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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.38 no.1 Goiânia  2022  Epub 02-Out-2023

https://doi.org/10.21573/vol38n002022.126444 

ARTIGOS

Financiamento da educação, FUNDEB e direito à educação: educação pública de qualidade social e com gestão pública

Financiamiento de la educación, FUNDEB y el derecho a la educación: educación pública de calidad social y con gestión pública

LUIZ FERNANDES DOURADO1 
http://orcid.org/0000-0001-5212-6607

WALISSON MAURÍCIO PINHO DE ARAÚJO2 
http://orcid.org/0000-0002-9200-7757

1Universidade Federal de Goiás Faculdade de Educação Goiânia, GO, Brasil

2Fórum Nacional Popular de Educação Coordenação Executiva Brasília, DF, Brasil


Resumo

Este artigo se propõe a discutir a relação entre o financiamento e o direito à educação, com especial destaque para o financiamento da educação básica, por meio da análise do processo de aprovação e da regulamentação do FUNDEB permanente, fundo de natureza contábil. Neste contexto, ao analisar a complexidade desta agenda, situam-se os embates no âmbito das políticas e da gestão da educação no Brasil, sobretudo em torno da aprovação do Fundeb permanente e dos avanços e dos limites interpostos à sua regulamentação e efetiva materialização visando à garantia de educação básica de qualidade social, pública e com gestão pública, gratuita e democrática.

Palavras-Chave: Direito à Educação; Educação Básica; Financiamento; Fundeb; Políticas e gestão da educação

Resumen

Este artículo propone discutir la relación entre el financiamiento y el derecho a la educación, con especial énfasis en el financiamiento de la educación básica, a través del análisis del proceso de aprobación y regulación del FUNDEB permanente, un fondo contable. En ese contexto, al analizar la complejidad de esa agenda, se ubican los conflictos en el ámbito de las políticas y la gestión de la educación en Brasil, especialmente en torno a la aprobación del Fundeb permanente y los avances y límites puestos a su regulación y materialización efectiva para garantizar educación de calidad social, pública y con gestión pública, libre y democrática.

Palabras-clave: Derecho a la Educación; Educación Básica; Financiamiento; Fundeb; Políticas y gestión de la educación

Abstract

This article aims to discuss the relationship between financing and the right to education, with special emphasis on the financing of elementary education, through the analysis of the approval and regulation process of the permanent FUNDEB, an accounting fund. In this context, when analyzing the complexity of this agenda, the clashes within the scope of education policies and management in Brazil are located, especially around the approval of the permanent Fundeb and the advances and limits placed on its regulation and effective materialization, aiming at guaranteeing the basic public education of social quality, and with the public, free and democratic management.

Key words: Right to Education; Basic Education; Financing; Fundeb; Policies and management of education

INTRODUÇÃO

A discussão sobre o direito à educação nos remete à análise dos processos mais amplos, envolvendo a agenda política, econômica e fiscal, bem como, as políticas, a gestão e o financiamento da educação. Neste contexto, os processos de disputa de concepções e narrativas, bem como, os processos de regulação e de materialização das políticas e de sua interface com o uso do fundo público, resultante do tensionamento histórico entre as esferas públicas e privadas. Dourado sinaliza que o “(...) embate entre o público e o privado, no campo educacional, revela a persistência de forças patrimoniais na educação, favorecendo, dessa forma, várias modalidades de privatização do público [...]” (DOURADO, 2007, p.925).

A realidade da educação brasileira, portanto, é permeada, historicamente, pelo embate público e privado. Na educação básica, a despeito da oferta majoritária das matrículas se efetivar pelo setor público, ocorrem várias tipologias e dinâmicas de interpenetração entre as esferas públicas e privadas1. Neste contexto, a apropriação dos termos e concepções e suas ressignificações no tocante a financiamento, a organização e à gestão da educação, são marcadas por polissemia, na qual a universalidade é subsumida, pela ênfase dada ou circunscrita, às concepções de eficiência, eficácia, em detrimento da efetividade social no sentido de garantia do direito à educação e ao seu financiamento.

Em perspectiva histórica, as discussões sobre as vinculações de recursos para a educação e o reforço do financiamento para a área não são, portanto, recentes. Em tal contexto, melhor assertiva do que a de Cury (2007) sobre as relações entre Estado e políticas de financiamento em educação é, assim, uma máxima, quase uma “epígrafe” para esta seção: “Com efeito, políticas públicas sem recursos se tornam declaratórias e potencialmente inócuas” (2007, p. 834).

Sem prejuízo de discussões marcadas por processos de centralização e de descentralização, por disputas sobre a responsabilização da oferta da educação escolar, sobre a vinculação de recursos e a definição de responsabilidades federativas, do Brasil Colônia à República Velha, em relação ao tema do financiamento da educação do Brasil, Cury (2007), Monlevade (2001), Rocha Lima e Didonet (2006) e Martins (2011), Dourado, Marques, Vieira (2022), entre outros, destacam, dentre os movimentos históricos relevantes para a compreensão da defesa de um financiamento perene com os recursos vinculados, a centralidade do processo que redundou no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e a sua influência sobre as discussões atinentes à vinculação de recursos para a educação, especialmente a partir da década de 30.

A Constituição Federal de 1934, em seu artigo 156, assevera: “A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos (CURY, 2007. p. 834).

A Constituição Federal (promulgada) de 1946 retoma, em boa parte, princípios da Constituição de 1934, como a vinculação de impostos para o financiamento da educação como direito de todos, a distinção entre a rede pública e a privada, a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário. Repõe em termos federativos a autonomia dos estados na organização dos sistemas de ensino (CURY, 2007, p. 836)

Veio o Golpe civil-militar de 1964 e a vinculação de recursos para a educação deixou de existir, em âmbito federal. Como se pode depreender, os movimentos de (des)democratização2 da sociedade, portanto, trazem consigo importantes consequências no financiamento educacional e nas vinculações de recursos para financiar o direito. Após idas e vindas em relação à vinculação constitucional de Recursos e a sua retirada, a CF consagra este dispositivo.

Este processo histórico mais orgânico em relação a um ideário para a educação nacional (Manifesto), com projeto, plano e concepção de financiamento, ao nosso juízo, se viu mais bem conformado e relativamente estabilizado com a Constituição de 1988 e as lutas dos movimentos sociais mobilizados por mais direitos e redemocratização do país. Destacam-se, neste contexto de discussão da nova Constituição, os movimentos crescentes em termos de socialização da política e da redemocratização e em favor da universalização da escola pública de qualidade, ao longo dos anos 80 e 90, as Conferências Brasileiras de Educação (CBE) e os Congressos Nacionais de Educação (CONED) espaços importantes de articulação para os educadores, além da organização dos Fórum de Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público (FORUM) e do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP) constituídos, à luz de tais ideários e, posteriormente, em torno da LDB, movimentos que acumularam proposições relativas à educação pública, ao SNE e aos seus organismos, bem como em relação ao PNE.

Este processo histórico ganha mais um importante marco, com a aprovação, primeiro, da Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, criando o fundo de manutenção e de desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do magistério (Fundef) e, depois, com maior lastro e envergadura, com um modelo de fundo cobrindo toda a educação básica e modalidades antes secundarizadas, mediante a promulgação da Emenda Constitucional nº 53 de 19 de dezembro de 2006, criando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Esta agenda de consolidação de um financiamento ancorada na lógica de fundos contábeis teve como importante ponto de inflexão, reforça-se, a criação do Fundef, formado por recursos das três esferas federativas para prover financiamento da educação básica pública. Contudo, este era circunscrito ao ensino fundamental e contava com limitada (e não progressiva) participação da União Federal nos aportes complementares para a garantia de valores mínimos por aluno.

O Fundeb, sucedâneo do Fundef, além de (a) abranger toda a educação básica, suas etapas e modalidades, (b) acrescentou mais impostos à cesta do Fundeb (IPVA, ITCMD e ITR), com a ampliação de percentuais arrecadados (de 15% para 20%) e, também, (c) fixou em, no mínimo, 10% do valor total a complementação da União, constitucionalizando esta obrigação mínima. Um dos temas importantes dentro do debate atinente à política de fundos, a complementação da União, se viu aperfeiçoada na transição do Fundef para o Fundeb, com a fixação de patamares mais elevados e em relação à capacidade do poder central (10% cento do total dos recursos vinculados ao fundo de natureza contábil), o que representa um grande e inegável avanço.

Este aspecto expressa mais um passo importante na direção da busca de maior equilíbrio federativo, que deve considerar encargos aos entes, vinculado a um maior compromisso relativo com o financiamento solidário em relação aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, portanto, sinalizando progressivo e significativo compartilhamento de responsabilidades e de recursos financeiros. Tais sinalizações ensejam vontade política e condições para a efetiva materialização do equilíbrio federativo, via redimensionamento da complementação da União, bem como, de maneira estrutural, de consolidação de reforma política e tributária.

O debate acerca de um modelo de financiamento sob a perspectiva da consolidação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)3 é, assim, um elemento estratégico para a consolidação da cooperação federativa em educação e para a agenda de instituição do Sistema Nacional de Educação (SNE)4 e, portanto, para a garantia do direito à educação. Quem defende uma educação pública muito melhor, com a ampliação da participação da União e o horizonte da garantia da qualidade para todas as escolas defende um Fundeb robusto e permanente, com conceitos de custo-aluno qualidade, valorização profissional e gestão pública ancorado à necessária agenda de instituição do SNE5.

A defesa do Fundeb, assim, tornou-se uma das pautas mais centrais das entidades e representatividades reunidas nas Conferências Nacionais de Educação (Conae), articuladas pelo Fórum Nacional de Educação (FNE) e, mais recentemente, pela Conferência Nacional Popular de Educação (Conape), articulada pelo Fórum Nacional Popular de Educação (Fnpe), constituído após a destituição de entidades e a ingerência governamental sobre o FNE, consolidada e formalizada no ano de 2017, após o impedimento da presidenta democraticamente eleita, Dilma Rousseff, em maio de 2016.

Este desafio é, ainda, suscetibilizado (i) pelas consequências continuadas do impeachment sem crime de responsabilidade6; (ii) pela realização de eleições sob suspeitas que redundou na eleição de Jair Bolsonaro; (iii) por nada mais nada menos que uma Pandemia e; (iv) pela agenda de austeridade fiscal e de adoção de medidas econômicas adicionais ao Teto de Gastos, de desindexação, de desvinculação e de desobrigação propaladas pelo Ministro da Economia Paulo Guedes7. Na área educacional, a secundarização do PNE 2014/2024, os cortes orçamentários, as alterações nas políticas e nos programas implicaram efetivos retrocessos.

Este cenário de acumulação histórica é importante de ser novamente realçado para entendermos a trajetória que conduz ao segundo semestre do ano de 2020 e uma corrida contra o tempo para garantir a continuidade do Fundeb, de modo que o modelo de financiamento da educação não entrasse em colapso a partir de 2021.

E, com a iminente finalização do Fundeb, em 31 de dezembro de 2020, estes processos de mobilização da sociedade (dos quais a Conape e as conferências e as mobilizações são parte), somada à preocupação pública mais ampla com este pilar do financiamento educacional, o debate sobre sua perenização se viu fortalecido. É, contudo, no contexto de um cenário emergencial de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19) que os debates e os embates se processam, claro que com o vigor da pressão do tempo diminuto. Este cenário também impôs importantes barreiras ao debate social, contudo, a tramitação da matéria no Congresso Nacional redundou, com decisiva mobilização da sociedade, na promulgação da Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020 (EC nº 108/2020), com produção de efeitos financeiros a partir de 1º de janeiro de 2021.

Alerta: Com a promulgação da Emenda Constitucional, o Fundeb é mantido, representando uma “batalha” vencida em defesa de um modelo de financiamento perene no contexto de uma “guerra” mais ampla em defesa do financiamento público para as políticas sociais. Esta batalha em favor de um financiamento mais justo vem sendo fortemente constrangida desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, conhecida como “PEC do Teto de Gastos”8 que se soma a outras medidas de austeridade com fortes repercussões na educação e, não diferente, sobre o Fundeb.

A TRAMITAÇÃO DA PEC 15/15 E A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 108: UM REGISTRO DO PROCESSO

A Emenda Constitucional nº 53, do atual Fundeb, vigora por 14 (quatorze) anos no país e, portanto, seus efeitos cessariam em 31 de dezembro de 2020. Por tal razão, ainda em 07 de abril de 2015, foi apresentada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 15, pela ex-Deputada Federal do PSC-MG, Raquel Muniz, iniciando a tramitação, assim, na 55ª legislatura (2015-2019). Criada a Comissão Especial destinada a proferir parecer à PEC, a tramitação é desencadeada naquele ano. Esta tramitação vai avançar ao longo da legislatura seguinte. Além desta proposição, já no ano de 2019, foram apresentadas no Senado Federal, com intencionalidade similar, as Propostas de Emenda à Constituição nº 33 e nº 65, 2019.

Na Câmara dos Deputados, é que se processa, efetivamente, o debate de conteúdo da matéria na 56ª Legislatura, notadamente entre os anos de 2019 e 2020. Cerca de 30 audiências públicas foram realizadas na legislatura anterior, às quais se somam mais de uma dezena na legislatura corrente, além de reuniões técnicas e seminários regionais e estaduais, ricos na produção de mobilizações e debate de conteúdos. Abertos prazos para a apresentação de emendas à PEC 15/2015, ao fim e ao cabo, foram formalizadas cinco emendas à Comissão Especial.

Quadro 1 Síntese das emendas apresentadas à PEC 15/2015 

Emenda Tipo de Emenda Data de Apresentação Autor
EMC 1/2019 Emenda na Comissão 03/06/2019 Tabata Amaral, Felipe Rigoni e outros
EMC 2/2019 Emenda na Comissão 03/06/2019 Tabata Amaral, Felipe Rigoni e outros
EMC 3/2019 Emenda na Comissão 05/06/2019 Tiago Mitraud, Marcelo Calero e outros
EMC 4/2019 Emenda na Comissão 06/06/2019 Felipe Rigoni, Adriana Ventura e outros
EMC 5/2019 Emenda na Comissão 06/06/2019 Waldenor Pereira, Professora Rosa Neide e outros

Fonte: elaborado pelos autores

A Emenda nº 1 pretende estabelecer uma contribuição adicional da União, equivalente ao mínimo de 10% da complementação, para os entes federados que alcancem evolução significativa em processos e resultados educacionais.

A Emenda nº 2 prevê complementação da União de no mínimo 15% do total aportado ao Fundo. A Emenda nº 3 propõe utilizar os recursos do Fundo para o financiamento do ensino público em instituições privadas com ou sem fins lucrativos.

A Emenda nº 4 propõe a padronização estruturada das informações relativas aos dispêndios dos órgãos executores no uso de verbas do FUNDEB.

A Emenda nº 5 representa uma “emenda global” ao texto, tratando de aspectos como a participação social, diretrizes para o financiamento com ênfase na valorização dos profissionais da educação e no planejamento educacional, a inclusão na cesta do Fundeb dos recursos provenientes da participação no resultado ou de compensação financeira pela exploração mineral, incluídas as de petróleo e de gás natural, 30% (trinta por cento) de complementação mínima da União ao fundo, incremento real anual do piso salarial profissional nacional do magistério e a instituição do piso salarial profissional nacional das demais categorias de profissionais da educação, entre outros temas.

Ou seja: as emendas, formalmente apresentadas, demarcaram posicionamentos sobre piso salarial, sobre a possibilidade de vouchers com recursos do Fundo e sobre o tamanho da participação da União na complementação ao Fundo, ratificando as disputas de concepções de educação e a cobiça sobre o fundo público. Contudo, a relatora optou, também, por considerar todo o acumulado nas reuniões, audiências, seminários e emendas, bem como na forma de conteúdos formalizados por cartas e ofícios de parlamentares e de entidades, por exemplo. Merece destaque o fato de haver uma sinalização clara de opção pela educação pública ao ser inadmitida a Emenda de nº 3 que tinha como finalidade financiar instituições com fins lucrativos em toda a educação básica.

A aprovação da PEC 15/15 só foi possível, em primeiro lugar, essencialmente em razão da forte mobilização das entidades nacionais do campo educacional, a expressiva maioria mobilizada no Fórum Nacional Popular de Educação (Fnpe) 9com uma destacável e incansável liderança da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (Cnte), da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). Foram as entidades de profissionais da educação, os estudantes, o/as pesquisadores/as, os movimentos sociais e os fóruns que criaram o ambiente político--institucional para enfrentar as barreiras e as cortinas de fumaça geradas pelo Governo Bolsonaro para dificultar que a matéria avançasse.

Obviamente que não se pode dispensar o registro em relação à liderança do Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (presidente entre 14 de julho de 2016 a 1º de fevereiro de 2021, responsável por pautar as matérias legislativas), em articulação com deputados e deputadas que compuseram a mesa diretora da Comissão Especial, a saber: Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO, relatora), Bacelar (PODE-BA, presidente), Idilvan Alencar (PDT/CE, 1º Vice-Presidente), Danilo Cabral (PSB-PE, 2º Vice-Presidente), Professora Rosa Neide (PT/MT, 3º Vice- Presidente). Em meio à pandemia, estes parlamentares ajudaram, decisivamente, no processo de negociação e fizeram avançar, junto aos líderes partidários e demais deputados, a tramitação do Fundeb.

Importa destacar, também, que outro elemento fundamental para impulsionar as discussões sobre o Fundeb foi a construção do necessário entendimento entre Câmara dos Deputados e Senado Federal. Deputados e Senadores, com as respectivas consultorias e assessorias legislativas, foram construindo, conjuntamente, um relatório e um substitutivo que, aprovado na Câmara, rapidamente e sem grandes modificações, pudesse ser aprovado também na casa revisora, o Senado Federal, evitando que a proposta ficasse passando de uma casa à outra, indefinidamente. Este entendimento e o processo comum de trabalho foi, sem dúvida, outro elemento essencial para a aprovação da Emenda Constitucional. Constitui-se, nesse momento, um importante processo de articulação no Congresso Nacional para garantir avanços no Fundeb permanente.

No que tange o envolvimento do Governo Federal no debate da matéria, podemos afirmar que este se pautou majoritariamente pela omissão, pelo desinteresse e pela incapacidade de contribuir, ao longo das três gestões10 do Ministério da Educação (MEC) nos debates legislativos. Marca desta ausência foi ratificada por inúmeros parlamentares, entre as quais a própria Relatora do Fundeb, Professora Dorinha Seabra Rezende que, em uma das oportunidades, se manifestou no sentido da falta de interlocução de parte do governo11.

A esta postura de desleixo com o tema fundamental do financiamento educacional se articula, obviamente, a submissão das “lideranças” do Ministério da Educação (MEC) à agenda econômica e conservadora do governo, capitaneada por Guedes, fundamentalmente orientada ao aprofundamento dos constrangimentos sobre o fundo público destinado às políticas sociais, em linha com o “Teto de

Gastos” e a diminuição do papel do Estado no provimento de direitos sociais, incluindo a educação. Importante ressaltar, ainda, os variados movimentos de apropriação privada do fundo público sinalizados no período e, também, as intencionalidades, sempre presentes, do governo no sentido de viabilizar as desvinculações constitucionais e/ou junção de pisos constitucionais, como no caso dos pisos da saúde com a educação.

Às vésperas da votação em plenário (20 de julho de 2020), o Governo Bolsonaro chegou a tentar tumultuar a votação e ventilar a defesa da transferência de parte dos recursos do Fundeb para as escolas privadas e para o então denominado “Programa Renda Brasil”12, pretenso substituto ao Programa Bolsa Família.

Temas implicados na discussão da Emenda Constitucional do Fundeb seguirão sendo “constrangidos” ao longo do processo de sua regulamentação infraconstitucional correlata: pagamento dos profissionais da educação combinado com a manutenção da fórmula de reajuste do Piso Salarial Profissional Nacional; regulamentação do custo aluno qualidade; destinação de recursos públicos para as escolas privadas; “substituição” e “disputa” entre fontes destinadas à manutenção da educação (financiamento da educação básica versus educação superior, utilização de recursos de programas suplementares ou de assistência financeira versus financiamento da complementação da União etc.). O embate entre esfera pública e privada é reforçado, com vigor, num cenário complexo de privatização e financeirização e sinalização de novos arranjos e formas de governança direcionados a fortalecer a adoção de parcerias público-privadas.

Assim, a aprovação de nova Proposta de Emenda Constitucional relativa ao Fundeb, embora seja uma necessidade e represente um avanço, não será suficiente se sujeitada por uma regulamentação que drene recursos públicos destinados à escola privada, que ataque o magistério, que não impulsione a regulamentação do Sistema Nacional de Educação e a materialização do conceito de Custo Aluno Qualidade, entre outros aspectos. Também se submetida às consequências de outras PEC, com a PEC do Pacto Federativo.

DISPUTAS NA/DA REGULAMENTAÇÃO: EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA E DO FINANCIAMENTO PARA AS ESCOLAS PÚBLICAS

Ao menos quatro aspectos estruturais podem ser destacados como importantes avanços na aprovação da Emenda Constitucional nº 108, em 2020: a inserção do Fundeb no corpo permanente do texto constitucional, perenizando a sua inscrição; a manutenção da destinação de importante e relevante parcela dos recursos do fundo (proporção não inferior a 70%) para pagamento dos profissionais da educação; a ampliação gradativa da complementação da União, com o horizonte de conformação de 23% dos recursos totais; além da consagração do conceito de Custo Aluno Qualidade (CAQ), como referência para um padrão de qualidade a orientar o financiamento.

O Fundeb tornado política permanente no texto da Constituição Federal retira a tensão acerca da possibilidade periódica (14 anos) de sua renovação ou extinção, além do que, importante destacar, que dentre as despesas da União a complementação de recursos do Fundeb possui valor mínimo e, assim, pode ser acrescida, progressivamente, sem que seja constrangida e impactada pelos efeitos do teto de gastos. Ou seja: em um contexto de restrição, austeridade e ataques ao financiamento público da educação pública, os recursos alocados progressivamente e de forma perene ao Fundeb, fora do Teto, representam um importante alento e impulsionador do financiamento educacional no seu conjunto. Ademais, reforçam a ideia de certa estabilidade no fluxo de recursos e um planejamento mais estável, necessidades fundantes para uma política efetivamente de Estado.

A manutenção de uma política de valorização como principal objetivo do Fundeb também é conquista a ser realçada. Ora: quando se tem uma realidade em que a maior parte dos recursos necessários (e insuficientes) são destinados para a remuneração dos profissionais da educação – tendo o Piso Salarial Profissional Nacional como referência, a tentativa de estabelecer um teto rebaixado para esta finalidade representava, no cenário, um atentado à educação e, especialmente, ao magistério, visto que são professoras e professores os principais instrumentos para a melhoria da qualidade. Conforme inscrito no relatório apresentado por ocasião da votação13, no Brasil, professores contam com um piso salarial nacional anual equivalente a US$ 14,775, menor que o salário inicial apresentado por México, Costa Rica, Chile e Colômbia, abaixo da média da OCDE (US$ 34,540).

Portanto, a redação vencedora, ao contrário da proposta do Governo Bolsonaro, de uma subvinculação mínima de 70% dos recursos do Fundo ao pagamento dos profissionais da educação, representa uma outra importante vitória. Esta conquista se soma a outra medida complementar importante que é a vedação da destinação de recursos vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino ao pagamento de aposentadorias e pensões (§ 7º do art. 212 na redação vencedora).

Se considerarmos que o investimento por aluno praticado no Brasil é inferior à média por aluno praticada nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a ratificação do CAQ no corpo constitucional também representa outra importante conquista. Trata-se da confirmação do conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional e cujo financiamento deve ser calculado com base na garantia de insumos e processos indispensáveis ao processo de ensino-aprendizagem, com garantia, por exemplo, de que toda escola tenha água potável, saneamento, infraestrutura adequada, bibliotecas, profissionais bem formados e remunerados, entre outros componentes fundamentais.

Ao ser concluída a redação final no Congresso Nacional, fundamentalmente mantendo o conteúdo aprovado na redação do Plenário na Câmara dos Deputados em 21 de julho de 2020, o novo texto do Fundeb inscreveu a elevação gradativa da complementação da União dos atuais 10% do total dos recursos previstos para 23% (art. 212-A, inciso V). A ampliação dos 10% mínimos de complementação federal (tornado máximo nos últimos anos) para os 23% representa uma elevação de R$ 17,5 bilhões em 2021 para R$ 39,3 bilhões em 2026, conforme estimativas da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados14, o que representa um importante ponto de avanço no atendimento de mais sistemas de ensino.

Serão 10% (art. 212-A, inciso V, alínea “a”), distribuídos no formato do modelo vigente, valor anual por aluno (VAAF) fundamentalmente alcançando estados das regiões Norte e Nordeste (hoje 9 estados, a saber Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí). Ou seja: preserva recursos já recebidos por estados pobres e enfrenta a desigualdade interestadual com os 13% adicionais (10,5% e 2,5%).

Outros 10,5% (art. 212-A, inciso V, alínea “b”) serão distribuídos como base em nova modelagem, por redes, denominada Valor Aluno Total (VAAT) que deverá considerar a totalidade de recursos de estados e de municípios destinados à educação, de modo a produzir efeitos equalizadores, ou seja, municípios com baixa arrecadação de estados com melhor arrecadação sejam alcançados por parcela da complementação da União. Esta ampliação parte de um incremento de 2 (dois) pontos percentuais, no primeiro ano até chegar aos 10,5% no sexto ano (conforme § 1º do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Deste total de 10,5%, a negociação parlamentar orientou a destinação de 50% à educação infantil (§ 3º do art. 212-A), medida com potencial para colaborar para a expansão do atendimento de creches, por exemplo.

Outros 2,5% (art. 212-A, inciso V, alínea “c”) devem ser distribuídos nas redes públicas que, “cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão previstas em lei, alcançarem evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades, nos termos do sistema nacional de avaliação da educação básica” (conforme redação do referido dispositivo constitucional), a denominada política de meritocracia, a ser detalhada também em plano infraconstitucional.

Esta conformação poderá ser muito significativa na ampliação do efeito redistributivo com base na complementação VAAT, já que atingirá municípios de estados que hoje não são contemplados.

Em 2021, a complementação da União deverá ser de ao menos 12%, chegando a 23% em 2026 (15% em 2022, 17% em 2023, 19% em 2024, 21% em 2025, conforme escalonamento previsto no § 1º do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), sendo que os critérios de distribuição da complementação da União e dos fundos serão revistos no sexto ano de vigência e, a partir dessa primeira revisão, periodicamente, a cada 10 (dez) anos, conforme inscrito no art. 60-A.

Em resumo, três subvinculações ficaram ratificadas: 70%, no mínimo, ao pagamento dos profissionais da educação; 15%, no mínimo, da complementação VAAT para as despesas de capital e 50% dos recursos da complementação VAAT para a educação infantil.

Ademais, a ratificação das metas pertinentes do plano nacional de educação como referências e de instâncias federativas e organismos de acompanhamento e controle social e de participação da sociedade (art. 193) são outros avanços relevantes. Da mesma forma, a previsão de regulamentação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb, previsto no art. 11 da Lei nº 13.005 de 2014, do PNE) e, ainda, por lei complementar, a regulamentação do SNE (que ratifica que o padrão mínimo de qualidade considerará as condições adequadas de oferta e terá como referência o CAQ, pactuados em regime de colaboração na forma disposta em lei complementar, conforme o parágrafo único do art. 23 da Constituição). Estas dimensões podem representar outros importantes legados do debate em curso sobre o Fundeb. Neste sentido (sobre o SNE) há proposições avançadas, tanto na Câmara dos Deputados15, como no Senado16.

CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS: TEMAS, CONTROVÉRSIAS E PERSPECTIVAS

Aprovada a EC nº 108/2020 com importantes conquistas, sobretudo em razão do cenário adverso, convém realçar que os efeitos positivos, em sua maior parte, exigiam regulamentação por lei federal.

À nova Emenda Constitucional nº 108, sucedem-se duas legislações regulamentadoras do Fundeb: a Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020 (Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de que trata o art. 212-A da Constituição Federal; revoga dispositivos da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007) e a Lei nº 14.276, de 27 de dezembro de 2021 (alterando a Lei nº 14.113/2020).

Além dos que já sinalizamos até aqui, um outro elemento estruturante importa retomarmos por ocasião da discussão da regulamentação infraconstitucional: a agenda de desindexação, desvinculação e desobrigação patrocinada pela equipe econômica com expressões em outras Propostas de Emenda Constitucional formalizadas com importantes e nocivos impactos sobre o Fundeb. As Propostas de Emenda à Constituição (PECs), de números 186 (Emergencial, convertida na Emenda Constitucional nº 109, de 15/03/2021, que retirou da pauta os temas mais polêmicos), 187 (Revisão dos Fundos) e 188 (Pacto Federativo), todas de 2019, promovem um grande ataque às políticas sociais estabelecidas na Constituição Brasileira de 1988, ao revogar fundos, propor fim da vinculação dos recursos financeiros para a saúde e para a educação (fazendo que gastos obrigatórios deixem de ser), de forma independente e instalar uma perversa disputa entre as áreas de saúde e educação, entre outros retrocessos. Há, ainda, a Proposta de Emenda Constitucional nº 32/2020, da chamada “Reforma Administrativa”. Em resumo: é um conjunto de propostas de emendas à Carta Constitucional que, cujos conteúdos avancem, confirmam a total ausência de prioridade do Governo com as políticas educacionais, produzindo importantes constrangimentos na garantia do direito à educação.

Há mais: se no processo de debate da Proposta de Emenda Constitucional do Fundeb, o governo não se colocou em posição contributiva do debate em torno de um financiamento mais robusto e equitativo para a educação nacional, o que não foi tão diferente no processo de sua regulamentação infraconstitucional. Contudo, havia um elemento que potencializava o perigo desta posição de regulamentação ainda ausente: o Governo disporia da possibilidade de lançar mão de uma Medida Provisória ao tempo em que retardava a regulamentação por Projeto de Lei, o que representaria um limitador do debate e uma grave ameaça de imposição de retrocessos em vários dos pontos e temas de dissenso deste a tramitação da PEC 15/15: uma medida provisória passa a valer na data de sua edição, caso não haja disposição em outra direção. É na regulamentação que serão definidos, entre outros aspectos relativos aos fatores de ponderações, o que se mantém e o que haverá de novo. Como realçado, contudo, prevaleceu a iniciativa do legislativo, por meio de diferentes projetos de lei, conformados em Leis ordinárias, resultantes de mobilizações e de diferentes correlações de força na sociedade e no Congresso Nacional.

A atenção acerca da destinação da forma de distribuição dos 2,5% (art. 212- A, inciso V, alínea “c”) merece ainda muito cuidado e exige muito embate para que a modelagem final não seja efetivamente tomada pela lógica da meritocracia e da competição. Nesta mesma perspectiva, a regulamentação estadual sobre a destinação da Cota Municipal do ICMS merece muita atenção (art. 158). A distribuição de, no mínimo, 10 (dez) pontos percentuais, deverá se dar com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos. Um campo de disputas aberto, portanto. Neste campo, a concepção de Sistema Nacional de Educação Básica (Sinaeb), para muito além do desempenho em exames, deve ser o horizonte do debate político: deve considerar múltiplas dimensões, na perspectiva de garantir a universalização do atendimento escolar, por meio de uma educação de qualidade e democrática, a valorização dos profissionais da educação e a superação das desigualdades educacionais.

Manter o sentido do debate e a centralidade da EC nº 108/2020 em relação à destinação de recursos para a escola pública, com gestão pública, e garantia de valorização dos profissionais da educação, com piso para o conjunto dos trabalhadores é, talvez, o maior dos desafios, até aqui ainda fortemente preservado. Pode-se afirmar que os pontos centrais constantes da EC 108/2020 e dos projetos até então apresentados em atenção à regulamentação do Fundeb a vigorar a partir de janeiro de 2021 convergem para a defesa de uma escola pública.

Um dia após a promulgação da EC nº 108/2020 foi apresentado o Projeto de Lei 4372/202017, na Câmara dos Deputados, atinente à regulamentação do Fundeb, tendo como autores e coautores: Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM/TO), Tabata Amaral (PDT/SP), Danilo Cabral – (PSB/PE), Idilvan Alencar (PDT/CE), Raul Henry (MDB/PE), Bacelar (PODE/BA), Mariana Carvalho (PSDB/RO) e Professor Israel Batista (PV/DF). No Senado Federal, em 09 de setembro, foi apresentado o PL 4.519/2020, da lavra do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). São proposições majoritariamente compatíveis com o espírito garantidor de oferta com qualidade, em instituições públicas, da EC nº 108.

As regulamentações sucedâneas relativas ao Fundeb ratificaram os embates entre o público e o privado no campo educacional.

A Lei nº 14.113/2020 é originada do Projeto de Lei nº 4372/2020, apresentado em 27 de agosto de 2020, reitera-se, um dia após a promulgação da nova Emenda Constitucional relativa ao Fundeb permanente. Em grande medida, as tensões havidas no debate sobre a Emenda Constitucional são repercutidas nas discussões e nas proposições da regulamentação infraconstitucional, como exemplos: a inclusão de matrículas e o repasse de recursos públicos do Fundeb para o “Sistema S”, a contagem de matrículas e o repasse de recursos do Fundeb para escolas particulares e as possibilidades de pagamento de profissionais das áreas técnicas, administrativas e terceirizados dentro dos 70%, que devem ser destinados aos profissionais da educação em efetivo exercício, notadamente professores/as.

A extensão da utilização de recursos públicos por instituições filantrópicas, comunitárias e confessionais (em creches, pré-escolas, educação especial e alternância) foi também tema de dissenso na tramitação que se seguiu.

Nesta primeira fase de aprovação (na Câmara dos Deputados), o prejuízo havia sido grande e o Senado Federal, mais uma vez em razão de importante mobilização da sociedade, corrigiu o texto da Câmara em relação aos aspectos acima, em linha com os preceitos constitucionais e, notadamente, em defesa da educação pública e dos profissionais da educação, garantindo a destinação dos recursos para a escola pública, nesta fase, obstaculizando privatizações no texto de regulamentação.

O texto da Lei nº 14.276/2021 (originado no Projeto de Lei nº 3418/2021) altera a Lei nº 14.113, supramencionada, propondo modificações que implicam a prorrogação de prazos de transição, o tema das ponderações entre as diferentes etapas e modalidades. Neste particular, tanto a regulamentação inicial (2020) quanto a sua atualização (2021) indicam para a dilatação das definições relativas aos indicadores referentes às novas ponderações, que serão construídos a partir de metodologia de cálculo elaborada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e aprovada pela Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade.

Também é ponto de disputa a ampliação, novamente, do conceito de profissionais da educação (para além das definições do art. 61 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), neste caso, abrindo margem para a inclusão e o cômputo de outros profissionais (mais uma vez com forte presença de mobilização de assistentes sociais e psicólogos), o que sugere grandes controvérsias e possibilidades de judicializações. Explicitou-se que, com a parcela dos 30% (trinta por cento) não subvinculada aos profissionais da educação, os portadores de diploma de curso superior na área de psicologia ou de serviço social podem ser remunerados, desde que integrantes de equipes multiprofissionais que atendam aos educandos, nos termos da Lei nº 13.935 de 11 de dezembro de 2019.

Além do que a atualização relativa à regulamentação propõe que a movimentação dos recursos do Fundeb não seja exclusividade de bancos “públicos”, como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Outro aspecto que explicita as tensões entre público e privado e a cobiça sobre o fundo público é a inclusão de matrículas dos chamados serviços sociais autônomos no cálculo, o que tende a estimular ainda mais parcerias dos governos estaduais com o “Sistema S”, o que deve ocorrer em detrimento de investimento nas instituições públicas, sem dúvida alguma.

Um aspecto positivo da atualização foi a expressa autorização para que aqueles recursos oriundos do Fundeb, para atingir o mínimo de 70% (setenta por cento) dos recursos anuais totais dos Fundos destinados ao pagamento, em cada rede de ensino, da remuneração dos profissionais da educação básica em efetivo exercício, poderão ser aplicados para reajuste salarial sob a forma de bonificação, abono, aumento de salário, atualização ou correção salarial. Ratifica o direito ao rateio das sobras do FUNDEB para os profissionais da educação, uma reivindicação importante.

Um Fundeb que deve ser destinado à melhoria progressiva e sustentada das escolas públicas brasileiras, com gestão pública, e valorização do conjunto dos profissionais da educação, agenda esta projetada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) e elemento estratégico de um efetivo SNE da qual a política de fundos é parte indissociável e que, também, precisa ser regulamentado urgentemente. A ausência de um Sistema Nacional de Educação, em sentido próprio e com normas de cooperação e arenas federativas de caráter vinculante, resulta, até hoje, em importantes debilidades na organização da nossa educação nacional. Mais um passo foi dado com a aprovação do Fundeb. É preciso dar outros, fortalecendo instrumentos jurídicos que deem conta da cooperação e da solidariedade federativa na educação, sempre com progressivo incremento da participação da União na cooperação técnica e financeira, com vistas ao alcance de padrões de qualidade válidos para todos e todas.

Ao menos quatro aspectos estruturais podem ser destacados como importantes avanços na aprovação da Emenda Constitucional nº 108, em 2020 e na regulamentação ulterior: a inserção do Fundeb no corpo permanente do texto constitucional, perenizado sua inscrição; a manutenção da destinação de importante e relevante parcela dos recursos do fundo (proporção não inferior a 70%) para pagamento dos profissionais da educação; a ampliação gradativa da complementação da União, com o horizonte de conformação de 23% dos recursos totais; além da consagração do conceito de Custo Aluno Qualidade (CAQ), como referência de padrão de qualidade a orientar o financiamento.

Portanto, a redação vencedora, ao contrário da proposta do Governo Bolsonaro, de uma subvinculação mínima de 70% dos recursos do Fundo ao pagamento dos profissionais da educação, representa uma outra importante vitória. Esta conquista se soma a outra medida complementar importante que é a vedação da destinação de recursos vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino ao pagamento de aposentadorias e pensões (§ 7º do art. 212). Em relação aos profissionais da educação e às tensões que aí se mantêm, convém destacar manifestação da CNTE, segundo a qual ingressaria com ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei nº 14.276, sobretudo em relação à extensão dos profissionais abarcados na subvinculação de 70% do FUNDEB18.

Ao ser concluída a redação final no Congresso Nacional, fundamentalmente mantendo o conteúdo aprovado na redação do Plenário na Câmara dos Deputados em 21 de julho de 2020, o novo texto do Fundeb inscreveu a elevação gradativa da complementação da União dos atuais 10% do total dos recursos previstos para 23% (art. 212-A, inciso V). A ampliação dos 10% mínimos de complementação federal (tornado máximo nos últimos anos) para os 23% representa uma elevação de R$ 17,5 bilhões em 2021 para R$ 39,3 bilhões em 2026, conforme estimativas da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados19, o que representa um importante ponto de avanço no atendimento de mais sistemas de ensino.

Se no processo de debate da Proposta de Emenda Constitucional do Fundeb, o governo não se colocou em posição contributiva do debate em torno de um financiamento mais robusto e equitativo para a educação nacional, não é tão diferente no processo de sua regulamentação infraconstitucional que ocorreu até aqui.

Assim, a aprovação de nova Proposta de Emenda Constitucional relativa ao Fundeb, embora seja uma necessidade e represente um avanço, não é suficiente se sujeitada por uma regulamentação que drene recursos públicos destinados à escola privada, que ataque o magistério, que não impulsione a regulamentação do Sistema Nacional de Educação e a materialização do conceito de Custo Aluno Qualidade, entre outros aspectos. Também se submetida às consequências de outras PECs, como a PEC do Pacto Federativo.

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1 A esse respeito ver Araújo e Adrião (2022).

2 Em apertada síntese: “deliberações que vão na direção contrária ao processo de construção de uma educação pública laica e republicana. São políticas que convergem com as intenções dos setores mais reacionários do Congresso Nacional e também daqueles que historicamente atacam a escola pública para a promoção da sua privatização, do gerencialismo e da militarização, inclusive no que se refere à educação básica”, para utilizar conceituação de Catarina de Almeida Santos e Leda Scheibe. A discussão encontra-se na revista Retratos da Escola / Escola de Formação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (Esforce) – v. 12, n. 23, jul./out. 2018. – Brasília: CNTE, 2007-Semestral. Disponível em: <https://cnte.org.br/images/stories/retratos_da_escola/retratos_da_escola_23_2018.pdf>. Acesso em 12 de out. 2020.

3 A respeito do Fundeb, especialmente sobre CAQ, ver, dentre outros, Fernandes & Bassi (2022), Pinto (2022); sobre Fundeb e a valorização dos professores, ver Gouveia (2022).

4 A respeito do SNE e dos movimentos visando a sua institucionalização ver: Dourado, Araújo (2021); Dourado; Araújo (2018); Dourado (2017).

5 A respeito dos movimentos pela institucionalização do SNE destacam-se avanços na tramitação da matéria na Câmara dos Deputados e, em 9 de abril de 2022, a aprovação por unanimidade, pelo Senado Federal, do PLP 235/2019 que instituiu o SNE.

6 O Fórum Nacional de Educação, no dia 01 de abril de 2016, aprova sua 39º Nota Pública, “Em Defesa da Educação Pública, da Democracia e do Estado de Direito: Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe e implicará em risco à consagração dos direitos sociais”. De maneira assertiva, o FNE projetara o cenário de retrocessos e desmontes, conforme analisado por Dourado e Araujo (2018). Ver mais em: Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 12, n. 23, p. 207-226, jul./out. 2018. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 207. Acesso em: 12 de out. de 2020.

7 Mais pode ser visto, por exemplo, em “Plano de Guedes corta despesas, mas pode afetar áreas como saúde e educação. Veja mais em https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/11/03/agenda-ddd-3d- paulo-guedes-desindexar-desvincular-desobrigar.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 12 de out. de 2020.

8 Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95. htm

9 O Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) foi criado em 2017 e é uma articulação de entidades nacionais do campo educacional e dos movimentos sociais em defesa da educação, constituído em diálogo permanente com fóruns pelos estados após o desmonte do Fórum Nacional de Educação (FNE) no Governo Temer. É composto por mais 45 (quarenta e cinco) entidades nacionais do campo educacional e é organizado a partir de uma Coordenação Executiva e 3 (três) comissões, trabalhando nas mobilizações pela educação pública em toda sua abrangência e para pressionar o governo federal e demais governos para a implementação dos planos nacional, estaduais, distrital e municipais de educação, além de ter a tarefa de viabilizar a organização das Conferência Nacional Popular de Educação.

10 A composição do MEC no primeiro biênio do Governo Bolsonaro se deu nos seguintes termos: Ricardo Vélez Rodríguez (1 de janeiro de 2019 – 8 de abril de 2019); Abraham Weintraub (9 de abril de 2019 a 19 de junho de 2020); Cargo Vago (20 de junho de 2020 a 16 de julho de 2020) e Milton Ribeiro (a partir de 16 de julho de 2020).

11 Falta de interlocução com Weintraub atrasou debate sobre Fundeb, diz deputada. CNN, 20 de julho de 2020, edição on line. Disponível em: < https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/07/20/falta-de-interlocucao- com-weintraub-atrasou-debate-sobre-fundeb-diz-deputada>. Acesso em: 03 de out. de 2020.

12 Governo quer R$ 6 bilhões do Fundeb para bancar ‘voucher-creche’ no setor privado. Folha de São Paulo. 20 de julho de 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/07/governo-quer- r-6-bilhoes-do-fundeb-para-bancar-voucher-creche-no-setor-privado.shtml>. Acesso em: 18 de out. de 2020.

14 TANNO, Claudio Riyudi. Câmara dos Deputados. Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira. Estudo Técnico número 22/2020 - PEC 15/2015 Fundeb: Texto Aprovado na Câmara dos Deputados, novo Mecanismo redistributivo, Resultados Esperados, Avaliação e Proposta de Regulamentação. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2020/ETn22_2020PEC15_2015FUNDEBAprova do_Cmara.pdf>. Acesso em 17 de out. de 2020.

15 Projeto de Lei Complementar, PLP 216/2019, da Deputada Professora Rosa Neide apensado ao PLP 25/2019, da Deputada Professora Dorinha.

16 Projeto de Lei Complementar nº 235, de 2019, da lavra do Senador Flávio Arns (Rede-PR)

17 Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o art. 212-A da Constituição Federal; e dá outras providências. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2261121

18 Disponível em: https://www.cnte.org.br/index.php/menu/comunicacao/posts/notas- publicas/74523-nova-lei-ratifica-o-direito-ao-rateio-das-sobras-do-fundeb-para-os-profissionais-da-educacao.

19 TANNO, Claudio Riyudi. Câmara dos Deputados. Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira. Estudo Técnico número 22/2020 - PEC 15/2015 Fundeb: Texto Aprovado na Câmara dos Deputados, novo Mecanismo redistributivo, Resultados Esperados, Avaliação e Proposta de Regulamentação. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2020/ETn22_2020PEC15_2015FUNDEBAprova do_Cmara.pdf>. Acesso em 17 de out. de 2020.

Recebido: 07 de Agosto de 2022; Aceito: 07 de Agosto de 2022

Luiz Fernandes Dourado Professor Titular e Emérito da UFG. Doutor em Educação (UFRJ). Diretor da ANPAE e membro da Coordenação Executiva do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE). E-mail: luizdourado1@gmail.com

Walisson Maurício Pinho de Araújo Mestre em Educação pela UFG, Coordenador Executivo do FNPE, Chefe de Gabinete da Deputada Federal Profa. Rosaneide E-mail: walissonmauricio@gmail.com

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