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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

Print version ISSN 1678-166XOn-line version ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.37 no.2 Goiânia May/Aug 2021  Epub Mar 31, 2022

https://doi.org/10.21573/vol37n22021.113183 

DOSSIÊ “PAULO FREIRE E A GESTÃO EDUCACIONAL”

A política e a prática da gestão do currículo em São Paulo: ensinamentos de Paulo Freire à frente da Secretaria Municipal de Educação (1989-1991)

Policy and practice of curriculum management in São Paulo: lessons from paulo freire at the head of the Municipal Department of Education (1989-1991)

La política y la práctica de la gestión curricular en São Paulo: enseñanzas de paulo freire al frente del Departamento Municipal de Educación (1989-1991)

ANA MARIA SAUL1 
http://orcid.org/0000-0002-0114-444X

ALEXANDRE SAUL2 
http://orcid.org/0000-0003-0021-8934

FERNANDA CORRÊA QUATORZE VOLTAS3 
http://orcid.org/0000-0002-4166-6226

1Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Faculdade de Educação São Paulo, SP, Brasil

2Universidade Católica de Santos Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Faculdade de Educação Santos, SP, Brasil

3Universidade Federal do Espírito Santo Centro de Educação Departamento de Teorias do Ensino e Práticas Educacionais Vitória, ES, Brasil


Resumo

Paulo Freire foi Secretário da Educação na cidade de São Paulo (1989- 1991). Comprometeu-se com a construção de uma escola pública popular e democrática, com qualidade social. Neste texto apresenta-se a gestão do currículo na administração Freire, destacando princípios que permearam ações concretas para ‘mudar a cara da escola’. A metodologia para elaboração desse artigo foi a pesquisa bibliográfica. Ao final, o texto destaca que a política e a prática curricular, na perspectiva freireana, seguem requeridas para compreender e superar desafios atuais.

Palavras-Chave: Paulo Freire; gestão do currículo; democratização da escola; escola pública; educação popular

Abstract

Paulo Freire was Secretary for Education in the City of São Paulo (1989- 1991). He was committed to the construction of a popular and democratic public school with social quality. This text outlines curriculum management during the Freire administration, highlighting principles that underpinned concrete actions to ‘change the face of the school’. The methodology for the elaboration of this article is bibliographical research. In the end, the text emphasizes that policies and practices based on a freirean perspective continue to be a requirement to understand and overcome current challenges.

Key words: Paulo Freire; curriculum management; democratization of schools; public school; popular education

Resumen

Paulo Freire fue Secretario de Educación en la ciudad de São Paulo (1989-1991). Se comprometió a la construcción de una escuela pública popular y democrática con calidad social. Este texto presenta la gestión del currículo en la administración Freire, destacando principios que impregnaban acciones concretas para ‘cambiar la cara de la escuela’. La metodología para la elaboración de este artículo fue la investigación bibliográfica. Al final, el texto destaca que la política y la práctica curriculares, desde la perspectiva freireana, todavía están obligadas a comprender y superar los desafíos actuales.

Palabras-clave: Paulo Freire; gestión de currículo; democratización en la escuela; escuela pública; educación popular

INTRODUÇÃO: UM POUCO DA BIOGRAFIA DE PAULO FREIRE

Nascido no Recife, em 1921, Freire é reconhecido internacionalmente como um dos maiores educadores do século 20. Em 2012 foi declarado Patrono da Educação Brasileira.1

Perseguido politicamente pela ditadura que se instalou no Brasil com o golpe civil-militar de 1964, Paulo Freire foi obrigado a se exilar em diversos países, por quase 16 anos, nos quais suas experiências de educação se desdobraram e se aprofundaram, inspirando um número expressivo de ações e projetos a favor da transformação de contextos sociais opressivos e da emancipação dos excluídos, principalmente na América Latina e na África.

Em seu tempo de exílio foi professor visitante em diversas universidades, tais como Harvard e Genebra, e consultor, por 10 anos, do Conselho Mundial de Igrejas, com base na Suíça, atuando em projetos de reconstrução nacional, em países recém-libertos de longos regimes coloniais autoritários.

Reconhecido como filósofo inaugural da Pedagogia Crítica apresenta, em sua obra, um ideário que redefine e muda o foco de nossas crenças básicas sobre os propósitos da educação. Freire propõe a compreensão da realidade a partir da perspectiva dos oprimidos, com vistas a uma ação transformadora da sociedade, no bojo de um processo coletivo de libertação, humanização e luta por melhores condições de vida para todos.

Essa pedagogia busca desvelar como se estabelecem as relações de poder, em contextos concretos de política e prática social, por meio da apropriação e produção de conhecimentos, iluminando contradições e apontando espaços possíveis para ações contra-hegemônicas. As teorizações críticas de currículo implicam um posicionamento ético-crítico, isto é, que o desenvolvimento permanente da consciência crítica acerca da realidade resulte em uma prática coerente, encarnada nas lutas contra a desumanização e por justiça social. Trata-se de desenvolver um estado de autorreflexão constante, gerador de uma capacidade de estranhamento de si e do mundo, como possibilidade de indagar o real em processos educativos dialógicos de aquisição e produção de conhecimentos transformadores a partir de diferentes epistemologias, realçando e trabalhando categorias como classe, raça, etnia, gênero e sexualidade.

Lopes e Macedo (2016) registram que Paulo Freire é o único brasileiro citado no importante livro de William Pinar “ Understanding Curriculum ”, sendo indicado como um autor que exerceu forte influência em teóricos norte-americanos que abordam o currículo como um texto político. Ademais, Freire destaca-se como o autor do Brasil sobre o qual foi escrito um verbete na “ Encyclopedia of Curriculum Studies ” ( STEINBERG, 2010 , p. 382).

Com base em escritos de autores como Antonio Flávio Moreira, Inês Barbosa de Oliveira e Maria Luiza Sussekind, Zanardi e Ribeiro (2018) situam o pensamento de Freire como o embrião da perspectiva crítica de currículo no cenário brasileiro, destacando que as intenções da pedagogia freireana2 , exigiam novas formas de planejar, replanejar e viver o Currículo, superadoras de proposições tradicionalistas, que propugnam a neutralidade da ciência e o ‘puro’ ensino de conteúdos, e de outras falsamente progressistas, porque não assumem compromisso com o desvelamento dos fenômenos e a busca pelas razões de ser dos fatos. Os autores afirmam que: “[…] é com a teoria de Paulo Freire que ocorre no Brasil a emergência de um enfoque crítico acerca das questões ligadas ao conhecimento e, também, ao currículo.”. ( ZANARDI; RIBEIRO, 2018 , p. 1056).

Quando pôde retornar ao Brasil, em 1980, Paulo Freire assumiu a docência no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)3 , trabalho que desenvolveu até o seu falecimento, em 1997.

No ano de 2017, o Acervo de Paulo Freire se torna Patrimônio da Humanidade, afirmando sua importância para a educação, em nível mundial4 . Em 2021, Freire recebeu, como homenagem póstuma, o prêmio de reconhecimento acadêmico em direitos humanos da Unicamp e Instituto Vladimir Herzog, que expressa a importância de seu pensamento na educação, para a promoção e a luta em defesa da dignidade humana5 .

Há, porém, na biografia de Freire, uma face que não tem sido muito divulgada ou analisada, trata-se de sua atuação como gestor.

Neste texto, propomo-nos a discutir aspectos da política, teoria e prática de Paulo Freire, como administrador, em especial, analisando a sua proposta e atuação como Secretário da Educação, da cidade de São Paulo, destacando a gestão do currículo.

O artigo foi construído com base na revisão e análise de documentos acerca das políticas e práticas de Currículo vigentes na Gestão Paulo Freire e outras produções inspiradas no trabalho realizado por Paulo Freire e sua equipe na cidade de São Paulo. Ademais, foram consultadas obras de Freire e estudiosos do seu pensamento para situar da moldura teórico-metodológica que envolveu as ações realizadas no período.

UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POPULAR NA EDUCAÇÃO DA CIDADE

A prática de Paulo Freire, como gestor, foi se constituindo, durante sua vida, em meio a sua experiência, em posições de gestão6 , entremeada por reflexões resultantes de seus diálogos constantes com educadores, educandos e comunidades, em diferentes espaços e tempos de sua trajetória como educador.

Paulo Freire levou para a SME-SP os pressupostos da Educação Popular que estiveram presentes nos diferentes espaços em que os seus pés pisaram.

A construção da escola pública popular e democrática foi a propos ta de política educacional para a rede municipal de Educação de São Paulo, tendo figurado como lema da gestão Paulo Freire7 , em busca da melhoria da qualidade social da educação para crianças, jovens e adultos. ( FREIRE, 1991 ; SAUL, 1998a ). A construção dessa escola não poderia ocorrer sem a participação democrática da comunidade escolar, bem como de outros setores que se relacionavam à escola. Esse projeto seria impensável, sem o exercício da cidadania crítica e de uma construção, em colaboração. No primeiro documento encaminhado aos educadores, uma carta intitulada “Aos que fazem a educação conosco em São Paulo”, publicada no Diário Oficial do Município de São Paulo, em 1º de fevereiro de 1989, diz Paulo Freire:

[...] Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para participar coletivamente da construção de um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando- lhe transformar-se em sujeito de sua própria história. A participação popular na criação da cultura e da educação rompe com a tradição de que só a elite é competente e sabe quais são as necessidades e interesses de toda a sociedade. A escola deve ser também um centro irradiador da cultura popular, à disposição da comunidade, não para consumi-la, mas para recriá-la. A escola é também um espaço de organização política das classes populares. A escola como um espaço de ensino-aprendizagem será então um centro de debates de ideias, soluções, reflexões, onde a organização popular vai sistematizando sua própria experiência. O filho do trabalhador deve encontrar nessa escola os meios de auto-emancipação intelectual independentemente dos valores da classe dominante. ( FREIRE, 1991 , p. 16).

Por vezes, tanto durante o período em que esteve na administração pública, assumindo a pasta da Educação, como depois desse período, foram feitas a ele indagações sobre diferenças de significado entre Educação Popular e escola pública. No bojo desse questionamento estava o fato de que, no ideário dos educadores, a Educação Popular se referia à educação não escolarizada, em especial, dos adultos, contrapondo-se à escolarização.

Freire debateu com vigor o seu argumento, afirmando que a Educação Popular se referia, sobretudo, à natureza de uma prática política e crítica.

Em um de seus textos, escrito em dezembro de 1992, intitulado Educação Popular e Escola Pública, publicado no livro Política e Educação, Paulo Freire sistematiza o seu pensamento sobre a relação entre Educação Popular e escola pública e, mais especificamente, responde afirmativamente à indagação de que é possível fazer Educação Popular na rede pública.

A sua opção política pela educação crítica, comprometida com princípios de solidariedade e justiça social concretizou-se na proposta de construção de uma escola voltada para a formação social e crítica dos educandos, uma escola séria, na apropriação e recriação de conhecimentos e, ao mesmo tempo, alegre, estimuladora da solidariedade e da curiosidade. A abertura da escola à comunidade, a construção do currículo, de forma participativa, autônoma e coletiva, o estímulo à gestão democrática da educação, o respeito ao saber do educando, e a indispensável formação dos educadores, foram marcos fundamentais que nortearam o seu quefazer na educação da cidade de São Paulo. ( FREIRE, 1991 , 1992 ).

A gestão democrática da educação, eixo norteador da política educacional da Secretaria Municipal de Educação (SME-SP) foi uma decisão político- epistemológica e pedagógica da práxis de Freire que se opunha ao modelo técnico-gerencial de administração pública. A análise de Licínio Lima corrobora essa assertiva:

Pode-se, pois, falar de uma concepção freireana de gestão democrática, ancorada nas críticas que produziu às perspectivas mecanicistas, racionalistas e burocráticas de educação, a todas as formas de organização meramente instrumental que recusam a politicidade e a pedagogicidade da organização escolar, ao burocratistmo e ao “centralismo asfixiante”, típicos da educação brasileira [...] ( LIMA, 2018 , p. 236).

Torna-se necessário, portanto, explicitar os princípios constitutivos dessa decisão político-epistemológica de Freire, porque eles transversalizaram as prioridades da SME-SP: Uma Nova Qualidade de Ensino, a Formação Permanente dos Educadores e a Educação de Jovens e Adultos. A participação, a autonomia e a dialogicidade, princípios entrelaçados que conferiram substantividade democrática às ações que se propuseram a tocar e alterar o quefazer na escola, em especial o currículo, serão apresentados a seguir, imbricados nas ações concretas da SME-SP, em especial, naquelas que caracterizaram a gestão do currículo.

UMA NOVA LÓGICA NA GESTÃO DO CURRÍCULO

Na tradição política brasileira, participação tem significado apenas a discussão de problemas, sem que os cidadãos sejam autores das decisões.

Ao defender um projeto democrático de sociedade e a politicidade da educação, Paulo Freire aponta para o relevante papel que a escola pode desempenhar na formação crítica dos sujeitos para o exercício da participação cidadã. Nesse sentido, o processo de aprendizado participativo, instituído nos diferentes espaços da escola, pode contribuir para a criação e revitalização da esfera pública democrática. ( LIMA, 2009 ).

Em seus escritos sobre participação, Diaz Bordenave (2008) define três diferentes níveis em que essa categoria se expressa no contexto das práticas sociais. No primeiro nível, a participação é imbuída de caráter informativo, de modo que os sujeitos recebem comunicados das decisões tomadas em instâncias superiores de poder. O segundo nível de participação enfatiza o aspecto consultivo, em que os envolvidos são convidados a expressar seus pontos de vista acerca de determinados temas, porém, não há garantias de que os resultados dessa consulta serão incorporados nas deliberações finais. No último nível, denominado político, as expectativas e propostas dos sujeitos têm peso e valor nas decisões, podendo efetivamente modificar e definir ações.

Pode-se dizer que, a concepção freireana de participação tem correspondência com o nível de participação política, proposto por Diaz Bordenave (2008) . Portanto, participar, para Freire é uma ação comprometida, crítica e criadora, que implica partilha de poder e assunção mútua de responsabilidades. Além disso, é uma exigência e uma tarefa que se coloca à prática educativa que se assume progressista. Nas palavras do autor (FREIRE, 1992, p. 73):

[...] a participação, enquanto exercício de voz, de ter voz, de ingerir, de decidir em certos níveis de poder, enquanto exercício de cidadania se acha em relação direta, necessária, com a prática educativo-progressista, se os educadores e educadoras que a realizam são coerentes com seu discurso. O que quero dizer é o seguinte: constitui contradição gritante, incoerência clamorosa uma prática educativa que se pretende progressista, mas que se realiza dentro de modelos de tal maneira rígidos, verticais, em que não há lugar para a mais mínima posição de dúvida, de curiosidade, de crítica, de sugestão, de presença viva, com voz, de professores e professoras que devem estar submissos aos pacotes8 .

Nessa direção, a lógica curricular democrática, na gestão Paulo Freire, demandou a crescente participação da comunidade escolar nas deliberações acerca da prática educativa. Esperava-se que, envolvidos em situações de participação autêntica, os sujeitos fossem conquistando, gradualmente, níveis mais amplos e profundos de autonomia. A participação não é algo que se estabelece espontaneamente, é preciso experienciar esse processo, enquanto exercício que implica optar, debater, argumentar e decidir coletivamente, compreendendo as consequências envolvidas nessa ação.

É aqui que podemos perscrutar o que houve de novo no conceito de gestão do currículo, na administração de Paulo Freire. Esse conceito, segundo Roldão e Almeida (2018) , não tem nada de novo. De acordo com essas autoras: “Sempre se geriu o currículo e sempre terá de se gerir, isto é, decidir o que ensinar e por que ensinar, como, quando, com que prioridades, com que meios, com que organização, com que resultado”, e continuam:

[...] a maioria dessas decisões passavam-se distantes da escola e dos professores, [permanecendo] a nível central, quase limitando a gestão curricular – as decisões – dos professores, no plano coletivo, à distribuição dos conteúdos pelos trimestres e à atribuição das classificações, e, no plano individual, à planificação das suas aulas quotidianas. As decisões e a gestão central obviamente permanecerão sempre, mesmo em sistemas que tenderão a descentralizar-se cada vez mais. As decisões desse tipo operam nos aspetos globais e a nível nacional. ( ROLDÃO; ALMEIDA, 2018 , p. 8-9).

O que houve de novo, na proposta e na prática de Freire, no tocante à gestão do currículo, foi estimular e possibilitar que as escolas e seus docentes pudessem materializar os princípios da participação, autonomia e dialogicidade, assumindo a responsabilidade de gestar o currículo para os seus contextos, para uma determinada comunidade, com os seus alunos específicos. Evidentemente, deve-se ressaltar, que a gestão do currículo, com centralidade nas escolas, na administração de Freire, assumiu o que se pode dizer, uma autonomia compartilhada com os órgãos centrais da administração da Secretaria da Educação.

Ao buscar aprofundar a participação da comunidade escolar, foi preciso cuidar para que todos os envolvidos nos processos decisórios tivessem acesso às informações necessárias, que subsidiavam as escolhas a ser feitas. Para Camargo (1997 , p. 261), a partilha de informações é um requisito fundamental para a consolidação de processos democráticos. Nesse sentido, o autor esclarece que: “[...] o domínio de informações estabelece relações de poder, portanto ao democratizar a informação, começa-se a socializar parcelas de poder”. Por fim, para que os sujeitos se apropriem, de fato, do seu direito de participar e do dever de não se omitir no espaço político-pedagógico, é preciso que sintam que sua voz gera repercussões na realidade vivida.

A nova proposta curricular da rede municipal de ensino de São Paulo foi construída de modo participativo e gradual. Respeitou-se o trabalho educacional digno, mesmo divergente, dos educadores. Procurou-se, durante todo o tempo da gestão, viabilizar o projeto político pedagógico por meio do “Movimento de Reorientação Curricular” e da “Formação Permanente dos Educadores”.

O Movimento de Reorientação Curricular, um dos dois programas definidos com a intenção de “mudar a cara da escola”, foi assim nomeado para expressar o caráter dinâmico e dialético do tratamento dado ao planejamento e desenvolvimento das propostas e práticas pedagógicas, em função das demandas da realidade e do novo currículo, em contínua construção ( SAUL, 1993 ). O currículo foi entendido, na acepção de Freire, como: “a política, a teoria e a prática do que fazer na educação, no espaço escolar, e nas ações que acontecem fora desse espaço, em uma perspectiva crítico-transformadora” ( SAUL, 2018 , p. 129). O novo paradigma curricular apoiou-se na racionalidade crítico-emancipatória, sustentando uma visão ampla e historicizada de ser humano, mundo, educação e sociedade ( SAUL, 1998b ).

A construção da nova proposta curricular da rede municipal apoiou-se na ampla e constante participação dos educadores nas decisões sobre o currículo, no respeito e incentivo à autonomia da escola e na dialogicidade.

A relação entre as diretrizes do novo paradigma e o resgate do papel do educador como conceptor de currículo, evidenciam a importância do diálogo e da formação no percurso da reorientação curricular:

[buscou-se] resgatar o verdadeiro papel do educador como capaz de “pensar e fazer” currículo na medida em que a ele cabe planejar e desenvolver o seu trabalho. [...] Esse resgate do papel do educador foi cercado de condições que possibilitaram aos professores sair do costumeiro isolamento e poder trabalhar no coletivo da escola. Apostou-se no diálogo entre pares, alunos e pais, como método de trabalho epistemológico, capaz de gerar reflexão e ação e, consequentemente, uma decisão criativa sobre o “fazer educativo”. [...] Os professores foram apoiados por um Programa de Formação Permanente que lhes permitiu refletir sobre a sua prática, conhecer ou reconhecer teorias, com o intuito de analisar sua prática e ou gerar novas práticas. ( SAUL, 1998b , p. 323).

A reorientação curricular iniciou-se com a problematização da escola, compreendida como a ‘descrição e crítica da realidade’, na qual se procurou apreender as visões, as críticas e expectativas da comunidade escolar. De acordo com Freire,

A problematização é a tal ponto dialética, que seria impossível alguém estabelecê-la sem comprometer-se com seu processo. Ninguém, na verdade, problematiza algo a alguém e permanece, ao mesmo tempo, como mero espectador da problematização. Ainda quando, metodologicamente, prefira ficar em silêncio ao colocar o fato-problema, enquanto os educandos o captam, o analisam, o compreendem, ainda assim estará também problematizado. É que, na problematização, cada passo no sentido de aprofundar-se na situação problemática, dado por um dos sujeitos, vai abrindo novos caminhos de compreensão do objeto da análise aos demais sujeitos. ( FREIRE, 2006 , p. 82).

A equipe responsável pela coordenação da reorientação curricular planejou e organizou, coletivamente, com a participação de representantes dos Núcleos de Ação Educativa, o momento de problematização da escola, a partir de um vídeo gravado por Paulo Freire, que foi exibido por um canal de televisão, em todas as escolas.

Tomando o vídeo como referência, professores e gestores discutiram questões que visavam a problematizar o trabalho que vinham desenvolvendo, apresentando críticas e sugestões para superar dificuldades e indicando o que manter, aprofundar e acrescentar. Com alunos e pais, ou responsáveis pelos educandos, os procedimentos de problematização foram diversos e adequados a eles. Crianças não alfabetizadas, da educação infantil, por exemplo, foram convidadas a se manifestar sobre a escola, por meio de desenhos e por entrevistas em rodas de conversa conduzidas por professores. Houve, durante todo o processo, a preocupação de considerar a voz da comunidade, respeitada como sujeito da ação educativa. A participação das famílias ocorreu por meio de plenárias pedagógicas das quais participavam o Secretário da Educação e equipe, com microfone aberto à manifestação dos participantes das assembleias; dessas plenárias também participaram representantes de movimentos sociais. Essa prática buscava efetivar o compromisso de dar voz à comunidade escolar.

Houve o necessário registro do momento de escuta sensível da comunidade escolar em documentos que buscaram apresentar o que se chamou de ‘retrato sem retoques’ do currículo em ação. Esses documentos foram discutidos em todas as escolas, em momentos de planejamento do ano letivo, e subsidiaram a elaboração e revisão do plano escolar.

A escuta atenta da comunidade escolar foi extremamente valorizada por Freire, em sua intenção de construir uma escola com nova fisionomia, atendendo aos princípios democráticos.

No dizer de Freire, registrado em entrevista publicada em seu livro “A educação na cidade”:

Mudar a cara da escola implica também ouvir meninos e meninas, sociedades de bairro, pais, mães, diretoras de escolas, delegados de ensino, professoras, supervisoras, comunidade científica, zeladores, merendeiras, etc. Não se muda a cara da escola por um ato de vontade do secretário ( FREIRE, 1991 , p. 35).

Com essa compreensão, foi preciso trabalhar com professores, gestores, funcionários, famílias e educandos no sentido de criar condições para uma adesão consciente que permitisse inverter a lógica convencional de pensar e fazer currículo. Dos professores, em especial, era requerido que avaliassem criticamente as suas práticas no coletivo, construíssem novos conhecimentos e se dispusessem a trabalhar colaborativamente.

Assim se manifestou Paulo Freire, demonstrando o valor e a sua disposição ao diálogo, imprescindíveis para uma atuação democrática:

É preciso e até urgente que a escola vá se tornando um espaço acolhedor e multiplicador de certos gostos democráticos como o de ouvir os outros, não por puro favor, mas por dever, o de respeitá-los, o da tolerância, o do acatamento às decisões tomadas pela maioria a que não falte, contudo, o direito de quem diverge de exprimir sua contrariedade. O gosto da pergunta, da crítica, do debate. O gosto do respeito à coisa pública que entre nós vem sendo tratada como coisa privada, mas como coisa privada que se despreza. ( FREIRE, 1995 , p. 91).

Freire entende que o diálogo faz parte da natureza humana constituída social e historicamente. É uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres humanos foram se tornando mais criticamente comunicativos, diante de sua ação no mundo. O diálogo não é, portanto, uma conversa qualquer, mera troca de informações, uma tática para manipular ou entreter os sujeitos. Tem compromisso com a transformação da realidade. Daí que, para o autor, existir humanamente signifique pronunciar o mundo, ou seja, modificá-lo. (FREIRE, 1987).

No âmbito dessa abordagem, o diálogo é um princípio ético, político e epistemológico que deve orientar as relações de ensino-aprendizagem. Ético pois reconhece os diferentes agentes da ação educativa como sujeitos do conhecimento, que possuem saberes com diferentes níveis de criticidade, que precisam ser respeitados e problematizados na prática pedagógica; político porque tem, como horizonte, a transformação dos contextos desumanizantes; epistemológico, posto que é um caminho factível para construir conhecimento, daí que não se possa falar em diálogo sem conteúdo. Sobre esse ponto, Saul e Saul esclarecem que:

O diálogo freireano implica uma partilha de saberes. É condição para a construção de conhecimento, porque, na situação dialógica, a comunicação entre os sujeitos, que estão dialogando, problematiza o objeto de conhecimento, questionando, criticando, avaliando, trazendo novos aportes de informação, enfim, ampliando as dimensões do que é possível saber sobre o objeto a ser conhecido/reconhecido. [...] O diálogo, [no processo de ensino-aprendizagem] requer que se estabeleça uma relação horizontal entre os sujeitos, porque pressupõe que todos sabem alguma coisa, saberes críticos ou não. É justamente essa condição que permite a produção de novos conhecimentos em diálogo, contextualizados pelo momento histórico e com intencionalidade política. ( SAUL; SAUL, 2013 , p.112).

Fazer opção por um paradigma de construção de currículo na qual a dialogicidade ocupa uma posição de destaque, porque orientadora das ações teórico-práticas, implica enfrentar as tensões que se colocam entre a necessária autoridade e o autoritarismo no espaço escolar, de modo a construir e consolidar práticas cada vez mais democráticas, fundadas na participação, no respeito e na horizontalidade das relações.

O segundo momento, do Movimento de Reorientação Curricular, caracterizou-se pela sistematização e retorno das informações para as escolas, mantendo assim, a coerência com a proposição teórico-metodológica de Freire, no tocante à aquisição e construção do conhecimento.

A organização da programação educativa e a indicação de propostas de ação, terceiro momento da reorientação curricular, puderam ser feitas a partir do levantamento de “temas geradores”, junto à comunidade escolar, no bojo do projeto “Ação Pedagógica pela via da Interdisciplinaridade”, em que se buscava apreender a realidade local enquanto totalidade, em suas múltiplas dimensões, com o aporte de diferentes áreas do conhecimento ( SÃO PAULO, 1989 ).

A programação educativa, gestada a partir das necessidades e preocupações candentes das comunidades escolares, buscou aproximar teoria e prática, rechaçando perspectivas praticistas e teoricistas de currículo, considerando-se que, se a prática não se explica por si, a teoria que ajuda a explicá-la não pode ser uma ‘teoria doada’, alheia aos sujeitos e aos seus contextos concretos.

A construção do conhecimento, em uma perspectiva praxiológica, implica que a sua ampliação e aprofundamento sejam abordados como um problema a ser superado no coletivo, em estreita relação com prática social, e não como um conjunto crescente de conteúdos a ser inculcado nos sujeitos. Isto é, o conhecimento crítico-significativo, que possibilita analisar a realidade e ir além da visão menos crítica que os educandos possam ter de sua prática, requer engajá-los em ações transformadoras, potencializando a diminuição da distância entre o ser e o “ser mais”9 .

Esse projeto ganhou progressivamente a adesão das escolas sendo que mais de duzentas unidades, de um total de trezentas e cinquenta e três de ensino fundamental, se integraram à proposta da interdisciplinaridade via tema gerador. No contexto de uma educação dialógica, levantar os conteúdos curriculares, em diálogo com a comunidade, é um princípio ético-metodológico, que possibilita sua contextualização e permite a atribuição de “significado” a esses objetos de conhecimento que se constituem em temas, porque dizem respeito a situações existenciais dos sujeitos da prática educativa, molhadas de razão e emoção.

Paulo Freire (1987) ensina que os temas geradores, assim chamados devido a sua potencialidade de gerar outros temas e novas tarefas aos sujeitos, representam, concretamente, ideias, valores, dúvidas, desafios, concepções e esperanças de um determinado meio sociocultural e tempo histórico, bem como os fatores que impedem a humanização nesse contexto. Segundo o autor, os temas geradores, existentes apenas nas relações homens-mundo, jamais podem ser encontrados e compreendidos de forma isolada, pois estão em permanente interação e vinculados dialeticamente aos seus contrários. Silva chama atenção para a necessária distinção que se deve fazer entre a concepção freireana de tema gerador e outras compreensões e usos da expressão ‘tema’, no desenvolvimento de trabalhos educativos:

Temas geradores não são temáticas motivacionais que se limitam a satisfazer curiosidades ingênuas, recursos didáticos para melhor atrair a atenção dos alunos e, muitas vezes, de forma sub-reptícia, introduzir conteúdos pré-estabelecidos a partir de critérios que desconsideram a realidade concreta dos alunos. São objetos de estudo selecionados no processo de investigação junto à comunidade e a partir de seu caráter significativo, conflituoso e contraditório. São limites que a comunidade possui de intervir concretamente em situações de desumanização por ela vivenciada ( SILVA, 2004 , p. 162).

O tema gerador é um caminho para a organização da programação educativa, que enseja a apropriação e criação ativa do conhecimento, tendo em vista a compreensão e transformação da realidade. O trabalho com temas geradores, em geral, requer que se introduzam o que Freire (1987) chamou de ‘temas-dobradiça’. Esses últimos não surgem, necessariamente, da expressão direta dos educandos, mas são identificados pelos educadores como elementos de conhecimento importantes tanto para o entendimento crítico e superação das situações-limite quanto para a articulação entre diferentes temas geradores.

O “Projeto Interdisciplinar via Tema Gerador” exigiu uma nova organização do trabalho pedagógico na escola, que rompeu com a lógica da racionalidade técnica, marcada por propostas curriculares impositivas.

A construção de novas propostas curriculares, pelas escolas, foi o momento em que as programações foram elaboradas, a partir do levantamento dos temas geradores por elas identificados. Valendo-se de referenciais interdisciplinares, professores de diferentes áreas de conhecimento, em diálogo, encontraram parâmetros para a construção de programas educativos que foram desenvolvidos nas escolas. Esses parâmetros articulavam a leitura da realidade e o conhecimento sistematizado. Desse processo resultou a elaboração de documentos nomeados “Visões de Área”, que continham os elementos estruturantes de cada área do saber, na perspectiva de uma educação transformadora. Esses documentos foram construídos por professores da rede municipal, com assessoria de docentes universitários. ( SAUL, 1998b ).

A organização da programação educativa a ser desenvolvida nas escolas, elaborada a partir do levantamento de temas geradores, identificados por alunos e professores, por meio do estudo da realidade local, exigiu a criação de uma nova arquitetura de trabalho na escola porque foi necessário romper com uma lógica instalada há mais de 60 anos, nessa rede de ensino, que se caracterizava por propostas curriculares definidas ‘de cima para baixo’, por instâncias superiores da Secretaria da Educação que geravam um trabalho individualizado, por parte dos professores, com a intenção de depositar conhecimentos nas supostas ‘cabeças vazias’ dos educandos. Compor programações a partir de temas geradores implicou discutir e tomar posição a respeito de uma questão polêmica, ainda presente no cenário dos educadores que trabalham com currículo, a qual seja: qual é o conhecimento que importa?

Florence Tager apresenta uma reflexão a esse respeito:

A pedagogia freireana insiste em uma profunda conexão entre a cultura da vida cotidiana e a política radical. Para Freire, a consciência crítica e a análise dos temas da vida cotidiana são um processo contínuo que emerge da práxis e leva a outras práxis (termo freireano para ação com reflexão). Concluindo, educação para consciência crítica leva à política revolucionária. Para Freire, pedagogia radical integra cultura e política ( 1982 , p. 214).

A reorientação curricular buscou garantir a autonomia da escola, permitindo o resgate de práticas valiosas e, ao mesmo tempo, estimulando a criação e recriação de experiências curriculares que favorecessem a diversidade na unidade.

A autonomia das escolas, na construção do currículo significou decisões partilhadas e não soberanas. Calado explica que:

Autonomia em Paulo Freire é bem mais do que um vocábulo da moda. Trata-se, antes, da experiência da busca de Liberdade, por caminhos pontilhados de riscos, de desafios e de rebeldia. Embora ontologicamente vocacionado à Liberdade, só quem se atreve a correr risco a Liberdade se deixa alcançar. Vocacionado à Liberdade, o ser humano busca responder através de sua disposição de cavar, sem cessar, espaços de autonomia, em vista de um renovado compromisso com a causa emancipatória, seja no plano pessoal, seja no âmbito coletivo ( CALADO, 2002 ).

No campo do currículo, a racionalidade técnica concebe o educador como transmissor de conhecimentos produzidos por outros, estabelecendo uma relação mecânica entre a produção de conhecimentos científicos e sua aplicação na prática pedagógica, retirando a sua liberdade. Nessa concepção, em que o professor não é sujeito da produção do conhecimento, separa-se o fazer e o pensar, dimensões intrínsecas ao trabalho humano, nega-se o que há de artístico e político na ciência e se reduz a prática à mera aplicação de regras e técnicas provenientes, preferencialmente, da comunidade científica hegemônica.

A prática docente, como prática social, não se dá em um vazio histórico, nem político. Romper com os modelos hegemônicos que dirigem o fazer docente exige, de um lado, que sejam criadas condições e oportunidades para que os professores possam trabalhar com autonomia e, de outro, que a formação dos educadores os prepare para lidar com a politicidade da educação, para ‘aprender a decidir na prática da decisão’ e para lutar pela democratização radical das relações que se estabelecem entre os sujeitos nas diferentes esferas educativas ( LIMA, 2007 ).

Na gestão Paulo Freire, reconheceu-se que os educandos e educadores possuíam um conhecimento construído em sua experiência, um conhecimento com raízes históricas e que na História se faz e refaz. A reflexão sobre a dimensão da historicidade no currículo é condição para pensar, de um lado, que o sujeito da prática educativa é um ser histórico e, de outro, que o conhecimento, também histórico, não está pronto.

Trabalhar reconhecendo a dimensão da historicidade significou, compreender que as mudanças profundas na educação somente são possíveis, com as mudanças, igualmente profundas, da sociedade. Isso não quer dizer, porém, que o gestor/educador nada possa fazer diante dessa constatação. Ao contrário, ele tem muito a fazer, pois, se suas decisões e ações não determinam as transformações, sem elas não são gestadas as possibilidades de mudança nas condições concretas e históricas em que vive. Em lúcida reflexão, Paulo Freire esclarece:

O fato, por exemplo, de que determinadas circunstâncias históricas em que se encontra o educador não lhe permitam participar, mais ativamente, deste ou daquele aspecto constitutivo do processo de transformação revolucionária de sua sociedade, não invalida um esforço menor, em que esteja engajado, desde que este seja o esforço que, lhe é historicamente viável. Em história se faz o que historicamente é possível e não o que se gostaria de fazer. Daí a necessidade da compreensão cada vez mais lúcida de sua tarefa, que é política, das limitações que tem, para que possa enfrentar, tanto quanto possível, exitosamente, aquela oscilação referida, entre a tentação do pessimismo e a do oportunismo. Este é sempre um momento existencial difícil ( FREIRE, 1981 , p. 147).

A prática de construção do currículo, na perspectiva crítico- transformadora, valorizou e garantiu a liberdade dos sujeitos, estimulando a dialogicidade entre todos os agentes da comunidade escolar. Fazer a opção por uma educação na qual o diálogo ocupa um lugar central, implica enfrentar as tensões que se colocam entre a necessária autoridade e o autoritarismo no espaço escolar, de modo a construir e consolidar práticas cada vez mais democráticas, fundadas na participação, no respeito e na horizontalidade das relações.

A definição e o trabalho curricular na nova lógica proposta na gestão Paulo Freire suscitaram mudança de perspectivas, valores e crenças, por parte dos professores, gestores e famílias, em relação à educação.

Ficou evidente para Paulo Freire, desde o início de sua gestão, que a mudança da cara da escola na direção da pedagogia radical por ele proposta, precisaria de ações concomitantes.

A formação permanente freireana, desenvolvida simultaneamente ao Movimento de Reorientação Curricular, caracterizou-se por trabalhar a partir da ‘reflexão sobre a prática’ dos educadores. Na prática da formação permanente, a dialogicidade foi o princípio para forjar um ambiente participativo, democrático e de construção solidária de conhecimentos, no qual puderam ser superados os modelos “bancários” de formação de educadores, reconhecidos como treinamentos, reciclagem e cursos de curta duração.

A conquista da participação, na gestão Paulo Freire, demandou tempo, esforço crítico e coletivo para refletir sobre os fatores envolvidos na não participação e superá-los, a luta por estruturas democratizantes na política e na prática educativa, condições materiais que permitiram o desenvolvimento do trabalho político-pedagógico e a crença de que a transformação é difícil, mas possível.

O processo de reorientação curricular desenvolvido na rede municipal de São Paulo inspirou, a partir de 1990, vários sistemas de ensino. Saul afirma que:

A busca de uma escola com qualidade social, sonho de Paulo Freire, pautada nos princípios da educação popular, não obstante as dificuldades de “remar contra a correnteza”, resultou extremamente valiosa, tanto pelos resultados da avaliação dos alunos, demonstrados pelo aumento dos índices de aprovação e diminuição sensível dos percentuais de expulsão - como se referia Paulo Freire à evasão escolar, como pela ressignificação do conceito de qualidade da educação ( SAUL, 2012 , p. 403).

Até o presente momento, pesquisas desenvolvidas, em especial no âmbito do Projeto O pensamento de Paulo Freire na realidade brasileira: política, teoria e prática10 , coordenado a partir da Cátedra Paulo Freire da PUC-SP, demonstram a repercussão da proposta político-pedagógica da gestão Paulo Freire, em diferentes contextos da realidade brasileira. A questão do currículo é um dos marcos que segue sendo estudado nessas pesquisas, com perspectiva de denunciar políticas e práticas conservadoras e neoliberais na construção do currículo e anunciar possibilidades e limites na construção de novas lógicas na construção curricular, voltadas para a perspectiva crítico libertadora, inspirada na proposta da gestão Paulo Freire. (SAUL, 1998a; PONTUSCHKA et al., 2001 ; TORRES et al., 2002 ; SILVA, 2004 ; DELIZOICOV et al., 2013 ; LOUREIRO, 2014 ; ABUCHAIM, 2015 ; SAUL, 2015 ; SAUL, 2016 ; VOLTAS, 2019 ).

A prática dessa nova lógica de gestão do currículo considerou, todo o tempo, a necessária participação dos educadores, dando ênfase ao trabalho coletivo e à formação de professores. A busca de melhoria da qualidade da educação pública municipal propôs mudanças nas relações internas da escola e na relação escola/população. Entendeu-se, também, que a escola deveria estar aberta para que a população pudesse participar do processo de mudança da cara da escola , no dizer de Paulo Freire, dar-lhe ânimo, outra vida e, principalmente, reconstruir criticamente o saber, condição de emancipação. A participação popular na criação da cultura e da educação rompia com a tradição de que só a elite é competente e sabe quais são as necessidades e interesses da população.

PENSAR E FAZER CURRÍCULO DIANTE DOS DESAFIOS ATUAIS: O QUE PAULO FREIRE NOS ENSINA

Desde o início de 2020, a pandemia do novo coronavírus11 vem tornando mais visível, no mundo e no Brasil, o rosto da desigualdade social. Estamos vendo, diariamente, que quem mora na periferia das cidades tem mais chance de morrer por COVID-19, os moradores dos bairros com piores indicadores sociais são as maiores vítimas da doença. Morrem muito mais pobres, negros e desassistidos. Na pandemia se acentuam os processos de exclusão social, aumenta o contingente de pessoas sem emprego, que engrossam as estatísticas dos miseráveis.

Na educação, a determinação de afastamento social tem mostrado a ilusória possibilidade de que os alunos das escolas públicas, especialmente do ensino fundamental e médio, tenham remotamente a possibilidade de prosseguir a sua trajetória educacional, com qualidade. Faltam equipamentos, infraestrutura, formação de educadores para o ensino remoto emergencial e condições das famílias para assumir uma ‘escola em casa’, onde se espera que os pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes possam desempenhar o papel de professores. Mas, não só isso, vale dizer que a qualidade social da educação implica um projeto coletivo radicalmente democrático, que priorize as necessidades e interesses da maioria da população e tenha como objetivo a construção de políticas e práticas de currículo fortemente dialogais e potencializadoras de solidariedade, que propicia consistência à vida coletiva, de tolerância, que permite a unidade na diversidade, e de criticidade, que enseja um conhecimento antidogmático, que busca o real significado das situações existenciais dos sujeitos, e se põe como condição para ações transformadoras.

Nessa triste realidade, de nada adianta insistir em lamentos e denúncias que dizem da regressão dos alunos em aprendizados medidos por testes padronizados de larga escala. Com essa lógica, a educação segue sendo defendida por reformadores empresariais12 , como possibilidade de ajustamento e redenção social de indivíduos que, apenas por méritos próprios, alcançariam novos patamares socioeconômicos e prestígio. Isso impulsiona a educação bancária e a chamada ‘privatização por desastre’, que de acordo com Avelar (2020) caracteriza-se como uma janela para o desmonte da educação pública, em função da fragilização de processos democráticos, em momentos de tragédia. No bojo desse discurso, está a ameaça de atrasos educacionais irreparáveis e perdas econômicas que, acumuladas ao longo da vida, gerariam um impacto de um quinto do PIB brasileiro atual13 , por conta de um suposto déficit do conteúdo com os quais, segundo esses especialistas, os estudantes deveriam chegar ao mercado de trabalho.

Na contramão desse discurso, é necessário responder: que conteúdo importa para o Currículo?

Com Freire aprendemos a necessidade de selecionar conteúdos significativos para o trabalho com os estudantes. Nesse sentido, é fundamental problematizar o próprio conceito de conteúdo, tendo em vista a necessidade de compreendê-lo não como algo pré-estabelecido e que se deve a priori dominar, mas como um conhecimento que se apreende, quando ele de fato faz sentido para responder a uma situação-limite. O parâmetro para a seleção de conteúdos que podem auxiliar os educandos a desenvolver novas compreensões e práticas sobre a realidade, e transformá-la, é a sua visão de mundo, que envolve os obstáculos impostos à trajetória histórica de sua humanização. Esse processo dinâmico e situado de seleção de conteúdos avança em uma espiral ascendente de conscientização, porque a interpretação do mundo que os sujeitos estão tendo se faz e se refaz.

Problematizar esse momento de pandemia com os estudantes, professores e famílias, é fundamental. Não se eximir do debate sobre o medo, as dificuldades econômicas e sociais, geradas nesse contexto, sobre a irresponsabilidade dos governantes para controlar essa tragédia que elimina vidas, é da maior importância. É hora, portanto, de formar os profissionais para um trabalho amoroso e significativo, com o referencial da formação permanente freireana, e reivindicar a ativação de redes de proteção social intersetoriais, que acolham os educandos e lhes permitam ter condições para se desenvolver em uma perspectiva de educação humanizadora. Assim, Freire nos ensina, mais uma vez, com seus escritos e seu testemunho como gestor público na SME-SP, que a gestão do currículo não pode ser reduzida a prescrições autoritárias e individualistas de supostas receitas para o sucesso, uma vez que a realidade se impõe com sua diversidade e seus conflitos. A gestão do Currículo, na perspectiva freireana, requer gestos que materializem o discurso democrático e tem no horizonte a utopia de uma sociedade justa, igualitária e solidária, que se conquista com ações esperançosas.

Diante da não recomendação14 do retorno presencial às aulas, em razão do agravamento da pandemia no Brasil, seria ainda mais necessário um quefazer curricular humanizador, de modo que os educandos pudessem analisar criticamente o que acontece e engajar-se coletivamente na busca de soluções para as situações-limite que vivenciam, com especial atenção às condições objetivas dos educandos, dos educadores e das escolas. Isso porque, as aprendizagens tidas como essenciais na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)15 , por exemplo, ao desconsiderar os conflitos socioculturais nos quais estão imersos os educandos, como pontos de partida indispensáveis do ensino-aprendizagem, retomam o paradigma tecnicista da educação, que se pauta pelo controle dos processos educativos para obter resultados estabelecidos sem diálogo e a priori, e no eficientismo. Nesse sentido, as habilidades e competências propostas na BNCC embora mascaradas, por vezes, com roupagem atual, não se prestam ao desvelamento crítico da realidade, de modo a desafiar as condições sociais e materiais hegemônicas e potencializar a conquista de uma vida com mais dignidade para a população como um todo.

Em uma vertente crítica, na qual a educação e a escola podem ser analisadas como elementos articuladores importantes para a reprodução e/ ou a transformação da sociedade, o Currículo não pode se furtar a ser um eixo de desvelamento da exploração instalada no seio da estrutura social e do papel adaptativo da educação, colocando-se como alternativa às pedagogias liberais e contrapondo-se a elas.

Evidentemente, o quefazer educacional crítico encontra desafios e obstáculos de diferentes ordens, e passa por recuos e avanços históricos. Educadores e educandos que fazem adesão à essa perspectiva, muitos com a inspiração de Paulo Freire, tem oxigenado contextos escolares e universitários e resistido à dominação, expressando uma práxis pedagógica que se contrapõe ao autoritarismo, à valorização de um conhecimento único e empobrecedor, a maneiras restritas de conhecer, e ao extermínio de culturas e de identidades socioculturais. O engajamento à essa perspectiva, que possui a tarefa de confrontar a racionalidade irracional do mercado, tem permitido aos educadores viver a esperança de que outros modos de propor e desenvolver o currículo são possíveis, tensionando a subalternização do social ao econômico.

Pensar, ainda na democratização da educação, como um arcabouço, para ter no horizonte a escola que queremos, é fundamental. Especialmente em momentos como o de hoje, em nossa sociedade, na qual a democracia sofre ameaças, precisamos ter, como utopia necessária, uma escola que tem como intencionalidade uma transformação da sociedade voltada para a justiça social. Isso significa, como discutimos nesse texto, pensar e praticar currículo, propondo e vivendo, com radicalidade, os princípios da participação, autonomia e dialogicidade.

Ao finalizar este texto, no ano da celebração do centenário de Paulo Freire, queremos dizer que Freire nos deixou, à moda de quem, saindo, fica, conforme escreveu em “A Educação na Cidade”, o que afirma que sua ausência é presença no mundo porque o seu pensamento é clássico e atual.

REFERÊNCIAS

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1Lei 12.612, promulgada em 13 de abril de 2012, que declara Paulo Freire o Patrono da Educação Brasileira, cujo Projeto de Lei que lhe deu origem foi de autoria da deputada federal Luiza Erundina de Sousa.

2O uso deliberado do adjetivo freireano e flexões, assumido nesse texto e em produções da Cátedra Paulo Freire da PUC-SP, é uma questão de preferência, pela compreensão de que a manutenção da grafia integral do sobrenome do autor destaca com maior vigor a procedência das produções: a matriz de pensamento de Paulo Freire. Em alguns redutos acadêmicos significativos seguiu-se, pois, o seguinte critério: à ortografia original do antropônimo, foi acrescentado o sufixo ano, resultando no adjetivo freireano.

3Com o processo de abertura política, Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo e grão chanceler da PUC-SP, que esteve com Paulo Freire na Europa, no período de exílio de Freire, convidou-o para ser professor da PUC-SP, cargo que ocupou até a sua morte, em 1997.

4Conferir em: < https://en.unesco.org/news/international-advisory-committee-recommends-78- new-nominations-unesco-memory-world>.

5A professora Ana Maria Saul, coordenadora da Cátedra Paulo Freire da PUC-SP, foi convidada para receber esse prêmio outorgado a Paulo Freire.

6Informações sobre as posições de gestão ocupadas por Freire podem ser conferidos na obra “Paulo Freire: uma história de vida”, de autoria de Ana Maria de Araújo Freire.

7A Gestão Paulo Freire (1989-1992), foi assim nomeada porque, embora Freire tenha deixado a pasta em 1991, para atender a compromissos nacionais e internacionais, e para escrever, conforme declarou em livros e entrevistas ( FREIRE, 1991) , a proposta de política-educacional dessa gestão foi mantida pela Secretaria, tendo à frente, o prof. Mario Sergio Cortella. Esse foi o compromisso que Cortella e a equipe mais próxima de Paulo Freire assumiram com ele e com a Prefeita Luiza Erundina de Sousa.

8O autor se refere aos pacotes de apostilados, autoritariamente impostos aos docentes por determinadas administrações públicas no país, especialmente, a partir da década de 1990.

9Para Freire (1987) “ser mais” é expressão da incompletude humana, do processo permanente, histórico e sociocultural em que mulheres e homens se fazem, cada vez mais, humanos. Para o autor, essa é uma vocação ontológica de todos os seres humanos e que exige deles uma participação ativa e coletiva na criação e recriação das relações homens-mundo, por meio de ações de intervenção em que transformam a realidade e são transformados por ela.

10Essa pesquisa vem sendo realizada, com apoio do CNPq, por pesquisadores de 19 programas de Pós-Graduação em Educação, sediados em 12 estados brasileiros, nas seguintes Universidades: PUC-SP, UniSantos, UFES, Universidade Brasil, PUC-Minas, UFPE, USP, UFSCar-Sorocaba, UCS, UEPA, Unisinos, UECE, UFPA, UFPR, PUC-Rio, UFPB, UERJ, Unochapecó, UFSJ, UERN e Unisc.

11A COVID-19, nome atribuído à infecção respiratória aguda causada pelo SARS-CoV-2, potencialmente grave e de alta transmissibilidade, desde dezembro de 2019 alastrou-se rapidamente pelo mundo e, até abril de 2021, somente no Brasil, já tinha causado mais de 370 mil mortes.

12De acordo com Freitas (2014, p , p. 1109): “Corporate reformers – assim são chamados os reformadores empresariais da educação nos Estados Unidos, em termo criado pela pesquisadora americana Diane Ravitch. Ele reflete uma coalizão entre políticos, mídia, empresários, empresas educacionais, institutos e fundações privadas e pesquisadores alinhados com a ideia de que o mercado e o modo de organizar a iniciativa privada é uma proposta mais adequada para ‘consertar’ a educação americana, do que as propostas feitas pelos educadores profissionais”.

13Conferir matéria publicada no Site do Insper em 16 de junho de 2020, disponível em: < www.insper.edu.br/conhecimento/políticas-publicas/retorno-as-aulas-sem-recuperar-conteúdo-perdido >.

14Conferir a Nota Técnica de abril de 2021, assinada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Rede Análise Covid-19 e Observatório COVID-19 BR.

15Para um aprofundamento crítico em relação à BNCC, conferir Cury, Reis e Zanardi (2018) ; Macedo (2018, 2019) , 2019 ) e ABdC (2015, 2018) , 2018 )

Recebido: 19 de Abril de 2021; Aceito: 23 de Julho de 2021

Ana Maria Saul Doutora em Educação pela PUC-SP, professora do Programa de Estudos Pós- Graduados em Educação: Currículo da PUC-SP, e Coordenadora da Cátedra Paulo Freire dessa instituição. E-mail: anasaul@uol.com.br

Alexande Saul Doutor em Educação pela PUC-SP, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Santos/SP e Coordenador da Cátedra Paulo Freire dessa instituição. E-mail: asaul@hotmail.com

Fernanda Corrêa Quatorze Voltas Doutora em Educação pela FEUSP e professora do Centro de Educação da UFES, membra do Grupo de Estudos e Pesquisas Paulo Freire dessa instituição. E-mail: fernanda.voltas@ufes.br

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