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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

Print version ISSN 1678-166XOn-line version ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.36 no.3 Goiânia Sept./Dec 2020  Epub Jan 20, 2021

https://doi.org/10.21573/vol36n32020.99365 

Artigos

A EDUCAÇÃO BÁSICA COMO DIREITO NO BRASIL: UMA ANÁLISE DAS DETERMINAÇÕES E PARADOXOS DA LEGISLAÇÃO

BASIC EDUCATION AS A LAW IN BRAZIL: AN ANALYSIS OF THE DETERMINATIONS AND PARADOXES OF LEGISLATION

LA EDUCACIÓN BÁSICA COMO LEY EN BRASIL: UN ANÁLISIS DE LAS DETERMINACIONES Y PARADOJAS DE LA LEGISLACIÓN

SONARA MARIA LOPES DE OLIVEIRA1 
http://orcid.org/0000-0002-6660-8372

JAQUELINE DELGADO PASCHOAL2 
http://orcid.org/0000-0002-7961-2362

1 Universidade Estadual de Londrina

2 Universidade Estadual de Londrina


Resumo

O propósito desse estudo de caráter bibliográfico é discutir a obrigatoriedade da educação escolar no Brasil a partir dos avanços e descompassos das determinações legais. Do ponto de vista de sua efetivação tal expansão revelou um desenvolvimento lento, porém progressivo, ainda que esse direito não seja acessível a todas as crianças, principalmente quando se considera os quesitos: acesso, permanência e qualidade dos serviços prestados. Tal fato ocorre porque, em muitos casos, há péssimas condições de trabalho, ausência de políticas públicas, precariedade na formação e atuação dos professores.

Palavras-Chave: Obrigatoriedade; Direitos; Educação Escolar

Abstract

The purpose of this bibliographic study is to discuss the obligation of school education in Brazil from the advances and mismatches of legal determinations. From the point of view of its realization, such expansion revealed a slow but progressive development, although this right is not accessible to all children, especially when considering the access, permanence, and quality of services provided. This is because, in many cases, there are: poor working conditions; absence of public policies; precariousness in teacher education, and performance.

Key words: Obligatory; Rights; School Education

Resumen

El propósito de este estudio bibliográfico es discutir la obligación de la educación escolar en Brasil a partir de los avances y desajustes de las determinaciones legales. Desde el punto de vista de su realización, dicha expansión reveló un desarrollo lento pero progresivo, aunque ese derecho no sea accesible para todos los niños, especialmente cuando se considera el acceso, la permanencia y la calidad de los servicios prestados. Esto se debe a que, en muchos casos, existen: malas condiciones de trabajo; ausencia de políticas públicas; precariedad en la formación y desempeño docente.

Palabras-clave: Obligatorio; Derechos; Educación escolar

INTRODUÇÃO

A educação como direito de todos e dever do Estado, prescrita na Constituição Federal de 1988, constitui um dos grandes desafios do século XXI, pois sua efetivação não acontece de maneira igualitária no Brasil. Embora reconhecido no âmbito legal, é preciso que esse direito seja garantido a todos os cidadãos, independentemente de sua classe social de origem. Isso porque a promulgação da Constituição possibilitou caminhos para a organização do sistema educacional brasileiro, por meio de leis e políticas, e a distribuição de responsabilidades entre os níveis de governo Federal, Estaduais e Municipais.

Para Cury (2002, p. 247), a grande dificuldade, frente à desigualdade social, “é instaurar um regime em que a igualdade política aconteça no sentido de diminuir as discriminações”, já que a incapacidade administrativa de muitos estados, em relação à obrigação jurídica, inviabiliza a expansão da oferta e do atendimento no país. Por esse motivo, o “avanço da educação escolar, além do ensino primário, foi fruto de lutas conduzidas por uma concepção democrática da sociedade em que se postula ou a igualdade de oportunidades ou mesmo a igualdade de condições sociais”, segundo Cury (2002, p. 247).

Na realidade, o empenho pela educação como direito público e função do Estado contribui para o processo de democratização da educação, sobretudo para que as novas gerações sejam menos desiguais na perspectiva de Cury (2002). Ainda que tais direitos sejam concebidos de maneira lenta, é papel do Estado a garantia do acesso e da permanência de crianças e adolescentes em escolas, assim como do usufruto dos direitos civis. Cury (2002, p. 249) explica que o Estado deve ser o provedor, por meio da legislação, “seja para garantir a igualdade de oportunidades, seja para uma vez mantido esse objetivo, intervir no domínio das desigualdades”.

Cury (200, p. 255) explica que a relação entre o direito à igualdade e o dever do Estado na garantia desse direito não é simples, pois “é preciso fazer a defesa da igualdade como princípio de cidadania, da modernidade e do republicanismo”, visto que essa defesa, desde os primórdios, se constitui a principal bandeira de luta dos homens. Nesse sentido, a obrigatoriedade escolar se torna necessária como forma “de sobrepor uma função social relevante e imprescindível de uma democracia a um direito civil” de acordo com Cury (2002, p. 155), além de garantir o direito de todos a este bem social. Isso porque, apesar dos inegáveis avanços da legislação, ainda se constata a dificuldade de acesso à educação básica das populações menos favorecidas.

Desse modo, o objetivo deste estudo é discutir a obrigatoriedade da educação escolar no Brasil a partir dos avanços e descompassos das determinações legais. Para tanto, optou-se pela pesquisa bibliográfica, tomando por base o Método Histórico, já que a discussão sobre os avanços e retrocessos das prescrições legais, pressupõe conhecer, num primeiro momento os aspectos históricos da gratuidade e obrigatoriedade escolar a partir da análise das Constituições Federais brasileiras na primeira parte deste ensaio. Na segunda parte, analisa-se a implantação do ensino fundamental de nove anos; e a última parte, discute a pré-escola obrigatória e as perspectivas para a universalização do acesso de todas as crianças à Educação Infantil.

GRATUIDADE E OBRIGATORIEDADE ESCOLAR: BREVE ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS BRASILEIRAS

Do ponto de vista histórico, a Constituição aprovada em 16 de julho de 1934 foi a primeira a destinar todo um capítulo à questão educacional, pois, no artigo 149, preconiza que a educação é direito de todos e deve ser ministrada, “pela família e pelos poderes públicos, para todos os brasileiros e a estrangeiros domiciliados no país” (BRASIL, 1934). No artigo 150, determina a obrigatoriedade da educação escolar a partir do ensino primário, e orienta sua ampliação para as etapas posteriores da escolaridade no Brasil.

Saviani (2013) assinala que, além desses princípios que deveriam reger a organização da educação, a Constituição de 1934 também definiu, como atribuição da União, a fixação de diretrizes para a educação nacional e a criação de um Conselho Nacional de Educação, cuja tarefa precípua seria a elaboração de um Plano Nacional de Educação.

A Constituição, promulgada em 1937, manteve as determinações anteriores, porém, a gratuidade já começava a ser revista, pois a lei exigia contribuições em dinheiro daqueles que não comprovassem falta de recursos. No artigo 130, determina que “o ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados” (BRASIL, 1937). Assim, estabelecia que, na ocasião da matrícula, seria exigida “aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar” (BRASIL, 1937).

Para Farenzena (2010), o fato de a Constituição de 1937 ter estabelecido que o Estado asseguraria educação escolar apenas aos que não possuíssem recursos para estudar em instituições particulares e exigiria contribuições para uma caixa escolar, por parte dos alunos, representou um retrocesso no que se refere ao direito à educação e à responsabilidade do Estado pela oferta educacional. Isso porque, nas palavras de Farenzena (2010, p. 199), a carta constituinte foi outorgada na vigência de um regime ditatorial, que, ao mesmo tempo em que “manteve o preceito do ensino primário obrigatório e gratuito; abrigava, contudo, duas formulações que retrocediam no percurso da afirmação do direito à educação e da responsabilidade pública quanto à oferta educacional”. Para a autora:

Uma delas foi prescrever que o Estado asseguraria educação escolar apenas à infância e à juventude que não tivessem recursos para estudar em instituições particulares. Outra diz respeito à exigência de contribuições para a caixa escolar por parte de alunos que tivessem condições de fazê-lo, um apelo ao dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados (FARENZENA, 2010, p. 199).

A educação, como direito de todos, também foi contemplada na Constituição de 1946, que determina, em seu artigo 166, que esta será ministrada no “lar e na escola e deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana” (BRASIL, 1946). No artigo 167, orienta que “o ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos Poderes Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem” (BRASIL, 1946). Quanto à legislação do ensino, essa Carta Magna adota a obrigatoriedade a partir dos seguintes princípios:

Art. 168. I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes; IV - as empresas industrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores (BRASIL, 1946).

Embora a Constituição de 1946 também tenha determinado a obrigatoriedade escolar, Farenzena (2010) ressalta que a tendência de ampliação da obrigatoriedade, anunciada em 1934, foi efetivada somente em 24 de janeiro de 1967, com a promulgação de uma nova Constituição Federal. Essa, por sua vez, estabeleceu o ensino de 1º Grau gratuito e obrigatório para todas as crianças e adolescentes de sete a catorze anos de idade, reafirmando, assim, a gratuidade do ensino e ampliando o ensino compulsório no Brasil.

Já para Saviani (2013), a Constituição de 1967 relativiza o princípio de gratuidade quando determina, no Inciso III, do parágrafo 3º do artigo 168, que, “sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso do ensino de grau superior” (BRASIL, 1967). Segundo Saviani (2013, p.213), a Carta não contempla “os princípios da Seleção pelo mérito, Estabilidade dos professores, Remuneração condigna do corpo docente, Vinculação orçamentária, Vitaliciedade e Inamovibilidade dos cargos”.

Saviani (2013) explica, ainda, que, dois anos depois, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, edita um novo texto da Constituição Federal de 1967, mas mantém os mesmos dispositivos relativos à educação, prescritos na Constituição de 1967, introduzindo apenas algumas mudanças de redação.

No que se refere à gratuidade e à obrigatoriedade na história da educação brasileira do século XX, Breda (2016) constata um contrassenso entre o prescrito na lei e a realidade vivida pelas crianças e suas famílias que lutam pelo acesso à escola. Nesse sentido, Breda (2016, p. 10) afirma que “a legislação, apesar de ser reguladora da educação, nem sempre corresponde ao que se estabelece e se encontra nas vidas das crianças”, pois os dados estatísticos apontam que há discrepância, entre o que propõe a legislação acerca da obrigatoriedade do ensino e o acesso das crianças ao sistema educacional.

Breda (2016) explica que, desde a Constituição de 1967, não houve alterações expressivas no que se refere à obrigatoriedade escolar, pois as modificações foram apenas de nomenclatura ou referentes à ordem organizacional, como ocorreu em 1988, quando a etapa de ensino de Primeiro Grau passou a ser denominada de Ensino Fundamental. Ainda assim, a aprovação da Constituição Federal de 1988, diferente das anteriores, reconhece a educação como um direito público subjetivo e como primeiro direito social do cidadão. No artigo 6º, essa Carta Magna estabelece que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).

No artigo 205º, a Carta Constituinte determina que a educação é um direito de todos e dever do Estado, e que será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. O artigo 206º estabelece: “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais e a garantia de padrão de qualidade” (BRASIL, 1988). Na sequência, determina, em seu artigo 208º, a obrigatoriedade da educação escolar, expressando que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 1988).

Saviani (2013), ao analisar os trinta anos de promulgação da Constituição Federal (1988) e os inúmeros avanços proclamados no campo dos direitos humanos, argumenta que é necessário observar o que, de fato, se concretizou no cotidiano dos cidadãos. Para o autor, se a educação é proclamada como um direito, cabe ao poder público a responsabilidade de garantir que o referido direito se efetive. Além disso, Saviani (2013, p. 216) ressalta que “o não atendimento deste direito importa na responsabilização da autoridade competente, então a área jurídica, de modo geral, e o Ministério Público, em particular”.

Desse modo, a tendência de ampliação da obrigatoriedade de ensino, ao longo das décadas, representa o ápice da ampliação prevista nas Constituições Federais desde 1934 e a perspectiva de universalização da educação a partir do nascimento até os dezessete anos de idade. Esse movimento de expansão da idade para a educação escolar obrigatória culminou com a promulgação das seguintes leis: Lei nº 11.114/2005, que alterou artigo da LDB (1996) e determinou o ingresso obrigatório de crianças de seis anos no primeiro ano do Ensino Fundamental; Lei nº 11.274/06, que implantou o ensino de nove anos; e a Lei nº 12.796/2013, que antecipou a obrigatoriedade de matrícula para os quatro anos de idade, também alterando o texto da LDB (1996).

O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS E AS ESPECIFICIDADES DO TRABALHO DOCENTE

Ao estabelecer o Ensino Fundamental de Nove Anos com início aos seis anos de idade, a educação, no Brasil, equiparou-se à ofertada por grande parte dos países desenvolvidos do ocidente, bem como da América Latina, no que se refere à obrigatoriedade, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (BRASIL, 2013a). O documento relata que, na maioria desses países, verifica-se também a obrigatoriedade de matrícula para crianças no último ano da pré-escola, portanto, pode-se deduzir, desta afirmação, a indicação dos passos seguintes da legislatura nacional, relativos ao ensino compulsório no país.

Desse modo, seguindo uma tendência universal, no ano de 2005, a Lei nº 11.114 /2005 alterou o artigo 6º da LDB (1996) e determinou que “é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental” (BRASIL, 2005). Na sequência, a Lei nº 11.274/2006 alterou o artigo 32º da LDB (1996) e instaurou o Ensino Fundamental de Nove Anos, determinando “o ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade” (BRASIL, 2006).

Entretanto, com o intuito de evitar modificações abruptas e prejuízos pedagógicos às crianças, foi concedido prazo até 2010 para que as alterações fossem realizadas em todos os estabelecimentos de ensino dos diversos estados e municípios. De acordo com um documento, intitulado Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de Nove Anos, publicado pelo Ministério da Educação e Cultura no ano de 2004, o objetivo da ampliação da escolaridade obrigatória foi “assegurar a todas as crianças um tempo mais longo de convívio escolar, maiores oportunidades de aprender e, com isso, uma aprendizagem mais ampla” (BRASIL, 2004, p.17). Sobre essa questão, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (2013), esclarecem:

O acesso ao Ensino Fundamental aos 6 (seis) anos permite que todas as crianças brasileiras possam usufruir do direito à educação, beneficiando-se de um ambiente educativo mais voltado à alfabetização e ao letramento, à aquisição de conhecimentos de outras áreas e ao desenvolvimento de diversas formas de expressão, ambiente a que já estavam expostas as crianças dos segmentos de rendas média e alta e que pode aumentar a probabilidade de seu sucesso no processo de escolarização (BRASIL, 2013a, p.109).

No que se refere à busca pela igualdade social, Saveli e Tenreiro (2011) consideram que a antecipação da entrada da criança de seis anos no Ensino Fundamental é uma política pública que favorece a equidade. Avaliam, ainda, que a determinação legal da obrigatoriedade de matrícula aos seis anos de idade é medida essencial na busca pelo combate à desigualdade social do país, pois representa um avanço importante quando oportuniza a inserção das crianças das camadas populares nos sistemas educacionais. Saveli e Tenreiro (2011) salientam, porém, que é essencial pensar, além do acesso, na garantia de permanência e na qualidade da oferta de educação a essas crianças.

A Constituição de 1988 estabelece, em seu artigo 212, § 3º, que a destinação de “recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere à universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação” (BRASIL, 1988). Desse modo, pode-se considerar que a lei da obrigatoriedade do acesso ao Ensino Fundamental inclui as crianças de seis anos no rol de prioridades das políticas públicas. Tal fato, em princípio, deveria garantir o acesso, a permanência e a qualidade da educação escolar a um número maior de crianças.

Nesse aspecto, porém, Breda (2016) identifica a existência de controvérsias no que concerne aos objetivos da determinação legal, pois, na década de 1990, foi criado o FUNDEF, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, posteriormente substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o FUNDEB.

Conforme a análise de Breda (2016), desde a década de 1990 houve maior motivação para a inserção da criança de seis anos no Ensino Fundamental devido ao fato de que o FUNDEF se destina a essa etapa educacional. Segundo Breda (2016, p.17), “os estados e municípios recebem recursos de acordo com os alunos matriculados no Ensino Fundamental, o que exclui tanto a Educação Infantil quanto o Ensino Médio, níveis que também compõem a Educação Básica”. Desse modo, o aspecto financeiro destaca-se como importante incentivo para a aprovação da lei que obriga a matrícula no primeiro ano com seis anos de idade.

A problemática situa-se no fato de que as recentes reorganizações ocasionadas pela antecipação da matrícula da criança nos anos iniciais, sob a perspectiva do aporte financeiro, perderam de vista o objetivo de maiores oportunidades de aprender e de uma aprendizagem mais ampla, pois, segundo Breda (2016), muitas crianças de apenas seis anos de idade passaram a se sentar em carteiras escolares durante quatro horas para serem alfabetizadas, o que pode acarretar sérias consequências para sua aprendizagem e desenvolvimento. Tais argumentos denunciam falta de atenção para as especificidades da criança nessa faixa etária, questão relevante quando se discute o direito de todo cidadão a uma educação de qualidade.

A esse respeito, Arelaro (2005) ressalta que os motivos que levaram à antecipação do ingresso da criança de seis anos no Ensino Fundamental foi a utilização dos recursos do FUNDEF, já que a Educação Infantil não contava com o aporte desse recurso. Para a autora o atendimento às crianças matriculadas na Educação Infantil “passaria a ser realizado disfarçado de Ensino Fundamental, mas manter-se-iam, nesse 1º ano de Ensino Fundamental antecipado, as premissas e as orientações da Educação Infantil” (ARELARO, 2005, p.1047).

Na perspectiva de Arelaro (2005), as novas determinações legais propõem apenas uma transferência do último ano da Educação Infantil e a incorporação deste ao Ensino Fundamental, ignorando a complexidade dessa transição e as especificidades de cada uma das etapas. Nesse sentido, a promulgação da Lei nº 11.114 /2005 resulta em um número significativo de crianças de seis anos, incorporadas às escolas de Ensino Fundamental, sem que tais instituições estejam preparadas com equipamentos e materiais pedagógicos adequados à idade.

Nessa mesma linha de pensamento, Gorni, Maieski e Machado (2012, p.14) destacam que um ponto nevrálgico dessa ampliação do Ensino Fundamental é que “a preocupação não está focalizada no trabalho pedagógico, na estrutura física, na formação docente, mas no aumento do número de alunos”. Essas contradições levam as autoras a considerarem que “alunos matriculados no Ensino Fundamental valiam mais, pois revertiam em maior repasse de verbas e em créditos políticos decorrentes da ampliação do acesso à educação” (GORNI; MAIESKI; MACHADO, 2012, p.14), e que, por esse motivo, a educação passou a ser equiparada a uma espécie de comércio.

Dessa forma, a ampliação de oportunidades de aprendizagem para a criança sofreu prejuízos devido à implementação de novas determinações nas escolas, uma vez que “os professores foram surpreendidos com a ampliação, sentindo-se desorientados quanto aos conteúdos a serem trabalhados no primeiro ano”, conforme afirmam Gorni, Maieski e Machado (2012, p.19). Tal fato ocorreu porque, em sua maioria, as escolas transferiram as crianças do último ano da Educação Infantil para espaços destinados ao Ensino Fundamental, sem adequações de currículos, espaços e materiais e sem a formação dos professores.

Ainda sob esse ângulo, Guilherme (2009, p.19) menciona a suspeita de uma política pública pautada no que ela denomina de “preocupação excessiva com verbas, dados estatísticos, e órgãos financiadores”, em detrimento do suporte e de condições necessárias à implantação, implementação e desenvolvimento de uma proposta. A ausência do cuidado e da atenção necessários às circunstâncias em que a lei foi efetivada pode incorrer na garantia do direito à educação, porém sem abarcar o quesito qualidade desse direito.

O fracasso escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental, indicado em estatísticas e/ou pela constatação de que muitas crianças encerram esse ciclo sem os conhecimentos básicos esperados para essa etapa, é um problema assinalado por Guilherme (2009). A solução para tal questão não depende do tempo de duração ou idade de inclusão no Ensino Fundamental, mas da tomada de consciência de que “temos problemas de ensino e aprendizagem; problemas de concepção do que é ser criança, do que é ensinar e como se aprende”, e são esses problemas que devem ser perseguidos e solucionados, segundo Guilherme ( 2009, p.21).

É nesse contexto que reside a importância da elaboração de políticas públicas que abarquem questões urgentes as quais se referem às possibilidades reais de efetivação da lei, pois, conforme Brandão (2009, p. 23), “o mais importante é que as instâncias governamentais e seus respectivos sistemas de ensino proporcionem condições concretas para que a qualidade da educação ofertada no Ensino Fundamental não sofra prejuízo algum”. Dentre as medidas, Brandão (2009, p.24) destaca “a elaboração de uma política de formação de professores específica para os anos iniciais, a reorganização do tempo escolar e a articulação efetiva da primeira série do Ensino Fundamental com a Educação Infantil”.

Em se tratando da qualidade do atendimento, Brandão (2009) esclarece ainda que, no primeiro ano, considerando-se que as crianças têm seis anos de idade, não podem ser desenvolvidas as mesmas atividades destinadas à Educação Infantil, ao mesmo tempo em que esta nova configuração não pode constituir antecipação dos conteúdos desenvolvidos na antiga primeira série. Assim, é necessária a elaboração de currículo e projeto político pedagógico específicos para o Ensino Fundamental, que abranjam os nove anos de escolarização, incluindo as crianças de seis anos.

Com esse propósito, o currículo, nessa etapa da educação básica, necessita da “estruturação de um projeto educativo coerente, articulado e integrado, de acordo com os modos de ser e de se desenvolver das crianças e dos adolescentes nos diferentes contextos sociais” (BRASIL, 2013a, p.117), pois a criança de seis anos deve ser respeitada em suas especificidades, que são caracterizadas pela afetividade, pelo aspecto lúdico, pela curiosidade, pela criatividade, pelo constante movimento do corpo e seu contínuo desenvolvimento.

O documento Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de Nove Anos (2004) determina que a escola deve “reorganizar a sua estrutura, as formas de gestão, os ambientes, os espaços, os tempos, os materiais, os conteúdos, as metodologias, os objetivos, o planejamento e a avaliação” (BRASIL, 2004, p.22), de forma que a criança seja acolhida em um ambiente propício à aprendizagem. Conforme o referido documento, faz-se “necessário assegurar que a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental ocorra da forma mais natural possível, não provocando nas crianças rupturas e impactos negativos no seu processo de escolarização” (BRASIL, 2004, p.22).

No intuito de construir um currículo coerente com as necessidades da criança de seis anos, Gorni, Maieski e Machado (2012) enfatizam a importância do reconhecimento da infância e de sua centralidade nesse processo.

Tendo em vista que nos primeiros anos do Ensino Fundamental a criança passa a descobrir de maneira gradativa o universo sistemático da aquisição do conhecimento disposto nas diversas disciplinas, é importante que este processo ocorra de maneira “fascinante”, impulsionando-a a se sentir sempre mais uma investigadora do seu próprio aprendizado (GORNI; MAIESKI; MACHADO, 2012, p.16).

Considera-se imprescindível que, na proposta para o primeiro ano do Ensino Fundamental, sejam previstas atividades que, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013a), garantam: mobilidade às crianças na sala de aula; a exploração das diversas linguagens artísticas; o acesso a materiais que possibilitem o desenvolvimento do raciocínio; e a manipulação e exploração das características desses materiais. Essa proposta também precisa garantir a gradativa sistematização dos conhecimentos escolares (BRASIL, 2013a).

Nesse sentido, pode-se afirmar que o ingresso obrigatório da criança no Ensino Fundamental deve primar pelo trabalho pedagógico de qualidade, o qual supõe planejamento e ações que garantam o atendimento de todas as suas necessidades e contribuam para o seu desenvolvimento intelectual, mas também físico, psíquico e social.

ENTRE A PRÉ-ESCOLA OBRIGATÓRIA E A UNIVERSALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Após a promulgação da Emenda Constitucional nº 59/2009, a Lei nº 12.796, de 2013, alterou a LDB 9.394/1996 em seu artigo 4º, inciso I, determinando que o “dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade”. De acordo com artigo 6º dessa lei, “é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade” (BRASIL, 2013).

A Lei nº 12.796/2013 também determina que a carga horária anual da pré-escola seja de 800 horas, distribuídas em, no mínimo, 200 dias letivos, sendo a obrigatoriedade de frequência mínima de 60% do total de horas. Para tanto, recomenda: o dever do poder público em zelar, junto com os pais, pela frequência da criança à escola; e a necessidade de expedição, pela instituição de ensino, de documento que declare a frequência, o desenvolvimento e aprendizagem das crianças o (BRASIL, 2013b).

A imposição da lei, que determina a obrigatoriedade de matrícula das crianças a partir dos quatro anos de idade, na pré-escola, pode significar um ganho, tendo em vista a universalização, porém representa também uma preocupação em relação à: dificuldade de acesso à educação de qualidade para todas as crianças de zero a cinco anos de idade; possível fragmentação da Educação Infantil entre creche e pré-escola; tendências de escolarização precoce; e atenção secundária à creche, entre outros fatores.

Ao tratar do acesso à educação de qualidade para todas as crianças, Breda (2016, p.11) reconhece que foram necessárias décadas, desde a aprovação da primeira lei em 1934, para que quase a totalidade da população tivesse acesso à educação obrigatória, quando essa ainda se referia apenas ao Ensino Fundamental com início aos sete anos de idade. Para Breda (2016, p. 12) os “dados estatísticos nos auxiliam a perceber que ao longo do tempo houve desequilíbrio entre o que estava posto na lei sobre a obrigatoriedade do ensino e a inserção das crianças na escola”.

Nas últimas décadas do século XX, o Brasil ainda não havia alcançado a meta de totalidade das crianças matriculadas no ensino obrigatório, pois crianças matriculadas “entre cinco e nove anos de idade eram de 44% em 1980, 62% em 1990 e 85% em 2000”, segundo Breda (2016, p.13). Mediante tais dados, a autora considera que a prescrição legal não garantiu que as crianças tivessem acesso à escola, pois fica evidente que muitas crianças, embora amparadas pela lei, ainda não têm acesso ao ensino obrigatório.

Fernandes (2016, p. 57) questiona se a obrigatoriedade de matrícula na pré-escola é “obrigação dos pais ou dever do Estado, já que a situação da Educação Infantil não está ligada ao problema de falta de demanda, mas de oferta”, referindo-se às frequentes filas de pais à espera de vagas em instituições. Este questionamento da autora evidencia a relação paradoxal entre a obrigação de matricular as crianças, por parte dos pais e responsáveis, e a falta de vagas, por parte do poder público.

Para Fernandes (2016, p.58), o termo “obrigatoriedade”, expresso em lei, não pode ser entendido como universalização enquanto não for garantido o acesso à educação com qualidade e equidade para todas as crianças. Nesse sentido, não haveria necessidade de obrigatoriedade de frequência, “ao pensarmos na educação como um direito das crianças” nas palavras de Fernandes (2016, p.61).

Flores e Albuquerque (2016, p. 89) ressaltam que, a partir da obrigatoriedade, a demanda de crianças em idade pré-escolar aumentou significativamente, assim, houve a necessidade de “criação de novas turmas em salas de aula ociosas em escolas que antes atendiam, exclusivamente o ensino fundamental, ocupadas sem as devidas adaptações”. Além disso, as autoras argumentam que a redução na expansão da oferta de vagas na creche, o aumento de práticas de convênio junto a instituições privadas e a redução de escolas de tempo integral fere o direito das famílias e da criança no conjunto das políticas sociais.

Ainda de acordo com Flores e Albuquerque (2016), constata-se, em diversos municípios, que, na tentativa de cumprir expressamente a lei, são negligenciados aspectos primordiais relacionados à educação de qualidade e, entre eles, está a disponibilização de um espaço adequado às necessidades educacionais das crianças de quatro e cinco anos de idade. Por outro lado, a creche, ao ser excluída na EC 59/2009, tende a ser secundarizada no que se refere a políticas públicas, investimentos e acesso a vagas, o que pode incorrer em atendimento assistencial, enquanto que a pré-escola pode ser entendida como antecipação da escola, descaracterizando, assim, a identidade da etapa Educação Infantil, que compreende o atendimento à criança de zero a cinco anos, como um todo.

Nesse sentido, Breda (2016, p. 18) entende que se, por um lado as crianças da pré-escola podem vivenciar “práticas antecipatórias do ensino fundamental, por outro, as crianças mais novas, do zero aos três anos, podem perder ainda mais oportunidades de acesso”. Isso porque, a LDB 9394/96, ao instituir a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica, reconheceu o direito à educação também para as crianças de zero a três anos de idade.

Breda (2016, p.19) pressupõe que, com a obrigatoriedade, “a ampliação do acesso focará, pelo menos num primeiro momento, a pré-escola em detrimento da creche, e a resposta aos problemas de oferta de vagas para as crianças de zero a três anos de idade poderá ser postergado”. Assim, é urgente pensar na creche como direito de todas as crianças, tanto no que que se refere ao acesso, quanto a um trabalho pedagógico qualificado. No que tange, especificamente, à pré-escola, o deslocamento de grupos de crianças de quatro e cinco anos para espaços de escolas de Ensino Fundamental inclui o risco de desrespeito às especificidades da criança dessa faixa etária.

Pinazza e Santos (2016, p. 40) consideram importante que a Educação Infantil, como primeira etapa da Educação Básica, trabalhe de modo articulado e integrado com os objetivos da etapa seguinte, no entanto, ressaltam que “isso não pode significar que os processos educativos de creches e, particularmente, de pré-escolas estejam condicionados a práticas antecipatórias, que firam direitos fundamentais assegurados, por lei”. Disponibilizar à criança uma escolarização precoce significa negar-lhe o direito de viver sua infância e de aprender conforme as especificidades de sua faixa etária. Isso porque, a pré-escola, não pode ser concebida como um “tempo escolar futuro, sem que se incorra no erro de subtrair das crianças a possibilidade de experiências próprias de seu tempo presente”, segundo o entendimento de Pinazza e Santos (2016, p.39).

Sobre essa questão, Farenzena (2010) argumenta que a justificativa que fundamentou a decisão pela obrigatoriedade da pré-escola foi a ideia de que, desse modo, as crianças estariam mais preparadas para o Ensino Fundamental, o que impactaria, positivamente, o desenvolvimento das etapas posteriores.

Desse modo, é evidente o retorno da educação compensatória, presente nas políticas anteriores à aprovação da LDB de 1996, que, segundo Pinazza e Santos (2016), vislumbram a pré-escola obrigatória como um desconcertante déjà vu. As autoras consideram que a aprovação da EC 59/2009 desencadeou uma cisão na Educação Infantil, entre creche e pré-escola, além da adoção de práticas de antecipação da escola de Ensino Fundamental, expondo as crianças a ações indesejáveis. Nesse sentido, as autoras ponderam que “a obrigatoriedade pode levar as crianças de 4 e 5 anos, da pré-escola a uma experiência pedagógica já vivida em tempos passados”, de acordo com Pinazza e Santos (2016, p.23).

É fundamental não se perder de vista as conquistas e os avanços na história da Educação Infantil nos últimos trinta anos, já que, para Flores e Albuquerque (2016, p.105), “a fragilidade na concepção de Educação Infantil, a despeito dos documentos legais que afirmam este direito, pode ser o elemento principal que devemos enfrentar, com a proposição de situações promotoras da reflexão e estudo”. Desse modo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010), apesar de se constituírem importantes diretrizes que orientam a centralização da criança no processo educativo, segundo as autoras, há um longo percurso a ser percorrido, ainda, para que a proposta desse documento seja realmente concretizada no cotidiano das escolas, o que passa “pela imperiosa implementação de políticas permanentes, visando à formação continuada dos profissionais, de forma a nutrir de maneira constante o currículo em ação”, segundo Flores e Albuquerque (2016, p.105).

Apesar dos avanços e retrocessos das determinações legais sobre a obrigatoriedade do ensino no Brasil, fica evidente que a matrícula de crianças a partir dos quatro anos de idade pode representar um avanço, sobretudo em relação à universalização da pré-escola e ao acesso das crianças a oportunidades de aprendizagens importantes para essa etapa de seu desenvolvimento. Entretanto, é preciso avaliar meios para que a proposição da lei seja devidamente efetivada no cotidiano das escolas infantis.

Teixeira e Araújo (2016) enfatizam que não cabe mais questionar a pertinência da lei que obriga a matrícula de crianças de quatro anos na Educação Infantil, pois o desafio, agora, é buscar formas de universalizar essa primeira etapa da Educação Básica. Para Teixeira e Araújo (2016, p. 113) “precisamos ter muito cuidado ao discutir o cumprimento da meta de universalizar a pré-escola, para não corrermos o risco de reduzir tal desafio ao desafio de criação de vagas, sem a qualidade necessária”.

Nesse sentido, é necessário que se priorize uma adequada expansão de vagas no cotidiano das instituições de modo que todas as crianças, desde seu nascimento, possam ter acesso à educação, já que a defesa da universalização passa pelo cumprimento da legislação, assegurada desde a promulgação da Constituição de 1988. É nesse contexto que reside a importância de uma sólida formação inicial e de oportunidades de formação continuada e valorização profissional, uma vez que estas devem assegurar ao professor as “condições para refletir sobre sua prática docente cotidiana e tomar decisões sobre as melhores formas de mediar a aprendizagem e o desenvolvimento infantil, considerando o coletivo de crianças assim como suas singularidades” (BRASIL, 2013a, p.91). Para tanto, é necessária a concretização de políticas públicas que favoreçam o reconhecimento e a valorização profissional dos professores de Educação Infantil diante da sociedade, e propiciem seu desenvolvimento e qualificação profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das Constituições Federais revela um desenvolvimento progressivo ao longo de quase oito décadas até os dias atuais, pois, hoje, a obrigatoriedade da educação estende-se dos quatro até os dezessete anos de idade. Na forma de lei, o Brasil tem garantido a escolaridade pública e gratuita para a população mais jovem em instituições de ensino em todo o país. Entretanto, constata-se que nem sempre o estabelecido na legislação se concretiza na realidade de crianças e jovens, sobretudo daqueles provenientes das classes menos favorecidas.

Embora as leis, as diretrizes e os documentos oficiais determinem a igualdade de acesso, a permanência e a qualidade dos serviços prestados, verifica-se que nem todas as etapas da educação básica consolidaram, na prática, tais recomendações. Ainda assim, a implantação do ensino de nove anos no Brasil a partir da matrícula aos seis anos de idade, no primeiro ano, e a obrigatoriedade escolar, já na pré-escola, foram consideradas positivas, pois contribuíram para que um maior número de crianças tivesse oportunidade de ser matriculada no sistema público de ensino.

Por outro lado, ao se observar a realidade, percebe-se que há pontos negativos nessa questão, pois nem todas as escolas foram estruturadas e/ou adaptadas para receber essas crianças, visto que muitos improvisos foram realizados no interior das escolas. Além disso, a Emenda Constitucional nº 59/09, ao excluir a creche da obrigatoriedade de acesso, atingiu as crianças de até três anos de idade, o que contribuiu para a escassez de vagas, visto que a maioria dos sistemas optou por priorizar o atendimento à pré-escola. A falta de políticas públicas que assegurem as reais condições de aplicação das determinações legais, no cotidiano de muitas crianças brasileiras, demonstra que, mais uma vez, a imposição da lei não foi acompanhada da correspondente implementação.

O cumprimento do direito da criança à educação, especialmente no que tange à Educação Infantil e ao primeiro ano do Ensino Fundamental, vai muito além da oferta de vagas, pois pressupõe o atendimento às especificidades de cada idade, por meio de: ambiente, espaço físico e material adequados; proposta pedagógica que respeite os direitos da criança de brincar, se expressar, interagir e aprender. Para tanto, considera-se imprescindível uma formação adequada aos professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, a fim de que estes obtenham clareza sobre seu papel nesse processo de passagem e possam contribuir, significativamente, para a superação dos principais problemas relacionados a essa transição.

Considera-se que, não obstante as iniciativas dos órgãos governamentais, bem como os esforços das instituições e de todos os efetivamente envolvidos nesse processo, existe ainda um longo caminho a ser percorrido na conquista da democratização do acesso à educação, especialmente em se tratando de crianças pertencentes às classes sociais menos favorecidas. Por esse motivo, acredita-se que, além da garantia de acesso, é essencial um sério trabalho a fim de se assegurar condições de permanência e aprendizagem qualificada para todas as crianças de zero a dez anos de idade.

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Recebido: 02 de Janeiro de 2020; Aceito: 06 de Agosto de 2020

SONARA MARIA LOPES DE OLIVEIRA

Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina. Coordenadora Pedagógica na Educação Infantil e Anos Iniciais do ensino fundamental do Colégio Mãe de Deus. E-mail: sonaramaria@hotmail.com

JAQUELINE DELGADO PASCHOAL

Pós Doutora em Educação pela Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho-UNESP. Campus de Assis/SP. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação- Mestrado e Doutorado da Universidade Estadual de Londrina. Docente no curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: jaquelinedelgado@uol.com.br

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