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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versión impresa ISSN 1678-166Xversión On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.37 no.3 Goiânia set./dic 2021  Epub 15-Mar-2022

https://doi.org/10.21573/vol37n32021.111559 

ARTIGOS

Participação no ENEM: desigualdades no contexto das escolas públicas no Rio de Janeiro

Participation in ENEM: inequalities in the context of public schools in Rio de Janeiro

Participación en ENEM: desigualdades en el contexto de las escuelas públicas de Río de Janeiro

ANDERSON PAULINO DA SILVA1 
http://orcid.org/0000-0001-9655-8700

RODRIGO ROSISTOLATO2 
http://orcid.org/0000-0002-4025-0632

1Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-graduação em Educação Faculdade de Educação Rio de Janeiro, RJ, Brasil

2Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-graduação em Educação Rio de Janeiro, RJ, Brasil


Resumo

O artigo analisa a participação de concluintes do Ensino Médio nas escolas estaduais do Rio de Janeiro no ENEM entre 2012 e 2016. Considera os impactos da Lei de Cotas sobre expectativas dos estudantes. Por participação compreende-se a trajetória desde a inscrição até a habilitação para o acesso à universidade. Propõe um indicador da taxa média de participação no Enem por escola e modelos de regressão linear e logística para compararmos as escolas. Apontamos mudanças na participação dos estudantes e alterações na estratificação horizontal nas escolas da rede.

Palavras-Chave: participação no Enem; política de cotas; estratificação escolar

Abstract

The article analyzes the participation of high school graduates in Rio de Janeiro’s state schools in ENEM between 2012 and 2016. It considers the impacts of the Cotas Law on students’ expectations. Participation comprises the pathway from enrollment to qualification for access to the university. It proposes an indicator of the average enrollment rate per school and linear and logistic regression models to compare schools. We point to changes in student participation and changes in horizontal stratification in state schools.

Key words: participation in ENEM; quota policy; school stratification

Resumen

El artículo analiza la participación de los egresados de secundaria de las escuelas públicas de Río de Janeiro en el ENEM entre 2012 y 2016. Considera los impactos de la Ley de Cuotas en las expectativas de los estudiantes. La participación comprende el trayecto desde la matrícula hasta la titulación para el acceso a la universidad. Propone un indicador de la tasa de participación promedio por escuela y modelos de regresión lineal y logística para comparar escuelas. Señalamos cambios en la participación de los estudiantes y cambios en la estratificación horizontal en las escuelas de la red.

Palabras-clave: participación en ENEM; política de cuotas; estratificación escolar

INTRODUÇÃO

Este artigo analisa a participação no Enem de concluintes do ensino médio em unidades da rede pública estadual na cidade do Rio de Janeiro, entre os anos de 2012 e 2016, considerando os efeitos da implementação da Lei Federal de Cotas (Lei nº 12.711/2012) para acesso ao ensino superior sobre a decisão de candidatura dos estudantes.

A possibilidade de que diferenças escolares possam favorecer níveis variados de engajamento na participação no Enem constitui um indicador de superação das desigualdades educacionais, hipoteticamente correlacionado com a eficácia do trabalho escolar. Por outro lado, esse fluxo pode ser negativamente afetado por uma autoestima social conformada por experiências precárias de escolarização, condições socioeconômicas ou discriminação. De tal modo, questionamos como as interações entre as ações institucionais das escolas com a Política de Cotas refletem-se na participação dos alunos da rede estadual no Enem. Por participação compreendemos a trajetória cumprida desde a inscrição até a habilitação do estudante para o acesso ao ensino superior.

A restrição do escopo da pesquisa ao campo das escolas da rede estadual ressalta o quadro de desvantagens destas instituições públicas na aprovação para o ensino superior1 . Sobre isso, as pesquisas têm concentrado atenção nos fatores de desempenho, observando as condições socioeconômicas dos estudantes ( BARROS, 2014 ), as disparidades regionais (VIGGIANO e MATOS, 2013) ou características discriminatórias na formulação do exame (JUNIOR, 2015, NASCIMENTO, CAVALCANTI e OSTERMANN, 2018).

No entanto, o debate que aqui se propõe assume um ponto de partida anterior. Considera-se que as decisões quanto à participação no Enem perfazem um filtro que precede ao êxito ou ao fracasso na transição para o ensino superior. Tal hipótese reconhece no volume dos estoques de candidaturas uma condição elementar para superação das desigualdades de acesso às universidades, tendo em conta os estímulos decorrentes da implementação e consolidação da Lei federal de cotas sobre a realidade das escolas públicas. Porém, em diálogo com as teorias da estratificação educacional horizontal2 , argumentamos que, mesmo num contexto de expansão de oportunidades de acesso a prestigiosas universidades, diplomas escolares com valores equivalentes, podem ser qualitativamente diferenciados em face da motivação transmitida pela escola ao seu alunado. (BREEN e JONSSON, 2000; LUCAS, 2001 ).

Instituído como uma proposta de avaliação das competências de aprendizagem no final do ciclo básico (CASTRO e TIEZZI, 2004), o Enem se converteu na principal ferramenta de seleção para o acesso ao ensino superior no país. Na mesma medida que favoreceu a concorrência nacional por vagas nas universidades federais (LOPES e PERES, 2010), reduziu também o custo pessoal e financeiro para participação de estudantes das escolas públicas na seleção.

Porém, somente com a Lei de cotas a adesão das universidades federais ao Enem se tornou compulsória. Todas foram obrigadas, num prazo de quatro anos, a reservar 50% de suas vagas para os egressos das escolas públicas, com uma sub-reserva de vagas para estudantes de baixa renda; e outra, de corte racial, para pretos, pardos e indígenas. O encorajamento gerado por essas medidas fez os estudantes das escolas públicas predominarem entre os candidatos. A proporção de inscritos no estado Rio de Janeiro em 2016 foi de 74% e, na capital, 54%3 . Esses eventos demarcam o recorte temporal da pesquisa.

O universo da pesquisa abrange 267 escolas que, entre 2012 e 2016, tiveram ao menos um aluno concluinte do ensino médio regular ou profissional inscrito no Enem. Foram excluídos alunos na modalidade da Educação de Jovens e Adultos e os inscritos no Enem que não concluiriam o ensino médio no mesmo ano da prova, os chamados “treineiros”.

É fato que a decisão de inscrição no Enem não é reveladora do êxito na aprovação, porém, é condição necessária para que o resultado esperado venha ocorrer. De tal modo, a candidatura revela em ato o projeto de obtenção de uma formação superior ( SCHUTZ, 1979 ). Em sentido inverso, a ausência na prova traduz, ao menos em parte, a falta de confiança quanto à possibilidade do êxito, o que nos permite conceber a decisão da participação no Enem como mais um ponto focal da seletividade diferencial do sistema educacional ( MARE, 1980 ).

Explorando os microdados do Enem, extraímos informações sobre as escolas de origem e as características socioeconômicas dos candidatos. Para as análises, apresentamos as estatísticas descritivas sobre o perfil das candidaturas vinculado às escolas e modelos de regressão linear multivariada e logística para as taxas de participação no Enem por escola e as transições dos estudantes nas etapas deste exame.

O indicador da taxa de participação coteja o número de inscritos no Enem em cada escola por ano com o número de concluintes no mesmo ano nos registros do Censo Escolar, perfazendo média entre 2012 e 2016. Esta estratégia, além de conferir maior operacionalidade à pesquisa, permitiu também mitigar variações excepcionais nos números que pudessem distorcer o olhar para a condição de determinadas escolas.

Implicitamente, a composição do indicador de participação reflete aspectos relativos à equidade das escolhas ( SEN, 1999 ) em face das características individuais, contextos sociais e oportunidades no contexto das escolas. Assim, quando traduzimos o engajamento no Exame como uma expressão de uma autoestima social, as variações nas taxas de candidatura, ausência e sucesso na habilitação podem ser tomadas como uma proxy da efetiva disposição incutida pelas escolas quanto às chances de acesso à universidade.

Por esta via, compreendemos a política de cotas como um mecanismo de distribuição de oportunidades cujos efeitos ainda carecem ser mais amplamente demonstrados. Ao refletirmos sobre as escolhas desses estudantes, propomos também o entendimento de sua relação subjetiva com os processos escolares e as desigualdades estruturais da sociedade. E, mesmo que a filtragem operada nas transições nos ciclos anteriores aponte para certo nível de homogeneidade entre estes estudantes, é impróprio descartar a influência de efeitos secundários, introduzidos por certos marcadores sociais, implicados com as decisões individuais em cada trajetória escolar ( BOUDON, 1981 ).

Na sequência do artigo, apresentamos os argumentos teóricos relacionados à estratificação escolar e à transição para o ensino superior, bem como descrevemos e analisamos os dados que sustentam empiricamente a pesquisa. Os dados informam uma correlação positiva entre a distribuição de oportunidades objetivas de acesso à universidade, a partir da Lei de cotas, e a mudança na subjetividade dos estudantes quanto às percepções sobre os seus campos de possibilidades ( VELHO, 2003 ). Além disso, conforme os elementos da teoria da estratificação horizontal, observamos que as desigualdades se reproduzem na diferenciação interna do sistema educacional, em que as escolas com maiores taxas de inscrições no ENEM também concentram grupos com mais vantagens sociais.

ESTRATIFICAÇÃO ESCOLAR E TRANSIÇÃO PARA O ENSINO SUPERIOR

Apesar da expansão das matrículas no sistema educacional do país nas últimas décadas, pode-se constatar que a conclusão do ensino médio permanece como um gargalo para o aumento das oportunidades educacionais, dado em função de fatores como a renda, condição de classe e raça ( SILVA, 2003 ; RIBEIRO, 2009 , 2017 ; FRESNEDA, 2012 ; RIBEIRO, CENEVIVA e BRITO, 2015, CARVALHO

e SENKEVICS, 2020). Esse fenômeno reflete a hipótese da desigualdade mantida ao ponto máximo (HOUT e RAFTERY, 1993), segundo a qual as probabilidades de indivíduos com origem nos estratos sociais mais baixos alcançarem mais educação são dadas em função da demanda apresentada por aqueles provenientes de famílias das classes mais abastadas. Em dimensão quantitativa, esta hipótese atesta a existência das desigualdades no acumulado de educação por diferentes grupos sociais.

Em contraste com as barreiras representadas pela conclusão do ensino médio, algumas pesquisas informam a redução das desigualdades no acesso ao ensino superior dentre os habilitados no nível básico, como efeito direto das Cotas e outras políticas afirmativas intermediadas pelo Enem nos anos recentes (MARTELETO, MARSCHNER e CARVALHAES, 2016, SALATA,

2018). Quanto a este aspecto, os trabalhos vinculados à dimensão horizontal da estratificação educacional abordam a heterogeneidade das trajetórias escolares como um elemento de recriação das desigualdades, mesmo em cenário de expansão de oportunidades. Esta premissa forma a base da hipótese da Desigualdade Efetivamente Sustentada ( LUCAS, 2001 ). Dessa forma, os estudantes e as famílias dos estratos mais elevados competiriam por nichos de formação qualitativamente diferenciados que possam lhes conferir alguma vantagem posterior.

No contexto brasileiro, as pesquisas em torno desta hipótese, em sua maioria, têm se concentrado nas desigualdades de acesso às instituições e carreiras de formação superior (HONORATO, ZUCARELLI, VIEIRA, 2019; RIBEIRO e SCHLEGEL, 2015 ). Ao nível do ensino médio, para além do conhecido dualismo de desempenho entre as escolas públicas e privadas, destacam-se alguns estudos que apontam o efeito da passagem por escolas públicas de formação técnica (MONTALVÃO, 2011; FRESNEDA, 2012 , 2016 ; SALES, HEIJMANS e SILVA, 2017) na transição para as universidades públicas.

Em um levantamento sobre estudos com abordagem qualitativa sobre jovens no ensino médio, Santana, Oliveira e Sordillo (2021) apontam que, entre os mais pobres, a aspiração pela inserção no ensino profissional ou superior associa- se com a perspectiva da mobilidade social e da aquisição de bens materiais, representações estas que, em alguma medida, também se encontram na base do movimento pelas Cotas nas universidades.

Outro aspecto desta seara de pesquisas abrange à percepção de distinções escolares nas redes públicas de ensino, configuradas pelos estudos sobre a eficácia escolar , introduzidos pelas avaliações com testes padronizados. Acerca do desenvolvimento deste campo de pesquisas no Brasil, Brooke e Soares (2008, p.9) argumentam que, “ embora parte importante da explicação dos baixos níveis de desempenho dos estudantes esteja em fatores extraescolares, há uma enorme variação entre resultados de escolas de um mesmo sistema que atendem alunos muito similares em termos socioeconômicos ”. De acordo com Andrade e Soares (2008) , a heterogeneidade de resultados das escolas tende a se acentuar no ensino médio, o que tem como hipótese o acirramento da competição por acesso ao ensino superior. Soares e Alves (2013) chamam atenção ainda para a importância dos fatores de ordem contextual na avaliação sobre a qualidade das escolas.

Diante desse quadro, outros estudos apontam para as interações entre a estrutura de oportunidades geridas pelos governos e as escolhas das famílias como um aspecto relevante da relação entre equidade social e educação. Neste caso, a tendência de homogeneização social de certas unidades escolares teria explicação tanto na perspicácia da atuação das famílias quanto nos procedimentos adotados pela burocracia na composição dos corpos discentes. Cabe afirmar que as famílias populares não têm necessariamente clareza sobre os indicadores de desempenho das escolas. Mas, com base num conjunto de informações distribuídas em suas redes sociais ( BOTH, 1976 ), tomam ciência da reputação dessas informações, fazem suas escolhas e atuam para matricular seus filhos (COSTA et al, 2013; ROSISTOLATO et. al, 2019), algo que parece ter também implicações na variação de candidaturas ao Enem.

PARTICIPAÇÃO NO ENEM: RESULTADOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL

A análise dos dados assume a experiência escolar no sistema público como um elemento essencial da decisão de participação no Enem para jovens em vias de conclusão do ciclo escolar básico. Por pressuposto, temos a existência de escolas mais e menos eficazes na produção social de motivações para trajetórias escolares de longa duração. Tal cenário é associado com a redistribuição de oportunidades educacionais favorecida pela Política de Cotas federal.

A hierarquização das escolas proposta pela pesquisa compreende a sua distribuição numa escala que varia entre 1 e 0, sendo 1 o equivalente a totalidade dos concluintes inscritos para o Enem e 0 o seu inverso. Idealmente, a semelhança das taxas constituiria uma indicação do equilíbrio quanto aos resultados alcançados pelo conjunto das escolas. Assim, variações na taxa do indicador revelariam uma maior ou menor disposição dos alunos para ingressarem no ensino superior, dado que pode ser percebido como uma sinalização do nível de prestígio institucional. Excetuando as escolas federais, a rede estadual detém o monopólio da formação de ensino médio no segmento público no município do Rio de Janeiro. As escolas desta rede estão vinculadas a duas secretarias de governo: a Secretaria Estadual de Educação (Seeduc) e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti). Considerando todos os anos da pesquisa, as 267 escolas avaliadas correspondiam, em 2016, a 97% das unidades de ensino médio da rede estadual na capital fluminense, totalizando 126.172 alunos concluintes.

As unidades vinculadas à Secti respondiam por 11% destes casos, distribuídos por 9 instituições escolares, sendo 2 colégios de aplicação e 7 de ensino médio integrado, que são parte da rede Faetec. As escolas da Seeduc, embora privilegiem a educação propedêutica, também contemplam certo nível de diferenciação, incluindo escolas de Formação Normal e as de Formação especializada, mantidas em projetos de parceria com outros órgãos da esfera pública ou privada.

Em ambos os casos, o acesso ocorre por meio de livre escolha. Entretanto, há diferenças na organização desta demanda. Nas unidades da Seeduc as candidaturas são feitas por meio de sistema informatizado, que regula a oferta e a distribuição de vagas nas escolas. A prioridade é dada àqueles que já são alunos e por critérios de proximidade da residência. No âmbito da Secti a seleção é feita por intermédio de exames de seleção.

No caso específico do Colégio de Aplicação ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Cap-UERJ), a matrícula era assegurada aos egressos do ensino fundamental, que tem acesso por sorteio para candidatos ao 1º ano ou exames de seleção, no caso do 4º e 5º anos desse mesmo segmento. As vagas remanescentes do ensino médio são distribuídas por sorteio entre candidatos considerados aptos em exame de nivelamento.

Conforme lei estadual, em todos os exames de seleção há previsão de cotas para estudantes oriundos da rede pública e minorias raciais (pretos, pardos e indígenas). A reserva de vagas é de 40%, na proporção de 20% para estudantes oriundos da rede pública e 20% para pretos, pardos e indígenas (Lei estadual 6.433/2013). O Cap-UERJ dispõe ainda de uma reserva de vagas para filhos de professores e funcionários da Universidade.

A taxa média do indicador de participação no Enem entre as escolas da Secti é 0,83 contra 0,65 das escolas da Seeduc. O Cap-UERJ é uma das escolas com taxa máxima de participação. Além disso, os concluintes da Secti eram em média dois anos mais novos em idade (18 anos) quando comparados aos da Seeduc (20 anos). Esse dado é indicativo ainda da maior heterogeneidade das escolas da Seeduc, que compreende uma maior distribuição geográfica e de turnos de funcionamento, que podem exercer influências relevantes na composição do alunado. E, mesmo que a comparação entre essas duas realidades da rede estadual possa parecer inapropriada, esta opção assume o caráter exploratório da pesquisa.

O gráfico 1 apresenta a hierarquia das escolas por percentis do indicador da taxa de participação, segundo a proporção de alunos inscritos no Enem por ano.

Fonte: Inep/Enem, 2012-2016

Gráfico 1 Percentil da taxa de participação e proporção de inscritos por ano, Enem, Rio de Janeiro, 2012-2016 

A análise do gráfico 1 acima favorece a percepção dos agregados por escolas no período de 2012 a 2016, considerando a hierarquia do indicador e a proporcionalidade de candidaturas nas escolas pelos anos da pesquisa. O gráfico 1 informa ainda os pontos de corte de cada percentil.

A partir do 3º percentil, que concentra as escolas com 30% das maiores taxas de participação no Enem - acima de 0,68 -, respondem por mais de 65% das inscrições em todos os anos da pesquisa. Por sua vez, as escolas que estão abaixo do 6º percentil, que equivalem às 50% com menor prestígio na escala hierárquica, participam com menos de 15% do total das inscrições das escolas estaduais no Enem.

A comparação por ano sugere ainda que os alunos provenientes das escolas com menores taxas de inscrição seriam menos afetados pelas políticas de cotas. A pouca variação nas taxas de inscritos entre os estudantes dessas escolas sugere que este público seria menos sensível ao aumento das vantagens concedidas pelas Cotas para o ingresso nas universidades. Por sua vez, a queda no volume de candidaturas provenientes de escolas do primeiro percentil sugere um movimento de reequilíbrio proporcional dentre as escolas mais influenciadas por esta medida.

Outro elemento importante a ser destacado é o posicionamento das Escolas da Secti na distribuição do indicador. Das 9 escolas listadas, 8 aparecem no conjunto dos 20% maiores indicadores de participação. Todas aparecem entre os 30% de escolas com maiores taxa de participação na inscrição para o Enem. Nas escolas da Seeduc, a despeito de serem menos seletivas, destacamos a maior frequência das instituições de Formação Normal e aquelas mantidas em parcerias público/privadas no topo da hierarquia.

O gráfico 2 analisa a distribuição geográfica das escolas. Para tanto, estabelecemos como critério a sua localização quanto às áreas de abrangência das Coordenadorias Regionais da Seeduc no município, ainda que nem todas as escolas pertençam a esta secretaria.

Fonte: Inep/Enem, 2012-2016

Gráfico 2 Distribuição de candidaturas por percentis e localização geográfica das escolas da rede estadual 

Por este critério, as escolas foram agregadas em três macrorregiões: Centro/Sul, Norte e Oeste. Mesmo com certo grau de imprecisão, essa distribuição reflete as disparidades socioeconômicas observadas no município. A região Centro/Sul abrange o núcleo administrativo e da orla marítima da cidade, onde se concentram os principais investimentos da indústria do turismo. Nela notam- se os melhores índices de condições de vida. Na região Norte predominam os bairros do subúrbio, com áreas de habitação popular tradicional e algumas áreas industriais degradadas. A região Oeste compreende as áreas de ocupação mais recente, algumas delas correspondentes a antigas áreas rurais do município. É a maior em extensão demográfica.

As escolas da região Centro/Sul aparecem com maior representação nos percentis que mais oferecem candidaturas ao Enem. Dentre as escolas com as 20% maiores taxas de inscritos, os candidatos provenientes de escolas da região Centro/Sul têm uma representação de 50%. Na mesma faixa, as escolas da região Norte são 46% e as da Oeste 35%.

O grupo das escolas com os menores indicadores de inscrição no Enem tem maior prevalência de escolas da região Oeste. Os candidatos provenientes das escolas dessa região correspondem a 42% dos candidatos abaixo do percentil 4. Por este mesmo critério, o grupo dos candidatos da região Norte totaliza 29% e os da Centro/Sul, 26%.

O gráfico 3 compara as frequências de distribuição de renda familiar no período entre 2012 e 2016, com separação pelos vínculos administrativos.

Fonte: Inep/Enem, 2012-2016

Gráfico 3 Distribuição por classe de renda familiar dos concluintes do Enem nas escolas de rede estadual – Seeduc e Secti, 2012 a 2016 

A análise temporal apresentada no gráfico 3 repõe a discussão dos efeitos das Cotas sobre a disposição de candidaturas, ressaltado o fato da renda familiar ser um dos subcritérios de acesso à Lei federal de Cotas.

No conjunto das escolas vinculadas à Secti, o grupo entre 1,5 e 3 salários mínimos é predominante, com uma variação que foi de 39% para 37%. Em contrapartida, a proporção de candidatos com renda inferior a 1,5 salários mínimos, teve uma elevação que parte de 25% em 2012, para patamares acima dos 30% em 2013 e 2015, o que revela também os efeitos prováveis da Lei Estadual de Cotas de 2013. Em 2016 a participação desse grupo decaiu para 28%. O grupo do estrato de renda mais elevado, acima de 6 salários mínimos, também se manteve estável ao longo do período, com oscilação entre 12% e 10%.

Entre as escolas da Seeduc, o perfil dos candidatos é menos evidente. Isto pode estar relacionado com a maior fluidez no acesso a essas escolas e a presença de um público mais suscetível às mudanças no cenário econômico. Sobre este aspecto, importa notar a redução dos candidatos de famílias com renda de até 1 salário mínimo e o crescimento daqueles com renda entre 1,5 e 3 salários mínimos.

Estes se elevam de um patamar de 25% em 2012 para 33% em 2016. Contudo, é evidente tratar-se de um grupo, na média, mais pobre quando comparado ao perfil de alunos da Secti. Em todos os anos, a soma dos grupos nos dois menores estratos supera 50%. Em contrapartida, as duas maiores faixas de renda somam no máximo 12%.

No gráfico 4 , apresentamos os dados por grupos de cor, outro critério para o benefício da reserva de vagas nas universidades federais.

Fonte: Inep/Enem, 2012-2016

Gráfico 4 Distribuição por grupos de cor dos concluintes do Enem nas escolas de rede estadual - Seeduc e Secti, 2012 a 2016 

Consoante ao fato de concentrar um grupo de alunos mais pobres, as escolas da Seeduc também apresentam uma maioria de alunos não brancos, em que predominam os pardos. Mas também os pretos se observam acima de sua participação na população. A análise longitudinal demonstra uma redução de 3 pontos percentuais na participação dos brancos. No sentido inverso, os pretos se elevam de 18% para 20% na comparação do ano de 2012 com o de 2016.

Este mesmo movimento pode ser notado de forma mais acentuada nas escolas da Secti, o que pode novamente ser atribuído à política estadual de cotas na educação básica. A participação dos brancos nas candidaturas decaiu de 44% em 2012 para 38% em 2015. Em 2016 se estabeleceu no patamar de 40%. A presença de pretos e pardos em conjunto superou a marca dos 53% em 2013 e alcançou 57% no último ano da análise.

Para testar a hipótese apresentada no começo deste tópico, concebemos um modelo de regressão linear múltipla, no qual são analisadas as razões de chance de um estudante estar numa escola com alta participação no Enem em face de diferentes variáveis explicativas, apresentadas na análise descritiva como favoráveis ao aumento da escolarização individual.

A tabela 2 abaixo descreve os coeficientes das variáveis para os anos de 2012 e 2016, sendo o primeiro ano em que vigorou a Lei de Cotas e aquele imediatamente posterior à consolidação dessa política. A proposição do modelo alcança explicar cerca de 18% das variâncias

Tabela 2 Coeficientes regressão linear múltipla para a participação das escolas no Enem, 2012 e 2016 

2012 2016
Variável Coeficiente B Sig. variável Coeficiente B Sig.
(Constante) 0,809 0,000 (Constante) 0,767 0,000
R2 17,8 R2 17,6
Idade -0,005 ,000 Idade -0,005 ,000
Feminino 0,037 ,000 Feminino 0,024 ,000
Cor ou raça Cor ou raça
Pretos_ref     Pretos_ref    
Brancos 0,007 ,046 Brancos 0,008 ,007
Pardos -0,004 ,248 Pardos 0,001 ,687
Amarelos 0,003 ,698 Amarelos -0,011 ,182
Indígenas -0,007 ,644 Indígenas -0,021 ,147
Sem informação -0,005 ,572 Sem informação -0,008 ,339
Renda familiar Renda familiar
Mais de 6 s.m_ref     Mais de 6 s.m_ref    
Até 1,5 s.m -0,044 ,000 Até 1,5 s.m -0,073 ,000
Mais de 1,5 até 3 s.m -0,029 ,000 Mais de 1,5 até 3 s.m -0,055 ,000
Mais 3 até 6 s.m -0,012 ,096 Mais 3 até 6 s.m -0,035 ,000
Escolaridade da Mãe Escolaridade da Mãe
Superior Completo_ref     Superior Completo_ref    
Fundamental completo -0,054 ,000 Fundamental completo -0,012 ,021
Ensino médio -0,046 ,000 Ensino médio -0,003 ,516
Superior incompleto -0,021 ,000 Superior incompleto 0,017 ,000
Não sabe -0,056 ,000 Não sabe - -
Escolaridade do pai Escolaridade do pai
Superior Completo_ref     Superior Completo_ref    
Fundamental completo -0,02 ,000 Fundamental completo -0,008 ,054
Ensino médio -0,012 ,032 Ensino médio 0,005 ,132
Superior incompleto 0,003 ,618 Superior incompleto 0,015 ,000
Não sabe -0,031 ,000 Não sabe - -
Localização Localização
Oeste_ref     Oeste_ref    
Centro/Sul 0,086 ,000 Centro/Sul 0,092 ,000
Norte 0,028 ,000 Norte 0,026 ,000
SECTI 0,129 ,000 SECTI 0,152 ,000

Fonte: Inep/Enem, 2012 e 2016

A tabela 2 demonstra que os estudantes mais velhos tenderiam a se concentrar nas escolas com menores taxas de participação no Enem, reafirmando a disputa por vagas no ensino superior como um processo que envolve essencialmente a população mais jovem.

A análise da variável ‘sexo’, por sua vez, reafirma a prevalência feminina quanto ao acesso ao ensino superior, com indicação de tendência de aumento das vantagens masculinas nas escolas mais participativas, quando comparados os anos de 2012 e 2016. De outro modo, a política de cotas estaria atuando principalmente sobre as expectativas dos estudantes do sexo masculino.

Não foram identificadas diferenças significativas quanto ao perfil racial dos estudantes em disputa no Enem em face da hierarquia das escolas. Esta constatação sugere que as clivagens raciais seriam maiores entre as redes privadas e públicas, do que no interior destas. A comparação entre os anos de 2012 e 2016 atesta esse dado. Contudo, a tendência de vantagem dos estudantes brancos nas escolas no topo da hierarquia (p<0,007) deve demandar a realização de novos estudos.

O grupo que abrange as variáveis socioeconômicas sinaliza vantagens na alocação escolar dos alunos em função do aumento da renda. A análise dessa variável é indicativa das estratégias escolares dos grupos intermediários. Famílias com renda até 1,5 salários mínimos apresentavam em 2012 uma desvantagem de 4,4 pontos na posição da escola na taxa de participação quando comparados a média do grupo com renda acima de 6 salários mínimos. A desvantagem era de 2,9 pontos com relação estrato de renda entre 1,5 e 3 salários mínimos. Não se identificam diferenças significativas destes com o grupo na faixa de renda acima de 3 até 6 salários mínimos. Na análise para o ano de 2016, percebemos um aumento expressivo dos efeitos da renda sobre a inserção de estudantes em escolas com indicadores de participação elevados.

Em consonância com o aumento dos efeitos da renda familiar, observamos a redução dos efeitos do nível escolaridade da mãe, especialmente entre aquelas menos escolarizadas. Tendência semelhante pode ser notada na análise da escolaridade dos pais.

A localização geográfica das escolas evidencia marcadas desigualdades ditadas pelo território no Rio de Janeiro. Assim, as escolas localizadas na região Centro/Sul possuíam chances médias de 8,6 e 9,2 pontos superiores, em 2012 e 2016, respectivamente, na comparação com as escolas da região Oeste. Com referência às escolas da região Norte as desvantagens são menores, mas ainda assim significativas. Essa diferença é reforçada pela inexistência de escolas da Secti na região.

A concentração destas escolas em bairros da região Norte e Centro/Sul sinaliza um dado extra da seletividade no acesso. Ainda que a formação oferecida pela maior parte destas instituições vise à formação profissional, a participação no Enem é um traço destacado entre os seus concluintes. Assim, o vínculo institucional com escolas da Secti resultava em 2012 numa vantagem de 12,9 pontos nas chances de pertencer a uma escola com alta taxa de participação no Enem, em comparação com as escolas da Seeduc. Em 2016 essa taxa foi elevada para 15,9.

Tendo em conta estas observações, propomos um modelo de análise logística para as probabilidades de estar matriculado numa escola da Secti, conforme a tabela 3 .

Tabela 3 Coeficientes de regressão logística binária para probabilidades de estar matriculado numa escola da Secti 

Variáveis 2012 2016
Exp(B) Sig. Exp(B) Sig.
Idade 0,889 ,000 0,928 ,000
Feminino 0,751 ,000 0,798 ,000
Cor ou raça
Pretos _ref        
Brancos 1,251 ,000 1,062 0,31
Pardos 0,929 0,24 0,875 0,02
Amarelos 0,883 0,47 0,847 0,37
Indígenas 1,112 0,68 0,51 0,09
Sem informação 0,692 0,03 0,977 0,89
Renda Familiar
Mais de 6 s.m_ref        
Até 1,5 s.m 0,161 ,000 0,135 ,000
Mais de 1,5 até 3 s.m 0,287 ,000 0,275 ,000
Mais de 3 até 6 s.m 0,539 ,000 0,517 ,000
Escolaridade da Mãe
Superior completo_ref        
Fundamental completo 0,27 ,000 0,368 ,000
Médio completo 0,302 ,000 0,566 ,000
Superior incompleto 0,602 ,000 1,177 0,03
Não sabe 0,162 ,000    
Constante 16,96 ,000 2,811 ,000
R Nagelkerke 0,77 0,51

Fonte: Inep/Enem, 2012 e 2016

Modelos de regressão logística perfazem a análise dicotômica para a ocorrência ou não de um evento (estar matriculado numa escola da Secti), em que os resultados expressos pelo (Expβ) apontam as razões de chance de cada ocorrência, sendo aqueles maiores que 1 indicativos de efeitos positivos, enquanto as menores que 1 indicam efeitos negativo. Os casos iguais a 1 indicam ausência de efeitos.

Nos resultados da tabela 3 , o prestígio destas escolas se associa também com a distinção de seu perfil social. Como efeito, seus concluintes revelam ser, em média, mais jovens, com mães mais escolarizadas e maior renda. Outro dado é a reversão das vantagens associadas às mulheres, o que possivelmente deve explicação à integração com disciplinas de natureza técnica no currículo de ensino médio. As candidaturas femininas eram 24% menos prováveis em 2012 e 20% em 2016. Este dado corrobora os achados de Sales, Heijmans e Silva (2017) para as escolas da rede federal no estado de Minas Gerais.

Por sua vez, em 2012, as chances de os estudantes brancos estarem nessas escolas eram 25% maiores, relativamente aos pretos. Não identificamos nenhum efeito para outros grupos de cor/raça. A dissipação de efeitos relativos aos grupos de cor/raça na análise para o ano de 2016 sinaliza uma mudança importante na configuração racial dessas escolas, o que pode ser demonstração da consolidação das políticas de cotas no âmbito estadual.

Nas análises seguintes, abordamos em que medida esses mecanismos também podem interferir no engajamento nas etapas que se sucedem a inscrição no Enem. Estas análises se inspiram no modelo da seletividade diferencial proposto por Mare (1980) .

No gráfico 5 , portanto, apresentamos as probabilidades de comparecimento nos dias de realização do exame, dado que a inscrição foi realizada.

Fonte: Inep/Enem, 2012-2016.

Gráfico 5 Percentual de frequência nas aplicações da prova 

O gráfico 5 revela a proporção de candidatos presentes nos dois dias de realização das provas do Enem. Note-se que não verificamos diferenças substantivas na expansão de ausentes do primeiro para o segundo dia de provas, o que justifica a apresentação conjunta dos resultados.

Na média de todos os anos, 19% dos candidatos das escolas estaduais faltaram ao exame. E muito embora a ausência possa ocorrer por fatores de ordem objetiva, do ponto de vista em que estamos tratando, argumentamos que a ausência na prova revela a desconfiança quanto às próprias possibilidades de ingressar ou permanecer no ensino superior. A relação desse dado com a experiência das escolas pode ser reveladora das características de organização do processo escolar no fomento das expectativas de seus estudantes.

No gráfico 6 , portanto, apresentamos a variação da frequência às provas por escola.

Fonte: Inep/Enem, 2012-2016

Gráfico 6 Distribuição percentual da frequência nas provas do Enem e taxa de participação, Rio de Janeiro, 2012 a 2016. 

Conforme o gráfico 6 , nas escolas cujo indicador de participação é inferior a 0,6, a presença de estudantes nas provas é inferior à média geral. No sentido inverso, nas escolas com indicador superior a 0,8, apenas duas escolas apresentam frequência inferior à média. O dado reforça a percepção da experiência escolar como um fator provável de restrição das expectativas individuais.

Neste sentido, a tabela 4 apresenta uma análise de regressão logística para as probabilidades de frequência às provas.

Tabela 4 Coeficientes de regressão logística binária para probabilidade de presença nos exames 

Variáveis 2012 2016
Exp(B) Sig. Exp(B) Sig.
Idade ,972 ,000 ,957 ,000
Feminino 1,107 ,010 1,215 ,000
Cor ou Raça
Preto_ref        
Branco 1,055 ,326 1,089 ,080
Pardo 1,015 ,780 ,988 ,788
Amarelo ,737 ,025 ,890 ,365
Indígena ,956 ,851 ,832 ,386
Não declarado ,861 ,309 ,843 ,191
Escolaridade da Mãe
Ensino fundamental ,575 ,000 1,096 ,232
Ensino médio ,618 ,000 1,163 ,027
Superior incompleto ,745 ,012 1,416 ,000
Não sabe ,552 ,000    
Renda Familiar
Até 1,5 s.m. ,816 ,179 ,532 ,000
Mais de 1,5 até 3 s.m. 1,025 ,869 ,660 ,007
Mais de 3 até 6 s.m. 1,168 ,337 ,795 ,157
Localização
Oeste_ref        
Centro 1,383 ,000 1,226 ,000
Norte 1,134 ,005 ,993 ,867
Taxa de participação (Percentis) ,904 ,000 ,866 ,000
Secti_1 3,019 ,000 2,504 ,000
Constante 10,920 ,000 10,392 ,000
R Nagelkerke 0,62 0,57

Fonte: Inep/Enem, 2012 e 2016

As informações da tabela 4 reafirmam a posição da escola na hierarquia de inscrição como um elemento importante da decisão de realizar os exames. A comparação entre os dois anos da pesquisa demonstra o aumento dos efeitos dessa variável sobre essa decisão. Igualmente, os grupos mais propensos a comparecer ao exame são as mulheres, com renda familiar acima de 3 salários mínimos, não oriundas de escolas da região Oeste da cidade. Por sua vez, estudantes oriundos de escolas da Secti têm mais que o dobro das probabilidades de realizar os exames quando comparados aos alunos da Seeduc.

No gráfico 8 relatamos uma segunda transição para os candidatos inscritos no Enem, que analisa a possibilidade de o aluno haver obtido habilitação no exame, uma vez tendo realizado a prova.

Fonte: Inep/Enem, 2012-2016

Gráfico 8 Distribuição dos candidatos não habilitados no Enem e taxa de participação da escola, Rio de Janeiro, 2012-2016 

A habilitação no Enem leva em conta o atendimento de requisitos mínimos dos estudantes que compareceram aos dias de prova, quais sejam: não ter sido eliminado e ter obtido nota diferente de zero em todas as disciplinas do exame, conforme normas previstas nos editais da prova. Mais que capacidade cognitiva, essa avaliação denota o empenho pessoal e informação sobre os regulamentos.

Como se pode notar no gráfico 8 , na média, apenas 4% dos candidatos frequentes não atenderam a algum desses requisitos. Nas escolas com indicador de participação acima de 0,8, a média daqueles que não alcançaram habilitação foi inferior a 2%, com tendência de aumento expressivo na medida em que se decresce na escala do indicador.

A tabela 5 apresenta os resultados da regressão para as probabilidades de habilitação no exame.

Tabela 5 Coeficientes de regressão logística binária para probabilidade de habilitação nos exames 

Variáveis 2012 2016
Exp(B) Sig. Exp(B) Sig.
Idade ,958 ,000 ,954 ,000
Feminino 1,232 ,001 1,749 ,000
Cor ou Raça
Preto_ref        
Branco 1,406 ,000 ,928 ,645
Pardo 1,269 ,003 ,961 ,796
Amarelo 1,108 ,657 1,058 ,906
Indígena 1,620 ,263 1,782 ,570
Não declarado 0,951 ,825 ,555 ,109
Escolaridade da Mãe
Superior completo_ref        
Ensino Fundamental ,874 ,433 ,965 ,882
Ensino médio completo ,902 ,533 1,220 ,367
Ensino Superior Incompleto 1,097 ,580 1,381 ,142
Não sabe ,688 ,054 - -
Renda Familiar
Mais de 6 s.m_ref        
Até 1,5 s.m ,462 ,008 ,564 ,264
Mais de 1,5 até 3 s.m ,646 ,138 ,607 ,333
Mais de 3 até 6 s.m ,623 ,122 ,711 ,529
Localização
Oeste_ref        
Centro 1,153 ,056 1,169 ,268
Norte 1,056 ,455 1,034 ,803
Taxa de participação (percentil) ,953 ,052 ,882 ,006
Secretaria_Secti_1 5,479 ,000 2,288 ,019
Constante 31,587 ,000 135,233 ,000
R Nagelkerke 0,69 0,34

Fonte: Inep/Enem, 2012 e 2016

Pelos resultados apresentados na tabela 5 , nota-se que foram identificados efeitos de vantagens para os mais jovens, mulheres, além de brancos e pardos no ano de 2012. Neste ano, candidatos oriundos de escolas da Secti apresentaram cinco vezes mais chances de estarem entre os habilitados. Mas, na medida em que as mulheres ampliam suas vantagens com relação aos homens em 2016, outras variáveis tiveram seus efeitos dissipados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa demonstra o aumento da demanda dos estudantes das escolas públicas por vagas no ensino superior, evidenciado pelo volume de candidaturas no Enem. Entendemos que esta é uma condição basilar da distribuição de oportunidades educacionais de acesso às universidades públicas. Do ponto de vista aqui assumido, estas mudanças nas expectativas colocam como questão para o campo educacional considerações sobre as barreiras simbólicas, subjetivamente internalizadas, que atuam na conservação das desigualdades educacionais em momento anterior à avaliação de desempenho.

Por outro lado, em contraste com a distribuição de oportunidades gerada pelas cotas, apontamos um movimento paralelo de estratificação horizontal, demarcado por diferenças substantivas nos potenciais das escolas da rede pública na indução de candidaturas. Na rede estadual da capital fluminense apenas 30% das escolas são responsáveis por mais de 65% das candidaturas. Nessa contagem incluímos tanto as escolas vinculadas à Secti e à Seeduc. Os dados mais consistentes apontam que a passagem pelas escolas da Secti potencializa os efeitos da participação do alunado no Enem. Dentre as escolas vinculadas à Seeduc, destacam-se as escolas de Formação Normal e outras as mantidas em regime de parceria público/privada.

Por sua vez, as desvantagens associadas com as diferenças de cor/raça nas escolas da Secti têm sido mitigadas pelo impacto provável da política de cotas no nível da educação básica estadual. Outro dado da diferenciação das escolas da rede estadual, aponta a renda familiar como um aspecto fundamental da extensão da liberdade dos estudantes e famílias, uma vez que permite tanto a aquisição de educação nos serviços privados, quanto a promoção de vantagens para o acesso às escolas mais prestigiadas da rede pública, fator determinante da inscrição e do engajamento nas etapas subsequentes do Enem.

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1Em 2017, segundo o IBGE, das pessoas com pelo menos o E.M completo, 67,7% havia frequentado apenas a rede pública, 28,2% apenas a privada e 4,2% ambas. Destes, apenas 35,9% do primeiro grupo conseguiram ingressar no ensino superior, enquanto 79,2% do segundo alcançaram o mesmo intento. No quesito raça/cor, o ensino superior dos brancos oriundos das escolas públicas foi de 42,7%, enquanto pretos ou pardos com a mesma origem eram 29,1% (IBGE, 2018).

2Para uma síntese de trabalhos sobre estratificação educacional publicados no Brasil e exterior, vide, p.e, MONT’ALVÃO, (2016) ; RIBEIRO e CARVALHAES, (2020) .

3A título de comparação, as duas maiores universidades do estado - a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Federal Fluminense - tiveram em 2008, respectivamente, 30,3% e 33,4% de seus candidatos oriundos exclusivamente de escolas públicas.

Recebido: 21 de Fevereiro de 2021; Aceito: 10 de Setembro de 2021

Anderson Paulino da Silva Doutor em Sociologia pelo IESP/UERJ, com pós-doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Educação da UFRJ. Professor substituto da Faculdade de Educação da UFRJ. E-mail: andersonsvpaulino@gmail.com

Rodrigo Rosistolato Doutor em Ciências Humanas (antropologia), professor do Programa de Pós- Graduação em Educação-PPGE e do Departamento de Fundamentos da Educação, da Faculdade de Educação da UFRJ. Bolsista de produtividade de pesquisa pelo CNPq. Coordena e participa de projetos de pesquisa financiados pelo CNPq e pela FAPERJ. Associado efetivo da ABA - Associação Brasileira de Antropologia, da SBS - Sociedade Brasileira de Sociologia, da ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e da REIPPE- Rede de Estudos sobre Implementação de Políticas Públicas Educacionais. Foi Editor Chefe da Revista Contemporânea de Educação, da Faculdade de Educação da UFRJ. Atualmente é editor de seção da revista Estudos em Avaliação Educacional, da Fundação Carlos Chagas. E-mail: rodrigo.rositolato@gmail.com

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