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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.35 no.2 Goiânia maio/ago 2019  Epub 10-Dez-2019

 

Editorial

EDITORIAL

Marcelo Mocarzel

Sabrina Moehlecke


Vivemos um momento delicado, em que as ciências humanas e sociais estão sendo atacadas e a ciência, a pesquisa, e a universidade são colocadas em xeque, por aqueles que têm o dever constitucional de mantê-las e incentivá-las. Neste cenário, a publicação de mais um número da RBPAE é um ato de enfrentamento e resistência, sobretudo ao abordar as políticas educacionais em um contexto de crise. Parte da população vem reproduzindo e potencializando o ódio ao conhecimento científico, trazendo à tona discursos fundamentalistas e superados, que não dialogam mais com as realidades do século XXI. A ciência é fruto do movimento dialético, com a sucessiva produção de teses, antíteses e sínteses e cada vez que esse processo é desprezado em nome de dogmas, toda a sociedade sai perdendo.

Agora, mais do que nunca, precisamos reforçar o papel dos periódicos acadêmicos nos debates sobre educação, política e sociedade, na crítica teórica e na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento de forma plural, princípio constitucional muitas vezes esquecido, mas basilar para a manutenção de nossa ainda frágil democracia. Os ataques orquestrados a professores, cientistas e instituições de ensino e pesquisa têm caráter global e se repetem em todos os contextos em que o autoritarismo encontra-se em primeiro plano, ainda que escondido sob panos democráticos. Essa forma de fazer “anti-ciência” é um caminho rápido e traiçoeiro para se cooptar o senso comum e atacar a credibilidade construída a duras penas de instituições e seus profissionais.

Neste número, apresentamos aos leitores da RBPAE, doze artigos nacionais e um internacional, selecionados em fluxo contínuo, bem como uma pesquisa encomendada, além do discurso de posse do novo presidente da ANPAE para a gestão 2019-2021. A multiplicidade de temas, ainda que dentro do escopo da gestão e políticas educacionais, demonstra o quão profícuo é o nosso campo e como o processo investigativo é necessário e relevante.

Iniciamos com a pesquisa “A arte do disfarce: BNCC como gestão e regulação do currículo”, de Luiz Fernandes Dourado e Romilson Martins Siqueira, que traz à tona um debate de expressa importância no contexto brasileiro. A tese central dos autores é que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi concebida como uma política que articula processos de gestão, avaliação e regulação do currículo e que, a partir de um discurso e/ou retórica neo economicista e reformista poderá implicar em retrocessos na gestão democrática e na autonomia dos sistemas e instituições educativas, nas dinâmicas curriculares, nos processos formativos e na autonomia docente.

Em seguida, Olgaíses Cabral Maués e André Rodrigues Guimarães apresentam o artigo “A educação superior na esteira da internacionalização”, no qual analisam como se dá a internacionalização da educação superior a partir da ótica de organismos multilaterais, como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. A pesquisa documental considerou os principais estudos publicados por tais organismos, indicando que a internacionalização é defendida como uma forma de privatização e mercadorização do conhecimento, enquanto uma “nova” estratégia para o capital. Os autores defendem, por outro lado, uma distinta concepção de internacionalização, enquanto alargamento das fronteiras acadêmicas que considere, sobretudo, a educação como direito social e que atue na perspectiva da emancipação humana.

O autor Josué Vidal Pereira, em seu texto “A evolução do gasto-médio/aluno e custo-médio/aluno da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica” faz uma relevante contribuição ao campo do financiamento da educação, ao analisar a Rede Federal de EPCT entre os anos 2009 e 2016. A pesquisa identificou duas importantes tendências na análise dos gastos, a primeira entre 2009 e 2014, na qual se observou uma elevação dos indicadores e a segunda de 2015 a 2016 de retração, determinada pela crise financeira do Estado em face das disputas pelos recursos do fundo público.

Em “A nova gestão pública no contexto da educação pernambucana e a qualidade educacional”, Luciana Rosa Marques, Juliana Camila Barbosa Mendes e Iágrici Maria De Lima Maranhão fazem uso da Análise de Discurso para interpretar as repercussões da Nova Gestão Pública na gestão da educação, tendo como foco a qualidade educacional. Como caso exemplar, analisam a política educacional pernambucana, a partir de documentos e entrevistas com gestores escolares, visando compreender que sentido de qualidade se configura como hegemônico. As autoras verificaram como os discursos podem trazer posições conflituosas, ancorados em distintas visões do que é qualidade em educação.

Andréa Maria de Melo Couto de Oliveira, Patricia Maria Dusek e Kátia Eliane Santos Avelar são as autoras do artigo “A trajetória da educação brasileira no contexto econômico”, que traz uma retrospectiva da educação no país em diálogo com o campo da economia ponderando sobre as transformações educacionais e o reflexo de alguns acontecimentos históricos na conjuntura atual da educação, sobretudo os limites impostos ao Plano Nacional de Educação pela Emenda Constitucional 95/2016. Em seu argumento central, as autoras traçam um paralelo entre as teorias econômicas e a suposta preocupação em se superar as desigualdades.

Debater sobre um dos aspectos da gestão do trabalho implementado pela Secretaria Estadual de Educação, no âmbito do Programa de Ensino Integral (PEI): a avaliação 360 graus. Este é o objetivo do artigo “Avaliação 360o: das empresas direto às escolas de tempo integral no estado de São Paulo”, de autoria de Selma Borghi Venco e Rosemary Mattos. O estudo associa dois tipos de pesquisa, uma de caráter documental e outra qualitativa, por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas junto a diretores e diretoras das escolas estaduais, constatando-se que a política educacional paulista permanece coerente aos princípios gerencialistas e adota mensurações comportamentais e medidas punitivas, desconfigurando assim o trabalho intelectual.

Um tema relevante e pouco difundido no Brasil aparece em “Classe hospitalar: a gestão pedagógica de professores com educandos em iminência de morte”, dos autores Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Wânia de Oliveira e Isabela Segato Rodrigues. A pesquisa, de caráter exploratório, parte de entrevistas com professores que lidaram com alunos de classes hospitalares em eminência de morte e como suas ações contribuíram para ressignificar práticas e vivências desses educandos, questionando a perspectiva de que tal estado é um completo limitador da aprendizagem.

O texto “Estado, educação superior e universidade no Brasil: processos de reconfiguração em tempos de reestruturação do capital” aborda as transformações que a universidade pública brasileira vem sofrendo desde a segunda metade dos anos 1990. Os autores Sylvana de Oliveira Bernardi Noleto e João Ferreira de Oliveira traçam um panorama, a partir de uma pesquisa documental e bibliográfica de como as instituições de ensino modificaram aspectos relativos à gestão, à produção do trabalho acadêmico, à formação e aos compromissos sociais inerentes a ela, em meio ao processo de globalização e reconfiguração do capital em decorrência das crises.

Na esteira do debate sobre as reconfigurações do capital, Eliel da Silva Moura, Jorge Nassim Vieira Najjar e Waldeck Carneiro da Silva analisam em “Neoliberalização e reforma educacional: a chegada da organização Teach For America no Brasil” como a organização estadunidense, rebatizada de Ensina Brasil, chegou e tentou se consolidar no cenário brasileiro, como um protótipo de política orientada para a expansão da lógica de mercado. O texto analisa ainda a rede global Teach For All e os processos de neoliberalização que dão suporte a essas iniciativas.

Ao analisar os processos educacionais em âmbito local, a discussão em torno da gestão das políticas municipais trazida por Francisco Willams Campos Lima, Alberto Damasceno, Cassio Vale e Maria Gorete Rodrigues de Brito, no artigo “O perfil dos Conselhos Municipais de Educação: um estudo na região metropolitana de Belém-PA”, nos mostra que ainda se encontram espaços de gestão democrática no campo educacional. O estudo teve por objetivo compreender as condições políticas e institucionais dos órgãos colegiados, a partir da aplicação de questionários com sujeitos que integram tais colegiados, entendendo que os mesmos têm papel relevante para a democratização da estrutura estatal.

Ainda no que se refere às políticas municipais e à gestão democrática, o estudo “O processo de elaboração dos Planos Municipais de Educação: saberes, diretrizes, políticas e práticas”, de Maria Eliza Nogueira Oliveira, Tatiane Oliveira Santos Nascimento e Silvio Cesar Nunes Militão, analisou os Cadernos de Orientações para elaboração dos Planos Municipais do Ministério da Educação, enquanto política proposta. Foram confrontados os dados levantados com a literatura existente sobre a temática, bem como com a atuação dos sujeitos envolvidos nesses processos, demonstrando-se que houve avanços significativos no que tange à consolidação da gestão democrática nos sistemas locais.

A partir da análise do ciclo de políticas, Vagna Brito de Lima, Maria Zuleide da Costa Pereira e Virgínio Isidro Martins de Sá trazem em “O professor diretor de turma entre Portugal e o Brasil: do contexto de influência ao contexto da prática” uma análise sobre a atuação dos professores diretores de turma e como estes apropriaram-se dos cargos. Em dois estudos de caso realizados, um no Brasil, no estado do Ceará e outro na região norte de Portugal, o texto concluiu que os atores escolares revelaram certa acomodação e conformismo no cargo, apesar de acharem que a função é importante para os estudantes.

Por fim, o último artigo deste número traz uma análise de políticas públicas de inclusão a partir do uso da tecnologia. Carla Salomé Margarida de Souza, Marlene Barbosa de Freitas Reis, Gislene de Freitas e Lilian Cristina dos Santos abordam em “Tecnologia móvel e dislexia: possibilidades pedagógicas inclusivas pela interface do appmobile Silabando” como um aplicativo pode contribuir para os discentes com dislexia. Por meio de um estudo exploratório, as autoras apontam para as contribuições que o uso da tecnologia podem trazer a esses estudantes, favorecendo a inclusão.

Encerramos este editorial agradecendo a confiança em nós depositada. Ao assumirmos a editoria da RBPAE, a convite do presidente Prof. Romualdo Luiz Portela de Oliveira, assumimos também um compromisso maior com a divulgação científica, com o ato de fazer ciência, com a pluralidade de ideias e concepções e com o diálogo permanente com a sociedade. Agradecemos pelos grandes esforços empenhados pelas editoras Profa. Lúcia Maria de Assis e Profa. Daniela da Costa Britto Pereira Lima, bem como dos outros editores e editoras que nos antecederam e da equipe editorial, que nos entregam uma revista bem estruturada, extremamente relevante do ponto de vista acadêmico e com a maturidade necessária para perpetuar-se no campo educacional.

Marcelo Mocarzel
Editores Sabrina Moehlecke
Editores

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