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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.38 no.1 Goiânia  2022  Epub 02-Out-2023

https://doi.org/10.21573/vol38n002022.121730 

ARTIGOS

A Fundação Itaú Social e a produção de conhecimento em educação

The action of Fundação Itaú Social as a producer of knowledge in education

La Fundación Itaú Social y la producción de conocimiento en educación

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Educação da Baixada Fluminense Duque de Caxias, RJ, Brasil

2Universidade Estácio de Sá Programa de Pós-graduação em Educação Rio de Janeiro, RJ, Brasil


Resumo

O artigo buscou analisar a Fundação Itaú Social em sua ação de produção de conhecimento e conteúdo para a educação. Mapeou-se, utilizando a metodologia de Análise de Redes Sociais, os elos relacionais entre agentes individuais e coletivos, públicos e privados. A pesquisa demonstrou que tais agentes compõem um movimento orgânico atuando por meio de uma complexa rede social composta por uma fração da burguesia brasileira, que influencia e age sobre a educação pública em várias frentes: nas políticas, nas práticas e no consenso.

Palavras-Chave: política educacional; privatização da educação; Itaú Social

Abstract

The article sought to analyze Fundação Itaú Social in its action to produce knowledge for education. Using the Social Network Analysis Methodology, we mapped the public and private partnerships established with individual and collective agents. The research showed that such agents make up an organic movement acting through a complex social network composed of a fraction of the Brazilian bourgeoisie, which influences and acts on public education on several fronts: in policies, practices and consensus.

Key words: educational policy; privatization of education; Itaú Social

Resumen

El artículo buscó analizar la Fundación Itaú Social en su acción de producción de conocimiento y contenido para la educación. Mapeó, utilizando la metodología del Análisis de Redes Sociales, los vínculos relacionales entre agentes individuales y colectivos, públicos y privados. La investigación demostró que tales agentes conforman un movimiento orgánico que actúa a través de una compleja red social compuesta por una fracción de la burguesía brasileña, que influye y actúa sobre la educación pública en varios frentes: en las políticas, en las prácticas y en los consensos.

Palabras-clave: política educativa; privatización de la educación; Itaú Social

INTRODUÇÃO

Um Itaú de vantagens feito pra você!!!

O slogan do banco Itaú em epígrafe poderia sintetizar de maneira eficiente os discursos da chamada “direita para o social” (MARTINS, 2009), objetivando educar o consenso (NEVES, 2005) para minimizar a oposição e a resistência ao seu projeto neoliberal (MONTAÑO, 2015). As empresas têm propagado a ideia de que a elas também cabe contribuir para o desenvolvimento sustentável, em termos ecológicos, econômicos e sociais da população. A partir de tal afirmação, e das ações que dela decorreram, evidenciou-se, ainda mais e de novas maneiras, a movediça fronteira entre as esferas pública e privada no contexto brasileiro.

Entretanto, as relações que agora transmutam-se discursivamente em bem público, não são recentes. A simbiose entre o público e o privado no Brasil é ontológica, interligada desde o surgimento da colônia, perpassando por toda a constituição do Brasil enquanto nação.

Pode-se inferir que tal inter-relação no contexto nacional, fez-se desde a gênese da educação brasileira, o que pode ser verificado, primeiramente, na presença maciça da Igreja no oferecimento (por vezes quase que exclusivo) de vagas e, posteriormente, nas disputas travadas em torno do financiamento público e na construção de todas as legislações promulgadas ou outorgadas em matéria educacional. Os benefícios concedidos pelo Estado para a expansão e o fortalecimento da esfera privada em educação são perceptíveis quando analisam-se tais legislações.

Dentre estas, podemos apontar a Reforma Campos de 1931 (que possibilitava a certificação e a equiparação das instituições privadas às públicas), a Constituição de 1937 (que retira a ênfase na obrigação do Estado para com a Educação anteriormente presente na Constituição de 1934 e lhe concede um papel subsidiário à família, inclusive no financiamento), a isenção de impostos em vários períodos da história e a consideração das instituições privadas como parte da capacidade de atendimento do Estado incluindo o pagamento de bolsas de estudos.

Os fatos históricos mencionados (e outros tantos) evidenciam a inserção de representantes do empresariado na formulação de legislações e em importantes espaços de discussão no cenário educacional brasileiro (MARTINS, 2009), compondo parte da arena de disputas em torno da hegemonia de um modelo societário e da função social da educação.

No início da década de 1990, o empresariado, interessado em compor uma “nova sociabilidade mais adequada aos interesses privados do grande capital” (SHIROMA, GARCIA E CAMPOS, 2011. p. 226), organizou-se de forma sistemática baseando-se em fóruns nacionais e mundiais para indicar algumas premissas que deveriam nortear as reformas educacionais brasileiras dali em diante. Segundo Neves (2005), nos anos de reabertura política no Brasil, após a ditadura civil militar (1964-1985), há uma complexificação econômica e político- ideológica da sociedade promovida por uma abertura na participação da sociedade na política.

Nesse sentido, contra a criação acelerada das organizações de trabalhadores, a burguesia também precisou organizar-se através de mecanismos não estatais que visavam salvaguardar sua própria perspectiva societária. Emerge, assim, “uma complexa rede de organizações de massa, de sujeitos políticos coletivos”. (NEVES, 2005, p. 85).

Martins (2019) enfatiza que tal movimento de organização do empresariado, no entanto, não é exclusividade brasileira, tendo sido observado em toda a América Latina.

[...] os empresários têm se fortalecido como uma das vozes mais significativas na disputa pelo controle dos conteúdos, métodos e finalidades da educação da classe trabalhadora, ou seja, pela condução da política educativa latinoamericana, intensificando seu condicionamento aos interesses privados. (MARTINS, 2019, p. 23).

Em pesquisa exploratória preliminar, verificou-se a inserção de diversos atores privados na constituição do discurso público sobre educação no Brasil. A atuação dessas entidades se dá de diferentes formas, incluindo entrevistas concedidas à mídia, realização de pesquisas, elaboração de projetos, concessão de prêmios, apoio financeiro a outras entidades, elaboração de material informativo, cursos de formação e participação em audiências públicas nas casas legislativas, dentre outras ações.

Um dos mais importantes nós desta rede é o Movimento Todos pela Educação (TPE) que, não por coincidência, tem sido recorrentemente chamado a professar publicamente o discurso competente (CHAUÍ, 1997) em matéria educacional tanto na mídia como no Congresso Nacional. (MARTINS, 2016).

Ampliando um pouco mais a busca, ao analisar os parceiros, apoiadores e mantenedores dos sujeitos coletivos que mais atuam na temática, foi possível identificar um agente recorrente: A Fundação Itaú Social (FIS). No que tange ao TPE, por exemplo, a lista de mantenedores possui 16 sujeitos, composta, principalmente, por institutos e fundações ligadas ao empresariado. Dentre esses, 5 integram o setor bancário ou rentista dos quais 3 pertencentes à ITAÚSA holding S.A. Ainda compondo a lista de mantenedores, encontra-se um único sujeito individual, Milú Villela, a maior acionista individual da ITAÚSA holding S.A.

A presença marcante do Banco Itaú no TPE, no entanto, está longe de ser sua única frente de ação na educação. O Itaú Unibanco, atualmente o maior banco da América Latina, no ano de 2020, investiu cerca de 275 milhões de reais em seus projetos a partir de seus braços sociais, o Instituto Unibanco e a Fundação Itaú Social. Destes, aproximadamente 250 milhões de reais foram destinados a programas e projetos capitaneados pela FIS cuja missão, constante em sua home page, é “Desenvolver, implementar e compartilhar tecnologias sociais para contribuir com a melhoria da educação pública brasileira.”1

Suas ações, expostas em seu relatório anual, demonstram que, no último ano, a FIS esteve presente em 2020, em 4262 municípios brasileiros, financiou quase 2 mil instituições, realizou parcerias com 747 Secretarias Municipais de Educação, alcançou 4,4 milhões de estudantes e mais 3,4 milhões de pessoas por meio de organizações da sociedade civil (OSC).

O alto valor investido, a quantidade e o alcance de seus projetos e programas, sua ampla rede de parceiros e suas relações com o poder público justificam a relevância do tema deste trabalho e embasaram as questões que nortearam o desenvolvimento do estudo que a ele deu origem.

Em pesquisa anterior (AUTOR, 2020), a FIS foi identificada como um Aparelho Privado de Hegemonia (GRAMSCI, 2017) que age, em especial, a partir de 3 pilares principais. Um destes pilares analisados é a produção de conteúdo em (e para) a educação. Em seu demonstrativo financeiro, as ações com Pesquisa e Formação (incluindo a produção e a veiculação do conteúdo para a formação) somam mais de 25 milhões de reais.

Para a análise que se inicia, o constructo teórico-metodológico é composto pela observação e análise dos elementos constitutivos das ações da FIS e das redes de interpenetração, cooperação e apoio que se fazem a partir daí, no que tange a produção de conhecimento e de conteúdo.

Nessa lógica, a Análise de Redes Sociais (ARS) configurou-se enquanto uma ferramenta fundamental para a melhor compreensão das correlações de forças que se dão a partir da reconfiguração do capitalismo no cenário atual, que incluem, necessariamente, a ação e a interação entre agentes e corporações privadas e o Estado.

Souza e Quandt (2008) afirmam que a ARS “é uma ferramenta metodológica de origem multidisciplinar [...] cuja principal vantagem é a possibilidade de formalização gráfica e quantitativa de conceitos abstraídos a partir de processos característicos da realidade social” (SOUZA; QUANDT, 2008. p. 31).

Seguindo tal perspectiva, a partir dessa ferramenta, identifica-se como possível analisar, de forma gráfica, elementos retirados a partir de análise qualitativa como as relações entre os atores que estão inseridos em uma determinada rede.

No escopo que buscamos, foi utilizada a perspectiva de rede multimodal (definida enquanto uma rede que agrega atores de diferentes tipos) por abranger atores2 individuais e coletivos, de direito público e privado, com e sem fins lucrativos, dentre outros. Foi incluída também a observação das redes de afiliação, que são tipos especiais de redes multimodais, a partir dos quais é possível identificar atores que participam de maneira simultânea de mais de uma rede. (SOUZA; QUANDT, 2008)

A “relação que estabelece uma conexão ou troca de fluxos entre dois atores” (SOUZA; QUANDT, 2008. p. 31) é nomeada elo relacional. Esses elos relacionais podem estar ligados a tipos de conexões diferentes, desde o compartilhamento de opiniões pessoais, até a transferência de recursos.

Para o desvelamento da ação da FIS como produtora de conhecimento e conteúdo em educação, este artigo dividiu-se em 3 seções. A primeira delas, esta introdução, seguida pela caracterização e a organização interna da Fundação, e a seção de análise das relações e ações em torno da produção de conhecimento e conteúdo.

A FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL

Embora a Fundação Itaú Social (FIS) tenha sido constituída no ano de 2000, seus primórdios datam de 1993, com a criação do Programa de Apoio Comunitário cujo objetivo era articular as ações sociais que vinham sendo empreendidas pelo banco Itaú. Sua criação teve como aporte financeiro inicial um fundo patrimonial resultante de doações de empresas do Grupo Itaú. Embora não tenha sido possível identificar o valor do aporte inicial, no primeiro ano de existência, o investimento ultrapassou R$ 5 milhões, embora o projeto piloto da FIS só tenha iniciado suas atividades em 1994.

Antecederam à instituição da Fundação Itaú Social quatro programas, cujos projetos eram atrelados ao Banco Itaú. Foi de Maria Alice Setúbal, herdeira do banco, a ideia de criar a fundação, evitando, desta forma, que o compromisso social da empresa dependesse dos acionistas e do panorama econômico de cada época.

Sempre insisti muito para que os projetos sociais saíssem de dentro do banco para formar uma fundação. [...] defendi muito essa proposta, porque era uma forma de mostrar para a sociedade a perenidade do compromisso social do banco. (SETÚBAL apud MARTINS, 2014. s/p).

As ações iniciais, então realizadas pelo Programa Itaú Social, foram continuadas pela Fundação a partir de sua instituição, no ano de 2000 e a ação social do banco tornou-se mais abrangente e com o novo modelo de gestão, supostamente independente da Holding.

Segundo seu Estatuto Social3, a FIS é uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, instituída pela Itaúsa4 (art. 1º) e tem como mantenedor principal o Itaú Unibanco Holding S.A., sendo as demais empresas do conglomerado (que formam o bloco comandado pela Itaúsa) mantenedores eventuais (art. 4º).

O quadro da FIS é composto pela governança, subdividida em um Conselho Curador e Diretoria, além de um quadro de 54 funcionários. Não está exposto, dentre as informações disponibilizadas no sítio virtual da FIS, os setores específicos a que tais funcionários estão atrelados, entretanto, a partir dos depoimentos disponíveis de 50 dos 54 trabalhadores, foi possível identificar as áreas de atuação que foram sistematizadas no gráfico 3.

A área de Fomento se constitui no maior núcleo de trabalho dentro da FIS, contando com quase o dobro de funcionários constantes nas 2 áreas que empatam em segundo lugar – ‘Comunicação’ e ‘Pesquisa e Desenvolvimento’.

Fonte: Elaborado pela autora com base em dados disponíveis na home page da FIS

Gráfico 01 Divisão percentual das áreas de atuação da FIS 

O baixo número de funcionários fixos, diante de sua atuação e alcance, causa o questionamento a respeito do escopo de ação de cada um dos setores da FIS. Por não haver informações disponíveis sobre tal atuação, não foi possível avaliar qualitativamente os números apresentados.

Pode-se inferir, no entanto, que a área de Fomento, em analogia à legislação da administração pública, destina-se a incentivar e propor ações de parceria com o poder público e outras entidades e organizações da sociedade civil.

Ao analisarmos a missão à qual propõe-se, a Fundação expõe, de forma clara e concisa, que seu campo de alcance pretendido é a educação pública. A entidade, ao partir do pressuposto de que a sociedade civil organizada tem a responsabilidade de envolver-se com a sociedade na qual está inserida, busca “desenvolver, implementar e compartilhar tecnologias sociais para contribuir com a melhoria da educação pública brasileira”5.

Ainda nessa mesma perspectiva, a Fundação, ao expor sua visão em sua home page, coloca-se enquanto “polo de desenvolvimento educacional articulador, agregador e produtor de conhecimento”6.

Tal missão e visão da Fundação vem ao encontro do que postula Montaño (2010), quando afirma que há uma passagem de responsabilidades em relação às questões sociais do primeiro setor (identificado enquanto o Estado) para o terceiro setor (identificado enquanto Sociedade Civil), através de parcerias público-privadas e com o intuito de “encobrir e gerar a aceitação da população a um processo que [...] tem clara participação na estratégia atual de reestruturação do capital.” (MONTAÑO, 2010, p. 224).

Já no que tange ao objeto a que se destina, seu Estatuto Social determina, em seu art. 2º, que este será ancorado pela gestão de

projetos de interesse da comunidade, de forma ampla e objetiva, apoiando ou desenvolvendo projetos sociais, científicos e culturais, nas comunidades onde o Itaú Unibanco S.A. atua, prioritariamente no ensino fundamental e saúde; e apoiar projetos ou iniciativas já em curso, sustentados ou patrocinados por entidades de reconhecida idoneidade.7

No parágrafo único do mesmo artigo, a entidade permite-se “contratar com terceiros a prestação de serviços técnicos e firmar contratos e convênios com entidades públicas e privadas” Nesse sentido, desde a sua instituição, a FIS vem ampliando sua abrangência através de projetos próprios e de terceiros por ela apoiados, muitas vezes, executados por outros agentes coletivos públicos e privados.

A FIS está estruturada internamente com a divisão de sua administração entre o Conselho Curador e a Diretoria. O primeiro é o órgão máximo de consulta e deliberação e, ao segundo, cabe a execução das ações.

O Conselho Curador, segundo o Estatuto Social da FIS, deve ser composto por no mínimo 3 e no máximo 14 membros, sendo 1 deles indicado pela Itaú Unibanco Holding S.A. e os demais indicados pelo instituidor – a saber – Itaúsa (Investimentos Itaú S.A.).

O Presidente do Conselho Curador é eleito entre os seus membros e a ele cabe o voto de minerva, em caso de empate na deliberação de alguma questão levantada durante as reuniões, que só poderá ser instalada com um quórum mínimo de 2/3 de seus membros.

Quanto à Diretoria, deve ser presidida pelo Presidente do Itaú Unibanco Holding S.A. cuja atuação é de coordenação das ações da FIS, além de presidir as reuniões. A composição da Diretoria deve variar de 6 a 15 membros cujas funções estão definidas no documento em análise: além do Diretor Presidente, haverá “1(um) Diretor Vice Presidente, 1 (um) Diretor Vice Presidente de Programas

Sociais, 1 (um) Diretor Vice Presidente Administrativo e Financeiro, e de 3 a 12 Diretores, com mandato anual, na conformidade do que for estabelecido pelo Conselho Curador ao prover estes cargos”

É perceptível, portanto, que dentro da organização do FIS, há uma hierarquia bem colocada e documentada, a partir da qual o Conselho Curador, indicado em sua totalidade pelas empresas do grupo que concentra o planejamento e a nomeação dos membros da Diretoria. A esta última, cabe a função de execução das tarefas e decisões definidas pelo primeiro.

As formações acadêmicas dos conselheiros e diretores restringem-se às áreas da engenharia, à área econômica e, principalmente, administrativa. Nenhum deles possui formação em educação ou na área social. Nessa perspectiva, é bastante pertinente afirmar que as decisões de toda ordem tomadas pela FIS ancoram-se fortemente em um viés, no mínimo, economicista.

Os nós da rede da Diretoria e do Conselho Curador possuem muitas similitudes e uma diferença: Enquanto o segundo conserva no clã familiar dos acionistas majoritários da Holding todo o poder decisório, tomando para si a responsabilidade de traçar os rumos da FIS, a segunda é composta por membros não familiares. Ainda assim, mesmo que não pelo laço familiar, estão entrelaçados com a Holding na qual todos trabalham ou trabalharam em algum momento.

Diferentemente do Estado, definido como “condensação material de uma relação contraditória” (POULANTZAS,1980. p. 153), a FIS nos parece um bloco monolítico, que reúne sujeitos com a mesma linha de pensamento e trabalho e, nestes termos, a progressiva assumpção dos serviços públicos, especialmente os sociais, pela iniciativa privada representa um dos pilares que retrocedem os avanços democráticos dos últimos anos.

Esta convergência e alinhamento ideológico tanto no Conselho Curador quanto na Diretoria, vai ao encontro do que Paoli (2002) coloca em relação ao movimento de conscientização do empresariado. A autora afirma que há a ausência, nesse movimento empresarial em torno da Responsabilidade Social Empresarial (RSE), daquilo que é fundamental quando se fala em direitos universalmente instituídos, que é a formação de um “espaço público real” caracterizado pela sua construção universal. Espaço este “no qual a crítica e o dissenso organizado dos excluídos pode se instalar na demanda dos direitos.” (PAOLI, 2002, p. 403).

Ainda segundo a autora, a presença dos excluídos no debate público sobre as suas próprias demandas é de fundamental importância cuja ausência expõe “uma noção de cidadania particularista que não tem pela frente uma alteridade real, pois não há a figura de outros que possam participar e negociar os bens sociais doados nem um controle público (e não apenas contábil) dessas atividades.” (PAOLI, 2002).

A composição gerencial da FIS expõe, em última instância, sua despreocupação com as demandas trazidas pelos destinatários de suas ações de RSE corroborando a ideia de que ao empresariado, mais importante é a imagem de empresa socialmente responsável, favorecendo sua competitividade no mercado, o valor agregado à marca e o fomento às ações empreendedoras das entidades do terceiro setor do que a necessidade dos destinatários de seus projetos e programas.

A composição gerencial demonstra, ainda, uma contradição em relação à ideia inicial trazida por Maria Alice Setúbal, quando da criação da Fundação, a de desvincular as ações da FIS dos acionistas da Holding tendo em vista que, ao compor a gerência da FIS, exclusivamente, com membros ligados intrinsecamente às pessoas com cargos na Holding, os interesses desta última tendem a ser priorizados em detrimento dos interesses e necessidades sociais mais amplas.

Ball (2014) afirma que o neoliberalismo (e acrescento aqui o de terceira via também) “está produzindo novos tipos de atores sociais, sujeitos sociais híbridos que são espacialmente móveis, eticamente maleáveis e capazes de falar as linguagens do público, do valor privado e filantrópico.” (BALL, 2014, p. 230). Estes homens e estas mulheres, que compõem o centro decisório da FIS, representam a materialização de que nos fala o autor.

Juntas, essas pessoas, suas relações e suas interações, sua moralidade e seu dinheiro, suas ideias e sua influência estão transformando as relações sociais, econômicas e políticas e aplicando o imaginário neoliberal de formas muito reais e práticas na educação e na política educacional (BALL, 2014. p. 230).

Os recursos investidos nos programas e projetos da FIS são obtidos, em sua maioria, por rendimentos de aplicações financeiras de recursos da própria FIS e por doações da Itaúsa Holding S.A., que faz jus à isenção de impostos e tributos a partir das doações executadas em função de leis de incentivo.

De acordo com as demonstrações contábeis do ano de 2018, a Holding aplicou em educação R$279 milhões8, dos quais apenas R$ 12,4 milhões com recursos de incentivo fiscal. É possível inferir, portanto, que a isenção fiscal, embora ocorra, não se constitui em condição sine qua non para o investimento social da empresa.

No que tange aos seus programas e projetos de forma geral, a FIS apresenta duas linhas de atuação, nomeadas de ‘Pilares’, na aba ‘Programas’ em sua home page. O primeiro pilar, nomeado ‘formação de profissionais da educação’, e o segundo, ‘fortalecimento da sociedade civil’. Há ações exclusivas de cada Pilar e 2 ações compartilhadas pelos 2 Pilares, dentre os quais o programa de “Pesquisa”.

Identificados os sujeitos coletivos elencados pela FIS como ‘parceiros’, contabilizou-se 32 parceiros dos quais 07 são instituições ou entidades ligadas diretamente ao poder público (Ministério da Educação, Secretarias de Educação, CONSED9, UNDIME10, Secretarias de Assistência Social e Congemas11).

Embora o Consed, a Undime e o Congemas sejam pessoas jurídicas de direito privado, por serem seus membros secretários estaduais e municipais de educação e assistência social, pode-se inferir a relevância destas associações para as políticas públicas. Dessa maneira, fica evidenciada a relação existente entre as ações da FIS e a sua inserção no Estado brasileiro a partir dos dirigentes das pastas, tanto em âmbito nacional quanto nos entes federados.

Além disso, ainda considerando o fortalecimento da penetração dos programas da FIS no ideário impresso às políticas públicas brasileiras, pode-se identificar as parcerias diretas com o próprio MEC, com secretarias de educação e com secretarias de assistência social.

Não é possível (embora pertinente) pela limitação que este texto impõe, a análise de cada um destes elos relacionais e, por este motivo, analisou-se apenas um dos programas que se encontra atrelado tanto ao pilar da Formação quanto ao pilar do Fortalecimento. Para tanto, utilizou-se como fontes os documentos disponíveis, as home pages do programa e dos parceiros, possíveis sujeitos individuais relevantes e, a partir daí, desvelados os elos relacionais entre a FIS e os outros nós das redes observadas, construiu-se o grafo do programa e a decorrente rede de afiliados.

REDES SOCIAIS DA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO E CONTEÚDO

A produção de conhecimento através de pesquisas é o 6º programa em que a FIS mais investiu recursos financeiros em 2020 (cerca de 10,7 Milhões de Reais) e é atrelado aos dois pilares postulados pela Fundação. Em sua descrição, o programa de Pesquisas tem como objetivo

realizar e apoiar investigações que: ofereçam insumos para o desenvolvimento dos projetos próprios do Itaú Social; disponibilizem para a sociedade informações relevantes, que contribuam para que o poder público e outros atores atuem em prol da melhoria da educação no Brasil.12

As pesquisas são publicizadas por meio de uma aba nomeada ‘Publicações’ no site da FIS. Na área, há os relatórios de avaliação econômica e as pesquisas realizadas e/ou apoiadas pela FIS. Também há muitas pesquisas em parceria com outras organizações.

São disponibilizados 47 documentos, dos quais 22 foram descartados por serem análises econômicas ou sobre temáticas que fogem ao campo da educação e 25 selecionadas para a construção da tabela 01.13

Tabela 01 Pesquisas realizadas pela FIS 

TÍTULO PARCERIA AUTORES
Percursos da educação integral em busca da qualidade e da equidade. CENPEC; Unicef Beatriz Penteado; Lomonaco, Letícia Araújo Moreira da Silva
Tendências para a educação integral. CENPEC; Unicef Não consta
Educação Integral: Experiências que transformam - subsídios para reflexão CENPEC; Unicef Ana Lúcia Braga; Celso Favaretto; Eliana Almeida; Fabio D’Angelo; Ieda de Castro; Lino de Macedo; Nelson Pretto; Rafael Stemberg; Regina Novaes; Rosamélia Ferreira Guimarães; Rui Rodrigues Aguiar
A reforma educacional de Nova York: Possibilidades para o Brasil Instituto Fernand Braudel Norman Gall; Patricia Mota Guedes
O modelo de escola charter: a experiência de Pernambuco. Instituto Fernand Braudel Maria Carolina Nogueira Dias, Patrícia Mota Guedes
O Sistema de formação de lideranças escolares da Inglaterra: possíveis alternativas para o Brasil. British Council Adrian Ingham; Maria Carolina Nogueira Dias
Gestão educacional: ciclo de Debates 2011 Não há Maria Carolina Nogueira Dias; Patricia Mota Guedes
Gestão educacional: ciclo de debates 2012 Não há Anna Carolina Bruschetta; Patricia Mota Guedes
Educação infantil em debate: a experiência de Portugal e a realidade brasileira. Fundação Maria Cecília Souto Vidigal; Unicef; Centro de Criação De Imagem Popular Patricia Mota Guedes; Eduardo Marino
Diálogos sobre avaliação na primeira infância. Fundação Lemann; Fundação Maria Cecília Souto Vidigal; Instituto ABCD; Instituto C&A; Instituto Dynamo. Eduardo Marino (Org)
Olimpíada de Língua Portuguesa escrevendo o futuro: o que nos dizem os textos dos alunos? Cenpec Egon de Oliveira Rangel (Org)
A Relação entre o Desempenho Escolar e os Salários no Brasil Não encontrado Andréa Zaitune Curi Naércio Aquino Menezes Filho
Avaliação educacional: os desafios da sala de aula e a promoção da aprendizagem Cenpec Eloisa de Blasis (org), Marcos Tilger, Silvia Longato; coordenação Eloisa de Blasis; Patricia Mota Guedes
TÍTULO PARCERIA AUTORES
Avaliação externa: como compreender e utilizar os resultados em prol da sua rede Cedac Angela Luiz Lopes; Roberta Panico, Sonia Dias; Tatiana Bello Djrdjrjan.
Diálogos sobre a gestão municipal: O planejamento educacional em ação Cenpec; Unicef Ana Maria Falsarella, Vanda Noventa Fonseca
Diálogos sobre a gestão municipal: passo a passo do Plano Municipal de Educação Cenpec; Unicef; Undime Gabriela Von Ellenrieder; Natalia Noguchi; Sonia Dias; Tatiana Bello Djrdjrjan
Diálogos sobre a gestão municipal: Processos na Educação Cenpec; Undime; Unicef Não consta
Guia de tutoria de área Não há Alan Albuquerque R. Correia; Cherto Consultoria; Maria Carolina Nogueira Dias; Patricia Mota Guedes
Guia de tutoria pedagógica Não há Alan Albuquerque R. Correia; Cherto Consultoria; Maria Carolina Nogueira Dias; Patricia Mota Guedes
Lições do prêmio Escola Voluntária Rádio Bandeirantes Patricia Logullo
Organização da Sociedade Civil e escola pública : uma parceria que transforma Cenpec, Unicef Camila Feldberg Macedo Pinto; Nazira Arbache.
Programa Coordenadores de Pais Guia de Implantação e Monitoramento – Escola Não há Patricia Mota Guedes; Priscila Dias Leite; Marcia Florencio; Nathacha Ferreira
Programa Coordenadores de Pais Guia de Implantação e Monitoramento – Secretaria de Educação Não há Patricia Mota Guedes; Priscila Dias Leite; Marcia Florencio; Nathacha Ferreira
Programa Coordenadores de Pais Guia de Implantação e Monitoramento – Guia do Coordenador de Pais Não há Patricia Mota Guedes; Priscila Dias Leite; Marcia Florencio; Nathacha Ferreira
Uso da Avaliação Externa por Equipes Gestoras e Profissionais Docentes: Um Estudo em Quatro Redes de Ensino Público. Fundação Carlos Chagas Vandré Gomes da Silva; Nelson Antonio Simão Gimenes

Fonte: Elaborado pela autora com base em levantamento realizado na biblioteca virtual da FIS

Foi possível verificar que, das 25 publicações, 13 centravam-se no âmbito da gestão, 3 em educação integral, 6 em tutorias das mais diversas e 3 em processos pedagógicos, especificamente.

O número de publicações no campo da gestão, seja ela escolar ou de sistemas, nos indica que a FIS preocupa-se em pensar a gestão e disseminar conhecimento produzido na área, possivelmente, por seu papel estratégico no que tange à implementação de políticas e reformas educacionais, inclusive, as decorrentes das orientações de organismos internacionais, que privilegiam a eficiência e a eficácia e fomentam políticas de responsabilização e avaliações em larga escala.

Dentre as parcerias, as mais frequentes figuram Unicef e CENPEC, o primeiro nas iniciativas das pesquisas propostas e o segundo na coordenação técnica, na maioria dos casos analisados.

O Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC) define-se enquanto “uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que tem como objetivo o desenvolvimento de projetos, pesquisas e metodologias voltados à melhoria da qualidade da educação pública e a incidência no debate público.”14 O Centro atua em várias temáticas dentro do escopo da educação, sendo as principais ações aquelas que giram em torno da “aceleração de aprendizagem; alfabetização e letramento; arte e educação; articulação entre escolas e organizações da sociedade civil; educação integral; formação docente; gestão; e juventude e Ensino Médio.”15

Os números apresentados em sua home page englobam a formação de mais de 1,5 milhão de professores, 384 mil gestores escolares, 44 milhões de estudantes, presença em 99% dos municípios brasileiros e nos 27 estados do Brasil, atuando em cerca de 41% das escolas públicas brasileiras a partir de projetos, programas e pesquisas realizadas ao longo de seus 33 anos de existência e com a parceria de diversos atores públicos e privados.

A composição do Conselho Administrativo do CENPEC conta com a presença de Maria Alice Setúbal, citada anteriormente neste artigo, herdeira do Banco Itaú e atualmente Presidente do Conselho de Administração da Fundação Tide Setúbal e do GIFE. O Itaú também se faz presente no Conselho Fiscal do CENPEC, no qual o nome de Reginaldo José Camilo, Superintendente de Finanças do Banco Itaú, consta como conselheiro.

Ao lado dos representantes do setor bancário, temos nós que se relacionam com a política nacional dentro do CENPEC como, por exemplo, Binho Marques, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), que comandou a SASE (Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino do MEC) no Governo Dilma Rousseff (de 2012 a 2016); Cleuza Repulho, cuja trajetória inclui a Diretoria de Fortalecimento Institucional e Gestão Educacional da Secretaria de Educação Básica do MEC no Governo Lula da Silva e Presidência Nacional da UNDIME por 3 gestões e Thiago Thobias , que foi diretor de Políticas Étnico-Raciais da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC durante o Governo Dilma Rousseff.

A missão do CENPEC pode explicar, em parte, a composição incomum de seu Conselho de Administração. Para a OSC, a construção de consensos é fundamental para a mudança social e, por este motivo, participa de “fóruns, redes e articulações de sociedade civil ou de pactuação entre governos e sociedade e realiza parcerias com diversas organizações da sociedade civil, empresas, órgãos da administração pública e entidades públicas e privadas para potencializar suas ações”16. Nesse sentido, abarca em seu Conselho pessoas altamente qualificadas em suas áreas de atuação, que fizeram parte do poder decisório da política nacional e, também, sujeitos ligados à iniciativa privada, em especial, ao terceiro setor.

Outro dado que fortalece o elo relacional entre o CENPEC e a FIS são projetos realizados em parceria desde as primeiras iniciativas filantrópicas do Banco Itaú. O projeto Raízes e Asas de 1993 é o marco fundante tanto das ações filantrópicas da FIS quanto da aproximação dos dois atores.

Não coube ao escopo deste artigo analisar os resultados e/ou conclusões das pesquisas realizadas pela FIS, porém, é importante ressaltar que, para a análise do direcionamento que é dado às publicações relacionadas à educação pública, outras investigações se fazem necessárias, tendo em vista a carência de conhecimento produzido.

Ainda assim, pode-se inferir um direcionamento privatista da educação pública quando constata-se a presença de investigações que focalizam o modelo de escolas charters e a reforma educacional de Nova York. Ambas têm inspirações calcadas no ideário de terceira via contando com o envolvimento da sociedade nas questões relacionadas às políticas públicas.

Tal afirmação pode ser ratificada quando, no lançamento da pesquisa sobre Nova York, Normam Gall, um dos autores acima mencionado, defende a descentralização do sistema de ensino paulista, além de advogar por uma educação com base meritocrática:

O sistema gigantesco da Secretaria de Educação de São Paulo não gera lideranças. Os grandes talentos dentro do sistema não são reconhecidos como lideranças para assumirem maiores responsabilidades, pois suas carreiras estão estancadas. Eles não podem evoluir. É preciso desenvolver um sistema que permita o crescimento desses profissionais e recompensá-los de maneira justa para que tenham alegria de viver e trabalhar (GALL, 2009. s/p)17

Pesquisas analíticas dos conteúdos das publicações e pesquisas realizadas pela FIS, assim como seus relatórios econômicos de impacto, ainda representam uma lacuna para uma compreensão mais aprofundada.

Embora não elencado em nenhum programa ou projeto da FIS, em 21 de fevereiro de 2019, foi lançada a ‘Cátedra de Educação Básica’ em parceria firmada entre a FIS e o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo – IEA-USP.

A cátedra teve um aporte financeiro inicial de R$ 5 milhões, em parcelas de R$ 1 milhão anuais, repassado pela FIS à Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo. Para alcançar o objetivo de “Identificar medidas que subsidiem políticas para o ensino básico a partir da análise de experiências inovadoras e de ações relacionadas à formação e desenvolvimento profissional de professores,”18 organiza-se de forma semelhante à própria FIS: Comitê de Governança; Comitê Consultivo e Comissão Executiva.

Os dois primeiros são compostos de maneira mista, com sujeitos indicados pelo IEA-USP e pela FIS e o último, responsável pela delimitação das pesquisas e pelo processo de seleção de projetos, não tem a indicação da composição clara no que tange aos cargos de coordenador-geral e coordenador acadêmico, seus membros também são indicados de forma mista.

Os membros que compõem a Cátedra são atores ligados institucionalmente à FIS e à USP em sua maioria, mas, também, há atores ligados a organizações do terceiro setor.

Mais uma vez, a FIS propõe-se a financiar a produção de conhecimento para subsidiar as decisões em educação pública e a Universidade de São Paulo tem o potencial de conferir credibilidade aos resultados. A Cátedra conta, ainda, com nomes de grande projeção nacional na área como Bernadete Gatti e Guiomar Namo de Mello.

Os grafos construídos buscam demonstrar graficamente as relações e interlocuções (elos) existentes entre os atores (nós) que atuam na rede de produção de conhecimento que contam com a Fundação Itaú Social como parceira e que estão depositados em forma de publicação em sua biblioteca virtual. A este grafo foi adicionada a Cátedra da Universidade de São Paulo cujo objetivo está inserido na mesma lógica da produção de conhecimento.

Utilizou-se as parcerias elencadas a partir de pesquisa no site da FIS e dos parceiros lá explícitos. Após este levantamento inicial, levantou-se as parcerias presentes em cada uma das home pages dos parceiros, inserindo no grafo apenas aqueles elos que envolviam nós já presentes inicialmente.

O grafo constante na figura 1, portanto, foi construído observando as parcerias expostas nas home pages dos parceiros da FIS neste programa especificamente. As relações secundárias formam um tipo de rede que fortalece as ações da FIS de maneira indireta, seja na publicização e compartilhamento das pesquisas realizadas, seja na utilização deste conhecimento produzido nas formações de profissionais da educação.

Fonte: Construído pela autora com o software Graph Commons

Figura 1 Grafo programa “Pesquisas” 

A centralidade do Grafo na Fundação Itaú Social deve-se ao fato de que ela é o nó central da rede que se investiga neste artigo, mas percebe-se que há outras interlocuções entre os outros nós. É fundamental que se perceba que formam- se blocos de ações conjuntas, com aporte financeiro misto (também de outras organizações) que fortalecem a disseminação do conhecimento por elas produzido. A relação entre os nós da rede deste programa foi também analisada e mapeada. Tal mapeamento e análise deram origem à figura 2. Neste grafo, é possível visualizar 2 redes de afiliados que possuem relações institucionais explícitas em projetos para além dos realizados junto à Fundação Itaú Social, capitaneados pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, a Fundação Lemann.

Fonte: Construído pela autora com o software Graph Commons

Figura 2 Redes de Afiliados 

Pode-se observar nos grafos que as organizações raramente têm relações somente com a FIS. Os elos relacionais que se dão entre os nós da rede formam uma rede de afiliados que tem o potencial de reforçar e disseminar de maneira mais célere e eficiente os resultados das pesquisas realizadas tanto individualmente quanto em parceria com outras organizações.

Dentre os Clusters, a Fundação Lemann, já referenciada em diversos estudos no Brasil (OLIVEIRA, 2019; BRITO, MARINS, 2020; PERONI, OLIVEIRA, 2020), investe fortemente em advocacy educacional, assim como apoia projetos e programas com incidência na educação pública.

Se observarmos a FIS e a Fundação Lemman em sua organização, por exemplo, é possível perceber alguns pontos bastante similares como a formação acadêmica dos sujeitos que compõem suas equipes fixas e a pouca transparência no que tange ao investimento realizado nos programas e projetos.

A Fundação Maria Cecília Souto Vidigal foi fundada em 1965 pelo Banqueiro Gastão Eduardo de Bueno Vidigal e sua esposa, dedicando-se à área da saúde até o ano de 2001 e somente em 2003 inicia a atuação na área da educação na primeira infância. Segundo o último relatório financeiro disponível (2020)19, investiu em “Custos das atividades sociais Assessoramento, Defesa e Garantia de Diretos Custos com programas e projetos” mais de 24 milhões de reais.

Possui elos relacionais com importantes e influentes empresas brasileiras e multinacionais além de órgãos e instâncias estatais,que, por motivo metodológico, não foram incluídos no grafo. A Google, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Editora Globo, Danone, Editora Abril, dentre outros, fortalecem o alcance e a disseminação das ações realizadas pela fundação e possuem um potencial de alcance maior e mais orgânico entre as empresas, mas, em especial, entre os gestores públicos e parlamentares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises e os Grafos aqui expostos nos permitem inferir que, ainda que dentro de um programa específico, os atores possuem um movimento orgânico de construção da hegemonia (GRAMSCI, 2005). A produção de conhecimento pela FIS apoia-se em organizações cujos sujeitos da equipe, em grande medida, não possuem formação específica em educação e reforçam a ideia de intervenção do Empresariado nos rumos da educação do país, tendo em vista que tal conhecimento produzido tem a pretensão de subsidiar políticas públicas.

Além disso, tal conhecimento tem alto grau de disseminação por meio, inclusive, dos cursos de formação oferecidos pela Fundação através dos quais a FIS forma tanto uma intelligentsia (que lhes confere legitimidade) quanto um sem número de multiplicadores dentre os quais gestores de sistemas educacionais e, mais próximos ao chão da escola, de gestores escolares e de professores: em um duplo sentido, age em nível nacional e local.

Gramsci (2017), ao caracterizar o estado capitalista, afirma que a função coercitiva do Estado como única via de dominação exauriu-se e não comporta mais as análises que se dão em meados do Sec. XX, quando formula o conceito de Estado Ampliado ou Estado Integral. Segundo o autor, “[...] seria possível dizer, que Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é hegemonia couraçada de coerção” sendo a sociedade civil “o conjunto de organismos designados vulgarmente como “privados” e a sociedade política identificada como o Estado stricto sensu, aquele que corresponde ao “domínio direto ou de comando” (GRAMSCI, 2017. p. 20).

enquanto a sociedade política tem seus portadores materiais nos aparelhos repressivos de Estado (controlados pelas burocracias executiva e policial-militar) os portadores materiais da sociedade civil são o que Gramsci chama de ‘aparelhos privados de hegemonia’, ou seja, organismos sociais coletivos voluntários e relativamente autônomos em face da sociedade política” (COUTINHO, 2003. p. 95)

Segundo Santos (1982), os liberais limitam-se à ideia da existência de um poder monolítico emanado do Estado, ideia esta que inviabiliza a existência de uma influência mútua entre eles marcando, assim, a separação conceitual e inexorável entre o Estado e a Sociedade Civil. Separação esta tão necessária para a disseminação de uma produção pretensamente científica e suprapartidária.

Santos afirma que o controlo social pode ser executado sob a forma de participação social, a violência, sob a forma de consenso, a dominação de classe, sob a forma de ação comunitária. [...] (SANTOS, 1982. p. 28-29. Grifos nossos)

As políticas propostas para a área, assim como os discursos publicizados e as parcerias entre instituições públicas e atores privados pressionam o deslocamento do sentido de educação enquanto direito universal e dever estatal, quanto nas suas práticas vistas como de interesse social suprapartidário. A produção e a disseminação de conteúdo e a sua legitimação é de fundamental importância para o alcance de tal objetivo e a disputa contra hegemônica é urgente.

REFERÊNCIAS

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1 ITAÚ SOCIAL. Disponível em: <https://www.Itaúsocial.org.br/documentos/> Acesso em 05/01/2020

2 Os atores são identificados enquanto indivíduos ou grupos de indivíduos, corporações, etc. As fundações, como é a FIS, são nomeadas também de atores.

3 ITAÚ SOCIAL. Disponível em: <https://www.Itaúsocial.org.br/documentos/>. Acesso em: 09/01/2020.

4 “A Itaúsa - Investimentos Itaú S.A. é uma holding pura que investe em empresas atuantes em diversas áreas como os setores financeiro, indústrias de painéis de madeira, louças e metais sanitários, revestimento cerâmico, vestuário, calçados e gasodutos.” Disponível em: <http://www.Itaúsa.com.br/pt/conheca-a-Itaúsa/empresas-do-grupo >. Acesso em 30/01/2020

5 ITAÚ SOCIAL. Disponível em: <https://www.Itaúsocial.org.br/>. Acesso em: 09/01/2020.

6 Idem.

7 ITAÚ SOCIAL. Disponível em: <https://www.Itaúsocial.org.br/documentos/>. Acesso em: 09/01/2020.

8 O valor destinado é unificado no que tange aos investimentos executados pela FIS, pelo Instituto Unibanco e pela Fundação Itaú Cultural.

9 Conselho Nacional de Secretários de Educação

10 União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

11 Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social

12 ITAÚ SOCIAL. Disponível em: <https://www.Itaúsocial.org.br/programas/formacao-de-profissionais-da-educacao/pesquisas/ >. Acesso em: 09/02/2020.

13 Os resultados aqui presentes são decorrentes de pesquisa realizada no ano de 2018.

14 CENPEC. Disponível em: <https://www.cenpec.org.br/quem-somos>. Acesso em 20/01/2020

15 Idem.

16 CENPEC. Disponível em: <https://www.cenpec.org.br/quem-somos>. Acesso em 20/01/2020

19 Disponível em https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/a-fundacao/#transparencia Acesso em 10/01/2020

Recebido: 20 de Janeiro de 2022; Aceito: 26 de Janeiro de 2022

Karine Vichiett Morgan Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ/FEBF. Professora da Pós-graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá. Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Pedagoga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gestão e Políticas Públicas em Educação (NUGEPPE). Membro da Rede Latino-Americana e Africana de Pesquisadores em Privatização da Educação (ReLAAPPe). Especialista em Administração e Supervisão Educacional. Coordenadora Estadual RJ da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação - ANFOPE. Tem como temáticas centrais de investigação as relações entre o público e o privado na educação brasileira, Educação (em tempo) Integral, Políticas Públicas em Educação e Gestão Educacional. E-mail: morgan.uff@gmail.com

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