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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

Print version ISSN 1678-166XOn-line version ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.36 no.3 Goiânia Sept./Dec 2020  Epub Jan 20, 2021

https://doi.org/10.21573/vol36n32020.103736 

DOSSIÊ ÂMBITO ESCOLAR E SUAS COMPREENSÕES: POLÍTICAS PÚBLICAS E SEUS DESDOBRAMENTOS

ESCOLA SOB O OLHAR DE ALUNOS DAS ‘CLASSES DE ACELERAÇÃO’: UM ESTUDO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS.

THE SCHOOL’S SOCIAL REPRESENTATION VIEWED BY STUDENTS FROM ‘ACCELERATION CLASSES’: A STUDY OF SOCIAL REPRESENTATIONS.

LA REPRESENTACIÓN SOCIALE DE LA ESCUELA VISTA POR LOS ESTUDIANTES DE LAS ‘CLASSES DE ACELERATIÓN’

PEDRO HUMBERTO FARIA CAMPOS1 
http://orcid.org/0000-0002-0844-8358

MARIANNA JANNUZZI LOPES2 
http://orcid.org/0000-0002-9159-3889

SÔNIA REGINA MENDES DOS SANTOS3 
http://orcid.org/0000-0001-8896-9083

1 Universidade Estácio de Sá

2 Universidade Estácio de Sá

3 Universidade Estácio de Sá


Resumo

O artigo objetiva discutir as “Classes de Aceleração” como política pública, com base em representações sociais dos alunos do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental das Classes de Aceleração de Aprendizagem de uma escola municipal de Juiz de Fora – MG. Com o uso de materiais projetivos, entrevistas e metáforas, com base na Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2011), os sujeitos as consideram uma estratégia para colocar os alunos fora da escola de forma ligeira. Ao conhecer os sentidos atribuídos pelos participantes ao tema, é possível perceber de que forma esse simbolismo orienta as suas práticas. Os resultados supõem a reativação de processos de exclusão, sob a falácia da escolarização completada.

Palavras-Chave: Representações Sociais; Classe de Aceleração; Exclusão; Desigualdade Social

Abstract

The article aims to discuss the “Acceleration Classes” as a public policy, based on social representations of students from the sixth to the ninth year of Elementary Education of Learning Acceleration Classes at a municipal school in Juiz de Fora - MG. With the use of projective materials, interviews, and metaphors, based on the Theory of Social Representations (MOSCOVICI, 2011), the subjects consider them as a strategy to put them out of school in a quick way. By knowing the meanings attributed by the participants to the theme, it is possible to perceive how this symbolism guides their practices. The results suppose the reactivation of exclusion processes, under the fallacy of completed schooling.

Key words: Social Representations; Acceleration class; Exclusion; Social Inequality

Resumen

El artículo tiene como objetivo discutir las “Clases de Aceleración” como política pública, a partir de las representaciones sociales de los alumnos de sexto a noveno año de Educación Primaria de las Clases de Aceleración del Aprendizaje en un colegio municipal de Juiz de Fora - MG. Con el uso de materiales proyectivos, entrevistas y metáforas, basados ​​en la Teoría de las Representaciones Sociales (MOSCOVICI, 2011), los sujetos los consideran una estrategia para sacarlos de la escuela de una manera liviana. Al conocer los significados que los participantes atribuyen al tema, es posible percibir cómo ese simbolismo orienta sus prácticas. Los resultados suponen la reactivación de procesos de exclusión, bajo la falacia de escolarización completa

Palabras-clave: Representaciones sociales; Clase de aceleración; Exclusión; Desigualdad social

INTRODUÇÃO

Nos últimos Planos Decenais de Educação para todos (PNE 2001-2010 e PNE 2014-2024), elaborados a partir de amplo debate nacional, por meio da mobilização de diversos segmentos da sociedade civil e da efetiva participação dos estados e municípios, houve a preocupação com o progresso na escolarização da população. De acordo com o Censo Escolar de 1998, realizado pelo Inep/MEC, o país contava com 35 milhões e 800 mil estudantes frequentando as escolas públicas e privadas de Ensino Fundamental, o que corresponde, para esse nível de ensino, a uma taxa líquida de escolarização de 95,8% da população na faixa de 7 a 14 anos; uma cobertura ambiciosa e menos preocupante do que a repetência. Cabe lembrar que a meta estabelecida pelo Plano Decenal de Educação para Todos previa, apenas para o ano 2003, uma taxa de cobertura de, no mínimo, 94% da população em idade escolar, entretanto, já naquela época, as preocupações recaíam sobre a implantação de programas de correção do fluxo escolar. Quase metade dos alunos matriculados no ensino fundamental apresentava distorção idade/série (CASTRO, 1998, apud PRADO, p. 51). O desafio da política governamental centrava-se na “verdadeira quebra da ‘cultura da repetência’”, visando à efetiva correção do fluxo escolar e à consequente eliminação da defasagem. (PRADO, 2000, p. 51).

Gloria (2002) afirma que nossa cidadania educacional está longe de ser um exemplo, na medida em que convivemos com milhões de crianças fora da escola ou presentes na escola, mas fora da idade apropriada, “há uma discrepância significativa entre o ‘discurso da inclusão’, que proclama o direito de todo cidadão à educação escolar, e a realidade prática, que continua a excluir muitos indivíduos do exercício da cidadania” (p. 212).

Nos anos 2000, o incremento às políticas adotadas por diferentes sistemas de ensino decorreram, principalmente, da possibilidade da Lei No 9.394/1996 (LDB), em seus artigos 23 e 24, reconhecendo as iniciativas em alguns estados e municípios, permitir novos formatos de organização do ensino, em séries anuais, períodos semestrais, ciclos e grupos não seriados. A flexibilização oportunizou a aceleração de estudos para alunos com atraso e avanço nas séries e cursos mediante verificação do aprendizado (LDB, art.24, inciso V, alíneas b e c). Entre as políticas usuais adotadas estavam a promoção automática, o regime de ciclos e as classes de aceleração. Tais enfoques diferenciados foram entendidos como fontes de estímulo a inovações, embora também tenham enfrentado inúmeras críticas e polêmicas.

AS ‘CLASSES DE ACELERAÇÃO’ COMO POLÍTICA PÚBLICA DE COMBATE AO FRACASSO ESCOLAR

Muito se tem discutido sobre a repetência e a evasão, Prado (2000) ressalta que são problemas crônicos, que sempre estiveram presentes na história da educação escolar brasileira.

Existe no Brasil uma vasta literatura sobre o fracasso escolar. Desde que se faz pesquisa educacional no País, o fenômeno da repetência tem sido objeto de estudos e análises realizados por diversos especialistas da área, representantes das mais variadas tendências. Tanto os estudos etnográficos como as sofisticadas análises do fluxo escolar, do rendimento, do financiamento e dos custos da educação têm chegado a resultados similares: gasta-se muito, gasta-se mal, o sistema é ineficaz, as taxas de repetência são extremamente elevadas e o aluno reprovado e submetido a sucessivos fracassos muitas vezes tende ao abandono e/ou à evasão. (PRADO, 2000, p. 49)

Entre as alternativas adotadas, o MEC incentivou a adesão dos sistemas estaduais e municipais ao Programa de Aceleração da Aprendizagem no ano de 1997, que pretendia atingir o fluxo escolar dos alunos das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental que apresentavam defasagem série/idade, com financiamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A repetência e a regularização do fluxo escolar passam a ser realizadas com a participação da sociedade civil, numa parceria do MEC com o Instituto Ayrton Senna (IAS), com repasses financeiros para capacitação de docentes e reprodução de material didático. Em 2001, a Resolução no 14, de 16 de maio de 2001, ampliou a iniciativa do Programa Acelera Brasil (PAB), do Instituto Ayrton Senna, para as demais séries. A Lei no 11.274/2006 definiu que alunos retidos ou evadidos antes de concluírem os nove anos iniciais têm a possibilidade de “acelerar” seus estudos por meio de programas que buscam oferecer condições para que eles possam avançar no processo de escolarização, integrar-se à escola e vir a frequentar os anos compatíveis com sua faixa etária.

Em uma perspectiva histórica, podemos dizer que o modelo do programa “Aceleração de Estudos”, difundido no Brasil, se baseou no projeto Accelerated Schools, desenvolvido pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, no ano de 1986 (PRADO, 2000).

Das perspectivas mais positivas, temos a afirmativa de que a organização de ciclos colabora para uma escola mais democrática, que se desvincula da seriação tradicional (ARELARO, 1992). Por outro lado, as escolas “cicladas” enfrentam as ponderações que levam em conta as suspeitas sobre as fragilidades no aprendizado e nos avanços sem a aprendizagem, o que comprometem a própria valorização da escola. (DEMO, 1998). Libâneo (2012), criticando o sistema de escolarização por ciclos, ressalta o formato descuidado, adotado nas escolas que ao empobrecer objetivos e os conteúdos escolares, propiciou mais exclusão de alunos.

As práticas alternativas de enfrentamento à cultura da repetição exigem práticas pedagógicas voltadas para o sucesso escolar, atreladas a um melhor preparo do docente e envolvimento da comunidade. Conforme Prado (2000), tudo recai sobre um longo e complexo processo de mudança de atitude comportamental.

Como não se pretende ‘proibir’ nada, nem obrigar os diferentes níveis de sistemas de ensino a adotarem essa ou aquela medida [...], é preciso conquistar essa mudança pela indução, pela apresentação e divulgação de resultados positivos que possam ser multiplicados e estendidos a todo o sistema nacional de educação” (PRADO, 2000, p. 53).

Os processos de exclusão que atravessam a escola são complexos (BOURDIEU; CHAMPGNE, 1997; CAMPOS, 2017), e a análise da função social da escola (CAMPOS; LIMA, 2015) não poderia ser desvinculada da análise das estruturas sociais, especialmente de processos como a dominação, a hegemonia e a reprodução da desigualdade social (MENDONÇA, 2011). Para Dubet (2003), quanto mais a escola intensifica o seu raio de ação, mais ela exclui socialmente o aluno, porque, ao ampliar o seu atendimento, ela precisa se reformular e se adequar às necessidades e às realidades distintas, ações essas que raramente acontecem, proporcionando a aprendizagem a um grande número de estudantes, e exclusão dos que a frequentam, apesar das políticas que visam atenuar esse fenômeno. Nesse contexto, a exclusão social não é apenas uma categoria do sistema e dos processos globais, é também uma das dimensões da experiência escolar dos alunos.

O acirramento da competição na sociedade corrobora os novos questionamentos entre docentes e alunos sobre o fato de haver aprovações sem os conhecimentos e as competências exigidas pela sociedade contemporânea, ou seja, “aqueles que anteriormente eram excluídos por não terem acesso ou possibilidades de permanência na escola, hoje seriam excluídos pelo não domínio das competências escolares” (GLORIA, 2002, p. 8). Para a autora, no tocante ao discurso da inclusão, a prática da exclusão escolar e social parece persistir, sendo que fica mais evidente na finalização do Ensino Fundamental e na constatação das desigualdades existentes em termos dos conhecimentos adquiridos no processo de escolarização.

As turmas de aceleração de estudos, segundo o A,rtigo 49 das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, destinam-se a estudantes com atraso escolar, isto é, para aqueles que se encontram em descompasso idade/ano, por razões como ingresso tardio, retenção, dificuldades no processo de ensino-aprendizagem ou outras (BRASIL, 2013). É considerada uma estratégia pedagógica, que tem como objetivo a adequação do fluxo escolar, e sua proposta é constituir metodologias alternativas que objetivem sanar lacunas de aprendizagem e melhorar o desempenho dos alunos, possibilitando a todos a recuperação do tempo perdido, ao longo de sua trajetória acadêmica.

O Programa de Aceleração de Aprendizagem foi considerado mais uma alternativa para sanar as lacunas da educação pública oferecida no Brasil. Percebemos que, mesmo fracassando, os estudantes pertencentes a estas classes permanecem no ambiente escolar. Observarmos e conhecermos a visão que os alunos têm da escola pode contribuir para desvendar quais atividades oferecidas a eles, no âmbito escolar, os agradam, ou até mesmo justificam sua presença neste espaço. A partir do momento que descobrirmos o que de fato é significativo na escola para este aluno, podem emergir sugestões e contribuições para uma nova organização da dinâmica destas classes e os modos de mediação para aquisição de conhecimentos destes sujeitos.

O estudo do fenômeno da distorção idade/ano parece ser de suma importância para a política educacional no país, visto que permite impactos sobre a eficiência e a eficácia do sistema educacional. A condução das políticas depende de um conjunto de variáveis quantitativas e qualitativas da educação, como as taxas de reprovação e de repetência e as condições de infraestrutura que, comprovadamente, influenciam o desempenho dos alunos (MOREIRA, 2014).

Sousa (1999) enfatiza que as turmas de aceleração não são incluídas na escola, ela identifica um isolamento destas classes em relação às outras, o que revela a falta de compromisso com a mudança e inclusão no cotidiano escolar. A autora ainda aponta que o grande impedimento é incluir os próprios programas de aceleração na escola e sugere que, para este objetivo se fundar, é preciso um estudo das representações sociais de exclusão dos professores, alunos, diretores e coordenadores, no sentido de identificar indícios de práticas escolares excludentes (SOUSA, 1999).

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, ESCOLA E ‘CLASSES DE ACELERAÇÃO’

A Teoria das Representações Sociais (TRS) se expandiu no campo de pesquisas em Educação, no Brasil (ABDALLA; VILLAS BOAS, 2017; SOUSA; VILLAS BOAS, 2011a; 2011b; SOUSA; TAVARES; VILLAS BOAS, 2009), com destaque para a preocupação com uma abordagem psicossocial para os fenômenos do campo; o estudo das interações sociais; e a busca, através da TRS de explicação para os processos de mudança social a partir destas interações.

Para retomar algumas definições básicas, Moscovici (2003) estabelece as Representações Sociais (RS) como conjunto estruturado de crenças normativas e crenças prescritivas; já Rateau et al. (2012) definem as RS como um conjunto estruturado de elementos que constituem os significados atribuídos ao objeto e suas implicações nas condutas diante deste mesmo objeto. Abric (2001; 1998) afirma que a representação é um guia para a ação, que orienta as ações e as relações sociais. É um sistema de pré-decodificação da realidade porque determina um conjunto de antecipações e expectativas. As representações possuem as funções essenciais: de saber (permitem compreender e explicar a realidade que é a essência da cognição social); de identidade (definem identidades e permitem a proteção da especificidade do grupo); de orientação (guiam os comportamentos e práticas); e têm a função justificadora, pois permitem a posteriori a justificativa das tomadas de posição e dos comportamentos. As representações, uma vez constituídas, não se convertem necessariamente em leis de funcionamento social.

Abric (1996) afirma que as situações de exclusão constituem casos nos quais o estudo das representações sociais é pertinente e necessário, devido à forte carga afetiva envolvida, à forte referência à memória coletiva e, ainda, por se caracterizarem como situações nas quais os agentes sociais envolvidos dispõem de uma relativa autonomia na escolha de suas ações. De modo complementar, Jodelet (2001) destaca o papel dos processos psicossociais em jogo nas situações de exclusão. Assim, o estudo das representações sociais pode trazer uma grande contribuição para a compreensão dos processos que envolvem a subjetividade social.

Segundo Elejabarrieta (1996), um dos caminhos para se estudar a objetivação é o estudo da metaforização dos objetos estranhos, objetos que engendram a pressão à inferência (WAGNER; ELEJABARRIETA; LAHNSTEINER, 1995), e isto se encontra com a afirmação de que as metáforas (figuras de linguagem dominante na linguagem cotidiana, nas conversações) também servem para argumentar (convencer) e/ou mobilizar (BILLIG, 1996; BOUDON, 1990). Neste sentido, as metáforas podem ser tomadas como imagens sociais, consensuais em um grupo, do objeto ou fenômeno (CHOMBART-DE-LAWE, 1971; ORDAZ; VALA, 1997; MAZZOTTI, 2003).

No presente estudo, considerando a forte vivência emocional negativa que envolve a repetição, a evasão, o chamado “fracasso escolar” e as classes de aceleração, nos pareceu frutífera uma abordagem mais imagística e, precisamente, metafórica do estudo das RS.

Compreender as Representações Sociais dos estudantes que compõem as Classes de Aceleração sobre a escola é mais uma tentativa da superação do fracasso escolar. Ao conhecer alguns sentidos atribuídos pelos participantes ao tema, é possível perceber de que forma esse simbolismo orienta as suas práticas.

MÉTODO

A pesquisa teve como lócus uma escola municipal localizada em uma área periférica da cidade de Juiz de Fora – MG. A amostra da pesquisa foi composta por 33 alunos do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental, pertencentes às Classes de Aceleração de Aprendizagem da instituição supracitada.

O estudo foi dividido em três etapas. A Etapa 1 foi aplicada de forma coletiva, com o auxílio de materiais projetivos, e consistiu em uma discussão da poesia “A escola”, de Paulo Freire; a Etapa 2 foi realizada por meio da leitura e do debate do livro Quando a escola é de vidro, de Ruth Rocha; e, por fim, a Etapa 3 se baseou em entrevistas episódicas, realizadas individualmente, alicerçadas pela aplicação de cenários. Para a Etapa 3, foram utilizadas três histórias de imagens construídas com base em acontecimentos que fazem parte do cotidiano escolar dos alunos. As histórias eram elucidadas para o entrevistado e, em determinado momento, este deveria continuá-las.

RESULTADOS DA ETAPA 1, POESIA ‘A ESCOLA ’ DE PAULO FREIRE

Ao ponderarmos as locuções ocasionadas a partir da leitura da poesia “A escola”, de Paulo Freire, foi perceptível que para todos os entrevistados a escola precisa ser reformulada para agradá-los. Apreendemos um pouco a respeito da função social da escola para os estudantes: para alguns, o benefício da escola é de ser um lugar de decisão na vida deles, já que neste ambiente resolvem se serão alguém ou não; outros afirmaram que o papel da instituição seria apenas o de “tirar as crianças da rua”.

Com relação à representação que os alunos fazem em relação às suas aprovações na escola, ficou explícito que sentem que são aprovados sem aprender, segundo eles “foram empurrados”.

Eu passei sem saber nada. Eles passam a gente porque eles quer empurrar a gente pra fora da escola. (S11)

Empurram a gente para esvaziar aqui, e ficar com pessoas menores e melhores. (S17)

Eles só querem crianças na escola, cavalo velho burro não, então empurra nós. (S14)

O modelo tradicional como as aulas são ministradas foi evidente, revelando-se como total insatisfação e cansaço por parte dos alunos. Segundo os alunos, eles copiam e decoram, e tais ações se repetem e não se traduzem em aprendizagem. Ficou nítido que para os estudantes é necessário que os docentes demonstrem que se importam com eles para que prossigam em suas aprendizagens.

Os alunos revelaram ao longo da dinâmica que sentem que são tratados como inferiores, pois estão nas turmas de aceleração. Alegaram que os conteúdos são diferentes e que os professores pensam que eles não têm capacidade de aprender. Os conteúdos ensinados para os alunos foram julgados como bobos e fáceis, porque são incapazes de aprender o que é lecionado nas outras salas. Caracterizaram as matérias como inúteis.

A matéria na aceleração é diferente das outras salas normais. (S15)

Os professores acham que a gente é inferior, não tem capacidade de aprender como os outros. (S13)

Lógico que me acho incapaz, ué! Os professores pensam que sou burro, eu me sinto assim. (S14)

Os dados demonstram que os alunos acreditam que estão sendo prejudicados pelo modo com que os conteúdos são dinamizados, e percebem a exclusão que estão vivenciando por pertencerem à Turma de Aceleração.

No que diz respeito à amizade entre pares, esta possui valor considerável para todos os alunos, porém o trato professor-aluno é concebido por indiferenças e superioridades. Os resultados desta atividade sugerem a importância das relações sociais estabelecidas entre os sujeitos da escola. Outro aspecto se reporta à depredação das salas as quais pertencem, o que influencia a percepção de inferioridade dos sujeitos. Eles descrevem o espaço de suas salas de aula como “as piores salas da escola”.

RESULTADOS DA ETAPA 2, LIVRO ‘QUANDO A ESCOLA É DE VIDRO’, DE RUTH ROCHA

Ao discutirmos o livro com as turmas, observamos que o discurso dos alunos revelou algumas práticas exercidas pelos docentes que contribuem para o sentimento de incapacidade, e a percepção da descrença dos professores em relação ao seu potencial.

Eles não falam que “nós é burro”, eles falam assim: eu não vou dar isso para vocês porque vocês não vão conseguir! (S2)

Tem professor que fala que vai dar outra coisa diferente para nós porque a gente não vai saber fazer aquilo. (S5)

Os entrevistados explicitaram que as falas dos docentes reforçam e marcam o lugar de exclusão destes alunos. Com relação à reprovação, os estudantes a representam como: perda da turma, quebra dos laços de amizade e falta de capacidade.

Quando repete vira o cavalão velho no meio dos pequenos. (S17)

Eu me senti burro quando repeti, pois fiquei no meio daqueles pequenininhos inteligentes e eu lá sem saber nada. (S31)

Percebemos que a Classe de Aceleração é concebida de forma positiva por alguns alunos que alegaram que nessas turmas se sentem inteligentes, uma vez que conseguem executar as tarefas solicitadas pelos professores; outros discorreram a respeito de não estarem no meio de alunos tão pequenos”. O fato de antes de sua inclusão nas classes serem os maiores da sala representava para eles incapacidade. Porém quando refletiram sobre a funcionalidade do projeto, as conclusões foram negativas, pois alegaram novamente que estavam sendo “empurrados” para saírem da escola de forma ligeira.

A aceleração serve pra quem tá na idade errada como a gente ir embora e para ter uma sala com todo mundo na idade certa e inteligente. (S40)

Após o término da obra de Ruth Rocha, ao serem provocados pela indagação “Vocês já sentiram algumas vez que estavam fora do padrão da escola, que não cabiam nos vidros que queriam que vocês ficassem?”, foi possível observar como a instituição escolar estabelece modelos, não respeita as diferenças e precisa avançar no sentido de formar seres humanos críticos, dinâmicos e que dialogam.

Eu sinto que tô fora do padrão da escola todo dia. (S23)

Eu sinto todo dia que a escola quer uma coisa e que eu quero outra. (S14)

RESULTADOS DA ETAPA 3, ENTREVISTAS DO TIPO EPISÓDICA, COM INDUÇÃO POR CENÁRIOS

O primeiro cenário ilustrava a história de uma aluna que tinha dificuldade na escola, sua aprendizagem era lenta e suas notas em atividades avaliativas eram insatisfatórias. Como consequência, ao findar o ano letivo, a protagonista foi reprovada. No ano seguinte ocorreu a mesma situação: ela permaneceu com dificuldade e foi reprovada novamente. Como solução para enfrentar suas dificuldades escolares, ela foi incluída na turma de Classe de Aceleração.

Na concepção dos discentes, o projeto é composto por alunos repetentes e com dificuldade de aprendizagem. Todos os discentes identificaram de forma positiva a presença dos demais alunos com dificuldade em suas salas, e tal fato contribui para sua identificação com o grupo.

Ele viu que tinha muita gente lá dentro que tinha a mesma dificuldade do que ele e que queriam recuperar o ano. Ele se sentiu menos mal, porque ele não ia ser o único meio sem ler. Antes ele se sentia mal, porque ele era o único que não sabia ler da sala dele. Ele chegou no sexto por ponto de conceito, caderno completo e porque foi empurrado. (S4)

O personagem viu que tinha muita gente da idade dele, viu uma turma grande, tipo assim ele viu que a mesma dificuldade que ele tinha, várias pessoas tinham. Ele ficou aliviado, porque não era só ele. (S2)

Detectamos que questões relacionadas à faixa etária dos alunos são consideradas relevantes, uma vez que ser semelhante no tamanho e na idade é visto de forma positiva. Foi perceptível que os sujeitos se identificavam com as características dos integrantes da classe, o que, de certa forma, os consola no sentido que se torna patente a dificuldade do outro, e concebem que não estão sozinhos nesse processo. O projeto contribuiu para o sentimento de pertença na turma.

A metáfora “ser empurrado” permaneceu forte no discurso dos entrevistados, e percebemos de forma tímida que alguns alunos a utilizam como sinônimo para a aprovação automática vivenciada por eles na escola.

Sei como é esse personagem foi passando de ano sem saber ler e escrever. Eu passei de ano sem saber, eles me empurraram. Em prova eu deixo tudo em branco e a maioria dos alunos faz tudo. Eu ainda passo de ano, mas fico triste com isso de passar sem saber e ter nota. (S8)

Lá em casa todo mundo fala que só passo de ano se for empurrado. (S9)

Eu já senti que fui empurrada, sabe, passei sem saber. Eles não queriam que eu ficasse mais na escola, então me passaram para sair daqui. (S27)

Eu acho que aqui na escola nós somos empurrados, passamos sem saber, porque eu não sei. Porque eu não fazia quase nada e passei. Eu fui empurrado. Ah, deve ser pra gente sair mais rápido daqui, desocupar o lugar. (S33)

Os sujeitos novamente utilizaram a metáfora “ser empurrado” para justificarem as aprovações automáticas do protagonista da história. Salientamos a potência desta representação, expressa através da figura de linguagem “empurrão”.

Ao relatarmos o segundo cenário que narrava a história de uma aluna que havia deixado a Classe de Aceleração, e que através do projeto havia conseguido alcançar a sua classe de origem, tínhamos como objetivo identificar como os alunos projetam o futuro após participarem do programa, além de captarmos concepções a respeito da escola e de sua função social.

Por intermédio deste cenário apuramos que o fato de os alunos reencontrarem os antigos amigos pertencentes às suas classes de origem é algo positivo para eles.

Em relação à crença em suas capacidades intelectuais, após frequentarem as Classes de Aceleração, observamos uma divergência nos discursos. A minoria dos entrevistados acredita que o programa contribuiu para sua aprendizagem e que são capazes de obter um bom desempenho em turmas regulares, porém a maioria admite que o programa não os favoreceu, uma vez que os conteúdos foram reduzidos ou “simplificados” de modo artificial.

O terceiro cenário narrava a história de uma aluna que decidiu interromper os estudos após diversas reprovações e resultados insatisfatórios na escola. Ao narrarem esse episódio, todos os sujeitos discorrerem que ao abandonar a instituição escolar a protagonista perdeu as chances de ter um futuro melhor. Os discursos dos entrevistados apontam que atualmente para conseguir um bom emprego é preciso estudar, e que somente a escola poderá contribuir para que a realidade social se transforme. O ensino seria concebido como a chance de melhorarem de vida. Em algumas interlocuções, observamos a presença do jargão muito comum em nossa sociedade “hoje em dia até para ser lixeiro tem que ter estudo”. Muitos contaram que já pensaram em interromper os estudos, assim como a personagem principal da história, e justificaram esse desejo pelo excesso de reprovações que vivenciaram na escola.

Percebemos que, para os alunos, as questões relacionadas à identidade estão ligadas diretamente ao tipo de emprego que irão conquistar. A fala do aluno S16 ilustra este sentimento presente no discurso da maioria dos entrevistados:

Ah, eu acho que quem não estuda não dá em nada. Assim eu tenho uns primos que pararam de estudar e eles se arrependem muito, porque sem o estudo você não vira nada, é um zé ninguém, um nada. (S21)

Observamos que na concepção dos sujeitos o fato de não frequentar a escola significa se transformar em “um nada”, como se o estudo fosse condição para a aquisição de uma identidade. Estudar tem a conotação de possibilitar um futuro melhor, sendo este somente conquistado por meio de um bom emprego.

Em um total de 33 entrevistados, 25 relataram que a protagonista poderia se empregar como faxineira. As outras opções sugeridas pelos alunos foram as seguintes profissões: costureira, garçonete, balconista, gari, camelô e vendedor de drogas. Dois alunos expressaram que a personagem ficou desempregada. Os entrevistados ancoram o pensamento a partir da realidade que vivenciam

DISCUSSÃO

Em síntese, para os alunos pesquisados, a Classe de Aceleração é o lugar de discentes com dificuldade de aprendizagem e repetentes. Acreditam que o programa tem como finalidade “empurrar” o aluno da escola, ou seja, fazer com que eles cedam espaço para “bons estudantes”. Apontaram como aspecto positivo o fato de o projeto fazer com que eles percebam que outras crianças também possuem dificuldades e que não são os únicos, a turma os faz sentir parte de um grupo. Eles consideram permanecer na escola uma situação cansativa, porque as aulas são chatas, os professores falam demais e as aulas se resumem em cópias. Acreditam que a escola possui um ideal de aluno: comportado e quieto. No entanto, essas características não os descrevem. Há o sentimento de que são excluídos por fazerem parte do programa e apontam que os discursos dos docentes reforçam o lugar que ocupam neste ambiente. Os alunos relataram ainda que a reprovação é ruim, porque perdem os amigos. As “bombas” são justificadas por suas dificuldades e mau comportamento.

As lembranças escolares são associadas às relações afetivas, brincadeiras e festas. Eles sentem que são tratados como inferiores por todos da escola, pois pertencem ao programa. E consideram que os conteúdos disciplinares foram dinamizados, porque são incapazes de aprender o currículo comum, e relatam que este ato os prejudicará no futuro. Os alunos enxergam a escola como uma prisão, porque ficam presos na sala, são observados por câmeras e as grades impedem o livre acesso às áreas da escola. Acreditam que reprovação é sinônimo de burrice. As relações professor/aluno são vistas com diferenças e preconceitos porque não conseguem aprender.

Percebemos, por meio das falas dos sujeitos da pesquisa, a descrença de seus professores em relação à aprendizagem deles. Ao analisarmos as interlocuções dos alunos a respeito de suas aprovações, concluímos que eles consideram que estas não estão diretamente ligadas à sua competência. As justificativas presentes nas representações desses estudantes se referem ao fato de eles desocuparem os lugares na instituição, o que se relaciona com a realidade social que vivem. A metáfora descrita por eles, “ser empurrado”, ilustra a percepção que fazem da escola. E ao pensarmos na questão ligada à função social da escola para os estudantes, sugerimos que tais acontecimentos nos levam a crer que o papel da instituição na vida deles aproxima-se do assistencialismo, conduzindo a aquisição do conhecimento para um segundo plano. Isto também aparece em discursos que expressam uma desvalorização da aprendizagem e do esforço pela própria escola, “eu não fiz nada e passei, então, para que vou fazer alguma coisa?”.

Tal funcionalidade já havia sido apontada por Libâneo (2012), ao sugerir que a escola é dual em seus objetivos: para os pobres, é a “escola do acolhimento” e, para os ricos, a “escola do conhecimento”.

O estudante percebe que o projeto de aceleração não é realizado apenas com o objetivo de ajudar, ele acredita que existe um interesse por trás desta prática escolar (que os alunos não percebem como uma “política pública”), que é o de “desocupar as vagas”.

No que diz respeito ao trato docente e discente, os resultados das análises sugerem que determinadas expressões mencionadas pelos professores são incorporadas pelos alunos de forma negativa, causando descrença em suas capacidades intelectuais. Ao refletirmos sobre as falas dos estudantes — “Lógico, ué! Os professores pensam que nós não consegue aprender, eu me sinto assim” (S14) e “Os professores falam que nós não vai a lugar nenhum” (S40) —, no que se refere à convicção dos docentes em relação ao desempenho limitado dos alunos do programa, fica nítido que as representações dos professores são expressas por meio de suas práticas e falas durante as aulas, e que estas interferem de modo direto nas representações que os estudantes fazem de si. Essa baixa expectativa a respeito da crença dos professores quanto ao desempenho dos estudantes advém do simbolismo da prática da não retenção nas escolas, como apontado anteriormente nos estudos de Ribeiro (2018) e Machado (2007), pois os próprios professores não acreditam nos programas de progressão automática, o que afeta diretamente sua conduta em sala de aula.

As estratégias de dinamizar e reduzir o currículo são vistas pelos estudantes como crença na sua incapacidade, o que reforça e contribui para a representação de inabilidade daqueles que fazem parte do programa. Ao caracterizarem os conteúdos ministrados nas Classes de Aceleração como fáceis, inúteis e inferiores, os sujeitos se colocam em posição de exclusão na instituição escolar. Podemos dizer que a exclusão, não é “pensada”, mas é sentida.

Outro aspecto interpretado pelos alunos como um atributo de exclusão diz respeito à manutenção das salas de aula. Segundo eles, estas são as piores da escola, e suas características o desestimulam a estudar. Posicionar as Classes de Aceleração no “pior ambiente” tem a conotação de demonstrar e reafirmar para os sujeitos que de alguma forma eles são os “piores alunos” da escola, o que interfere de modo direto em suas representações e no sentimento de exclusão. Tal situação excludente referente às Classes de Aceleração já havia sido revelada por Sousa (1999), que pontua que o grande desafio é incluir este projeto “no interior” da escola.

Mediante os discursos advindos dos primeiros cenários, percebemos que a Classe de Aceleração possui aspectos também positivos, que dizem respeito ao sentimento de pertença no grupo — os alunos maiores se identificam com a idade e o tamanho dos outros discentes, e se sentem confortáveis ao compararem o próprio desenvolvimento cognitivo com o restante da turma. Além disso, percebem um envolvimento mais amplo por parte dos professores e se sentem capazes de executar as tarefas solicitadas.

O último cenário nos sugere que para todos os entrevistados a funcionalidade da escola está relacionada ao meio de ascensão social, e que adquirir uma identidade está diretamente ligado ao alcance de determinado objetivo profissional. Muitos sujeitos utilizaram a metáfora “ser um nada” para ilustrar o futuro da personagem que desistiu de estudar, nos sugerindo que para ser alguém e ter uma identidade é necessário ter um emprego com destaque social, e ponderam que “quem não estuda, vira faxineiro”.

Encontramos a imagem da escola como um lugar no qual as atividades são mecânicas, repetitivas; a aprendizagem ocorre de forma lenta, difícil, e os alunos são privados da espontaneidade, não têm liberdade. Os estudantes parecem representar a aprovação e a pertença no projeto como “um empurrão” da escola para que saiam no tempo certo, porém sem recuperar a aprendizagem. Portanto, se não adquirem conhecimentos e se saem com baixas expectativas de futuro ao término da vida escolar, provavelmente o destino destes estudantes será ser “um nada”, pois esta imagem para eles está associada ao êxito na escola, que garante um futuro profissional.

Consideramos que a função social da escola se funde com a funcionalidade do programa. Em uma visão utópica e distante da realidade descrita pelos alunos, a incumbência da escola seria de contribuir para um futuro melhor e impulsionar a busca por um status social diferente, porém, diante do que relataram, o papel que melhor a representa é o do assistencialismo, pois interpretam a progressão automática como um artifício para tirá-los do ambiente, e a aprendizagem não é concebida como objetivo principal. Segundo os sujeitos, o importante é que o aluno cumpra, independentemente de suas dificuldades, as etapas educacionais e que este fluxo aconteça satisfatoriamente.

Constatamos que, no caso estudado, a estratégia, sob as formas e procedimentos executados, como solução política para a reprovação em massa, pouco contribuiu para a inclusão dos estudantes no processo educacional. Percebemos que em determinados momentos o efeito é contrário, pois a população que antes era excluída por se caracterizar como incapaz de ser aprovada, ao participar de programas como o Ciclo de Aprendizagem e as Classes de Aceleração se reafirma como excluída e inferior. As representações em torno da função social da escola e da imagem que fazem de si, ambas negativas, são “consolidadas” após se integrarem ao projeto.

Neste sentido, podemos apontar que a organização da estrutura educacional calcada em aprovações automáticas simboliza para os participantes que a funcionalidade da escola é receber e comportar os estudantes, em que o fluxo escolar é considerado de extrema importância, posicionando a aprendizagem para a margem do objetivo. Ao incorporar que a ideia principal não é aquisição de conhecimento, o aluno se portará de forma diferenciada neste ambiente.

CONCLUSÃO

A imagem que os estudantes das Classes de Aceleração fazem de si se constrói a partir da trajetória escolar marcada por reprovações e sentimentos de incapacidade. Ao se incluírem nas Classes de Aceleração reafirmam suas identidades através das características do programa e de seus componentes, o que não colabora com a sua autoestima.

Por meio das primeiras categorias de análise, encontramos, na interlocução dos alunos, indícios de aulas ministradas com base na pedagogia tradicional, pois a prática dos professores ainda se inspira em um modelo com o cerne em aulas expositivas e cópias. Ao confrontarmos este resultado com a proposta metodológica sugerida para o trabalho com as Classes de Aceleração, observamos que a orientação de proporcionar às turmas maneiras diversificadas para assimilarem os conteúdos não está sendo cumprida por parte dos professores, o que conduz para o insucesso do programa.

Os entrevistados comparam os conteúdos disciplinares ministrados nas turmas de Aceleração com a matéria desenvolvida nas outras classes e, ao estabelecerem este confronto, compreendem que o que está sendo desenvolvido em sua sala está fora do padrão, subjugando as matérias apreendidas por eles como inferiores, bobas e fáceis, o que contribui para excluí-los.

A postura do professor perante a turma possui caráter de importância na trajetória escolar dos alunos. Apontamos que estes precisam tomar conhecimento do interesse dos estudantes para planejarem suas aulas, e é essencial, ainda, que demonstrem sua preocupação com os estudantes, atitudes estas que auxiliam o processo de ensino-aprendizagem.

Constatamos por meio do discurso dos sujeitos da pesquisa o sentimento de exclusão destes em relação aos outros alunos da escola. Tal sentimento reforça que suas práticas no âmbito escolar sejam baseadas na crença da incapacidade, o que contribui para que não realizem as atividades propostas. É perceptível como apenas o fato de pertencerem ao projeto influencia no que eles pensam sobre si e sobre o que acreditam que os professores e diretores pensam deles, e tal raciocínio corrobora o não êxito na aprendizagem.

A escola cumpre um de seus papéis sociais, o da socialização, uma vez que os alunos relatam a importância dos amigos e das relações que ali se instalam, porém, no que se refere ao ofício “ensinar”, suas expectativas ainda são baixas.

O que pudemos registrar é que a estrutura escolar vivenciada por esses estudantes os incomoda, e que se sentem mais excluídos do que atendidos, reforçando a tese de Bourdieu, Champagne (1997) e Freitas (2002) de que, com as políticas de combate à reprovação em massa, a população que antes era excluída do sistema educacional passou a se manter em seu interior, ainda que seus resultados acadêmicos insatisfatórios caracterizem uma forma de exclusão social branda e velada.

Concluído o estudo, extraímos uma questão a ser repensada: As Classes de Aceleração são de fato uma “pedagogia” da inclusão ou da exclusão? Quando os sujeitos apontam que a escola, na percepção deles, não está preocupada com a aprendizagem efetiva, e mencionam, com grande carga afetiva, que “sem escola não tem futuro”, indicam a necessidade de a escola se repensar de modo mais amplo em suas práticas educativas. Talvez se revele aí não somente uma forma precária, instável e “normal” de inclusão escolar: os alunos estão presentes na sala de aula, seja ela regular ou “acelerada”, com uma permanente “lentidão” na aprendizagem ou uma constante dificuldade de aprendizagem, que são, por sua vez, “toleradas” enquanto não se instalam na forma da repetência; na sequência, os alunos serão “reinseridos” perversamente, depois de duas reprovações, na sala de “estudos acelerados”. De que forma a “lentidão” pode se tornar, quase magicamente, uma “velocidade” tão acima da média a ponto de ser possível recuperar dois anos escolares em apenas um cronológico? Se a resposta está no ensino mais personalizado e em novas didáticas, por qual razão estas “estratégias” não são colocadas em ação antes mesmo de qualquer reprovação? Estudar as Representações Sociais nos permitiu “escutar” uma demanda, ainda que formulada precariamente (inclusão perversa), de uma escola que acolha seus alunos como sujeitos de aprendizagem; demanda que parece encontrar como “retorno” um longo silêncio que só deixa de existir quando termina seu fluxo de tempo “normalizado”.

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Recebido: 31 de Maio de 2020; Aceito: 08 de Outubro de 2020

PEDRO HUMBERTO FARIA CAMPOS

Doutor em Psicologia Social pela Universidade de Provence/França. Docente do PPG Educação da UNESA/RJ. E-mail: pedrohumbertosbp@terra.com.br

MARIANNA JANNUZZI LOPES

Pedagoga, Professora da Educação Básica, Mestra em Educação pela UNESA/RJ. E-mail: mariannajannuzzi@gmail.com

SÔNIA REGINA MENDES DOS SANTOS

Doutora em Educação pela UFRJ, Docente do PPG Educação da UNESA/RJ. E-mail: profsmende@gmail.com

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