INTRODUÇÃO
O ensino remoto, em salas de aula virtuais síncronas, mediadas por plataformas e tecnologias digitais, impôs-se como alternativa ante o contexto de crise sanitária ocasionada pela pandemia de Covid-19, que é causada pelo SARS- CoV-2 (coronavírus). No Brasil, oficialmente, a pandemia teve seu início em 27 de fevereiro de 2020 quando, segundo o Painel Coronavírus, o primeiro caso foi confirmado ( MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020 ).
Diante desse cenário, com a suspensão das aulas presenciais em escolas públicas e privadas, o ensino remoto apresentou-se como estratégia para reduzir os danos e efeitos da pandemia. Tal forma de ensino preconiza a transmissão em tempo real das aulas mediadas pelas plataformas e tecnologias digitais, pressupondo que professores1 e estudantes de uma turma tenham interações síncronas nos horários que seriam ofertados no ensino presencial, além de atividades assíncronas, com a expectativa de continuidade do ano letivo.
Este estudo objetiva analisar o ensino remoto durante a pandemia de Covid-19, a partir da perspectiva de estudantes e de gestores de escolas estaduais de Ensino Médio da região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A preocupação central consiste em identificar variáveis de contexto e fatores associados ao ensino remoto que podem estar acentuando desvantagens e desigualdades escolares de estudantes dessas escolas públicas.
No contexto nacional de pandemia, verificamos que o Conselho Nacional de Educação (CNE) tem protagonizado inciativas, produzido pareceres e pressionado o Ministério da Educação para coordenação de diretrizes e ações. Assim, entrou em vigor a Medida Provisória n.º 934, de 1º de abril de 2020, convertida na Lei n.º 14.040, de 18 de agosto de 2020, que estabeleceu normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública, que ficaram restritas à obrigatoriedade de observância do mínimo de dias de efetivo trabalho escolar, desde que cumprida a carga horária mínima anual, estabelecida nos referidos dispositivos, sem prejuízo à qualidade do ensino e à garantia dos direitos e objetivos de aprendizagem no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Ademais, permite que, a critério dos sistemas de ensino no ano letivo afetado pelo estado de calamidade pública, possam ser desenvolvidas atividades pedagógicas não presenciais. Entretanto, reporta a responsabilidade sobre as condições para os sistemas de ensino quando explicita que os sistemas de ensino que optarem por adotar atividades pedagógicas não presenciais como parte do cumprimento da carga horária anual deverão assegurar em suas normas que os estudantes e os professores tenham acesso aos meios necessários para a realização dessas atividades (BRASIL, 2020).
Além disso, é preciso considerar que o ensino remoto acontece no ano de implementação da Base Nacional Comum Curricular – BNCC ( BRASIL, 2017 ). No estado do Rio Grande do Sul, até o mês de outubro de 2020, o documento orientador – Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio – estava ainda em elaboração mesmo com a implantação do novo Ensino Médio piloto em algumas escolas.
No âmbito estadual, as políticas de educação caracterizam-se por descontinuidades administrativas, pedagógicas e curriculares, manutenção de altas taxas de reprovação, defasagem idade-série, abandono e evasão. Isso se deve em parte à alternância dos mandatos políticos partidários que implantam suas políticas de governo de forma entrecruzada com outras inúmeras reformas no contexto nacional ( FRITSCH; HEIJMANS, 2018 ; FRITSCH; VITELLI; TAVARES, 2020; SANTANNA; MOLL, 2020 ).
O cenário apresentado preconiza que as desigualdades sociais e educacionais se acentuaram e se potencializaram na modalidade de ensino adotada durante a pandemia. Tal conjuntura evidencia a relevância da produção de conhecimento que vem desvelando as desigualdades educacionais e os processos de exclusão escolar no Ensino Médio em escolas públicas, assim como seus significados e suas consequências para os estudantes situados em um contexto marcado pelo projeto de sociedade neoliberal, capitalista dependente e desigual ( ALGEBAILE, 2009 ; BARCELLOS et al., 2017 ; BERNADO; SILVA, 2019 ; DAYRELL; JESUS, 2016 ; FERREIRA, 2017 ; FRANCESCHINI; MIRANDA- RIBEIRO; GOMES, 2016; FRITSCH et al., 2019 ; GOMES, 1999 ; PAULA, 2012 ; PEREIRA; LOPES, 2016 ; SAMPAIO; OLIVIERA, 2015; SILVA; OLIVEIRA, 2016 ; TOMAZETTI; SCHLICKMANN, 2016 ).
Estudos recentes, tiveram como foco a educação básica em tempos de pandemia (MÉDICI; TATTOO; LEÃO, 2020; PALUMBO; TOLEDO,2020 ). Médici, Tattoo e Leão (2020) investigaram as percepções de estudantes mato-grossenses do Ensino Médio, de escolas públicas e privadas, sobre os desafios enfrentados no decorrer do ensino remoto, evidenciando dificuldades de aprendizagem e as condições de acesso desiguais. Diante disso, os autores entendem que “[...] as medidas que estão sendo implementadas no período da pandemia poderão aprofundar o quadro de exclusão e segregação de parte significativa dos estudantes, a exemplo das desigualdades de condições de estudo e desenvolvimento humano, como sempre existiu” (MÉDICI; TATTOO; LEÃO, 2020, p. 136).
Palumbo e Toledo (2020) , por sua vez, tiveram como escopo os contornos do direito à educação e o novo modelo educativo do ensino-aprendizagem, extensão e pesquisa, adotado em razão do isolamento social, ocasionado pela pandemia do coronavírus, que inclui a participação dos atores (instituições, docentes e discentes) e o auxílio da tecnologia, da Internet e das plataformas digitais, uma vez que a sala virtual substitui a convencional. Os autores concluem que as ferramentas digitais se apresentam como um instrumento democratizador à efetivação do direito à educação. Contraditoriamente, evidencia-se uma oportunidade de mercantilização pelo fato de que, imediatamente após o advento da pandemia, as plataformas e ferramentas digitais, particularmente de empresas como Google e Microsoft, apresentaram-se no “mercado educacional” com pacote de produtos, serviços e soluções para o ensino. Essa situação acontece em uma sociedade marcada por uma nova ordem educacional mundial, que vem sendo gestada pelo neoliberalismo escolar, pela escola neoliberal e pela racionalidade do capital transformada em lei social geral ( LAVAL, 2019 ). Cabe mencionar, ainda, que as condições de cada país são diferentes. No Brasil, nas últimas décadas, tal projeto de sociedade vem se concretizando por meio de práticas sociais e reformas de transmutação da educação como direito social para serviço e, consequentemente, mercadoria privatizada e justificada pelo discurso recorrente e intencional de ineficácia e custo da escola pública.
Dubet (2008 , 2011 ) contribui para compreender a produção de desigualdades sociais e educacionais, sinalizando, além disso, que situações de vulnerabilidade social se reproduzem nos espaços escolares; vulnerabilidade essa que, acreditamos, tenha sido evidenciada e potencializada no contexto da pandemia. Para o autor, a igualdade meritocrática das oportunidades permanece norteando a justiça escolar “[...] nas sociedades democráticas, isto é, nas sociedades que consideram que todos os indivíduos são livres e iguais em princípio, mas que também admitem que esses indivíduos sejam distribuídos em posições desiguais” ( DUBET, 2008 , p. 11). Tal asserção nos provoca a refletir sobre o que poderia ser uma escola justa, tão justa quanto possível, ou menos injusta, o que remete a outra prerrogativa do autor, a de que a igualdade distributiva e social das oportunidades, guiada pela equidade da oferta escolar e pela atenção dada aos vencidos, pode constituir uma forma de tornar a escola menos injusta.
Políticas educativas em uma orientação democrática atribuem à educação escolar o papel de contribuir para a justiça social ( CONNELL, 1999 ). Connell (1999) apresenta três razões fundamentais que endossam a importância do tema da justiça social para todos os implicados no sistema educativo – professores, pais, estudantes e administradores. São elas: a) o sistema educativo é um bem público de grande importância, que tem uma distribuição desigual de recursos na educação formal; b) o sistema educativo não consiste em um bem público apenas de hoje, pois assim será ainda mais no futuro, quando o conhecimento organizado tiver se convertido no componente mais importante do sistema produtivo; e c) o ensino e a aprendizagem, como práticas sociais, sempre colocam questões sobre propósitos e critérios para a ação, sobre a aplicação de recursos e sobre a responsabilidade e as consequências da ação educacional e social. Connell (1999 ,p. 70) sustenta, portanto, que “[...] os princípios da justiça curricular deveriam ajudar-nos a limpar um pouco a casa da educação e a identificar os aspectos do currículo que são socialmente injustos”. Para ele, esses princípios são: o princípio dos interesses dos menos favorecidos, que é negado por práticas curriculares que confirmem essa situação; o princípio da participação, que é negado quando se incluem práticas que permitem a uns grupos ter mais participação do que outros na tomada de decisões; e o princípio da produção histórica da igualdade, que é negado quando se obstaculiza a mudança nessa direção.
Nesse sentido, Dubet (2008) e Conell (1999) fornecem ferramentas analíticas para compreender que uma maior igualdade na realidade escolar em tempos de ensino remoto e pandemia implicaria uma necessária e urgente distribuição equitativa e controlada das condições e dos recursos destinados à educação pública. Rompe-se, assim, com a ideia de uma educação corrupta, ou seja, de “[...] una educación que privilegia a un niño sobre otro”, a qual “[...] está dando o primero una educación corrupta, a la vez que le favorece social o económicamente” ( CONNELL, 1999 , p. 23).
O presente texto, além desta introdução e das considerações finais, está organizado em duas seções. Na primeira, apresenta-se a metodologia e, na segunda, os resultados e as discussões.
METODOLOGIA
Esta pesquisa se configura como um estudo qualitativo exploratório, com uso de dados qualitativos e quantitativos. Foi enviado um questionário on- line ( Microsoft Forms ) para 937 estudantes Ensino Médio, voltado a conhecer a percepção destes acerca do ensino remoto implicado pela pandemia de Covid-19. A configuração do modelo metodológico consistiu na produção de dados censitária, dispensando a necessidade de realização de testes estatísticos de avaliação de significância dos resultados. Contudo, no decorrer do processo, algumas respostas não retornaram, configurando-se, assim, em um processo de amostragem por adesão. Dessa forma, foram incluídos na pesquisa 477 estudantes de duas escolas estaduais de bairros periféricos de uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre, cadastrados no Google Classroom para participação nas aulas remotas. As escolas são aqui nomeadas como Escola A e Escola B.
O link do questionário foi disponibilizado pelos professores como atividade a ser realizada pelos estudantes no Google Classroom , bem como em grupos de WhatsApp das turmas, de 15 de agosto até 15 de setembro de 2020, mediante a técnica designada de autoaplicação. O questionário continha 52 questões, organizadas por seções. A seção 1 tratou da concordância e do consentimento de participação no estudo; as seções 2 e 3, compostas por 16 questões fechadas, abordaram perfil, características e contexto pessoal, familiar, social e econômico dos estudantes; a seção 4, com 8 questões fechadas e uma aberta, englobou o contexto de trabalho e estágio dos estudantes; a seção 5, contendo 8 questões fechadas, levantou situações de aprendizado e desempenho; e a seção 6, com 15 questões fechadas e 3 abertas, focou o contexto escolar durante a pandemia. Para o desenvolvimento deste artigo, selecionamos e analisamos os dados da seção 6 do instrumento, acrescidos de dados de perfil e características dos alunos. De forma complementar, foram produzidos dados a partir dos relatos e registros do Diretor de Escola A e da Coordenadora Pedagógica da Escola B sobre o processo de implantação e execução do ensino remoto na Rede Estadual. Os dados foram submetidos à análise estatística e textual ( MORAES, 2003 ).
Na escola A, de um total de 516 estudantes matriculados em 2020 quando da aplicação do questionário, 407 (representando 78,88% do valor inicial) estavam cadastrados na conta de e-mail “@educar” do Google. Destes, após a realização do conselho de classe, 227 (43,99%) estavam participando regularmente das aulas remotas, e 289 (56,01%) se encontravam na condição de abandono. Dos 227 estudantes ativos no sistema, 134 responderam ao questionário, o que representa 25,97% dos matriculados e 59,03% dos ativos. Na Escola B, em 2020, havia 611 estudantes matriculados. Todos os estudantes matriculados no Ensino Médio foram cadastrados na conta de e-mail “@educar” do Google Classroom . Porém, apenas 530 (86,74%) estudantes já haviam acessado a plataforma, evidenciando que 81 (13,26%) nunca interagiram e estavam excluídos do processo educativo de 2020. Ressaltam-se, ainda, 104 estudantes (19,62% dos cadastrados e 17,02% dos matriculados) que não participavam das atividades de forma regular, apesar já terem acessado ao menos uma vez a conta institucional. Somando os 81 estudantes que nunca interagiram na plataforma com os 104 que não estavam participando, tem-se 185 estudantes, o que representa um índice de 30,28% em situação de abandono.
As escolas, por orientação da Secretaria de Educação, estabeleceram um sistema de busca ativa2 dos estudantes em abandono na tentativa de reverter esse quadro, mas diversas dificuldades foram encontradas, desde a inconsistência de números de telefones informados nos cadastros das escolas até o fato de o responsável não atender aos telefonemas por diferentes motivos. Quando respondiam às ligações, os relatos apresentavam justificativas relacionadas à dificuldade de acesso, à falta de recursos e equipamentos adequados, a problemas pessoais, à necessidade de alguns estudantes trabalharem para ajudar as famílias durante a pandemia e à presença de familiares doentes ou em luto em função da Covid-19.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados e as discussões são apresentados em duas seções: a primeira trata do processo de implementação do ensino remoto na Rede Estadual do Rio Grande do Sul, e a segunda, do ensino remoto em contexto de pandemia na percepção dos estudantes.
A IMPLEMENTAÇÃO DO ENSINO REMOTO: AS INCERTEZAS DO INÍCIO, OS DESAFIOS E A OPÇÃO PELO GOOGLE CLASSROOM
Pelo Censo Escolar de 2018, a rede conta com 2.497 escolas, distribuídas em 30 Coordenadorias Regionais de Educação (CREs), somando 888.512 matrículas: 2.358 na Educação Infantil, 482.362 no Ensino Fundamental, 286.378 no Ensino Médio, 86.538 na Educação de Jovens e Adultos e 31.876 na Educação Especial ( AUDINO, 2020 ).
Em relação às condições de infraestrutura e equipamentos das escolas: 71% possuem laboratório de informática; 82%, televisão; 66%, aparelho de DVD; 62%, impressora; 55%, máquina copiadora; 40%, retroprojetor; 21%, antena parabólica; 91%, sinal de Internet (destas, 77% possuem banda larga), 35.375 equipamentos para o uso dos estudantes e 13.806 para o uso administrativo ( AUDINO, 2020 ). Esses dados retratam variáveis de contexto que indicam a precariedade das escolas no tocante a ambientes para práticas pedagógicas com uso de tecnologias digitais, o que permite inferir também a existência de pouco investimento em formação pedagógica.
Por meio do Decreto n.º 55.1183 , de 16 de março de 2020, foi determinada a suspensão das atividades presenciais na rede estadual de ensino em função da pandemia provocada pela Covid-19. Inicialmente, as escolas foram orientadas pelas CREs a desenvolverem planos de ação, descrevendo as atividades que seriam trabalhadas com os estudantes por meio de aulas programadas4 . Os professores deveriam preparar as atividades coletivamente e encaminhar para os estudantes de suas respectivas turmas. Importante ressaltar o repasse de responsabilidades e a falta de clareza nos procedimentos, uma vez que, nessas orientações, não foi informado como as escolas, as direções e os professores deveriam proceder com relação ao encaminhamento dessas atividades aos estudantes.
Sendo assim, as escolas da Rede Estadual buscaram soluções para que os seus estudantes se mantivessem estudando em casa. Diversas ações nesse sentido foram feitas, desde a impressão de trabalhos para retirada presencial ou entrega em domicílio até o uso de aplicativos de mensagens como o WhatsApp e de redes sociais como o Facebook, para comunicação e envio de tarefas.
Cada instituição, nesse período, adotou estratégias com base na sua realidade, nas características da sua comunidade escolar e no perfil dos seus estudantes, seguindo as orientações da mantenedora. Ainda de acordo com as determinações, os responsáveis legais dos alunos deveriam ser comunicados sobre as atividades programadas, destacando-se a importância do cumprimento desse quesito como parte do processo e da rotina escolar. Passados os dias de suspensão das aulas presenciais, os estudantes deveriam entregar aos professores as atividades propostas. Essa ação estava condicionada, ainda, ao registro da frequência dos estudantes.
Posteriormente, a Secretaria Estadual de Educação decidiu antecipar o recesso de inverno, que tradicionalmente acontece no final de julho, para a primeira quinzena de maio. Na segunda quinzena de maio, as aulas foram canceladas, e os estudantes também não receberam atividades domiciliares, já que o governo estadual estava em processo de finalização do contrato de parceria público-privada para uso da plataforma Google for Education 5 . O mês de junho foi dedicado à sistematização das atividades realizadas até então, à ambientação de estudantes e professores ao Google for Education e ao cadastramento de professores e estudantes na conta de e-mail institucional “@educar”6 .
A partir de julho, todas as atividades e toda a interação entre estudantes e professores passou a ser feita mediante o Google Classroom , conforme instituído pelo governo do estado do Rio Grande do Sul. Desde então, os discentes recebem atividades, tiram dúvidas e preenchem formulários avaliativos dentro da plataforma, recebendo aulas ao vivo por meio do Google Meet .
A escola A optou, logo nos primeiros dias de suspensão das aulas presenciais, pelo envio das atividades por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, devido à sua utilização em larga escala por parte de estudantes e professores. A impressão de material didático e das atividades de aula foi direcionada apenas para aqueles estudantes que não eram usuários do aplicativo de mensagens e para aqueles que não tinham outros meios para acessar esse material. Após consulta à CRE, a equipe diretiva da escola A optou pelo uso da plataforma Google Classroom em uma conta de e-mail própria. Naquele momento, no final do mês de março e início do mês de abril, o estado ainda não havia efetivado o convênio com a empresa Google. Nesse sentido, portanto, a Escola A foi uma das pioneiras dentro da região da 2ª CRE na utilização do Google Classroom mesmo antes da adoção dessa plataforma por parte da Secretaria da Educação no mês de julho.
Já os professores da Escola B encaminharam atividades planejadas ainda durante as aulas presenciais para os estudantes realizarem seus estudos em casa, o que incluía trabalhos de pesquisa, lista de exercícios e propostas de leitura e resolução de atividades do livro didático. Passados 15 dias de atividades domiciliares, a escola elaborou seu plano de ação, definindo e-mail, WhatsApp e Facebook como meios de comunicação entre escola e estudantes no mês de abril. Devido ao grande número de alunos atendidos pela escola e ao risco de contágio pelo coronavírus, a equipe diretiva da escola B optou por não ofertar atividades impressas no primeiro semestre.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ( INEP, 2020 ), a taxa de abandono consiste no percentual de estudantes da matrícula total que, em dado ano/série, deixa de frequentar a escola durante o ano letivo. Na Rede Estadual do Rio Grande do Sul, essa taxa, considerando desde a 1ª até a 4ª série do Ensino Médio, foi de 7,98% em 2017, 7,44% em 2018 e 5,05% em 2019 ( INEP, 2020 ). Em 2020, no contexto de ensino remoto e pandemia relatado, a taxa de abandono no mês de setembro era de 56,01% na Escola A e 30,28% na Escola B.
Tais aspectos permitem afirmar que a pandemia se colocou como oportunidade para instituir o que Laval (2019 , p. 146) nomeia de as novas fronteiras do e-learning: “A globalização da educação on-line parece abrir às empresas um enorme mercado de venda de produtos educativos”. Ao mesmo tempo, somando as variáveis de contexto apresentadas sobre as condições de infraestrutura da Rede Estadual, evidenciam-se as desigualdades educacionais entre as redes e escolas públicas e privadas (MÉDICI; TATTOO; LEÃO, 2020), que fazem com que as tecnologias e ferramentas digitais não se apresentem como instrumento democratizador à efetivação do direito à educação ( PALUMBO; TOLEDO, 2020 ).
O ENSINO REMOTO EM CONTEXTO DE PANDEMIA COVID-19 A PARTIR DOS ESTUDANTES
A distribuição das variáveis de perfil dos estudantes é apresentada na Tabela 1 , que traça uma comparação entre as escolas. Os estudantes são predominantemente do sexo feminino (60,80%), distribuídos nos três anos do Ensino Médio, matriculados no turno da manhã (85,12%) e com faixa etária de 16 a 17 anos (62,47%). Verificamos que 25,37% dos estudantes se encontram com idade acima da esperada para o nível de ensino.
Dados de perfil | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Feminino | 290 | 60,80 | 83 | 61,94 | 207 | 60,35 |
Masculino | 187 | 39,20 | 51 | 38,06 | 136 | 39,65 |
1º ano | 169 | 35,43 | 55 | 41,04 | 114 | 33,24 |
2° ano | 162 | 33,96 | 40 | 29,85 | 122 | 35,57 |
3° ano | 146 | 30,61 | 39 | 19,10 | 107 | 31,20 |
Manhã | 406 | 85,12 | 105 | 78,36 | 301 | 87,76 |
Tarde | 62 | 13,00 | 21 | 15,67 | 1 | 0,29 |
Noite | 9 | 1,89 | 8 | 5,97 | 41 | 11,95 |
14 e 15 anos | 49 | 10,27 | 13 | 9,70 | 36 | 10,50 |
16 e 17 anos | 298 | 62,47 | 78 | 58,21 | 220 | 64,14 |
18 e 19 anos | 121 | 25,37 | 38 | 28,36 | 83 | 24,20 |
20 anos ou mais | 9 | 1,89 | 5 | 3,73 | 4 | 1,17 |
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Avaliando o grau de escolaridade de pais e das mães dos estudantes, encontramos uma predominância de Ensino Fundamental completo e incompleto; contudo, entre as mães, a maior incidência é de Ensino Fundamental incompleto. Entre as escolas existem poucas diferenciações com relação aos perfis de escolaridade. Uma delas é que o índice de analfabetismo das mães dos alunos da escola B é maior do que da escola A ( Tabela 2 ).
Grau de escolaridade | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Mãe | Pai | A | B | |||
Pai | Mãe | Pai | Mãe | |||
Não sei | 5,66 | 9,43 | 19,40 | 11,19 | 0,29 | 8,75 |
Analfabeto | 5,24 | 18,45 | 0,75 | 1,49 | 7,00 | 25,07 |
Ensino Fundamental incompleto | 28,72 | 35,43 | 27,61 | 28,36 | 29,15 | 38,19 |
Ensino Fundamental completo | 22,43 | 7,97 | 6,72 | 10,45 | 28,57 | 7,00 |
Ensino Médio incompleto | 7,76 | 8,39 | 8,96 | 11,19 | 7,29 | 7,29 |
Ensino Médio completo | 10,06 | 10,48 | 23,88 | 24,63 | 4,66 | 4,96 |
Ensino Superior incompleto | 5,03 | 5,03 | 3,73 | 2,24 | 5,54 | 6,12 |
Ensino Superior completo | 11,53 | 3,98 | 7,46 | 7,46 | 13,12 | 2,62 |
Pós-Graduação | 3,56 | 9,43 | 1,49 | 2,99 | 4,37 | 8,75 |
Total | 477 | 100,00 | 100,00 | 100,00 | 100,00 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Ainda com relação ao perfil dos estudantes, a maior parte apenas estuda. No entanto, os da escola B são os que mais fazem estágio de forma concomitante ao estudo. A taxa de estudantes que conciliam estudo com emprego ou estágio é de 17,05%. Encontramos aproximadamente 2% de estudantes que pararam de estudar em 2020, ou seja, estão cadastrados na plataforma realizando algumas interações com a escola e se autodeclarando em abandono ( Tabela 3 ).
Situação atual | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Apenas estudo | 310 | 64,99 | 83 | 61,94 | 227 | 66,18 |
Estudo e trabalho | 58 | 12,16 | 35 | 26,12 | 23 | 6,71 |
Estudo e faço estágio | 100 | 20,96 | 12 | 8,96 | 88 | 25,66 |
Parei de estudar esse ano e apenas trabalho | 9 | 1,89 | 4 | 2,99 | 5 | 1,46 |
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Os dados da Tabela 4 mostram que o acesso à Internet ocorre, em 93,08% dos casos, por meio de Wi-Fi (em casa). Esse resultado se repete entre os estudantes das duas escolas.
Meio de acesso | Total | Escolas7 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Dados móveis | 87 | 18,24 | 26 | 19,40 | 61 | 17,78 |
Wi-Fi (de casa) | 444 | 93,08 | 122 | 91,04 | 322 | 93,88 |
Wi-Fi (emprestado) | 20 | 4,19 | 8 | 5,97 | 12 | 3,50 |
Outros | 4 | 0,84 | 1 | 0,75 | 3 | 0,87 |
Total | 477 | - | 134 | - | 343 | - |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Os estudantes também utilizaram uma escala de cinco pontos para avaliar a qualidade do acesso à Internet (1 – mínimo; 5 – máximo). As médias foram de 3,79 para a Escola A e 4,00 para a Escola B, o que indica uma média geral de 3,9. Praticamente um em cada dez estudantes tem acesso ruim ( Tabela 5 ).
Qualidade do acesso à Internet (nota) | Total | Escolas8 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
1 | 9 | 1,90 | 5 | 3,73 | 4 | 1,80 |
2 | 35 | 7,40 | 12 | 8,96 | 23 | 6,78 |
3 | 112 | 23,68 | 36 | 26,87 | 76 | 22,42 |
4 | 137 | 28,96 | 34 | 25,37 | 103 | 30,38 |
5 | 180 | 38,05 | 47 | 35,07 | 133 | 39,23 |
Média | 3,94 | 3,79 | 4,00 | |||
Total | 473 | 100,00 | 134 | 100,00 | 339 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Destaca-se, ainda, o fato de que 27,46% dos estudantes têm conseguido acessar as aulas remotas às vezes, ou seja, quase um em cada três estudantes, o que configura um índice significativo. Contudo, de modo geral, há uma predominância daqueles que sempre conseguem acessar as aulas ( Tabela 6 ).
Acesso as aulas remotas | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Sempre | 332 | 69,60 | 85 | 63,43 | 247 | 72,01 |
Às vezes | 131 | 27,46 | 46 | 34,33 | 85 | 24,78 |
Nunca | 14 | 2,94 | 3 | 2,24 | 11 | 3,21 |
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Os principais meios utilizados pelos estudantes para acessar as aulas são: celular (93,71%) e notebook (32,08%). Ressalta-se que o mais adequado seria o acesso por meio de computador pessoal, que possibilita uma melhor acessibilidade ( Tabela 7 ).
Meios de acesso às aulas | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Celular | 447 | 93,71 | 123 | 91,79 | 324 | 94,46 |
Computador pessoal | 78 | 16,35 | 17 | 12,69 | 61 | 17,78 |
Notebook | 153 | 32,08 | 30 | 22,39 | 123 | 35,86 |
Tablet | 4 | 0,84 | - | - | 4 | 1,17 |
Outros | 2 | 0,42 | - | - | 2 | 0,58 |
Total | 477 | - | 134 | - | 343 | - |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Conforme indicado na Tabela 8 , em 94,76% dos casos, a posse dos equipamentos para acesso às aulas é do próprio estudante. Ainda assim, existe uma parcela de 5,24% que necessita de empréstimo ou compartilhamento do equipamento, índice que sobe para 7,47% se considerarmos apenas a escola A.
Posse dos equipamentos | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Meu | 452 | 94,76 | 124 | 92,53 | 328 | 95,63 |
Dos meus familiares | 65 | 13,63 | 15 | 11,19 | 50 | 14,58 |
Emprestado de amigo | 5 | 1,05 | 2 | 1,49 | 3 | 0,87 |
Da escola | 4 | 0,84 | - | - | 4 | 1,17 |
Outros | 4 | 0,84 | 1 | 0,75 | 3 | 0,87 |
Total | 477 | - | 134 | - | 343 | - |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Como para muitos estudantes era a primeira vez que acessavam aulas na modalidade remota, uma das questões visava mensurar a facilidade que possuíam para isso. Novamente verificou-se que um em cada três às vezes tem facilidade com o uso da tecnologia proposta para as aulas ( Tabela 9 ).
Facilidade de acessar as aulas | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Sempre | 320 | 67,09 | 83 | 61,94 | 237 | 69,10 |
Às vezes | 144 | 30,19 | 48 | 35,82 | 96 | 27,99 |
Nunca | 10 | 2,10 | 2 | 1,49 | 8 | 2,33 |
Não respondeu | 3 | 0,63 | 1 | 0,75 | 2 | 0,58 |
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Outro aspecto importante a ser considerado é o fato de os estudantes possuírem um espaço adequado para o acompanhamento das aulas ( Tabela 10 ). De modo geral, 78,62% revelaram que possuem esse espaço.
Espaço adequado estudo | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Sim | 375 | 78,62 | 106 | 79,10 | 269 | 78,43 |
Não | 102 | 21,38 | 28 | 20,90 | 74 | 21,57 |
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Notamos, ainda, que, devido ao afastamento presencial do estudante em relação à escola e à utilização de uma modalidade virtual de aprendizagem, a chance de abandono aumentou. A maioria dos estudantes revelou que pensou em desistir dos seus estudos nessa nova modalidade (52,83%), o que representa aproximadamente um em cada dois estudantes ( Tabela 11 ).
Pensou em desistir | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Sim | 252 | 52,83 | 70 | 52,24 | 182 | 53,06 |
Não | 225 | 47,17 | 64 | 47,76 | 161 | 46,94 |
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Apesar do grande potencial de abandono escolar, 85,95% dos alunos consideram importante manterem-se estudando, mesmo em período de pandemia. Associada à questão fechada, havia uma questão aberta sobre os motivos de terem pensado em abandonar os estudos em 2020. As respostas indicaram que são fatores motivadores para continuidade dos estudos as perspectivas de trabalho, de carreira profissional e de realização pessoal, conforme pode ser visualizado nos excertos a seguir: “Nunca pensei em abandonar os estudos, pois futuramente pretendo ter um serviço bom”; “Nunca pensei em abandonar os estudos, pois eles são de extrema importância para mim, principalmente porque, através deles, pretendo conquistar uma boa carreira profissional”; “Eu nunca pensei em desistir, pois eu tenho objetivos para realizar e para isso acontecer eu preciso do estudo”; e “Não pensei exatamente em desistir, mas é bem cansativo e difícil, estudar e cuidar da minha filha ao mesmo tempo. Preciso ser alguém na vida e eu gosto de dar orgulho para a família”.
No Gráfico 1 estão apresentadas as quantidades percentuais totais, com relação às respostas na questão aberta sobre os motivos do abandono escolar, analisadas e agrupadas por afinidades. A maior parte dos estudantes indicou uma relação negativa e inconclusiva. Ainda assim, o aprendizado e o ensino são também bem representativos entre as citações.
Destacamos alguns excertos que evidenciam os fatores apresentados no Gráfico 1: “O fato de eu não conseguir aprender quase nada estando em casa, pois tenho dificuldade em aprender algo sem ter alguém ensinando e/ou para tirar dúvidas”; “Alguns professores desde o começo da pandemia para cá estão enviando trabalhos em uma quantidade absurda, se estivéssemos tendo aula presencial não iam nos mandar tantos trabalhos assim sendo que alguns trabalham”; “Eu não consigo entregar, fiz alguns apenas. Tenho quase 80 trabalhos sendo que não tenho tempo, solto 22:30 do meu serviço e pego 14:30. O fato de não conseguir entregar as atividades fez eu pensar em desistir”; “Depressão. Tentei suicídio duas vezes, fiquei internada no hospital. E sempre me achando insuficiente, achando que não conseguiria fazer todas as atividades, até porque são muitas em um curto período de tempo”; “A dificuldade de acesso à internet e um celular bom”, “Primeiro lugar cuida da saúde!!! Escolas, aulas a gente recupera, vida nossa e de nossos familiares não”. Ressaltamos, ainda, algumas diferenças significativas entre a Escola A e B, respectivamente, no que concerne às seguintes razões para o abandono escolar: ensino – 8,96% e 16,03%; trabalho e dificuldades familiares – 10,45% e 4,66%; e desempenho acadêmico – 0,75% e 7,87%.
Outros aspectos que contribuem para dificultar os estudos na pandemia são a necessidade de os alunos trabalharem e a perda de emprego de familiares: 85,95% dos estudantes possuíam alguém próximo, da família (que mora na sua casa), que perdeu o emprego ( Tabela 12 ). Ainda assim, consideram importante permanecer estudando ( Tabela 13 ).
Alguém perdeu o emprego | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Sim | 410 | 85,95 | 112 | 83,58 | 298 | 86,88 |
Não | 67 | 14,05 | 22 | 16,42 | 45 | 13,12 |
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Importante manter-se estudando durante a pandemia | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Sim | 410 | 85,95 | 112 | 83,58 | 298 | 86,88 |
Não | 67 | 14,05 | 22 | 16,42 | 45 | 13,12 |
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Ao avaliarem o aprendizado com as aulas remotas ( Tabela 14 ), houve uma concentração entre as notas 1, 2 e 3, com média de 2,60. Esse resultado é considerado baixo, levando-se em consideração o ponto 3 como intermediário. Observamos, além disso, mais notas 4 na escola A que na escola B.
Nota para o aprendizado com aulas remotas | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
1 | 108 | 22,64 | 26 | 19,40 | 82 | 23,91 |
2 | 119 | 24,95 | 23 | 17,16 | 96 | 27,99 |
3 | 138 | 28,93 | 35 | 26,12 | 103 | 30,03 |
4 | 78 | 16,35 | 34 | 25,37 | 44 | 12,83 |
5 | 34 | 7,13 | 16 | 11,94 | 18 | 5,25 |
Média | 2,60 | 2,93 | 2,48 | |||
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Ao avaliarem a qualificação dos professores quanto à facilidade do uso de tecnologias em aulas remotas ( Tabela 15 ), uma parcela muito significativa dos alunos indicou que esse domínio existe às vezes. Esse fato pode ser explicado pela pouca ou quase nenhuma capacitação para o uso das tecnologias disponíveis.
Facilidade dos professores/ as com o uso de tecnologias | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Sempre | 85 | 17,82 | 28 | 20,90 | 57 | 16,62 |
Às vezes | 375 | 78,62 | 101 | 75,37 | 274 | 79,88 |
Nunca | 17 | 3,56 | 5 | 3,73 | 12 | 3,50 |
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Outro aspecto a ser considerado é a capacidade de os estudantes desenvolverem as atividades solicitadas pelos professores no tempo estipulado ( Tabela 16 ). A maior parte dos estudantes assinalou que às vezes consegue (52,62%), e aproximadamente um em cada dez nunca consegue entregar nos prazos solicitados.
Consegue desenvolver atividades solicitadas | Total | Escolas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequências | % | A | B | |||
Frequências | % | Frequências | % | |||
Sempre | 179 | 37,53 | 43 | 32,09 | 136 | 39,65 |
Às vezes | 251 | 52,62 | 75 | 55,97 | 176 | 51,31 |
Nunca | 46 | 9,64 | 15 | 11,19 | 31 | 9,04 |
Não respondeu | 1 | 0,21 | 1 | 0,75 | - | - |
Total | 477 | 100,00 | 134 | 100,00 | 343 | 100,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Cabe mencionar, ainda, que as horas necessárias ao aprendizado dos alunos não se restringem aos encontros remotos, pois é necessário que dediquem um tempo extra a atividades extraclasse. A maior parte dos estudantes informou que dedica de uma a três horas semanais, sem especificar se esse tempo é por atividade ou para o total de aulas da semana. Ainda assim, foi muito expressiva a parcela que dedica no máximo uma hora ao estudo (29,35%), representando um em cada três estudantes.
Outra questão aberta feita aos estudantes buscava entender quais os sentimentos despertados pelo ensino remoto, categorizados para fins de análise em positivos, negativos, imparciais e ambos ou ambivalentes. A maioria dos alunos, aproximadamente um em cada dois, indicou sentimentos negativos ( Gráfico 2 ).
A partir das respostas, elaboramos uma nuvem de palavras, que evidencia tanto a predominância de sentimentos negativos quanto quais são os mais recorrentes: ruim/mal, perda, cansaço, ansiedade, desânimo e saudade. Os sentimentos negativos estão relacionados substancialmente com a aprendizagem e questões de ensino, como despreparo dos docentes e excesso de atividades. Ademais, constituem marcadores relevantes a preferência pelo ensino presencial e a saudade do convívio social na escola.
A análise dos dados revela resultados preocupantes. Em alguns casos, indica dificuldades com o uso de aulas remotas, despreparo de estudantes e professores e problemas com ambientes, acessos, equipamentos e domínio de tecnologia digital, evidenciando que as desigualdades sociais e educacionais foram acentuadas e potencializadas no contexto da pandemia em escolas públicas. Parece importante destacar, ainda, que, se em apenas duas escolas pertencentes a uma mesma região essas desigualdades se fazem presentes, é de se esperar que se acentuem ainda mais considerando todo o território nacional, em que existem diferenças regionais, entre tantas outras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A suspensão das aulas presenciais e a adoção das aulas remotas como estratégia de distanciamento social para minimizar impactos da pandemia acentuaram e potencializaram desigualdades sociais e educacionais historicamente presentes no contexto educacional brasileiro. Os princípios de justiça curricular apresentam-se negados pela ausência de políticas públicas nas diferentes esferas de governo, em que se revelam variáveis de contexto que interferem na produção de desigualdades escolares. O governo federal, representado pelo MEC, e o governo estadual, representado pela Secretaria da Educação, estabeleceram diretrizes e normativas de forma vertical, autoritária e insuficiente, autorizando e regulando o ensino remoto mediado por tecnologias digitais. No entanto, isso aconteceu sem contrapartidas e responsabilidades pelas condições da execução desse ensino, conforme estabelece o Regime de Colaboração previsto constitucionalmente. Exemplo disso foi a adoção, por parte do governo, da estratégia de privatização,sem discussão com os atores envolvidos, quando, no decorrer do processo, firmou uma parceria com o Google para oferecer uma plataforma de ensino remoto, desconsiderando a materialidade das condições das escolas e da comunidade escolar.
Cabe destacar que os fatores mais significativos que interferem negativamente no percurso escolar dos estudantes se relacionam às condições socioeconômicas, de infraestrutura das escolas, e às condições e metodologias do trabalho docente, reverberando em taxas exorbitantes de abandono e intenção de abandono e de defasagem idade-série; dificuldades dos estudantes de conciliar estudo com emprego ou estágio; condições educacionais e sociais dos contextos familiares, seja pela escolaridade ou pelo desemprego provocado pela pandemia; frágil formação dos docentes; e condições precárias de ambientes, acesso à Internet e recursos para participação mais efetiva nas aulas remotas. As variáveis de contexto e os fatores mapeados indicam o agravamento exponencial das desigualdades, portanto, aspectos socialmente injustos e permitem afirmar a persistência de uma educação corrupta revelada pela realidade escolar de jovens de escolas públicas em tempos de ensino remoto e pandemia. Isso implica a luta pela democracia na educação pública, mediante uma urgente distribuição equitativa, controlada e norteada pela justiça escolar das condições e dos recursos a ela destinados.