização, que ecoam na intensificação do trabalho docente nesse campo.

Reafirmando a complexidade do trabalho educativo na EI impactando a gestão, assinalamos que o desenvolvimento da autonomia escolar, como uma das medidas mais emblemáticas das reformas da GNP no campo educacional (VERGER; NORMAND, 2015), vem informando tensionamentos que não se apartam das disputas sociais no que diz respeito ao direito à educação. Associar a autonomia à imposição de processos de regulação e responsabilização funciona, então, para enfraquecer os compromissos com a melhoria das condições de trabalho e com o reconhecimento e valorização dos trabalhadores docentes, afetando diretamente o trabalho institucional e, com isso, as ações com as crianças e com a comunidade. Assim, permanece no horizonte da luta social a afirmação do direito à educação e, nessa luta, o fortalecimento da EI e de seus trabalhadores, com vistas a mover lógicas de gestão mais diretamente próximas do atendimento das demandas locais.

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Recebido: Agosto de 2017; Aceito: Novembro de 2017

LUCIANA GALDINO é Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES. Integrante do Grupo de Pesquisa Formação e Atuação de Educadores. Professora e Pedagoga da Rede Municipal da Serra-ES. Professora da Rede Doctum- Ensino Superior. E-mail: lupapoula@hotmail.com

VALDETE CÔCO é Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Professora no Departamento de Linguagens, Cultura e Educação; no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Formação e Atuação de Educadores. Tutora do Programa de Educação Tutorial Conexões de Saberes: Projeto Educação. Coordenadora do GT07: Educação de crianças de 0 a 6 anos, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) (2016-2017). E-mail: valdetecoco@hotmail.com

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