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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.36 no.3 Goiânia set./dez 2020  Epub 20-Jan-2021

https://doi.org/10.21573/vol36n32020.104885 

DOSSIÊ ÂMBITO ESCOLAR E SUAS COMPREENSÕES: POLÍTICAS PÚBLICAS E SEUS DESDOBRAMENTOS

PROGRAMA ESCOLA ACESSÍVEL: A POLÍTICA E O ÂMBITO ESCOLAR

ACCESSIBLE SCHOOL PROGRAM: SCHOOL POLICY AND SCOPE

PROGRAMA ESCOLAR ACCESIBLE: POLÍTICA ESCOLAR Y ALCANCE

EDSON FRANCISCO DE ANDRADE1 
http://orcid.org/0000-0002-7577-898X

MAVIAEL LEONARDO ALMEIDA DOS SANTOS2 
http://orcid.org/0000-0003-0512-6254

1 Universidade Federal de Pernambuco

2 Universidade Federal de Pernambuco


Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar percepções sobre as repercussões do Programa Escola Acessível em uma escola estadual de Pernambuco/Brasil. À luz da Análise de Conteúdo, tecemos considerações a partir de registros de observações in loco e de entrevistas semiestruturadas realizadas com profissionais da educação e com alunos sobre a garantia de acessibilidades arquitetônica, comunicacional e didático-pedagógica à pessoa com deficiência no âmbito escolar. Nossas conclusões ressaltam medidas que potencializem o exercício da autonomia do aluno como eixo basilar das escolas acessíveis.

Palavras-Chave: Política de Inclusão Escolar; Pessoas com Deficiência; Acessibilidade

Abstract

This article aims to analyze perceptions about the repercussions of the Accessible School Program in a state school in Pernambuco/Brazil. In the light of Content Analysis, we make considerations based on records of on-site observations and semi-structured interviews conducted with education professionals and students on the guarantee of architectural, communicational, and didactic-pedagogical accessibility to people with disabilities in the school environment. Our conclusions highlight measures that enhance the exercise of student autonomy as a cornerstone of accessible schools.

Key words: School inclusion policy; Disabled people; Accessibility

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar las percepciones sobre las repercusiones del Programa de Escuelas Accesibles en una escuela estatal en Pernambuco / Brasil. A la luz del análisis de contenido, hacemos consideraciones basadas en registros de observaciones in situ y entrevistas semiestructuradas realizadas con profesionales de la educación y estudiantes sobre la garantía de accesibilidad arquitectónica, comunicativa y didáctico-pedagógica a las personas con discapacidad en el entorno escolar. Nuestras conclusiones destacan medidas que mejoran el ejercicio de la autonomía del estudiante como piedra angular de las escuelas accesibles.

Palabras-clave: Política de inclusión escolar; Personas con discapacidad; Accesibilidad

INTRODUÇÃO

Os dados reunidos no documento Realization of the sustainable development goals by, for and with persons with disabilities (ONU, 2018) revelam que mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo convivem com alguma forma de deficiência, e, dentre estas, cerca de 200 milhões experimentam dificuldades funcionais consideráveis. Os resultados desse estudo demonstram como a discriminação com base em deficiências possui efeitos severos no acesso à educação, aos transportes, à vida cultural e aos locais e serviços públicos. Esses desafios frequentemente passam despercebidos como resultado de uma subestimação do número de pessoas vivendo com deficiências e afetadas pelo preconceito.

No Brasil, conforme revelou o último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (BRASIL, 2010), 45.606.048 de brasileiros, ou seja, 23,9% da população total, têm algum tipo de deficiência – visual, auditiva, motora, mental ou intelectual. Ainda segundo o IBGE (idem), desse quantitativo de pessoas com deficiência no País, 25.800.681 (56,6%) são mulheres e 19.805.367 (43,4%) são homens; 38.473.702 pessoas (84,4%) vivem em áreas urbanas e 7.132.347 (15,6%) vivem em áreas rurais. Com relação à faixa etária, o documento chama a atenção ao afirmar que a deficiência atinge as pessoas em qualquer idade ao longo da vida, podendo ser congênita ou adquirida.

Diante dessa realidade, faz-se pertinente reconhecer as ações levadas a efeito pelos entes federados no sentido de promover políticas públicas compromissadas com a acessibilidade e a inclusão de pessoas com algum tipo de deficiência no âmbito escolar, conforme se observa nos resultados de pesquisas que tomaram esse tema como objeto de estudo (ANDRADE; AGUIAR, 2020; VIEIRA, et al., 2019; SOUZA; SILVA, 2016).

O presente artigo focaliza o Programa Escola Acessível, que vem sendo implementado pelo Ministério da Educação (MEC), desde 2008. Trata-se de um estudo que corrobora a ideia de que as políticas públicas podem ser analisadas como um ciclo que perpassa diferentes fases (LOTTA, 2019).

De acordo com o seu documento orientador, “o Programa constitui uma medida estruturante para a consolidação de um sistema educacional inclusivo, concorrendo para a efetivação da meta de inclusão plena, condição indispensável para uma educação de qualidade” (BRASIL, 2013, p.3). Esta política educacional está fundamentada em cinco pilares, a saber: acessibilidade ao ambiente físico, aos recursos didáticos e pedagógicos, às comunicações e às informações.

Em atenção ao objetivo do Programa, delimitamos a seguinte questão central deste estudo: O Programa Escola Acessível contribui para o provimento de acessibilidade à pessoa com deficiência nos processos formativos que se desenvolvem no âmbito escolar?

A pesquisa que subsidiou a escrita do presente artigo foi realizada em uma escola estadual de Pernambuco/Brasil, situada na Região Metropolitana do Recife. A unidade de ensino escolhida é tipificada como Escola Polo, sendo responsável pelo provimento de Atendimento Educacional Especializado a mais três escolas estaduais circunvizinhas, por meio de sua Sala de Recursos Multifuncionais (doravante SRM), que é um ambiente dotado de equipamentos, mobiliário e materiais didáticos e pedagógicos, bem como recursos de informática, constituindo-se, assim, um aparato essencial ao atendimento de alunos com algum tipo de deficiência.

Além da análise de documentos basilares do Programa, realizamos observações in loco e entrevistas semiestruturadas com profissionais da educação e estudantes vinculados ao campo empírico da pesquisa.

As observações nos permitiram caracterizar a estrutura física da escola, bem como sistematizar as experiências pedagógicas vivenciadas na SRM, com ênfase na relação entre professor e aluno, e como estão sendo utilizados os equipamentos, mobiliário e materiais didáticos e pedagógicos no dia a dia escolar a partir da política educacional de acessibilidade e inclusão da pessoa com deficiência prevista pelo Programa.

Foram realizadas entrevistas com 1/3 (um terço) do total de alunos que utilizavam a SRM, ou seja, contemplamos 12 (doze) dos 36 (trinta e seis) alunos que frequentavam a Escola Polo no ano letivo de 2016. Todos os alunos participantes da pesquisa têm, pelo menos, um tipo de deficiência. Foram entrevistados os seguintes profissionais da educação: 03 (três) professores, 01 (um) intérprete de Libras, 01 (um) Gestor, e 01 (um) Vice-gestor. Na sequência do texto utilizaremos sigla específica para identificar cada um dos entrevistados, de acordo com a função desempenhada no âmbito escolar, sendo: G = Gestão; VG = Vice-gestora; P= Professor (a), IL= Intérprete de Libras; A= Aluno.

O trabalho analítico dos dados foi realizado por meio da Análise de Conteúdo. Com base nas contribuições teórico-metodológicas de Bardin (2007), iniciamos o trabalho de pré-análise com a sistematização das ideias iniciais, buscando explorar o material e desenvolver a triagem dos dados. Em seguida, procedemos ao tratamento dos resultados, à inferência e à interpretação, onde se “permite estabelecer quadros de resultados, os quais condensam e põem em relevo as informações fornecidas pela análise” (BARDIN, 2007, p. 101).

Na sequência do texto tecemos, inicialmente, breve nota sobre inclusão escolar. Em seguida, discorremos sobre a concepção e as finalidades do Programa Escola Acessível. Logo após, procedemos à análise dos desdobramentos desta política educacional no âmbito escolar. Por fim, apresentamos as considerações finais, com reconhecimento das repercussões exitosas do Programa e com indicações de medidas necessárias ao aprimoramento de políticas voltadas ao provimento de escolas acessíveis, com atenção especial aos investimentos em tecnologias assistivas.

BREVE NOTA SOBRE INCLUSÃO ESCOLAR

Os termos acessibilidade e inclusão vêm adquirindo crescente reconhecimento socioeducacional, especialmente nas últimas duas décadas. Os contributos da Conferência Mundial sobre Educação para Todos/1990 (UNESCO, 1990) e da Declaração de Salamanca/1994 (UNESCO, 1998) impulsionaram, sobremaneira, a incorporação desses vocábulos ao corpus discursivo de que se serve o debate educacional, convertendo-os, inclusive, em componentes da rede conceitual que embasa a proposição e implementação de políticas educacionais de cunho progressista.

Em concordância com Junqueira, Martins e Lacerda (2017, p.455),

compreende-se por acessibilidade a possibilidade e a condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos, das edificações e dos sistemas e meios de comunicação para pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

Para fazer jus a essa acepção de acessibilidade sistematizada pelos autores, é importante explicitar o que se entende por incluir pessoas com deficiência, e não apenas conceder-lhes acesso a determinado ambiente. Com efeito, a palavra inclusão, que tem sua base etimológica no latim includere, significa compreender, fazer parte, participar, conter em. Não por acaso, nosso verbo “incluir” designa a ação de inserir, introduzir. Na verdade, a ação que resulta em inclusão pressupõe a iniciativa de quem necessita ser incluído, inserido, introduzido, mas também requisita do(s) outro(s) o reconhecimento de que quem está lá fora tem o direito de fazer parte, de ter parte. Assume-se, por sua vez, a concepção segundo a qual a perspectiva inclusiva é incumbida da superação de barreiras, da valorização das habilidades e das capacidades das pessoas com deficiência. Tem-se, também, a compreensão de que a deficiência deve receber tratamento livre de discriminação, preconceitos e exclusão (DINIZ, 2007).

O acolhimento dos excluídos, justamente por serem diferentes, constitui, indubitavelmente, um imperativo à sociedade, razão pela qual a exigência por inclusão educacional encontra-se respaldada na Constituição Federal de 1988, que, em seu Art. 205, diz expressamente que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

Observe-se que nesse plural, todos, está contemplado, por óbvio, o coletivo social, dele não podendo se apartar a parcela de cidadãos com alguma deficiência. Ressalte-se, ainda, que há, nesse mesmo artigo 205 da Constituição, uma conexão com o que nomeamos como imperativo à sociedade, ao tratarmos da intransferível responsabilidade dos sujeitos sociais com o esforço coletivo de prover a inclusão. Como diz a lei, para que todos, e não apenas uma parte do tecido social, sejam contemplados com o direito à educação, faz-se necessário que haja incentivo por meio da colaboração da sociedade (YANAGA; COIMBRA, 2019).

A rigor, a corresponsabilidade público-privada com a inclusão educacional não é tratada na Constituição como dependente de inciativa voluntária das partes por ela convocadas. Na verdade, trata-se de um dever do Estado, mas também da família. Em suma, a inclusão educacional é tratada na e pela CF/1988 como direito humano fundamental e inegociável que deve ser provida, obrigatoriamente, pelo Estado e pela família, e deve ser incentivada e corroborada pela sociedade.

Além do respaldo formal que a lei confere à inclusão educacional, cabe também reconhecer e distinguir duas dimensões inerentes ao conceito de inclusão: “Uma que chamamos de inclusão essencial, e outra de inclusão eletiva”, conforme dispôs Rodrigues (2006, p. 11). O autor considera inclusão essencial aquela que assegura a todos os cidadãos de dada sociedade o acesso e a participação, sem discriminação, a todos os serviços produzidos pela e para a sociedade, ou seja, educação, saúde, emprego, lazer, cultura etc. Quanto à inclusão eletiva, o mesmo autor a define como o direito que a pessoa tem de optar pela livre aceitação ou recusa da inclusão que lhe é voluntariamente oferecida.

Percebemos que as duas dimensões, ao mesmo tempo em que se coadunam para constituir o sentido lato sensu da inclusão, também conferem ao sujeito beneficiário desse direito a competência para decidir em que se incluirá. Com efeito, a inclusão essencial é referida como direito fundamental, portanto, diz respeito a um bem imaterial e inegável ao conjunto da sociedade, oportunizada obrigatoriamente aos supostamente diferentes. Já a inclusão eletiva diz respeito ao direito de escolher os lugares nos quais se quer tomar parte como integrante.

Pode-se considerar que o Programa focalizado no presente estudo leva a efeito tanto a dimensão essencial quanto a dimensão eletiva da inclusão, uma vez que se trata de uma política pública disponibilizada ao coletivo social, ao mesmo tempo em que sua adesão é dependente da decisão de cada indivíduo detentor do direito a essa política. Tema que abordaremos na sequência.

PROGRAMA ESCOLA ACESSÍVEL: CONCEPÇÃO E FINALIDADES

Criado em 2007, pelo Decreto Federal n° 6.094/2007 (BRASIL, 2007a), o Programa Escola Acessível constitui-se como política educacional com finalidade autoproclamada de prover “uma efetiva medida de eliminação de barreiras e promoção de autonomia aos estudantes público-alvo da educação especial” (BRASIL, 2013, p.6). De maneira efetiva, o documento orientador do Programa chama para si a incumbência de

promover a acessibilidade e inclusão de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação matriculados em classe comuns do ensino regular, assegurando-lhes o direito de compartilharem os espaços comuns de aprendizagem, por meio da acessibilidade ao ambiente físico, aos recursos didáticos e pedagógicos e às comunicações e informações (BRASIL, 2013, p.7).

Como se pode observar, o Programa assume o intento de assegurar aos estudantes com deficiência o direito de compartilhar espaços comuns de aprendizagem, fazendo valer, portando, a dimensão essencial da inclusão. Ao mesmo tempo, o que se torna notável nessa política é a pretensão de conversão do recinto escolar em ambiente necessariamente acessível, ou seja, que é plenamente possível de ser acessado. Neste sentido cabe reconhecer também a dimensão eletiva da inclusão, quando se vislumbra a garantia do direito de os sujeitos se sentirem incluídos em um espaço que também lhes franqueia o direito de decidir acessá-lo.

Essa dimensão eletiva da inclusão, identificável na própria intitulação “Programa Escola Acessível”, cumpre um requisito muito caro ao processo de democratização do direito à educação, uma vez que o que está em causa é garantir que a escola seja acessível, mesmo quando nela ainda não existam pessoas matriculadas com algum tipo de deficiência. Trata-se, portanto, de oportunizar o acesso a um ambiente do qual se tem o pressuposto de que seja, essencialmente, inclusivo (VIEIRA, et al., 2019).

No que concerne às condições objetivas para a efetivação do Programa, merece menção de destaque a Resolução nº 26/2007 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, por estabelecer, primariamente, as orientações e diretrizes para assistência financeira suplementar a projetos educacionais de educação especial e ações de adequações para acessibilidade física (BRASIL, 2007b). Dentre os programas financiados pelo FNDE, insere-se o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Esse Programa engloba várias ações que possuem finalidades e públicos-alvo específicos, embora a transferência e gestão dos recursos sigam os mesmos moldes operacionais: planejamento, utilização e prestação de contas de recursos por cada escola beneficiária do PDDE. Suas ações estão agrupadas em três tipos de contas: PDDE Integral, PDDE Estrutura, e PDDE Qualidade. O Programa Escola Acessível integra o PDDE Estrutura.

No âmbito do que pode ser concebido como investimentos em estrutura escolar, o Programa Escola Acessível objetiva, especificamente, promover a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares (construção ou reforma de rampas), aquisição de mobiliários acessíveis, bebedouros acessíveis e cadeiras de rodas, dentre outros, aquisição de recursos de tecnologia assistiva, além de incorporar e potencializar o uso dos equipamentos já disponíveis nas SRM.

As SRM, criadas pela Portaria Normativa nº 13, de 24 de abril de 2007, têm por objetivo apoiar os sistemas públicos de ensino na organização e oferta do Atendimento Educacional Especializado – AEE e contribuir para o fortalecimento do processo de inclusão educacional nas classes comuns de ensino (BRASIL, 2007c).

PERCEPÇÕES SOBRE INCLUSÃO NO CONTEXTO ESCOLAR

Os sentidos atribuídos pelos sujeitos ao termo inclusão guardam estreita relação com o que Rodrigues (2006) classifica como inclusão do tipo essencial e do tipo eletivo, conforme já realçamos neste trabalho. Em seu depoimento, VG entende que “incluir é inserir as pessoas em um ambiente social, onde elas possam se sentir que estão na mesma direção que as outras pessoas, apesar de que a gente saiba que existem as limitações. Eu entendo como sendo uma questão social”. Esse entendimento é representativo do que também foi exposto por P1, A1, A3 e A4.

Com efeito, a natureza essencial de inclusão é reconhecida na fala emblemática com o sentido de contingência a que os indivíduos estão submetidos para que sejam aceitos em um ambiente social. Sua identificação como uma questão social quer, na realidade, realçar a necessidade de observação dos parâmetros vigentes em uma determinada sociedade para que se possa vislumbrar inclusão na mesma. Nessa percepção, a inclusão no âmbito escolar não assume o sentido de algo pelo qual se deve lutar. Trata-se de um direito idealmente já estabelecido (SILVEIRA; PRIETO, 2013). Concebido assim, o direito de incluir-se é efetivado à medida que o próprio sujeito aceita o cumprimento das regras que regulam o ambiente onde ele deseja ser incluído. Portanto, reconhece-se que se trata, afinal, de uma inclusão eletiva, identificada, neste caso, apenas como a disposição de cada indivíduo para acatar as condições que lhe são impostas pelo ambiente, embora não exista garantia das condições de adentrar, muito menos de permanecer nos ditos ambientes sociais.

Há também uma percepção que restringe o sentido de inclusão ao âmbito estrito da sala de ensino regular. O depoimento de um professor corrobora esse entendimento: “Inclusão, pra mim, é você dar às pessoas que têm necessidades especiais condições de ficar com uma sala regular e se sentir bem adaptado nesta sala regular (P2)”. Essa fala revela o quadro de inclusão excludente em que os alunos com deficiência se encontram, mesmo quando é feita a sua inserção em turmas regulares. O que se nota é justamente a ausência de atendimento especial a esse aluno que já se encontra formalmente incluído na dita sala de aula regular, mas que acaba à margem dos processos educativos que ali se desenvolvem, uma vez que seus atributos potenciais de aprendizagem em conjunto com os outros alunos sequer chegam a ser mobilizados.

Esse quadro em que o aluno com deficiência frequenta a escola, mas continua excluído dos processos de ensino e aprendizagem, corrobora a percepção de que “inclusão é apenas uma palavra bonita, que é feita na maioria das vezes na teoria, quase nunca é feita na prática. Incluir a pessoa é fazer a pessoa participar das vivências daquele dia a dia como qualquer outra pessoa dita normal (G)”. O tom irônico desse sujeito da pesquisa continha, em seu momento de fala, um desapreço à qualidade da oferta educacional que é facultada às pessoas com deficiência que frequentam salas de aulas regulares. Não obstante esse quadro, a Lei Brasileira de Inclusão nº 13.146/2015, em seu Art. 4º, preconiza que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação” (BRASIL, 2015b).

O trecho do depoimento a seguir sintetiza a percepção de inclusão como obra indissociável do sagrado.

Inclusão é realmente aceitar as diferenças, ou o que a sociedade chama como diferença. Porque, perante Deus e perante acho que todos, nós todos somos iguais. É oportunidade para todos, trabalhar os diferentes como iguais, oportunizar essa situação (P3).

Observe-se que essa fala permite inferir que a aceitação das diferenças constitui o ponto de chegada para a inclusão. As diferenças, por terem sido supostamente permitidas pelo divino, não podem ser negadas pelos humanos. Para os que assim a concebem, a inclusão pressupõe o sacrifício de aceitar o outro, não necessariamente de garantir a esse outro todas as condições necessárias para que, efetivamente, tome parte dos processos educacionais, não apenas faça parte deles. Nesse sentido, os que tão-somente aceitam a pessoa com deficiência nas escolas regulares podem muito bem aceitar o fato de que esses alunos permaneçam, de fato, excluídos do processo de escolarização.

Outro agrupamento de percepções vincula a inclusão escolar ao necessário incremento das práticas didáticas e pedagógicas desenvolvidas pelos profissionais da educação. O trecho do depoimento do intérprete de Libras, transcrito a seguir, é representativo do que foi possível inferir a esse respeito:

O que eu compreendo de inclusão é que o aluno tem que fazer parte da sala. Mas, aí, vêm as certas deficiências do aluno onde os professores que geralmente já são efetivos, pois alguns não têm conhecimento da certa inclusão, sabe que tem inclusão, mas, aí, leva no banho Maria onde eles dizem assim: inclusão é onde tem uma pessoa que auxilia! Não vou ajudar. Não é meu aluno, é aluno dela (IL).

Esse depoimento soa como uma denúncia, uma vez que expõe a incapacidade didático-pedagógica do docente, mas também a indisposição desse segmento para, de fato, envolver-se com os meios necessários à inclusão da pessoa com deficiência nos processos educativos que se desenvolvem no cotidiano escolar. Tal limitação e apatia técnico-profissional do docente tem sido “compensada” pela contratação de profissionais de apoio, a exemplo do intérprete de Libras. O fato é que, com esse apoio, o docente acaba se eximindo de uma interação direta com o aluno com deficiência, razão pela qual nosso depoente conclui que inclusão é onde tem uma pessoa que auxilia! Infere-se também, do conjunto dessa fala, a necessidade de investimento em formação continuada para professores do quadro efetivo, com a finalidade de subsidiar esses profissionais a exercerem o devido protagonismo da mediação didático-pedagógica (SOUZA; SILVA, 2016).

Faz-se importante analisar, especialmente, as percepções que os sujeitos com algum tipo de deficiência externaram sobre o tema em discussão nesta seção do artigo. Para A4, a inclusão se efetiva pelo ato de “incluir algumas pessoas com deficiência no meio das outras como se fossem normais, tratadas normais”. O sujeito A5 externou semelhante percepção, entendendo que se trata de “incluir a pessoa com deficiência na sociedade, a sociedade não inclui”. Esses dois alunos, ambos com deficiência intelectual, na realidade reivindicam o singelo direito de conviver com as demais pessoas ditas normais. O estar “no meio das outras como se fosse normal”, que A4 expõe como ideal de inclusão, assim como a advertência feita por A5 de que, além da escola, a sociedade precisa tornar-se inclusiva remetem à reivindicação do constante dinamismo político-social com foco na aceitação do diferente (DINIZ, 2007).

Na voz de A6, aluno com deficiência auditiva, “todo mundo é bom para estar na sala de aula, mesmo que os outros não escutem”. Há aqui uma posição de afirmação de quem diz: sou uma pessoa com deficiência auditiva, mas nem por isso sou incapaz de estar em salas de aula ao lado de quem não me escuta! Esse é um depoimento que confronta a narrativa, por vezes repetida, de que é o aluno com deficiência que não consegue se inserir em salas ditas regulares. Na realidade, inserir-se nessas salas, para além de já ter adentrado nelas, tem se constituído ato de resistência e de persistente convencimento dos outros sobre suas potencialidades para conviver e construir conhecimentos em conjunto com os demais alunos.

Conforme temos reconhecido neste trabalho, o Programa Escola Acessível se propõe a viabilizar dimensões da acessibilidade na escola que potencializem a integração das pessoas com deficiência aos espaços físicos que compõem o ambiente escolar, mas também às comunicações, às informações e ao conjunto das ações didático-pedagógicas que são levadas a efeito nesse ambiente. Nas subseções a seguir, analisaremos os desdobramentos desse Programa à luz das percepções dos sujeitos da pesquisa.

A DIMENSÃO ARQUITETÔNICA DA ACESSIBILIDADE NA ESCOLA

Pode-se considerar que o provimento de reformas arquitetônicas em escolas com estrutura física inacessível às pessoas com deficiência constitui foco central do Programa Escola Acessível. O ambiente escolar focalizado no presente estudo se insere nesse espectro fulcral do Programa. Com efeito, a Escola Polo, onde realizamos a pesquisa, possui estrutura arquitetônica antiga, por isso mesmo foi comtemplada pelo Programa.

Reunimos, inicialmente, trechos de falas do segmento docente referentes à questão abordada nesta seção do texto:

Eu acho que a acessibilidade ela não pode parar. Ah, fez a rampa! A escola já é acessível! Não! Ela precisa ser mais acessível ainda. Ela precisa ser acessível para um cadeirante, para uma pessoa cega... (P3).

Com a implementação do projeto, no arquitetônico, as portas, as rampas já existiam, não a rampa de entrada, lá do portão de entrada, aquela teve que ser construída, essa rampa aí (se referindo as rampas internas da escola) já faziam parte do projeto da escola, as portas foram aumentadas dentro do que podia, para que houvesse condições para a acessibilidade. Aquele banheiro ali ele é adaptado, os de lá de cima não são. Mas, de qualquer maneira, tem alguma coisa que ajuda (P2).

O conjunto das falas do segmento docente expressa duas constatações que sintetizamos a respeito da dimensão arquitetônica de acessibilidade na escola. A primeira é que o foco principal de construção e/ou reforma de rampas, apesar de fundamental, não satisfaz integralmente as demandas referentes à acessibilidade na escola. A interjeição de P3, “Ah, fez a rampa! A escola já é acessível! Não!”, suscita um sentimento de quem tem convivido com a naturalização da ausência de investimentos na estrutura da escola, ainda que esta disponha de rampas de acesso aos seus ambientes. O fato é que ao atravessar a rampa nem sempre a pessoa com deficiência encontra ambientes e equipamentos escolares acessíveis1. Por isso mesmo, P3 realça que, apesar da existência de rampas, a escola precisa ser mais acessível ainda.

A segunda constatação é que as ações desenvolvidas com recursos do Programa Escola Acessível constituem avanços significativos na consecução de ambientes inclusivos, atestando, assim, a plausibilidade dos resultados alcançados nas várias dimensões dessa política educacional. Esta é uma percepção externada por P2, ao reconhecer que “as portas foram aumentadas dentro do que podia, para que houvesse condições para a acessibilidade”. Contudo, ao ponderar que “aquele banheiro ali ele é adaptado, os de lá de cima não são”, esse mesmo sujeito chama a atenção para a necessidade de complementos nos serviços de adaptação que não são necessariamente contemplados em apenas um ciclo de vigência do Programa na escola. Este fato não suscita ineficiência da política, pelo contrário, atesta que há justificativa para sua sequência em escola já contemplada, fato que nem sempre se confirma.

É importante frisar que as cinco dimensões da acessibilidade contempladas pelo Programa são interligadas, de modo que não é suficiente dispor de uma arquitetura inclusiva se esta não estiver devidamente articulada ao provimento de condições favoráveis ao desenvolvimento didático-pedagógico dos alunos. À luz desse entendimento, compreende-se que a comunicação e a informação também constituem requisitos imprescindíveis à acessibilidade no contexto da escola (SILVEIRA; PRIETO, 2013). Nas linhas que se seguem, dedicaremos atenção a esta questão.

ACESSIBILIDADE À COMUNICAÇÃO E À INFORMAÇÃO NO ÂMBITO ESCOLAR

A comunicação e a informação são dimensões fundamentais para o provimento da acessibilidade na escola (UNESCO, 1998). Ao consultarmos os sujeitos sobre como essas dimensões são percebidas nos processos que se desenvolvem no cotidiano escolar, obtivemos respostas que nos permitem inferir que há muito mais a implementar do que a reconhecer como experiências exitosas. Sem que a pergunta fosse referente ao que falta ser feito, o conjunto dos depoentes foi uníssono na identificação de demandas, mesmo quando o sujeito iniciava sua resposta com algum reconhecimento do que já se dispõe de informação e comunicação na escola, com a finalidade de viabilizar a convivência e a construção de conhecimentos envolvendo pessoas com algum tipo de deficiência.

Selecionamos um trecho de fala de cada segmento da comunidade escolar que fez parte da pesquisa. Para o segmento Aluno, a necessidade de investimentos em estrutura e infraestrutura foi unanimemente mencionada, realçando-se demandas básicas que têm historicamente dificultado a garantia de acessibilidade em seu sentido mais elementar, como: “placas, seriam muito mais coisas, piso tátil, seria interessante ter em quase todos os locais, mas, infelizmente...” (A4). Essa é também a percepção que inferimos do segmento Gestão, ainda que seja externada com uma força enunciativa amena, ao revelar que “quanto à sinalização está faltando algumas coisinhas, mas a gente tenta” (G).

Faz-se importante considerar que a ausência de placas realçada pelo sujeito A4 é apenas emblemática para o conjunto das demandas enfaticamente notadas pela comunidade escolar, visto que esse mesmo entrevistado, na sequência de sua fala, revela que seriam muito mais coisas, dentre elas, o piso tátil em toda a escola. Essa resposta, assim como a confirmação da gestão de que “está faltando algumas coisinhas”, no tocante à sinalização na escola, tem estreita conexão com o pleito por condições adequadas de circulação nos ambientes da escola, ou seja, que esta ofereça segurança para o exercício da autonomia de ir e vir, conforme se fez evidenciar na fala dos doze alunos que participaram da pesquisa.

Trata-se, essencialmente, de uma reivindicação pelo direito à informação que potencialize um conjunto de formas de comunicação, dentre elas, e provavelmente a mais importante, a comunicação espontânea entre a pessoa que tem algum tipo de deficiência e as demais pessoas que convivem no ambiente escolar. Afinal, o termo comunicação está ligado ao ato ou efeito de comunicar-se, mas também à capacidade de trocar ou discutir ideias, de dialogar, com vista ao bom entendimento entre as pessoas (YANAGA; COIMBRA, 2019).

Pode-se considerar que o segmento Professor endossa esse pleito evidenciado pelo segmento Aluno. Nota-se esse fato na fala de P1, ao reconhecer que “não é quando um cego chegar ou tiver um aluno, mas desde sempre que a escola deve estar com as plaquinhas para as pessoas que têm deficiência auditiva, já ter todos os recursos, acho que quando isso acontecer o projeto vai tá top”. Mais que uma chamada de atenção para uma demanda específica, o segmento Professor trouxe à luz um pleito a ser observado não apenas pela própria gestão da escola, mas também pela própria Secretaria de Educação. Trata-se de garantir ambientes adequados ao acesso de todas as pessoas que frequentam a escola, mas também que sejam ambientes devidamente preparados para acolher todas as pessoas que, a qualquer tempo, desejem adentrar o ambiente escolar, seja pelo tempo de toda uma etapa de ensino, seja apenas pelo tempo de uma visita momentânea.

ACESSIBILIDADE DIDÁTICO-PEDAGÓGICA NA ESCOLA

A garantia de acessibilidade didático-pedagógica na escola pressupõe, de partida, a diversificação de processos educativos concernentes aos diferentes ritmos de aprendizagem dos alunos, especialmente daqueles com algum tipo de deficiência (ANDRADE; AGUIAR, 2020). Essa concepção de diversificação coaduna-se ao entendimento de que “diferenciar é organizar as interações e as atividades, de modo que cada aluno seja confrontado constantemente, ou ao menos com bastante frequência, com as situações didáticas mais fecundas para ele” (PERRENOUD, 2001, p.26). Tal iniciativa vincula-se ao intento de tornar possível que cada aluno tenha parte nas atividades propostas, não apenas faça parte delas. Sendo assim, tornar a construção de conhecimento acessível ao coletivo dos alunos, não apenas aos ditos normais, requer o entendimento de que cada pessoa com deficiência deve ser enxergada em sua singularidade de relação com os instrumentos de apoio didático, com o meio, com as pessoas e com o conteúdo programático socializado na e pela escola.

Ao consultarmos os sujeitos da pesquisa sobre essa dimensão da acessibilidade, obtivemos respostas que nos permitiram captar mais explicitamente os efeitos do Programa Escola Acessível, ainda que nem sempre os entrevistados estivessem se referindo diretamente a essa política. O trecho de fala de P2 reconhece a ampliação dos recursos didático-pedagógicos disponíveis às pessoas como consequência da instalação da SRM. De acordo com esse sujeito da pesquisa, “na questão pedagógica, com a abertura dessa sala aí, a sala de apoio a educação especial, o MEC mandou todo esse material, essa parte lúdica, pedagógica” (P2).

Ainda com referência à repercussão da SRM, A3 tece a seguinte consideração sobre este equipamento: “Aqui me ajuda a eu ser mais concentrado, conseguir mais prestar atenção nas aulas, pra eu usar mais minha mente, pra eu trabalhar mais”. Assim como para o Professor (P2), o que se evidencia na fala desse sujeito (A3), aluno com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, é que a disponibilidade de recursos de apoio didático-pedagógico constitui empreendimento indubitável à mediação cognitiva entre os sujeitos envolvidos na ação educativa.

A interjeição de A4, “eu gosto de estudar aqui, não tenho preguiça!”, é emblemática para sintetizarmos as repercussões das práticas didáticas e pedagógicas constatadas ao longo de nossa coleta de dados na escola. No caso específico de A4, aluno com deficiência mental, o conjunto de sua fala nos permitiu inferir que a expressão “eu gosto de estudar aqui”, seguida de seu complemento (aqui) “não tenho preguiça”, diz respeito a uma comparação com a experiência que este sujeito teve em outra escola que não dispõe de recursos adequados às necessidades das pessoas com deficiência. Com efeito, a disposição para estudar, para construir conhecimentos, que A4 nos revela, diz respeito à disposição do próprio indivíduo para fazer valer seu direito de incluir-se, não apenas de “ser incluído” por outrem (YANAGA; COIMBRA, 2019; RODRIGUES, 2006).

A fala do representante do segmento Gestão expressa com singular capacidade sintética o conjunto de vozes que teceram o devido enaltecimento direto ou indireto às repercussões do Programa Escola Acessível. Para VG, “acho que o diferencial é a participação, o conjunto em si, do corpo docente, da gestão, da sala de recursos, acho que em si é a participação”. Conforme se lê no seu trecho de fala, esse gestor realça a conjugação exitosa entre a disponibilidade de recursos provida pelo Programa focalizado neste estudo e a mobilização da participação dos segmentos que integram a comunidade escolar.

Não obstante o reconhecimento dos avanços na dimensão didático-pedagógica da acessibilidade na escola, há também que se registrar as ponderações externadas por P1. Segundo este sujeito, “faltam recursos didáticos, nós aqui não temos livros com Braille, não temos”. Com semelhante foco ponderativo, o intérprete de Libras, referindo-se especificamente à necessidade de tecnologias assistivas voltadas, dentre outras finalidades, para a promoção de livro didático adaptado, nos alerta: “Nós não temos livros que deem condições para uma pessoa que precise ter um material melhor pra trabalhar, nós não temos” (IL). Essas falas de P1 e IL reafirmam a necessidade de complementaridade dos investimentos cobertos pelo Programa Escola Acessível, razão pela qual também reconhecemos a pertinência de se garantirem novas edições dessa política. Trata-se, especialmente, de se fazer valer a experiência exitosa até então constatada, mas também de um compromisso com o provimento de respostas às lacunas e inconsistências igualmente reveladas no curso de determinada edição do Programa (LOTTA, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A universalização do direito a uma escola acessível constitui um pleito na ordem do dia, ao mesmo tempo em que se constitui uma agenda de política educacional que precisa ir além da cobertura suplementar de políticas educacionais, como o Programa Escola Acessível. Na realidade, faz-se urgente garantir perenidade de ações por meio de investimentos por parte do conjunto dos entes federativos, assim como de iniciativas a serem assumidas no âmbito escolar. O Programa Escola Acessível constitui experiência que exemplifica apropriadamente tanto o papel esperado das esferas administrativas quanto da atuação que se credita aos sujeitos que integram a comunidade escolar na perspectiva de aglutinação de esforços em favor do avanço no provimento de acessibilidade às pessoas com algum tipo de deficiência na escola dita regular.

Cabe realçar que a própria existência do Programa é desconhecida para parte significativa da comunidade escolar. Esse fato, que aparentemente apenas deveria despertar a atenção dos governantes, interessados por maior difusão de seus feitos, na realidade deve constituir pauta de atenção local, à medida em que o amplo conhecimento da vigência de uma política potencializa a mobilização para sua adequada implementação e avaliação (LOTTA, 2019). O quadro de desconhecimento por quem é de fato seu beneficiário direto foi revelador de que a socialização sobre o que já se dispõe como política pública, a exemplo do Programa aqui focalizado, constitui a primeira barreira atitudinal a ser transposta na trajetória que se vislumbra percorrer rumo ao provimento da acessibilidade no âmbito escolar.

A despeito do desconhecimento do texto da política, foi possível considerar que os sujeitos reconhecem repercussões importantes do Programa Escola Acessível. No que concerne à sua dimensão arquitetônica, constatamos que sua principal finalidade, a construção e/ou reforma de rampas, foi atendida com êxito. Contudo, há obstáculos na estrutura da escola que acabam impedindo a livre circulação dos alunos com algum tipo de deficiência, inclusive em ambientes como a biblioteca e o auditório, conforme realçamos no corpo do texto. O fato é que ao instalar as rampas de acesso os gestores escolares tendem a não avançar em outros pontos da longa agenda necessária ao provimento de ambientes acessíveis. Ao não dispor de ambientes acessíveis, os alunos apenas atravessam o primeiro obstáculo, por meio das rampas, mas logo deparam-se com outros obstáculos que parecem ser visíveis apenas para quem não consegue transpô-los.

As demandas por acessibilidade de comunicação e informação, abordadas neste trabalho, dão o tom da necessidade de incremento do Programa Escola Acessível para que esta política faça jus ao que seu nome anuncia. O fato é que há necessidades reconhecidamente básicas, como a instalação de piso tátil e direcional, assim como sinalizações em Libras em todos os ambientes da escola, entre outras demandas voltadas para a promoção de acessibilidade às pessoas, especialmente no que concerne ao direito de ir e vir, assegurado a todos os cidadãos, mas quase sempre negado às pessoas com deficiência.

Com efeito, a garantia de informação e de condições adequadas de comunicação guardam estreita coerência com a reivindicação que as pessoas com deficiência tratam como essencial em uma escola acessível, que é o provimento de meios que permitam o exercício da autonomia das pessoas quanto à circulação nos ambientes da escola (JUNQUEIRA; MARTINS; LACERDA, 2017). Ressalte-se que aqui não estamos nos referindo ao sentido de circular pela escola como se apenas estivesse fazendo um tour por um lugar qualquer. Trata-se de fazer valer o direito de adentrar os espaços e neles ter parte no que ali se desenvolve, sem que para isto tenha sempre que depender de um condutor que lhe abra as portas.

Essa circulação autônoma também tem a ver com o pleito dos alunos com deficiência pelo direito de compartilhar ações que transcendam os conteúdos básicos do currículo, no sentido de também poderem produzir e usufruir de atividades culturais e desportivas junto com os demais alunos ditos normais, por exemplo. Para tanto, faz-se necessário conceber como insatisfatória uma suposta inclusão em que uma pessoa com deficiência física seja considerada inclusa em determinada atividade simplesmente porque a ela foi concedido o direito de assistir ao que ali se passa em um “lugar privilegiado”. O fato é que desse lugar de onde se enxerga melhor o palco as pessoas continuam segregadas em suas cadeiras de rodas, apenas como plateia, nunca como protagonistas de histórias que também merecem ser contadas por elas nesse mesmo palco.

Disso também se depreende que uma escola acessível deve conceber a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como requisito obrigatório nas comunicações e informações realizadas em seu conjunto de ambientes. As tecnologias assistivas são mencionadas como demandas que precisam ser contempladas de forma mais explícita no escopo de políticas educacionais como o Programa Escola Acessível. O fato é que até mesmo um recurso básico, como o livro didático, continua inacessível para os alunos que precisam contar com um recurso de apoio tecnológico que lhe permita acessar autonomamente essa fonte de sistematização de conteúdos.

Os dados expostos e analisados ao longo do presente artigo corroboram a conclusão de que o Programa Escola Acessível contribui parcialmente para o provimento de acessibilidade à pessoa com deficiência nos processos formativos que se desenvolvem no âmbito escolar. Esse status parcial não corresponde a uma unidade de medida que supostamente revele uma depreciação entre sua proposição e o que efetivamente se constata nos resultados dessa política.

Na realidade, “esse olhar para a realidade de forma analítica e não ‘condenatória’” (LOTTA, 2019, p.20), que de acordo com a autora “é uma dimensão constitutiva dos estudos sobre implementação de políticas públicas (Idem)”, nos permite reconhecer que o Programa tem contribuído significativamente no objetivo a que se propõe. Contudo, há um conjunto de demandas por acessibilidade no âmbito escolar, dentre elas as que podem ser sintetizadas por tecnologias assistivas, que devem ser incorporadas ao objetivo de novas edições desse Programa e de outros com escopo semelhante.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Edson F. de; AGUIAR, Silvana G. de. Política de correção de fluxo escolar em Pernambuco: uma análise do programa Travessia. Pro-Posições, Campinas, v.31, e20170026, 2020. [ Links ]

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1 Ao longo da realização da observação in loco, um dos procedimentos metodológicos da pesquisa que subsidiou a escrita do presente artigo, foi possível constatar ambientes que mesmo sendo possível acessá-los por meio de rampas construídas e/ou reformadas com recursos do Programa Escola Acessível, não são acessíveis à pessoa com deficiência, a exemplo de um auditório que não permite o acesso de usuário de cadeira de rodas ao palco, assim como da biblioteca, que dispõe de um balcão com altura em desconformidade com o que preconizam as normas técnicas.

Recebido: 28 de Junho de 2020; Aceito: 20 de Setembro de 2020

EDSON FRANCISCO DE ANDRADE

Possui Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professor da Universidade Federal de Pernambuco. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: política educacional, educação, gestão de pessoas, gestão educacional e democratização. E-mail: edsonfranciscodeandrade@gmail.com

MAVIAEL LEONARDO ALMEIDA DOS SANTOS

Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. É Professor da Educação Básica no Município de Jaboatão dos Guararapes/Pernambuco/Brasil. É Vice-Presidente da Organização Não Governamental – ONG Deficiente Eficiente. E-mail: maviael34@gmail.com

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