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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

Print version ISSN 1678-166XOn-line version ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.37 no.2 Goiânia May/Aug 2021  Epub Mar 31, 2022

https://doi.org/10.21573/vol37n22021.117851 

EDITORIAL

EDITORIAL

1Universidade Federal do Espírito Santos, UFES Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional em Educação Vitória, ES, Brasil

2Universidade de São Paulo, USP Programa de Pós-graduação em Educação São Paulo, SP, Brasil

3Universidade Católica de Petrópolis, UCP Programa de Pós-graduação em Educação Petrópolis, RJ, Brasil

4Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ Faculdade de Educação Rio de Janeiro, RJ, Brasil


Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais. ( FREIRE, 1987 , p. 108-109)

A gestão educacional exige que princípios, objetivos, processos e instrumentos utilizados em sua efetivação sejam coerentes com as opções políticas que designam os contornos da sociedade que se pretende construir com a contribuição da educação. É neste sentido que discutir a perspectiva freireana quanto à gestão educacional requer considerar os princípios basilares da Pedagogia do Oprimido: “aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens e povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade.” ( FREIRE, 1987 , p. 32)1 . A educação posta a serviço da libertação já designa as repercussões para a escola, que será, também ela, instrumento de luta na transformação da realidade opressora.

A afirmação freireana de que a “educação é um ato político.” indica, desde logo, implicações de sua obra com a gestão e com a política educacional. Também, expressa ideia e concepção de educação diretamente envolvida com a organização da vida coletiva, que se contrapõe a qualquer proposta embasada em valores individualistas. Uma educação humanista e humanizadora que se ocupa da “formação técnica e científica do educando”, mas não descuida da “desocultação das verdades” e, por isso, se opõe à visão presente “no discurso neoliberal da educação, que é um discurso ocultador, que é um discurso que se diz pragmático e que, por isso mesmo, não ultrapassa o puro treino técnico que não discute a razão de ser do próprio treino.” ( FREIRE, 1996 )2 .

Recuperar essas ideias freireanas, debatê-las, submetê-las à crítica e, possivelmente, recriá-las se torna ainda mais importante neste momento histórico “regressivo” em que a política educacional gestada a partir do Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação investe em perspectivas como a pedagogia das competências e propõe diretrizes para a formação de gestores que, subsidiárias das ideias neoliberais, valorizam fortemente o aspecto técnico. Freire (1996) , pouco antes de morrer, numa lúcida entrevista dada a revista “Dois Pontos” já nos alertava: “essa onda neoliberal é um dos riscos trágicos que a gente sofre hoje”.

A decisão da editoria da Revista Brasileira de Política e Administração da Educação de organizar um dossiê pautando a face gestora de Paulo Freire se revela da máxima relevância porque em 2021 se comemora o centenário de seu nascimento. Também suas experiências como gestor e as reflexões que empreendeu sobre política e gestão são fundamentais e merecem ser analisadas e relembradas. E defender o legado freireano é, hoje, lugar da resistência de muitos/ as defensores/as da gestão democrática e lutadores/as por políticas educacionais inclusivas que se opõem a “malvadez neoliberal”; e constitui oportunidade de congregar pesquisadores/as cuja reflexão e prática tem se prestado a recriar a obra freireana e a criar, a partir dela, perspectivas de política e gestão da educação que valem a pena colocar à discussão dos/as leitores/as da RBPAE. Assim, o dossiê que ora apresentamos a leitura, análise e debate de todos/as, foca a gestão educacional na obra de Freire. Além de nos determos sobre as contribuições das experiências gestoras de Freire e as orientadas por ele, este dossiê se apresenta também como espaço crítico de recriação da teoria freireana.

Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira (Lei nº 12.612/2012), faz suas primeiras incursões pela gestão educacional no período em que foi diretor da divisão de educação do Sesi (Serviço Social da Indústria) em Pernambuco, seu estado natal. Ocupou este cargo no período 1946-1956 e foi nessa prática como gestor de uma rede de escolas primárias que, afirma Freire, aprendeu a conhecer a linguagem popular e, com isso, superar práticas de “falar para” passando a “falar com” o povo, especialmente com pais/mães pescadores/as cujos filhos eram atendidos nos projetos educacionais e escolas do Sesi. Também foi lá que se iniciou em outro processo constitutivo da tarefa gestora: a formação permanente de educadores/as. O diálogo era promovido em “círculos de pais e professores” nos quais a escola e as famílias trocavam impressões, experiências e discutiam “como melhorar a prática docente na escola e a prática pedagógica na família.”. Uma das pautas desses círculos foi o castigo físico aplicado às crianças, especialmente pelas famílias3 .

Ao conceber que a educação se efetiva entre sujeitos e que cada pessoa tem certo conhecimento indica que na escola todos educam e são educados. Educadores/as são: o/a porteiro/a, o/a coordenador/a pedagógico/a, o/a professor/a, o/a diretor/a, o/a secretário/a, o/a cantineiro/a etc. Educar e ser educado é possível quando todos/as assumem o diálogo como “encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanização de todos.” ( FREIRE, 1988 p. 43)4 .

Essas aprendizagens, especialmente da linguagem do povo, foram fundamentais para suas experiências seguintes, tanto na participação do processo de concepção e efetivação do Movimento de Cultura Popular (MCP) durante o governo de Miguel Arraes na prefeitura do Recife, quanto na criação do Serviço de Extensão Cultural na Universidade de Pernambuco. A gestão do Programa Nacional de Alfabetização e de programas de formação de educadores/as em diversos países do mundo também corroboram a face gestora da ação educativa de Freire. Entretanto, sua experiência gestora mais emblemática foi, sem dúvida, como secretário de educação da cidade de São Paulo.

Convidado por Luiza Erundina, então no Partido dos Trabalhadores – PT, Freire monta uma equipe que o ajuda a construir, a partir de sua base teórica, uma proposta educacional a fim de “mudar a cara da escola” e também das estruturas da secretaria da educação da maior cidade da América do Sul: São Paulo. Essa experiência, da qual alguns de nós tivemos a honra de participar compondo a equipe de Freire, já foi bastante estudada sobre vários aspectos e também sobre o aspecto da gestão local, microrregional, regional e municipal, ou seja, a partir do âmbito da escola, de agrupamentos de escolas e outros equipamentos sociais, de regionais de educação e subprefeituras, da secretaria da educação e seus órgãos intermediários e do posicionamento da educação no contexto das demais políticas sociais e do próprio governo municipal. Entretanto, esse momento de comemoração do centenário de nascimento de Paulo Freire se caracteriza como excelente oportunidade para empreender análise crítica das experiências e das produções delas decorrentes, como também possibilita a construção de sínteses criativas que poderão lançar bases para ações futuras.

Importante não esquecer que Freire também escreveu sobre gestão educacional desde os documentos internos e de uso restrito do Sesi, passando pela proposta para a organização da gestão universitária (“A propósito de uma Gestão”) até os documentos internos à Secretaria de Educação e os livros Educação na Cidade, Política e Educação, Pedagogia do Oprimido, Cartas à Cristina e à Guiné-Bissau, dentre os 23 escritos exclusivamente por ele.

Evidenciar e face do Paulo Freire gestor é nosso intuito neste dossiê e, assim, agradecemos a todos/as que decidiram apresentar suas reflexões e acúmulos teórico-práticos em torno desta questão e submeteram seus trabalhos à Revista. Foram 62 submissões que muito nos honram tanto pelo interesse na temática quanto pelo reconhecimento da RBPAE como veículo capaz de absorver e publicizar tais discussões. No entanto, como era impossível contemplar todos os artigos foram selecionados 17 pela diversidade de temas e abordagens originais que continham.

As discussões enfocaram a gestão sob vários ângulos e dimensões teóricas e práticas da obra freireana. Há quem tenha compartilhado com Freire a experiência gestora na Secretaria de Educação da cidade de São Paulo entre os anos de 1989 e 1991 e continuado na equipe até o término do período em 1992. Além dos organizadores deste dossiê identificamos os/as professores/as Ana Maria Saul, Sonia Kruppa, Silvia Telles, Célia Giglio, Marcos Mendonça, todos/as participantes de um processo coletivo em que se construiu o próprio Plano de Governo para a educação com as contribuições de educadores/as, pais/ mães, técnicos da secretaria de educação e movimentos populares. Sobre esta opção política ficou explicitado no documento inicial daquela administração: “De nada adiantaria um plano de governo elaborado apenas em gabinete, excluindo a presença ativa e deliberativa dos que o executam ( SÃO PAULO, MUNICÍPIO, 1989 , p. 9)5 .”.

Neste dossiê, os/as leitores/as encontrarão na sua abertura, uma entrevista com Nita Freire em que a mesma discorre sobre o Paulo Freire gestor a partir de um ângulo mais pessoal de convivência com o mestre. Apresenta elementos de sua intimidade criativa revelando opções, dúvidas, angústias, raivas, esperanças que compuseram esta face e experiência como gestor.

Em sequência, os quatro primeiros artigos versam diretamente sobre a gestão de Paulo Freire na Secretaria de Educação do Município de São Paulo. São eles: “A Política e a Prática da Gestão do Currículo em São Paulo: ensinamentos de Paulo Freire à frente da Secretaria Municipal de Educação (1989-1991)” escrito por Ana Maria Saul, Alexandre Saul e Fernanda Quatorze Voltas, e onde discutem “a gestão do currículo na administração Freire, destacando princípios que permearam ações concretas para ‘mudar a cara da escola’”. Depois de discutirem programas e projetos que, colocados em prática materializaram a reorientação curricular empreendida concluem que a política e a prática curricular, na perspectiva freireana, constituem instrumental importante para compreender e superar desafios atuais.

No segundo artigo, “Política Curricular na Gestão Freireana em São Paulo: diálogo com Ana Maria Saul”, a professora Inês Barbosa Oliveira retoma a questão do currículo e a discute a partir de entrevista realizada com a gestora responsável pela política curricular na gestão freireana entre 1989 e 1992 em São Paulo. O enfoque narrativo centra-se nos temas “educação democrática” “diálogos universidade-escola” e “cotidianos e suas narrativas”. Esses aspectos são analisados em relação com os conceitos freireanos de “humanização” e “diálogo” e, ainda se destaca no texto, a questão do “compromisso político do educador”. A autora finaliza o texto com “uma reflexão sobre a utopia freireana em oposição à distopia atual.”.

O terceiro artigo “Paulo Freire e o Consenso Progressivo na Gestão da Educação em São Paulo: a cunha e o formão” escrito por Celia Benedicto Giglio e Marcos Mendonça apresenta uma perspectiva da política educacional sendo gestada e gerida no âmbito regional, no Núcleo de Ação Educativa – NAE- 10, localizado em São Miguel Paulista. No texto, se apresenta análise onde se pautam as “estruturas de gestão desenvolvidas para fazer dialogar: o local e o central”, assim como práticas de construção do que se designa no texto como “consenso progressivo nesses níveis de governo”. Por fim apresentam balanço das apropriações que se consolidaram e, ainda hoje, fazem parte das práticas educativas das escolas daquela região, o que reforça a perspectiva da atualidade do pensamento de Paulo Freire.

O último artigo deste conjunto, “Paulo Freire: gestão democrática em três formações” discute um aspecto específico daquela experiência e algumas de suas repercussões em outros lugares institucionais. As professoras Sonia Kruppa e Silvia Teles, em parceria com a professora Aline Aparecida Ângelo, apresentam reflexão sobre a formação de educadores no contexto da educação popular e da extensão universitária. Os relatos “anunciam elementos para políticas alternativas e novas formas de organização da educação” discorrendo sobre os processos formativos efetivados no MOVA-SP (Movimento de Alfabetização), na Licenciatura em Educação do Campo e no Núcleo de Avaliação Institucional da Faculdade de Educação da USP. As autoras concluem que as experiências se caracterizam como “possibilidades contra-hegemônicas às propostas conservadoras de conceber e fazer a gestão do trabalho pedagógico”.

O segundo grupo de artigos foca reflexões e análises que abordam conceitualmente a questão da gestão e da política a partir da obra freireana. O esforço teórico-prático dos/as autores/as coloca em evidência as opções e a coerência ética e política de Paulo Freire no desenvolvimento de sua obra. Assim, em suas produções trazem reflexões e práticas que se constituem em importantes referências para a práxis criativa e de resistência a estes tempos regressivos de direitos trabalhistas e sociais que gestores/as e dirigentes veem empreendendo.

Já no primeiro artigo deste conjunto, “Paulo Freire e a Gestão Democrática como Política Educacional: oposições ao neoliberalismo” produzido pela professora Daianny Madalena Costa e pelo professor Fernando Paulo, tem-se a pontuação da perspectiva freireana como lume ao combate ao neoliberalismo. Neste “aponta-se para a necessidade de radicalizar a democracia, reinventando-a e desconstruindo o discurso e práticas autoritárias, presentes no projeto de educação neoliberal e mercadológica” e mostram como o conjunto de contribuições teóricas e práticas de Paulo Freire podem ser decisivos ao processo. Concluem que é necessário se avançar na construção de processos participativos e dialógicos.

Após esse debate e, de certa forma, complementando a perspectiva temos o artigo “Paulo Freire e a Política Educacional atual: possibilidades e perspectivas contra-hegemônicas em defesa da educação e da vida” produzido pelas professoras Lucília Augusto Lino e Maria da Conceição Calmon Arruda. As autoras procuram articular criticamente, a partir de obras freireanas, as categorias “conscientização e compromisso, com a construção de alternativas de intervenção, no cenário atual de desmonte e retrocesso, em perspectiva contra-hegemônica e emancipadora.”. Concluem que a perspectiva emancipatória freireana permanece atual como elemento decisivo para a educação pública em favor da democracia e da vida.

Na sequência é apresentado o artigo de autoria do professor Leonardo Carvalho de Souza e das professoras Samira Krupek Donaire e Sandra Garcia Neves intitulado “Gestão Educacional em Paulo Freire: educação política e democrática”. Nele, os/as autores/as discutem, com foco nas relações entre a educação política e democrática, a participação das instâncias colegiadas e o processo de ensino e aprendizagem. As análises concluem que a obra freireana oferece aportes teóricos e metodológicos suficientes para o desenvolvimento de todo o processo educacional, incluindo aí a gestão.

Em seguida, no artigo “Gestão democrática da escola: mais Freire, nunca menos”, o professor Valdo Hermes Barcelos e a professora Maria Aparecida Azzolin discutem “elementos epistemológicos” da obra freireana que podem contribuir para a elevação do patamar participativo e de relações democráticas no interior da escola mostrando a adequação daqueles elementos para a resistência democrática.

Num terceiro grupo de artigos temos variados temas e enfoques buscando aproximações de produções teóricas e temas atuais com a perspectiva freireana. Temas como ensino remoto, educação de jovens e adultos, círculos de cultura, militarização de escolas e educação profissional são tratados ao lado de outros que discutem pesquisas e a presença de Paulo Freire em trabalhos científicos bem como em processos de construção de políticas educacionais em municípios.

O artigo “Desafios da Práxis Freireana em Tempos de Pandemia: ensino remoto e gestão educacional no Proeja” produzido pelas professoras Edna Castro de Oliveira, Maria José de Resende Ferreira, Patrícia Helmer Falcão e pelo professor Aldo Rezende revisita o pensamento e práxis de Paulo Freire em suas relações com o momento presente para pensar os desafios da gestão educacional, em especial, na adoção do ensino remoto no Proeja, em virtude da pandemia de Covid-19, mostrando suas possibilidades e limitações.

Em seguida o artigo “Militarização das Escolas Públicas: reflexões à luz da concepção freireana de gestão democrática da educação”, das professoras Miriam Fábia Alves, Lívia Cristina Ribeiro dos Reis, discute um dos programas prioritários do Governo Bolsonaro. A conclusão das autoras indica que o processo de militarização das escolas cria dificuldades para a gestão escolar democrática por “ferir a autonomia pedagógica, expropriar espaços de atuação docente e processos de ensino e aprendizagem, bem como descaracterizar a escola pública como espaço de ser mais , ou seja, como lócus de formação humana crítica, libertadora, inclusiva e emancipatória.”.

No artigo seguinte, “Paulo Freire e a Gestão Democrática: aproximações epistemológicas e formativas”, o professor Rodrigo Soares Guimarães Rodrigues e a professora Luana Rosa de Araújo Silva se propõem a realizar discussão teórica sobre a gestão educacional na obra freireana. No texto, identificam elementos convergentes entre a obra freireana e a perspectiva da gestão democrática mostrando a coerência e as consequências da teoria freireana.

No texto intitulado “Não quero seguidores: reflexões críticas de base Freireana à gestão democrática” a autora, professora Rosimar Serena Siqueira Esquinsani empreende interessante análise da produção publicada nos anais dos Simpósios Brasileiros de Política e Administração da Educação ocorridos entre os anos de 2009 e 2019. O estudo longitudinal empreendido ancora-se no pensamento freireano e mostra as diferentes concepções que perpassam os artigos analisados.

Os professores Lúcio Jorge Hammes, Itamar Luís Hammes e Jaime José Zitkoski nos apresentam suas reflexões sobre a presença de Paulo Freire em três programas de pós-graduação localizados no território do Rio Grande do Sul no artigo intitulado “Paulo Freire e a Gestão da Educação: análise das pesquisas em três programas de pós-graduação do Brasil”. As conclusões indicam a presença da teoria freireana em razoável conjunto de trabalhos localizados em um dos programas estudados, sendo que nos outros dois programas, as referências à obra freireana na discussão de política e gestão foram menos frequentes.

O artigo intitulado “Política e Gestão Educacional na Secretaria de Educação de São Paulo” em que o professor Vagno Emygdio Machado Dias e a professora Tânia Barbosa Martins analisam o processo de tramitação do regimento escolar proposto pela gestão freireana no Conselho Estadual de Educação. O sistema de organização da escolarização em ciclos é o tema central dos debates empreendidos no artigo mostrando como a primeira proposta nacional de organização de todo o ensino fundamental em ciclos enfrentou resistências.

No artigo “Contribuições do Círculo de Cultura à participação popular na Gestão da Educação Básica: diálogos com Paulo Freire”, escrito pelo professor Nilton Bruno Tomelin e pela professora Rita Buzzi Rausch, se indica que a gestão democrática na educação básica, na perspectiva freireana, “implica em assumir valores, como comunhão, iniciativa, reciprocidade, comprometimento e solidariedade”, razão pela qual nem sempre os/as educadores/as se dispõem a adotá-lo na sua integralidade.

“A gestão democrática e a Educação Profissional e Tecnológica a partir dos pressupostos Freireanos”, de autoria das professoras Sandra Terezinha Urbanetz e Eliana Nunes Maciel Bastos apresenta “os subsídios legais vigentes e os indicativos de Paulo Freire para a constituição de uma gestão democrática” no contexto da Educação Profissional e Tecnológica. Concluem pela possibilidade de se utilizar os princípios freireanos na construção de processos democráticos de gestão no âmbito daquela modalidade educacional, que tem enfrentado problemas no cotidiano escolar para colocar tais princípios em prática.

Como último texto desta parte do dossiê tem-se o artigo de autoria de Rogerio Andrade Maciel, Joana d’Arc de Vasconcelos Neves e Marcos Renan Freitas de Oliveira intitulado “Documento Curricular da Escola Bragantina e Gestão Escolar Democrática: um olhar a partir dos princípios freireanos”. Após apresentação e análises do documento curricular concluem que na escola Bragantina foram assumidos, em nível de política curricular, princípios educativos freireanos que preconizam “uma gestão escolar democrática, dialógica, libertadora e crítica”.

Por fim, no dossiê Paulo Freire e a Gestão Educacional se escolheu publicar, pela primeira vez em língua portuguesa, texto produzido originalmente em língua francesa e publicado nos idos de 1973 pelos professores Alberto Silva e Valdemar Sguissardi intitulado “A Cultura do Silêncio: cultura de pobreza, dominação e pedagogia da libertação”. Nele, os autores, o primeiro, uruguaio e o segundo, brasileiro, estabeleceram conexões entre a obra freireana e a do antropólogo estadunidense Oscar Lewis. Destacam que ambos discutem a pobreza, a opressão e a dominação nos dois mais populosos países da América Latina e, por caminhos diferentes, propõem perspectivas ao nosso subcontinente, que se mostram atuais e servem de reflexões sobre a desigualdade social e econômica que vem se acentuando no mundo globalizado e hegemonizado pelas políticas neoliberais.

Estes foram os 18 artigos selecionados para esse Dossiê, que tem em sua abertura entrevista com Nita Freire. Esperamos que a leitura dos mesmos signifique saborosa experiência histórica e acadêmica que as teorias e propostas freireanas proporcionam. Que as experiências e reflexões aqui trazidas possam significar importantes e interessantes releituras da obra freireana que nos impulsionem não só para a denúncia da gravidade da situação atual da educação e da sociedade brasileira, mas para o anúncio do “inédito viável” de um Brasil menos injusto e mais solidário.

OUTROS ARTIGOS

Além do dossiê, publicamos neste número artigos enviados em fluxo contínuo, com distintas e relevantes temáticas sobre gestão e políticas educacionais. O artigo “Políticas de internacionalização na educação superior: transferência de ideias educacionais”, de Marialva Moog Pinto e Gildo Volpato, analisa as políticas sobre internacionalização da educação superior, produzidas por organismos multilaterais e transferidas como políticas avaliativas para o Brasil, confirmando que tais documentos alavancaram as políticas avaliativas atuais que temos no país. Em seguida, Quênia Renee Strasburg e Berenice Corsetti, autoras de “Em destaque: a nov a gestão escolar”, abordam a gestão escolar, cotejando documentos do Banco Mundial e reportagens das revistas Nova Escola e Gestão Escolar, publicadas entre 2008-2017, analisando a articulação de discursos convergentes. O ciclo de políticas serviu como modelo teórico-metodológico para sustentar a análise de políticas como discurso voltado para a receptividade e aceitação às ideias e conceitos de cunho neoliberal e gerencialista na educação.

Em “O movimento formativo do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: repercussões à alfabetização matemática”, Maria Iolanda Fontana, Ettiène Guérios e Vanda Maria de Souza analisam o movimento formativo do PNAIC Matemática e suas repercussões à prática pedagógica de professores alfabetizadores. O texto discute dados qualitativos de entrevistas com professoras de escolas municipais de Curitiba. As autoras apontam como contradição a descontinuidade da formação continuada de caráter nacional com políticas de governo.

Debatendo as recentes políticas da educação superior ancorados no método materialista-dialético, Ana Paula Ribeiro de Sousa e Leonardo José Pinho Coimbra realizam uma análise sobre o Programa Future-se na Universidade Federal do Maranhão. No artigo “Autonomia, empreendedorismo e competitividade: a universidade na trilha do Future-se”, os professores analisam como as diretrizes e eixos fundamentais do programa Future-se têm sido implementados na UFMA por meio de algumas ações da atual gestão, fazendo com que a adesão ao projeto governamental ocorra de forma silenciosa e à revelia de um debate mais amplo com a comunidade acadêmica, contribuindo para o processo de refuncionalização da universidade.

O artigo “Escolas paulistas ocupadas, políticas e democracias”, de Graziela Zambão Abdian, Viviane Izaías de Carvalho, Viviani Fernanda Hojas, teve como objetivo analisar as práticas discursivas construídas sobre política, gestão e democracia por diferentes integrantes de duas escolas públicas da rede estadual paulista ocupadas em 2015/2016, contra a política governamental de reorganização escolar. O artigo é resultante de entrevistas com integrantes de diferentes segmentos das duas escolas pesquisadas, analisadas a partir do referencial teórico da teoria do discurso.

Na sequência, a pesquisa “Políticas curriculares, ensino médio e os paradoxos da democracia: traços conceituais para a composição de um diagnóstico crítico”, de Roberto Rafael Dias da Silva e Luthiane Miszak Valença de Oliveira, faz um diagnóstico crítico enfatizando o declínio dos níveis de confiança sobre a política e as instituições democráticas, considerando os atuais paradoxos da democracia, o debate sobre a qualidade e o direito de aprendizagem na interface com as racionalidades políticas orientadoras da implementação de currículos para o Ensino Médio no Brasil. As análises se derivam de uma pesquisa documental dos textos curriculares publicados na última década, defendendo políticas curriculares ancoradas nas possibilidades de uma governança escolar democrática que revitalizem procedimentos de escuta e negociação permanente com os atores escolares, sobretudo com as juventudes contemporâneas.

Por fim, a RBPAE faz uma homenagem especial a um já saudoso anpaeano que nos deixou em 2021, o professor Cleiton de Oliveira. Em “Mosaicos de uma trajetória acadêmica: homenagem a nosso querido professor Cleiton de Oliveira”, Adolfo-Ignacio Calderón, Rafael Fernando da Costa e Marco Wandercil trazem uma entrevista inédita com o homenageado. Depois, o professor Bruno Pucci, seu amigo desde os anos 1970, traz um emocionante relato chamado “Quando um educador vai para o paraíso”, sobre a trajetória do homenageado e sua convivência com ele, resgatando um texto escrito por ele em 1998, quando da sua chegada e de outros colegas à universidade em que o autor trabalhava, chamado “Quando novos educadores caem do céu”.

Desejamos uma ótima leitura! Que ela nos motive novas práxis!

Paulo Freire, Presente! Cleiton de Oliveira, Presente

1FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987

2[Revista Dois Pontos, Belo Horizonte, v. 9, n., p. 6-13, mar./abr. 1996]

3Revista Teoria & Debate Nº 17, 1992.

4FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 10a. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.

5SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação São Paulo. Aos que fazem Educação Conosco em São Paulo. In: Diário Oficial do município de São Paulo . 34 (021). 1º/02/1989. Suplemento. Disponível em: http://acervo.paulofreire.org:8080/xmlui/handle/7891/1027 . Acesso: 21.mar.2021.

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