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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versión impresa ISSN 1678-166Xversión On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.35 no.1 Goiânia ene./abr 2019  Epub 06-Dic-2019

https://doi.org/10.21573/vol1n12019.93093 

EDITORIAL

RELAÇÕES CONTEMPORÂNEAS ENTRE ESFERAS PÚBLICA E PRIVADA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: O QUE DIZEM PESQUISAS SOBRE DISTINTOS CONTEXTOS

Lúcia Maria de Assis

Daniela da Costa Britto Pereira Lima

Theresa Adrião e Vera Peroni


Este dossiê, organizado por Theresa Adrião e Vera Peroni, intenta publicizar resultados de pesquisas relacionadas ao estudo de formas, dimensões, alcances e contradições decorrentes do imbricamento entre as esferas públicas e privadas, tendo como pressuposto a realização da Educação Básica como direito, o que exige sua democratização.

Sua origem associa-se a diálogos nacionais e internacionais desenvolvidos pelas pesquisadoras em investigações sobre a temática. A​ iniciativa proposta à Revista Brasileira de Política e Administração da Educação agrega, a esta trajetória, produções e reflexões aportadas em pesquisas empíricas resultantes de diversificados percursos metodológicos, que buscam responder a indagações concernentes à multifacetada presença do setor privado no campo educativo e em contextos diversos.

Trata-se de colaborar para um entendimento crítico e referenciado sobre os processos de ação desse segmento, percebidos em distintos sistemas de ensino, tendo em vista ​a ​necessidade da apreensão singularizada, porque historicamente constituída, dos mecanismos globalizados pelos quais a Educação Básica, mesmo em sua etapa obrigatória, tem-se subordinado a interesses privatistas e, por vezes, mercantis.

Para tanto, interessou a este número a diversificação regional dos trabalhos, bem como seu esteio em dados primários. Importa, ainda, associadamente à pesquisa empírica, que os artigos promovam o diálogo com a literatura sobre o tema, de modo a que se constitua em produção potencializadora de debates e reflexões inovadoras.

Frisa-se que os estudos sobre as relações entre esferas pública e privada ganham destaque neste final de década dado o contexto de ampliação de pautas e movimentos conservadores, em geral associados a ideologias individualistas e segregadoras, disseminados, inclusive, nas chamadas democracias consolidadas. Nesse contexto, projetos políticos e governamentais apregoam a hierarquização e a seleção entre aqueles que são os “detentores de direitos” e aqueles a quem os direitos não precisam ser aplicados ou o são em doses menores. Reatualizando as preocupações de Hanna Arendt, teme-se pelo fato de que mais e mais indivíduos sem estado e proteção, logo sem direitos, espalham-se por continentes e territórios.

Ao mesmo tempo a globalização do capital, assentada na financeirização econômica, acentua distorções e assimetrias no acesso aos bens comuns, dentre os quais se encontra a educação, especialmente em sua etapa obrigatória.

Destacamos, ainda, que são projetos societários o que se encontra em disputa, expressos na disputa entre o público e o privado sobre a definição do próprio conteúdo da educação; sobre as formas e os processos pelos quais a educação é concebida e gerida; sobre a organização do conteúdo e seleção dos insumos curriculares, cuja forma mais evidente é a expansão de sua oferta por setores privados.

É nessa conjuntura, na qual prevalecem globalismos ditados por corporações transnacionais, que esvaziam o conteúdo dos Estados Nação (IANNI, 1996) e tencionam direitos fundamentais quando estes não se apresentam afeitos à lógica do lucro ou quando não haja possibilidade para que sejam a ela subjugados, que apresentamos o Dossiê Relações contemporâneas entre esferas pública e privada na Educação Básica: o que dizem pesquisas sobre distintos contextos.

Compondo a literatura acerca da ampliação da influência dos chamados “filantrocapitalistas” (BISHOP; GREEN, 2008) na definição da política educativa, Laura Roberta Rodríguez, no artigo Las alianzas Estado/empresas para la mejora de la educación en Argentina a principios del siglo XXI: de la filantropía a la incidencia sobre la política educacional, busca apreender as alterações na ação do estado argentino e nas instituições educativas daquele país, a partir do estudo de duas fundações empresarias: Arcor y Bunge & Born.

Na mesma direção, o texto de Vera Peroni, Raquel Caetano e Lisete Arelaro, BNCC: disputa pela qualidade ou submissão da educação, caracteriza os sujeitos individuais e coletivos (THOMPSON, 1981), tendo em vista seu alinhamento a perspectivas e pautas liberais e/ou conservadoras, destacando como essas duas perspectivas se associam na orquestração da proposta para Base Nacional Curricular Comum brasileira e nas iniciativas para sua aprovação.

Dois trabalhos analisam mecanismos que alteram a relação entre esferas governamentais e o setor privado. O primeiro deles, Arranjos de desenvolvimento da educação (ades): nova oportunidade de negócios educacionais para as organizações do setor privado, de autoria de Elma Júlia Gonçalves de Carvalho, toma por campo empírico o arranjo da Associação de Municípios da Grande Florianópolis (Granfpolis) com o Instituto Positivo. Com base em pesquisa documental, o artigo identifica que o mecanismo acentuou o processo de privatização da gestão educativa na região. Já Teise Garcia, no trabalho Contratualização de resultados na gestão educacional escolar em redes estaduais de ensino, desenvolvido a partir de pesquisa documental, analisa os mecanismos e consequências da introdução da contratualização de resultados para a organização do trabalho na escola e para o aprofundamento da privatização da gestão escolar.

O dossiê apresenta, ainda, artigos que analisam aspectos relacionados à oferta educacional privada em três países, dois dos quais pouco conhecidos entre os educadores brasileiros: Guiné-Bissau e Irlanda. O terceiro país, Chile, é paradigma para os estudos sobre relações entre esfera pública e privada no campo educativo e, mais ainda, sobre os processos de privatização desse campo.

Impactos e efeitos de um programa de ajuda pública ao desenvolvimento em escolas públicas e privadas: um caso na Guiné-Bissau, de Rui da Silva, resultou da realização de entrevistas, grupos focais, pesquisa documental e de observação não participante e analisou as relações e os efeitos nas escolas privadas do Programa de Apoio ao Sistema Educativo da Guiné-Bissau (PASEG), promovido pela Cooperação Portuguesa e direcionado às escolas públicas.

Contradições do modelo de oferta da educação obrigatória na Irlanda, mais precisamente na região de Dublin, é o tema do trabalho de Theresa Adrião e Juliana P. Azevedo, realizado a partir da análise de documentos oficiais, da literatura e de entrevistas semiestruturadas com mães de estudantes. O artigo Subsídio público à oferta educacional privada: reflexões a partir do modelo irlandês reflexiona sobre um modelo educacional que se pauta na escolha parental, em que o Estado não é provedor direto e no qual a escola pública é reconhecida por sua gratuidade. Indica as contradições para o acesso à escola dos mecanismos de escolha e a necessidade de estudos sobre o tema.

O dossiê é finalizado com o artigo Individuación y Mercado Educacional en Chile, de Víctor Orellana, Manuel Canales, Cristián Bellei, Fabián Guajardo. O trabalho centra-se no estudo das consequências dos mercados educativos, que estruturam o modelo chileno de oferta educacional, analisa ainda a colonização mercantil da política e da vida. Com base em depoimentos de pais e estudantes, informantes qualificados, e em grupos de discussão, os autores analisamos mecanismos e processos pelos quais a educação chilena tem sido mercantilizada a partir de 2014, indicando a impossibilidade, nestas condições, de se cumprir o papel de socialização e de coesão social a ela atribuído.

Esperamos apresentar aos leitores e leitoras da Revista Brasileira de Política e Administração da Educação material que permita o diálogo sobre as formas e dimensões pelas quais as relações entre esferas pública e privada no campo educacional vêm sendo revistas e redimensionadas. Considerando a mesma chave de análise, a respeito dos processos históricos “con/formadores”, ousamos atualizar a fala de Eduardo Galeano no Fórum Social Mundial de 2004 e desejar que, onde couber, a “esperança recupere a democracia usurpada".

Apresentamos, na sequência, outros artigos que também compõem este número: o primeiro, intitulado Contrarreformas, Nova Gestão Pública e relações público-privadas: mapeando conceitos, tendências e influências na educação, de Marilda de Oliveira Costa, mostra que A NGP emergiu de ondas de contrarreformas no papel do Estado e da sociedade, a partir dos anos 1980. A internacionalização dessas medidas na área educacional vem se dando por transferência, empréstimo ou convergência de políticas cujas origens se encontram em países anglo-saxões. Trata-se de estudo teórico que mapeia essas tendências em algumas políticas educacionais em Portugal e no Brasil e analisa suas implicações para a democratização da educação nesses países.

O artigo escrito por Renata Ramos de Carvalho e Nelson Cardoso Amaral, intitulado As universidades estaduais brasileiras e as metas do PNE (2014-2024) para a Educação Superior: desafios de expansão e financiamento mostra qual seria a expansão necessária de matrículas e a ampliação no financiamento para que as universidades estaduais (UEs) do país contribuam para o êxito das metas do PNE (2014-2024) para a educação Superior (ES). Os autores concluem que a expansão determinada para o alcance das metas do PNE (2014-2024) para a ES, e a consequente contribuição das UEs está ameaçada pelas políticas e ações que vêm sendo adotadas no país a partir do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

O artigo intitulado Dimensionamento do quadro de funcionários das escolas de educação básica no Brasil, escrito por Thiago Alves; Lúcia Maria de Assis; Mariana Moschkovich Athayde e Aline Kazuko Sonobe mostra as lacunas nas políticas educacionais quanto aos funcionários de escola, reforçadas pela ausência de dados sobre esses profissionais no questionário específico do Censo da Educação Básica (CEB) e propõe indicadores para dimensionamento do quadro de funcionários das escolas públicas a partir do único item do Censo que permite obter informações desses profissionais, que é o “Total de funcionários da escola (inclusive profissionais escolares em sala de aula)”. Os resultados mostram grande variabilidade nos resultados por escola tendo em vista a heterogeneidade do sistema.

O artigo 10 anos da política nacional de educação especial em uma perspectiva inclusiva: implicações no Espírito Santo, escrito por Alexandro Braga Vieira; Denise Meyrelles de Jesus, Clayde A. Belo da S. Mariano e Lara Regina Cassani Lacerda mostra as implicações da Política Nacional de Educação Especial em uma perspectiva inclusiva por meio de uma pesquisa qualitativa que recorre a dados de dois estudos: Políticas de Educação Especial no Espírito Santo: implicações para a formação continuada de gestores públicos de Educação Especial (2010-2012) e Observatório Nacional de Educação Especial no Estado do Espírito Santo (2012-2017). O estudo concluiu que o referido documento impactou as políticas públicas de Educação Especial e evidenciou desafios no campo do direito à Educação.

Por fim, fechando este número, apresentamos o artigo intitulado Abandono, reprovação, reforço escolar: respostas de diretores ao questionário contextual da Prova Brasil, escrito por Gisele Cristina Martins real; José da Silva Santos Junior; Sandra Maria Zákia Lian Sousa; Angela Maria Martins e Maria Helena de Aguiar Bravo, no qual são apresentados resultados de pesquisa que caracterizou iniciativas de diretores municipais do Ensino Fundamental, via questionário contextual da Prova Brasil 2015, no que tange ao controle do abandono, reprovação, acompanhamento da frequência e ações de reforço escolar. O tratamento estatístico delineou o cenário nacional no que se refere às práticas declaradas por esses diretores, em interlocução com estudos da área. Os autores concluem que os dados indicam a existência de ações para o enfrentamento do tema, mas ainda apresentam índices desafiadores em relação ao abandono e à reprovação em escolas municipais.

Com este número, esta equipe editorial encerra o período de 4 anos à frente da RBPAE. Foi um período fértil em experiências e aprendizados, em encontros e muitos diálogos sobre o mundo acadêmico que enseja a organização de um periódico educacional com o tamanho e a abrangência desta revista. É com muita alegria que nos despedimos deste espaço de convivência e de comunicação e desejamos muito êxito aos que farão parte da nova equipe editorial. Agradecemos aos nossos leitores(as), conselheiros(as), pareceristas, secretária, tradutoras, revisores, diagramador, e, em especial, ao presidente da Anpae (2015-2016 e 2017-2018), João Ferreira de Oliveira, pela confiança depositada no desenvolvimento desta jornada.

Lúcia Maria de Assis
Editora Daniela da Costa Britto Pereira Lima
Editora Associada Theresa Adrião e Vera Peroni
Organizadoras do Dossiê

Referências

ARENDT, H. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das letras, 2004 [ Links ]

THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981 [ Links ]

BISHOP, M and GREEN, M. How the rich can save the world. Bloomsbury Press, 2008. [ Links ]

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