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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versión impresa ISSN 1678-166Xversión On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.36 no.3 Goiânia set./dic 2020  Epub 20-Ene-2021

https://doi.org/10.21573/vol36n32020.102366 

Artigos

A política de inclusão escolar para o aluno surdo na perspectiva do tradutor e intérprete de libras da rede estadual de ensino em Teresina-PI

The school inclusion policy for the deaf student from the perspective of signal language translator and interpreter of the state school system in Teresina-PI

La política de inclusión escolar para el alumno sordo desde la perspectiva del traductor e intérprete libras del sistema escolar estatal en Teresina-PI

ANA CRISTINA ASSUNÇÃO XAVIER FERREIRA1 
http://orcid.org/0000-0002-0303-7808

ANA VALERIA MARQUES FORTES LUSTOSA2 
http://orcid.org/0000-0002-3540-9952

1 Universidade Federal do Maranhão

2 Universidade Federal Do Píauí


Resumo

A inclusão de alunos surdos revela-se desafiadora sob muitos aspectos, particularmente quanto a implementação de políticas públicas voltadas para seu acesso e permanência na escola. Os surdos enfrentam problemas no processo de escolarização, especificamente no que diz respeito a comunicação. Nesse sentido, a garantia de intérpretes no contexto educacional trata-se de um direito que estes têm e que deve ser assegurado. O objetivo desta pesquisa foi investigar, na perspectiva do Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais/ Língua Portuguesa da rede estadual de ensino de Teresina-PI, a implementação da política de inclusão escolar para o aluno surdo. O estudo é de natureza qualitativa, descritivo, tendo como instrumentos o Questionário de Avaliação da Política de Inclusão Escolar e a entrevista semiestruturada. Entre os resultados destacam-se a visão dos participantes de que a política vigente não atende às especificidades e particularidades do surdo, pois ainda que o acesso à escola seja facilitado, a permanência vem sendo inviabilizada por distintos fatores.

Palavras-Chave: Políticas Públicas; Surdez; Tradutor Intérprete de Libras; Educação Inclusiva

Abstract

The inclusion of deaf students has presented itself as a challenge under many aspects, particularly on the implementation of public policies for its access and continuity in school. The deaf people face problems in schooling, particularly regarding communication. In this sense, the guarantee of interpreters in the educational context is a right that they have and that must be guaranteed. The objective of this research was to investigate, from the perspective of the Sign Language translator and interpreter/Portuguese Language of the Teresina-PI state school system, the implementation of the school inclusion policy for the deaf student. The study has qualitative nature, descriptive, having the School Inclusion Policy Evaluation Questionnaire and the semi-structured interview as tools. Among the results, the participants' view stands out that the current policy in force does not meet the specificities and particularities of the deaf, because although access to school is facilitated, permanence has been made impossible by different factors.

Key words: Public Policies; Deafness; Brazilian Sign Language Translator and Interpreter; Inclusive Education

Resumen

La inclusión de estudiantes sordos demuestra ser un desafío de muchas maneras, particularmente con respecto a la implementación de políticas públicas orientadas a su acceso y permanencia en la escuela. Las personas sordas enfrentan problemas en el proceso de escolarización, particularmente en lo que respecta a la comunicación. En este sentido, la garantía de los intérpretes en el contexto educativo es un derecho que tienen y que hay que garantizar. El objetivo de esta investigación fue investigar, desde la perspectiva del Traductor e Intérprete de Lengua de Signos / Lengua Portuguesa del sistema escolar estatal de Teresina-PI, la implementación de la política de inclusión escolar para el alumno sordo. El estudio es de naturaleza cualitativa, descriptiva, utilizando como instrumentos el Cuestionario para la Evaluación de la Política de Inclusión Escolar y la entrevista semiestructurada. Entre los resultados destaca la visión de los participantes de que la política vigente no responde a las especificidades y particularidades de los sordos, pues si bien se facilita el acceso a la escuela, la permanencia se ha hecho imposible por diferentes factores. Además, hay una falta de colaboración con el maestro de clase común.

Palabras-clave: Políticas públicas; Sordera Traductora Libras intérprete; Educación inclusiva

INTRODUÇÃO

A inclusão tem sido muito debatida na atualidade, pois visa garantir o acesso com igualdade a todos os indivíduos em diferentes contextos, incluindo o educacional. Nesse sentido, embora o público alvo da educação especial (PAEE) seja composto por pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, este estudo aborda especificamente a pessoa surda e seu processo de inclusão escolar. Deste modo, pretende-se discutir aspectos que contribuem e/ou impossibilitam a aplicação da política de inclusão para o aluno surdo na perspectiva do tradutor e intérprete de Libras/Língua Portuguesa (TILS/LP) da rede estadual de ensino da cidade de Teresina - PI.

Políticas públicas consistem em ações do estado frente às necessidades da sociedade, assim, visam o bem-estar das pessoas em diversos setores como saúde, segurança, habitação, educação, entre outros (KASSAR, 2013). Essas ações são propostas pelo governo e distintas agências, mas sofrem a influência de vários grupos que as questionam, contestam, criticam ou defendem, evidenciando que o processo em si passa por várias discussões de modo a atender aos distintos interesses, muitas vezes contraditórios.

Já para Höfling (2001, p. 2), as políticas sociais consistem em “ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando à diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico”.

Faz-se necessário diferenciar políticas públicas de governo e de estado, pois as primeiras dizem respeito aos programas idealizados e criados para aquele momento visando o atendimento de uma necessidade exposta pela sociedade, não tendo status de permanência, podendo, inclusive, ser extintas ao término do mandato de um determinado governo, porém, quando esta ação e/ou programa tem relevância significativa, pode tornar-se permanente, sendo adotada em outros governos com ou sem alteração. Neste caso, transforma-se em uma política de estado (BALL, MAGUIRE, BRAUN, 2016).

Considera-se que deve ser assegurada às pessoas com deficiência condições de igualdade e acesso à escolarização, entre outros aspectos. Nesse sentido, não obstante o fato de o país ter uma das legislações mais atuais e completas em termos de direitos, a educação desses indivíduos ainda não está suficientemente garantida. Desse modo, é importante entender o significado de política de inclusão conforme aponta Lopes (2011, p. 9):

Políticas de inclusão podem ser entendidas como manifestações/materialidades da governamentalidade ou da governamentalização do estado moderno. O que tais políticas almejam é atingir o máximo de resultados junto à população que se quer governar ou junto à população que está sob o risco (calculado) da exclusão, a partir de um esforço mínimo de poder.

Quanto aos surdos, considera-se que estes são detentores de expressões culturais próprias da comunidade surda, que se mesclam com a cultura dos ouvintes, de forma complexa e interligada, mas ainda assim, estas devem ser respeitadas (STROBEL, 2013; PERLIN, 1998).

Sobre a implementação de políticas públicas educacionais no Brasil voltadas especificamente para essa parcela da população, destaca-se como essencial a Lei 10.436 de 24 de abril de 2002, a qual reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio de comunicação e expressão. Este fato representa importante conquista para toda a comunidade surda, pois deu visibilidade à língua de sinais, promoveu sua difusão, aumentou o número de profissionais que a dominam, assim como possibilitou sua implantação nos cursos de licenciatura.

Além do uso da Libras no espaço escolar, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) preconiza que a educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis e etapas e se organiza através do atendimento educacional especializado (AEE). Este atendimento refere-se à política por excelência adotada pelo governo. No caso dos surdos organiza-se em três momentos com o ensino em Libras, de Libras e da língua portuguesa.

Reafirmando sua legitimidade, a Libras foi regulamentada em 2005, pelo Decreto nº 5.626, que garantiu significativas mudanças na inclusão do surdo no sistema educacional. Não obstante essa consideração, daquele período até os dias atuais, muito ainda precisa ser feito, considerando o que o decreto determina em seu artigo 22 quanto à organização (BRASIL, 2005, p. 5).

escolas e classes de educação bilíngues, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental;

escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.

Nesse contexto, os conteúdos acadêmicos para a criança surda nas séries iniciais do ensino fundamental devem ser ministrados por meio da Libras, se possível, com professores bilíngues nas distintas modalidades de ensino. O decreto nº 9.665 de 2 de janeiro 2019 criou a Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos (artigo 35), definindo as condições necessárias e ideais para o funcionamento de escolas bilíngues.

A esse respeito, percebe-se que existem pesquisadores que consideram que a Libras também pode ser considerada uma linguagem, já que ela permite uma comunicação entre pessoas (PEGO, 2013), já outros (GESSER, 2009; STROBEL, 2013) afirmam de forma categórica que é uma língua e, por conseguinte, um idioma. Os que são contrários afirmam que nem toda língua é um idioma, nem todo idioma é uma língua, fazendo referência, inclusive, à afirmação constante na lei de Libras sobre a necessidade de o surdo aprender a língua majoritária em sua modalidade escrita. Assim, concorda-se quando se menciona que a Libras é uma língua, pois apresenta uma estrutura gramatical própria, com elementos linguísticos que a sustentam como língua.

Posteriormente, outro relevante instrumento legal é a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que contém determinações explícitas sobre a inclusão, a acessibilidade e a eliminação de barreiras com o objetivo de promover a inclusão de forma efetiva. A LBI (2015) trata também sobre a formação e a disponibilidade do Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais e Língua Portuguesa (TILS/LP), dos guias intérpretes, da oferta do ensino da Libras e dos recursos didáticos e tecnológicos favoráveis ao ensino dos surdos, de modo a promover o desenvolvimento de sua autonomia e participação. Nesta Lei, a formação dos profissionais que devem lidar com os educandos surdos é prevista, contudo constitui sua aplicação não está ocorrendo como deveria.

Sobre a formação dos TILS/LP, a LBI (2015, p. 7), no artigo 28, faz referência aos requisitos exigidos e ao contexto de atuação deste profissional, conforme descrito a seguir:

  1. Os tradutores e intérpretes da Libras atuantes na educação básica devem, no mínimo, possuir ensino médio completo e certificado de proficiência na Libras;

  2. Os tradutores e intérpretes da Libras, quando direcionados à tarefa de interpretar nas salas de aula dos cursos de graduação e pós-graduação, devem possuir nível superior, com habilitação, prioritariamente, em Tradução e Interpretação em Libras.

A formação dos TILS/LP tem sido alvo de discussões e preocupação de vários autores da área, haja vista a carência de cursos nas instituições públicas de ensino superior, pois vários estados não a disponibilizam (QUADROS, 2004; LACERDA, 2012; MARTINS, 2009).

O exercício da profissão do TILS/LP foi oficializado por meio da Lei nº. 12.319/2010, importante conquista para a comunidade surda em geral. Desse modo, este profissional precisa dominar sua língua materna e a Libras, bem como ter fluência, conhecimento cultural e linguístico da Libras. Nesse sentido, Quadros (2004) afirma que só o conhecimento não é suficiente, sendo necessário ter boa fluência e habilidades para interpretar tanto a língua portuguesa quanto a Libras, com respeito e postura ética junto à pessoa surda, aspectos fundamentais para o reconhecimento positivo de seu trabalho.

Reconhece-se que o número de surdos nas escolas é crescente. Nesse sentido, a presença do TILS/LP tem se tornado perceptível e necessária, consistindo em preocupação dos gestores o fato de não dispor de um número elevado de profissionais diante da expressiva demanda existente.

No que diz respeito a prática do TILS/LP no contexto educacional, suas atribuições junto ao aluno surdo devem ser clarificadas, pois a responsabilidade do ensino é do professor (LACERDA, 2012), mas sua parceria com o professor da classe comum é essencial para a aprendizagem do surdo, uma vez que juntos podem planejar as ações a serem desenvolvidas. Além disso, o TILS pode contribuir muito, pois conhece o estudante surdo e sua língua.

Considera-se que o ideal é que o professor conheça a Libras, suas especificidades e particularidades, a fim de organizar melhor sua prática docente em sala de aula, pois como afirma Lacerda (2012, p. 280): “A Libras precisa circular livremente no espaço escolar, e por isso o professor precisa conhecer Libras”.

Nesse sentido, reconhece-se que a formação e atuação do professor de Libras e do TILS/LP são diferentes, uma vez que ao professor cabe a incumbência do ensino de forma sistematizada e significativa, de modo a promover condições igualitárias para os alunos, possibilitando a aprendizagem de todos. O TILS/LP, por outro lado, atuará na mediação da comunicação, de forma consecutiva ou simultânea, entre o surdo - professor, surdo - alunos ouvintes, cabendo a ele respeitar a mensagem original, sem prejuízo do teor.

Contudo, na ausência deste profissional, a comunicação e socialização dos surdos junto aos ouvintes serão prejudicadas, pois as condições linguísticas destes sujeitos devem ser consideradas. A esse respeito, Lacerda (2012, p. 1) reafirma que “na medida em que a condição linguística especial do surdo é respeitada, aumentam as chances de ele se desenvolver e construir novos conhecimentos de maneira satisfatória, em contraponto a uma inclusão escolar sem qualquer cuidado especial”.

Desse modo, entre as dificuldades enfrentadas pelos alunos surdos para permanecer na escola, encontram-se o acesso à língua materna e a qualificação de profissionais para utilizar a Libras.

Em alguns casos, os surdos não conseguem aprender e isto pode estar relacionado a fatores como a ausência de profissionais que dominem a libras (instrutor surdo, professor bilíngue, tradutor e intérprete de Libras), às estratégias de ensino que não fazem uso de materiais visuais e outros recursos pertinentes e à dificuldade em comunicar-se com seus pares e com os professores ouvintes que, na maioria dos casos, também não dominam a língua de sinais.

Desse modo, apesar dos avanços em relação à inclusão do surdo na classe comum, ainda há muito a ser feito para que o processo de aprendizagem dos alunos surdos ocorra em sua plenitude. Esse estudo, portanto, buscou investigar, na perspectiva do Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais, a implementação da política de inclusão escolar para o aluno surdo.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo em questão é de natureza qualitativa, do tipo descritiva. Participaram deste estudo 10 (dez) Tradutores e Intérpretes de Libras/Língua Portuguesa que atuam com surdos na rede pública estadual de ensino de Teresina, selecionados de acordo com os seguintes critérios: 1) possuir domínio da Língua Brasileira de Sinais, com certificação no Programa Nacional de Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras/Língua Portuguesa (PROLIBRAS), curso de Formação em TILS/LP ou técnico em Tradução e Interpretação de Libras na modalidade de educação profissional; 2) possuir no mínimo 2 (dois) anos de atuação como TILS/LP e, 3) estar atuando com aluno surdo no momento da realização da pesquisa.

Como instrumentos de coleta das informações utilizados nesta pesquisa, adotou-se o Questionário de Avaliação da Política de Inclusão Escolar: Tradutor e Intérprete de Libras/Língua Portuguesa (TURETTA; LACERDA; MENDES, 2016), elaborado para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, no ano de 2016. O questionário apresenta 18 (dezoito) páginas e um total de 16 (dezesseis) questões. Aliado a este foi utilizada a entrevista semiestruturada com o objetivo de aprofundar questões do questionário.

RESULTADOS DA PESQUISA

A análise das informações obtidas foi dividida em categorias, de forma a associar os dados obtidos a partir do questionário com aqueles que emergiram das entrevistas realizadas e neste artigo serão abordadas duas destas categorias: o perfil do TILS e a visão da política de inclusão na perspectiva destes. Ressalta-se que os participantes deste estudo assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e foram identificados com pseudônimos com o intuito de resguardar os aspectos éticos da pesquisa e preservar suas identidades (ver Quadro 1).

Quadro 1 – Perfil dos participantes da pesquisa 

PARTICIPANTE IDADE TEMPO DE SERVIÇO ESCOLARIDADE NÍVEL DE TITULAÇÃO NA ÁREA
Bono Vox 20 anos 2 a 3 anos Ensino Médio Capacitação - Formação de TILS/LP- CAS
Emanuelle Laborit 29 anos 4 a 5 anos Pedagogia Capacitação - Formação de TILS/LP - CAS
Gertrude Ederle 42 anos 2 a 3 anos Pedagogia Capacitação - Formação de TILS/LP - CAS
Thomas Alva Edison 30 anos 4 a 5 anos Pedagogia e Letras Libras (cursando) Capacitação - Formação de TILS/LP -CAS
Nyle Di Marco 28 anos 4 a 5 anos Pedagogia e Letras Libras (cursando) Técnico em Tradução e Interpretação de Libras
Ludwing Van Beethoven 24 anos 2 a 3 anos Letras Libras Capacitação - Formação de TILS/LP -CAS
Teresa de Cartagena 24 anos 4 a 5 anos Serviço Social Técnico em Tradução e Interpretação de Libras
Mabel Hubbard 25 anos 4 a 5 anos Letras Libras Técnico em Tradução e Interpretação de Libras
Charlote Elizabeth Ionna 23 anos 3 a 4 anos Pedagogia Técnico em Tradução e Interpretação de Libras, PROLIBRAS
Hellen Keller 24 anos 4 a 5 anos Ensino médio, Letras Libras (cursando) Técnico em Tradução e Interpretação de Libras

Fonte: Elaborado pela autora

PERFIL DOS TILS

O quadro 1 apresenta o detalhamento do perfil dos participantes, de modo que é possível verificar que 60% são do sexo feminino, 50% dos participantes possui graduação em Pedagogia, 30% está cursando o curso de licenciatura em Letras/Libras e apenas 10% apresenta graduação diferente dos demais, no curso de Serviço Social. Contudo, é importante ressaltar que todas as graduações envolvidas são interligadas com a educação e o desenvolvimento de aspectos sociais relacionados à vida dos surdos, fato esse que contribui para sistematizar estratégias eficazes para sua atuação como TILS/LP.

Além disso, percebe-se que os TILS/LP têm um tempo de experiência importante com o aluno surdo, com o mínimo de dois anos e a faixa etária é de 20 a 42 anos, sendo que o Bono Vox é o mais novo e ainda está no ensino médio. Sobre a formação especifica na área de Libras dos participantes deste estudo, 50% apresentam formação técnica em Tradução e Interpretação de Libras, com uma carga horária de 1.200 horas e os outros 50% curso de qualificação oferecido pelo Centro de capacitação de profissionais da Educação e pessoas com Surdez (CAS), com menor duração. Para Lacerda (2012), o nível de qualificação deste profissional é importante e deve ser constante, com o intuito de acompanhar o desenvolvimento da comunidade surda, pois quanto mais esta comunidade se torna ativa na sociedade, mais aumenta o grau de exigência sobre quem atua diretamente com eles, tanto em termos linguísticos quanto sociais. Nesse sentido, este profissional precisa manter-se atualizado, não só em termos dos conteúdos que precisa interpretar, mas nos aspectos culturais, de forma mais ampla.

Sobre a certificação do PROLIBRAS, exame de proficiência somente a TILS/LP Charlote possui a certificação exigida. Acredita-se que a especificidade do exame e o seu nível de complexidade, considerado por muitos como difícil, além do fato de que sua realização foi interrompida no ano de 2015, pode ter contribuído para este número pequeno de certificações.

No quadro 2 é possível observar a situação de trabalho que os entrevistados possuem em sua prática diária, levando em conta o vínculo empregatício, a jornada de trabalho, remuneração e a quantidade de surdos atendidos por profissional.

Quadro 2 – Caracterização do trabalho atual 

PARTICIPANTE VÍNCULO JORNADA Nº DE SURDOS REMUNERAÇÃO
Bono Contrato temporário 20 horas 2 alunos R$ 1.045,00
Emanuelle Contrato temporário 20 horas 5 a 10 alunos R$ 1.045,00
Gertrude Contrato temporário 20 horas 5 a 10 alunos R$ 1.045,00
Thomas Contrato temporário 20 horas 2 alunos R$ 1.045,00
Nyle Contrato temporário 20 horas 2 alunos R$ 1.045,00
Ludwing Contrato temporário 20 horas 1 aluno R$ 1.045,00
Teresa Contrato temporário 20 horas 2 alunos R$ 1.045,00
Mabel Contrato temporário 20 horas 2 alunos R$ 1.045,00
Charlote Contrato temporário 20 horas 1 aluno R$ 1.045,00
Hellen Contrato temporário 20 horas 2 alunos R$ 1.045,00

Fonte: Elaborado pela autora

O quadro 2 evidencia que todos os participantes desta pesquisa atuam em regime de contratação temporária, ou seja, seu vínculo é por tempo determinado e o contrato é por somente um ano, podendo ser renovado por mais um.

Ressalta-se que 30% dos participantes atuam com o ensino médio (Charlote, Ludwing e Thomas), o que exige destes profissionais um nível de interpretação compatível com os conteúdos ministrados, como conhecimento amplo da língua, compreensão das gramáticas da língua portuguesa e de sinais, sendo necessário além da fluência, o conhecimento dos sentidos e significados estruturados linguisticamente (LACERDA, 2012). Os demais atuam no ensino fundamental anos finais.

Ainda a respeito, Lacerda (2012) acrescenta que é esperado do profissional conhecimentos específicos e relacionados à área pedagógica, assim como acerca da aprendizagem bilíngue para que sua interpretação vá ao encontro do nível de exigência e das possibilidades dos alunos surdos atendidos. Deve-se observar também o nível linguístico dos educandos, que muitas vezes, apresentam um domínio incipiente da língua. Nesse sentido, Santos (2014, p. 77) afirma que o profissional deve “se apropriar dos muitos conhecimentos em circulação, com um domínio adequado dos conteúdos básicos, bem como noções sobre as terminologias específicas em cada etapa de ensino em que atua, de forma a realizar um tradução efetiva”.

Evidencia-se também que somente dois TILS, Emanuelle e Gertrude, atendem entre 5 e 10 alunos, pois a maioria trabalha com no máximo 2 alunos. Todos recebem o salário mínimo vigente no valor de R$ 1.045,00.

A VISÃO DOS TILS ACERCA DA POLÍTICA DE INCLUSÃO

A partir das entrevistas realizadas foi possível identificar que todos os TILS enfatizam que a atual política vigente não atende às especificidades e particularidades do surdo. O ambiente inclusivo deve ser oferecido a este sujeito que faz uso de uma língua diferente e esse ambiente precisa valorizar todos, focando não apenas na deficiência, mas sim nas potencialidades que cada um apresenta, a seguir, vejamos o que relataram os participantes.

[...] A política está muito atrasada, ainda não está ao nível da inclusão, creio que ainda falta muito (CHARLOTTE ELIZABETH IONNA).

[...] Tem a inclusão, só que eu acredito que é uma falsa inclusão, que só o TILS está dentro da escola. [...] eu acredito que a inclusão aconteceria se realmente, todos os professores soubessem Libras e os outros alunos ouvintes, então eu acho que é um pouco difícil à permanência na escola, por que isso fica só nas costas do TILS, essa responsabilidade (BONO VOX).

[...] Eu avalio de uma forma, que deixa ainda a desejar, por conta da necessidade do surdo, a gente por mais que tenha seletivos, concursos, ainda está muito aquém de suas necessidades, ainda não está correspondendo às necessidades deste aluno (GERTRUDE EDERLE).

[...] A política de acesso ela existe sim, por isso, que os surdos e os DA estão entrando na escola, mas agora a política de permanência, ela que está falhando. [...] eu avalio que a política de ingresso está acontecendo sim, e se tivermos fé, vai continuar aumentando, mas a de permanência é que está o erro e a falha (THOMAS ALVA EDISON).

A concepção a respeito da política escolar de inclusão do aluno surdo apontada pelos TILS demonstra que o acesso vem ocorrendo conforme preconizado nos documentos legais, advindos da CF/88 que garante direito a educação para todos, sem nenhuma forma discriminatória ou de preconceito, como afirma a Declaração de Salamanca (1994).

A Política Nacional de Educação Especial mostra a possibilidade de inserção destes educandos no contexto regular. Outros documentos deram suporte a essa necessidade de acesso e permanência deles, contudo as condições de permanência que vão além da inserção do TILS apresentam falhas, tendo como agravante o crescente número de surdos iletrados (DUTRA, 2018). Assim, destaca-se que os documentos por si só não estão assegurando uma política de qualidade. Percebe-se que os TILS querem que o que preconizam os documentos norteadores de fato se concretizem, que a situação do surdo seja compreendida, discutida e que intervenções efetivas sejam realizadas.

É possível constatar que houve aumento significativo no número de surdos matriculados no Brasil e, particularmente, em Teresina, capital do Piauí, na qual este número tem sido expressivo, com muitos deles matriculados em escolas estaduais, mas a assiduidade tem sido pouca, o atendimento tem apresentado falhas e uma delas é a ausência de professor da língua portuguesa, conforme preconiza o Atendimento Educacional Especializado para surdos. Estas lacunas comprometem a aprendizagem do surdo, por conseguinte, a atividade do TILS em sala, pois muitos apresentam dificuldades na língua portuguesa e nas práticas de ensino adotadas pelos professores. Nesse sentido, a compreensão da sinalização é mais difícil. Faz-se necessário que o professor estimule o educando surdo a partir da adoção de materiais visuais atrativos que o envolvam e despertem seu interesse em aprender a ler e escrever em português.

[...] Eu avalio como regular, a Lei até que é cumprida, só que eu acho que as escolas, principalmente a direção, devia ser um pouco mais flexível e olhar um pouco mais para classe minoritária (BONO).

O participante acredita que a equipe gestora não expressa envolvimento com os surdos, tampouco com o TILS, assim as especificidades dele não são asseguradas, pois fica difícil sem o apoio da gestão. Para estes profissionais muitos problemas poderiam ser amenizados se todos se envolvessem com a inclusão do surdo, principalmente, se a gestão valorizasse mais a participação dos TILS nas reuniões escolares e incentivasse sua participação na realização de planejamento do professor. Sobre este aspecto, Santos (2014) complementa que é importante que o professor compreenda as necessidades dos TILS. A gestão poderia também promover cursos de Libras para os integrantes da escola e familiares, o que facilitaria a vida dos surdos sob todos os aspectos.

Sendo assim, corroborando os estudos realizados por Lacerda (2012) e Megale (2005), considera-se que quando a comunidade acadêmica se envolve com a inclusão, de forma coletiva e discute as dificuldades, as ações são planejadas de maneira mais eficaz e as metas previstas alcançadas. As categorias a seguir apontam as dificuldades enfrentadas pelos participantes no que diz respeito à inclusão dos alunos surdos.

DIFICULDADES NA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE INCLUSÃO NA PERSPECTIVA DOS TILS

Entre as dificuldades enfrentadas por esses profissionais, destacam-se aquelas referentes a falta de material didático de apoio, desconhecimento da Libras pelos surdos, falta de apoio dos profissionais da instituição, ausência de profissional de apoio para pausas na interpretação, dificuldades e falta de incentivo para continuidade dos estudos e a não participação destes nos planejamentos dos professores. Com base nas entrevistas dos participantes, apresentam-se as subcategorias.

Quadro 3 – Dificuldades na implementação das políticas públicas de inclusão para o aluno surdo 

SUBCATEGORIA TILS FREQUÊNCIA
Permanência dificultada por falta de material didático diferenciado Mabel Hubbard, Charlote Elizabeth Ionna e Nyle Di Marco 3
Desconhecimento da Língua tanto pelos professores quanto alunos como impedimento para a permanência Ludwing Van Beethoven 1
Ausência de apoio dos profissionais Charlote Elizabeth Ionna 1
Dificuldades dos TILS para dar continuidade a formação continuada Thomas Alva Edison, Nyle Di Marco 2
Ausência na participação do planejamento curricular específico para Surdo Mabel Hubbard, Bono Vox, Thomas Alva Edison 3
Ausência de participação nas reuniões escolares Thomas Alva Edison 1

Fonte: Informações da pesquisa

PERMANÊNCIA DIFICULTADA POR FALTA DE MATERIAL DIDÁTICO DIFERENCIADO

Uma dificuldade apontada por estes profissionais que se relaciona com sua permanência na rede regular de ensino está associada à ausência de materiais didáticos diferenciados. Muitos professores e demais membros da instituição não atentam para o fato de que as imagens podem favorecer a aprendizagem. Os participantes argumentam que as aulas ministradas expõem muito conteúdo em forma de longos textos, sem uma imagem que a este se relacione, sem um encadeamento lógico para uma maior compreensão por parte do surdo, dentre outros aspectos.

Em se tratando dos materiais didáticos, os TILS consideram que a flexibilização curricular não acontece, nem tampouco percebem por parte dos professores tentativas no sentido de alterar esse estado de coisas, pois todo o ensino é focado nos ouvintes. É sobre este aspecto que aponta o TILS/LP Mabel:

[...] Na sala de aula, tudo é voltado para o aluno ouvinte, então os livros, as aulas teóricas, as práticas tudo têm foco no ouvinte, em relação ao surdo não tem, então tem que fazer essa adaptação do material para o aluno surdo, para que ele possa participar e isso realmente é muito complicado.

Diante deste desafio, os TILS/LP precisam de estratégias rápidas para facilitar a compreensão do conteúdo por parte dos surdos, pois sua língua é visual, logo, os recursos visuais são necessários e as flexibilizações são importantes, contudo, não são adotadas. Nesse sentido, Lacerda e Santos (2016), informam que os conteúdos que constam nos materiais didáticos precisam ser explicados utilizando todos os recursos visuais disponíveis que a língua dispõe. É pertinente ressaltar que, devido as dificuldades associadas à ausência de recursos didáticos, todos afirmaram que o celular tem sido forte aliado de sua prática, pois em muitos momentos este é utilizado para explorar imagens ou mesmo sanar dúvidas sobre determinado assunto. No entanto, o seu uso na sala de aula nem sempre é bem compreendido pelos professores e a gestão, como é possível notar nas falas a seguir.

[...] uso celular para pesquisas, exemplo àquela palavra que ela não entende, mostro conceito e a imagem. [...] na verdade alguns professores não gostam, preciso explicar, por que estou olhando o celular, explico a importância da imagem. Têm professores que são bem flexíveis (NYLE DI MARCO).

[...] O que mais utilizo é o celular, às vezes é até um problema por que a escola não aceita na sala de aula (CHARLOTTE ELIZABET IONNA).

Em se tratando do uso deste recurso, é importante que a equipe escolar compreenda sua relevância como instrumento capaz de favorecer a aprendizagem do surdo e facilitar a atuação do TILS, pois trata-se de um recurso que pode ser considerado, no caso dos surdos, como um tipo de tecnologia no cotidiano escolar, em razão dos infinitas possibilidades que permite no que diz respeito aos aspectos visuais.

DESCONHECIMENTO DA LÍNGUA TANTO PELOS PROFESSORES QUANTO ALUNOS COMO IMPEDIMENTO PARA A PERMANÊNCIA

Devido ao acesso tardio à Libras por parte da maioria dos surdos, o ingresso deles nas escolas regulares sem fluência na própria língua tem sido algo comum. Nesse sentido, são inevitáveis as dificuldades apresentadas na compreensão dos conteúdos escolares que são abordados em língua portuguesa e interpretados pelo TILS/LP. Sobre isso, Ludwing afirma que:

[...] surdos não conhecem a Língua Brasileira de Sinais [...] eles ficam sozinhos na escola, às vezes não têm acesso aos materiais, às metodologias que são bem difíceis para tratar o surdo e educar o surdo, de maneira igualitária como os outros alunos também.

Essa é uma realidade que vem sendo presenciada por muitos TILS/LP, pois a maioria quando começa suas atividades na escola, acredita que encontrará um surdo fluente e que procederá com a interpretação utilizando a Libras, porém, ao se deparar com a realidade, a angústia é inevitável, pois como ele usará sinais se o surdo não conhece a língua? Portanto, muitos são os desafios, mas esse é considerado um dos mais significativos, pois impacta na permanência do surdo na escola.

Para que a inclusão seja efetiva para este aluno, ações precisam ser empreendidas com o intuito de que ele aprenda sua língua e use-a no espaço escolar. Para Lacerda (2012), a Libras é fundamental e necessária para o estabelecimento de uma comunicação com os demais alunos, por isso se o surdo apresenta pouco conhecimento, a escola pode criar meios para que este aluno se desenvolva, como propiciar cursos de Libras na escola para todos.

AUSÊNCIA DE APOIO DE PROFISSIONAIS

Muitos profissionais vislumbram um ambiente acolhedor, trabalho em equipe eficaz, decisões tomadas coletivamente e outras coisas que podem favorecer a prática diária nas instituições. Porém, ao se deparar com situações adversas, as dificuldades mostram-se maiores e os impactos são notórios no dia a dia. Charlote comenta sobre isso:

[...] Eu tinha muito em mente, aquela coisa bonita da inclusão, quando eu chegasse na escola ia ser tudo acessível, que eu iria ter aquele apoio dos profissionais, dos professores das demais disciplinas, só que eu pude ver que não é assim, que se não for pela gente mesmo, TILS, ir e correr atrás, não.

Analisando o depoimento desta profissional, verifica-se que a falta de apoio é algo que impacta seu desenvolvimento enquanto TILS/LP. A desmotivação pode causar danos não somente a ela, enquanto profissional, mas aos alunos que atende e a solução para isso pode vir de uma gestão que perceba isso e de imediato comece a intervir, buscando envolver este profissional nas atividades da escola, promovendo a interação com os demais, dando a ele poder de voz, assim como analise as soluções que ele sugerir, pois só assim, a prática será mais adequada. Dorziat e Araújo (2012), reforçam que a atuação do TILS/LP deve contar com o apoio do professor, pois estes precisam atuar em parceria, envolverem-se no processo como um todo.

Uma estratégia que pode ser adotada pela gestão que pode favorecer esse comportamento de compartilhar é envolvê-los nos encontros escolares, solicitar que apontem suas dificuldades e as necessidades inerentes ao seu trabalho, de modo a sensibilizar os demais membros e mostrar que estes estão dispostos a colaborar, uma vez que sozinhos não alcançarão bons resultados. O profissional pode aproveitar esses momentos para compartilhar algumas peculiaridades da língua e, por conseguinte, aproximar os surdos dos demais membros da escola.

DIFICULDADES DOS TILS PARA DAR CONTINUIDADE A FORMAÇÃO CONTINUADA

A formação continuada é importante e necessária para o TILS/LP e, de acordo com Nóvoa (2001) e Quadros (2006), o desejo de aprender deve ser constante, pois estar atualizado é fundamental para qualquer profissional. Assim, para que a atuação do TILS/LP seja significativa, ele precisa acompanhar as mudanças e inovações na Libras, já que se trata de uma língua viva. A escola deve incentivar a formação continuada destes profissionais, visando uma prática mais efetiva. Sobre isso, os participantes relataram que

[....] Não me dá condições, a gente não tem tempo de fazer uma formação continuada. Quando fazemos, esse interesse parte de nós mesmos (NYLE)

[...] Não, a escola nunca deu condição, quando tem algum evento ou atividade dos intérpretes, que a gente quer participar, a resposta é a mesma diz que tem poucos profissionais e por causa disso não pode dispensar (THOMAS)

Pelo relato dos entrevistados ficou evidente que a formação continuada destes profissionais não é articulada e nem incentivada pela escola e a iniciativa parte deles mesmos. Na verdade, reconhece-se que este é um problema que afeta a escola pública brasileira e seus professores, não consistindo em um problema específico desse profissional. Essa formação tem sido buscada pelos professores como um todo que, geralmente, arcam com todos os custos.

AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO NO PLANEJAMENTO CURRICULAR ESPECÍFICO PARA O SURDO

O planejamento é um procedimento importante na prática docente, pois norteia ações e metas a serem atingidas. Para o professor, é um dos principais instrumentos para a realização das suas atividades. Considera-se, contudo, que quando se trata do planejamento curricular, este deveria ser feito de forma coletiva, envolvendo os que constituem a escola, para que as decisões sejam eficazes. É o caso dos TILS, pois são eles que conhecem o surdo, suas necessidades, sua identidade e os aspectos culturais relevantes e podem colaborar com os docentes para sua aprendizagem efetiva. Para Lodi, Harrison, Campos e Teske (2013), por possuir amplo conhecimento acerca da surdez, a participação do TILS é necessária, para a escola que quer ser inclusiva.

[....] Não contempla, porque ele visa sempre a maioria, o interesse pelo aluno surdo é mínimo, só acontece quando ele é lembrado, se não ele não é lembrado (THOMAS ALVA EDISON).

[...] Não de jeito nenhum, tudo é voltado para ensinar os ouvintes, os surdos estão ali, o TILS que se vire, é como se o professor pensasse que o papel do TILS é fazer o surdo aprender, e esse é papel do professor, a gente é só para passar mensagem (BONO).

AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO NAS REUNIÕES ESCOLARES

Por conhecer as necessidades do surdo, compreender a sua cultura e identificar as diferentes identidades, este profissional pode indicar estratégias mais eficazes para o desenvolvimento do surdo. Nesse sentido, além de ser importante sua participação no planejamento docente, o seu envolvimento nas reuniões escolares é necessário, pois poderá opinar sobre a permanência do aluno na escola.

[...] participo, por ser penetra, um substituto e ainda TILS, o que a gente fala não é muito considerado. Tanto em reuniões ou em conversas com professores (THOMAS).

Percebe-se que o TILS se sente incomodado por não ter esse envolvimento assegurado. Para Quadros (2004), quando a escola recebe o TILS deve se preocupar em garantir sua interação com o professor, visando um processo de aprendizagem verdadeiro para o aluno surdo, dando suporte e, se necessário, intervindo quando necessário. Na verdade, compreende-se que toda a equipe escolar precisa estar envolvida, pois o TILS/LP é um profissional que pode auxiliar na aprendizagem do surdo e na comunicação deste com os membros da comunidade escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inclusão do PAEE no sistema regular de ensino ainda sofre grande resistência por parte da comunidade escolar por mais que existam documentos legais que favoreçam este público. Essa resistência é notada no cotidiano desses alunos e da equipe que lida diretamente com este público. O modelo de inclusão surgiu com o intuito de romper as dificuldades que este público, mesmo inserido na escola, encontrava. No entanto, isso tem acontecido lentamente.

No que diz respeito ao perfil dos TILS/LP pesquisados, verificou-se que 90% deles possui formação superior e todos estão qualificados para interpretar em Libras. Este fato favorece o atendimento com excelência aos surdos, contudo, um entrave que dificulta muito essa prática é a falta de conhecimento da Libras pelos próprios surdos e pelos gestores da escola. Nesse sentido, estas dificuldades impactam diretamente na aprendizagem desses educandos.

Conclui-se que há necessidade de investimento não só na formação continuada do TILS/LP, mas também dos gestores e professores quanto ao conhecimento da língua, mesmo que minimamente, pois desse modo estes últimos podem vir a compreender as necessidades desse alunado. De igual modo, é relevante ressaltar a urgência de que estes profissionais se sintam parte da equipe escolar, com poder de auxiliar nas decisões a serem tomadas e nas estratégias direcionadas aos surdos.

Diante das dificuldades enfrentadas, merece destaque o fato de que os TILS/LP utilizam inúmeras estratégias a fim de facilitar a compreensão do surdo, muitas delas sem o apoio da comunidade escolar. Foi interessante constatar que o celular é um grande aliado neste processo, pois esses profissionais o utilizam para solucionar muitos problemas que se apresentam no processo de escolarização dos surdos.

A Libras precisa fazer parte da rotina escolar, portanto, a escola precisa traçar estratégias para estender o seu conhecimento para os familiares dos surdos. Neste contexto, para que a inclusão do surdo seja efetiva, não basta apenas colocar o TILS/LP na sala de aula, ainda que este seja indispensável, pois só a sua inserção não fará a política funcionar. Acredita-se que se faz necessário mais investimento por parte dos governantes para que as políticas existentes se efetivem e garantam ao surdo uma aprendizagem significativa. Além disso, outras políticas são necessárias, a exemplo, da regulamentação da Lei 12.319/2010, pois a aprovação deste documento poderá estimular novos pesquisadores a estudar esse rico universo.

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Recebido: 26 de Abril de 2020; Aceito: 30 de Setembro de 2020

ANA CRISTINA ASSUNÇÃO XAVIER FERREIRA

Professora de Libras e disciplinas pedagógicas da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, campus Grajaú. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí - UFPI. Pedagoga, Especialista em Língua Brasileira de Sinais - Libras. E-mail: crispedagoga2016@gmail.com

ANA VALERIA MARQUES FORTES LUSTOSA

Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (2004) e com Pós-doutorado em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Atualmente é Professora Titular da Universidade Federal do Piauí. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Educação Especial e Inclusiva - NEESPI. E-mail: avfortes@gmail.com

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