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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.36 no.2 Goiânia maio/ago 2020  Epub 11-Jan-2021

https://doi.org/10.21573/vol36n22020.106256 

Editorial

Concepções e práticas no campo das políticas e administração da educação em um cenário de embates e disputas

SABRINA MOEHLECKE

MARCELO MOCARZEL


O atual contexto político, econômico e social que vivenciamos no país é extremamente grave e preocupante, com diversas conquistas históricas, resultantes de décadas de lutas, sendo questionadas e desconstruídas, fragilizando pilares importantes de um Estado democrático de direito ainda em processo de formação. Em um cenário de constantes embates, a relevância de um projeto de democracia substantiva, com justiça social e cidadania ativa, por contraposição a uma concepção meramente formal e procedimental, nunca foi tão urgente e necessária.

A área da educação tem sofrido intensamente, e quase que diariamente, os impactos dessa realidade, marcada por disputas que sinalizam o abandono de um projeto de educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada. Tem se aprofundado os distintos processos de privatização da educação, básica e superior, os cortes no financiamento da educação, com a redução drástica das verbas para pesquisa, bolsas de pós-graduação e a publicação de periódicos científicos, com a educação a distância difundida enquanto estratégia para o desinvestimento na área, a precarização do trabalho docente, além de projetos conservadores de currículo e gestão da escola, como a militarização das instituições educacionais, a exclusão dos debates de gênero e sexualidade nas escolas, dentre outros. Por sua vez, também temos visto uma crescente e vigorosa mobilização de diversos setores e associações do campo educacional progressista, sinalizando uma importante resistência ativa, como vimos recentemente nas disputas em torno da garantia e do uso dos fundos públicos para as escolas públicas, em particular nas conquistas alcançadas no Congresso Nacional em relação à permanência e às configurações do FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

A ANPAE, tanto nacionalmente quanto nas diversas regiões e estados do país, tem atuado de modo intenso e ativo nesse processo, como sempre o fez historicamente, contribuindo para o fortalecimento dessa resistência política na área. A RBPAE, dentro de seus objetivos e escopo de ação, também tem um importante papel nessa conjuntura, ao estimular e difundir pesquisas e conhecimentos de relevância, produzidos no campo das políticas e administração da educação, que nos auxiliam na compreensão de uma realidade educacional cada vez mais dinâmica e complexa.

Os textos e temas nesta edição da revista refletem, em grande parte, a realidade que vivemos hoje no país e suas inquietações. São revisitados os referenciais teóricos que embasam distintas concepções de Estado e cidadania, de modo a debater acerca de sua articulação com a escola pública e a administração educacional; são analisados os desafios e impactos da implementação de políticas educacionais diversas no âmbito da gestão escolar; a partir de distintas abordagens teórico-conceituais e níveis de análise, são investigados assuntos que estão no centro dos debates atuais na área, como a educação domiciliar, o federalismo, o FUNDEB e os contratos temporários e precários de trabalho docente; além de discussões acerca dos desafios da formação inicial e continuada, seja de gestores ou professores, abrangendo instituições de ensino superior, municípios, estados ou programas nacionais no âmbito federal.

Para iniciar este novo número da RBPAE, temos o instigante texto de Almerindo Janela Afonso, decorrente da Conferência de Abertura do XXIX Simpósio Brasileiro de Política e Administração da Educação realizado na cidade de Curitiba, em 2019. No artigo “Estado, políticas e gestão da educação: resistência ativa para uma agenda democrática com justiça social”, ao retomar os fundamentos dos conceitos de Estado e cidadania, em sua relação com a escola pública, o autor contextualiza o desenvolvimento da administração da educação enquanto campo específico de pesquisa. Na sequência desta linha de reflexão teórico-conceitual e política, são indicadas algumas problemáticas para o campo, particularmente considerando o contexto delicado que vivemos no país e no mundo, no qual se torna ainda mais urgente a construção de uma agenda democrática com justiça social.

Em “Os novos e velhos contextos de ação coletiva em educação: propostas teóricas para refletir sobre as políticas educativas e a liderança educacional como processos complexos”, Claudia Neves analisa como o processo de construção das políticas educativas se reveste de uma multiplicidade de atores que atuam em níveis e contextos distintos atribuindo diversos significados às políticas. A partir de uma sistematização bibliográfica, a autora articula as perspectivas da complexidade com a análise de fenômenos educacionais, identificando a necessidade de se investigar novos métodos de coleta de análise de dados na área.

O federalismo, assunto que ganhou proeminência nos embates políticos enfrentados hoje no país, é o objeto do estudo de Eliza Bartolozzi Ferreira e Andreza Alves Ferreira, em seu artigo “O debate sobre federalismo na ANPAE (2007-2018)”. A partir do uso de um software para processar o corpus textual, as autoras analisam a produção sobre o tema na ANPAE, categorizando os tipos de pesquisa, metodologia e teorias utilizadas. Por fim, concluem que a Associação teve uma participação ativa no debate sobre o federalismo no campo educacional, impulsionando seu desenvolvimento enquanto um subcampo das políticas educacionais.

Os impactos e desafios da formação inicial e continuada, seja no âmbito da docência ou da gestão, são questões abordadas por distintos artigos ao longo deste número da revista. Ana Cristina Prado de Oliveira, Cynthia Paes de Carvalho e Murillo Marschner Alves de Brito são autores do artigo “Gestão escolar: um olhar sobre a formação inicial dos diretores das escolas públicas brasileiras”, que analisa as matrizes curriculares de uma amostra de cursos de licenciatura em Pedagogia, observando a oferta de uma formação que contemple a gestão escolar. Concluem que a formação inicial dos futuros pedagogos não parece prepará-los para os desafios que o exercício da função de diretor escolar exige.

No âmbito da formação continuada, o texto de Sarah Rizzia Campos Luiz e Lúcia Maria Assis, “Fundamentos e processos da formação continuada na rede municipal de Goiânia”, teve como objetivo apresentar os pilares teóricos e metodológicos da formação continuada dos professores na Gerência de Formação dos Profissionais (GERFOR) da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia. Dentre os resultados encontrados, foram observados nos cursos a ênfase em uma prática investigativa e problematizadora da realidade, organizada com a participação dos professores, mas também a influência de demandas mais imediatas do mercado de trabalho.

Analisar algumas das questões envolvidas no processo de implementação de políticas educacionais no âmbito local da gestão escolar é o objetivo do artigo de Pedro Ganzeli, Cristiane Machado e Rosane Garcia Dorazio Nogueira. Em “Desafios da gestão escolar na construção da educação integral”, os autores exploram os distintos aspectos envolvidos na construção da educação integral em uma escola de ensino fundamental no município de Campinas/SP, particularmente os embates políticos e pedagógicos entre a Secretaria Municipal de Educação e a equipe gestora.

Maria Celi Chaves Vasconcelos e Fabiana Ferreira Pimentel Kloh nos apresentam uma análise da produção acadêmica de um tema que está no centro dos debates da área educacional em tempos de pandemia: a educação domiciliar. O artigo “Uma produção que se intensifica: a educação domiciliar nas pesquisas acadêmicas” pesquisa 35 dissertações e teses produzidas sobre o assunto, de 2010 a 2019, nas quais observam um crescente interesse pelo tema, tanto na área da educação quanto do direito.

Outro tema que tem ganhado espaço nos debates no campo educacional, especialmente resultante da ampliação dos processos de precarização do trabalho, é a contratação de professores temporários, objeto do estudo de Ariel Feldman e Charles Alberto de Souza Alves. Em seu artigo “A política de contratação de professores temporários em Portel (PA)”, analisam a relação entre esse tipo de contrato de docentes e as disputas pelo poder local, identificando relações de natureza clientelística no município, a sustentar estas relações de trabalho.

O campo da administração educacional é novamente revisitado no artigo “Princípios da administração fayolista na administração escolar paraense na década de 1920: os relatórios de Aurelia de Seixas Franco”, de Monika Reschke e Alberto Damasceno. Os autores, a partir de pesquisa bibliográfica e documental, identificam os princípios da administração que orientaram os trabalhos da direção do Grupo Escolar Benjamin Constant, no Pará, marcadamente influenciados pelo Fayolismo.

Já o texto “A política de formação continuada do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e a aprendizagem dos alfabetizadores cursistas” traz uma análise da política educacional de formação continuada do PNAIC, identificando as aprendizagens construídas pelas professoras alfabetizadoras em uma escola pública do município de Patu/RN. Os autores Francisca Edilma Braga Soares Aureliano e Luiz Carlos da Costa Silva Júnior, a partir da proposta de “núcleos de significação”, constatam que a proposta do PNAIC se encontra em distintos estágios de apropriação pelos cursistas.

Investigar o impacto da tecnologia da informação (TI) nos desempenhos administrativo e acadêmico de Institutos Federais de Educação foi o objetivo dos autores Stenio Wagner Pereira de Queiroz, Erico Veras Marques e Jocildo Figueiredo Correia Neto, no texto “Eficiência relativa da tecnologia da informação no desempenho organizacional dos institutos federais de educação”. Os autores, por meio de uma análise envoltória de dados, pesquisaram 31 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, entre 2012 e 2014. Os resultados do estudo mostraram que, em 2012, 56,67% dos IFs pesquisados conseguiram alcançar um patamar de máxima eficiência, enquanto que em 2014 esse índice ficou em torno de 60%.

Ao analisar as disputas em torno do uso do fundo público para a educação e sua destinação, tema central nos debates atuais acerca das políticas educacionais no país, Marcus Quintanilha da Silva objetivou compreender os efeitos da complementação da União no FUNDEB para a remuneração de professores públicos municipais. Em “FUNDEB, remuneração docente e dívida pública: uma discussão sobre disputa pelo fundo público (2008 – 2016)”, por meio de um estudo panorâmico de compreensão de dados quantitativos, a pesquisa realizada pelo autor evidenciou a influência dos recursos da União na valorização da remuneração docente no Brasil.

No artigo “Perspectivas para a formação de formadores de futuros professores no contexto das políticas públicas”, Adriana Richit e William Xavier de Almeida analisam os processos de formação dos docentes da educação superior no Brasil. Com base no ordenamento legal e nos programas e ações de agências vinculadas ao Ministério da Educação, relativos à formação de professores de nível superior, a pesquisa identificou duas perspectivas de desenvolvimento profissional: a universidade enquanto lócus de formação, por meio de experiências de ensino e pesquisa; os incentivos de bolsas e premiações para a realização de pesquisa e produção do conhecimento.

O planejamento do ambiente físico da sala de aula é capaz de influenciar uma aprendizagem mais ativa no ensino superior? Tal questão é investigada no estudo realizado por Mary Dayane Souza Silva, no artigo “Implicações do ambiente físico de aprendizagem na formação de mestres profissionais em administração”. Os dados analisados, obtidos a partir da realização de entrevistas, indicam que o mobiliário e sua disposição em sala, por exemplo, são recursos eficazes para estimular uma aprendizagem mais interativa e dinâmica.

Na esteira das reflexões acerca das concepções de administração educacional que orientam os gestores em âmbito local, o artigo de Renata Hioni, “Planejamento estratégico na gestão escolar pública: um estudo na região metropolitana de São Paulo”, analisa o nível de incorporação do conceito de planejamento estratégico por parte dos secretários da educação e seus adjuntos, em municípios da região metropolitana de São Paulo. O estudo sugere que a prática dos gestores da educação incorpora elementos do planejamento estratégico em seu cotidiano, considerando-se esta consolidada entre esse público, mas que ainda há alguns aspectos que precisam ser melhor apropriados.

Ao abordar o fenômeno da violência e dos conflitos no âmbito escolar, Cezar Bueno de Lima, no artigo “Violência juvenil: o desafio das práticas restaurativas no espaço escolar” questiona as representações coletivas que tendem a naturalizar esses processos, justificando ações verticais e punitivas. Ao ampliar o entendimento do termo violência, o autor apresenta alternativas teórico-metodológicas, de modo a construir estratégias dialógicas e participativas para a mediação desses conflitos na escola.

A análise do processo de expansão do ensino superior em Angola é o objeto de estudo de João Manuel Correia Filho, Taimara Roa Aleaga e Filomena de Jesus Francisco Correia Filho Sacomboio, no artigo “A massificação do ensino superior como política pública educacional e suas implicações em Angola”. Os autores, por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental, além de um levantamento de dados estatísticos, identificaram distintas etapas da política educacional que conduziu a um processo de massificação do ensino superior, resultando no aumento do número de instituições, estudantes e professores, mas também fragilizando as condições de ensino-aprendizagem e de pesquisa.

Este número da revista é finalizado com um importante artigo de Miguel Gonzalez Arroyo, publicado na Seção Especial, que nos convida à reflexão sobre a necessidade de se priorizar um olhar político sobre a gestão da educação, distanciando-se de certa neutralidade que por vezes se exige de trabalhos na área. O texto “Gestão da educação com justiça social. Que gestão dos injustiçados?”, em certa medida, dá continuidade e aprofunda o debate com o qual abrimos esta edição. Ao questionar a razão gestora do Estado, em sua administração dos Outros, dos oprimidos nas relações políticas de poder, Miguel Arroyo discute as exigências para a formação de gestores-educadores, enquanto agentes ativos na construção de uma agenda democrática com justiça social.

Esperamos que esse amplo conjunto de textos e temas concernentes à política e à administração da educação possam contribuir para o amadurecimento dos debates político-acadêmicos em curso na área, possibilitando novas e distintas compreensões da realidade brasileira, bem como de outros contextos nacionais.

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