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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.38 no.1 Goiânia  2022  Epub 02-Out-2023

https://doi.org/10.21573/vol38n002022.119683 

ARTIGOS

Panorama das matrículas na educação infantil em tempo integral (2007 a 2017): uma análise do contexto brasileiro

An overview of enrollment in full-time early childhood education (2007-2017): an analysis of the brazilian context

Panorama de matrículas en educación infantil a tiempo completo (2007 a 2017): análisis del contexto brasileño

VANIA CARVALHO DE ARAÚJO1 
http://orcid.org/0000-0002-7678-1689

RENNATI TAQUINI2 
http://orcid.org/0000-0001-9006-3053

FRANCEILA AUER3 
http://orcid.org/0000-0002-1913-854X

KALINCA COSTA PINTO DAS NEVES4 
http://orcid.org/0000-0002-6575-4394

1Universidade Federal do Espírito Santo Programa de Pós-Graduação em Educação Grupo de Pesquisa Infância, Educação, Sociedade e Cultura Vitória, ES, Brasil

2Universidade Federal do Espírito Santo Programa de Pós-Graduação em Educação Grupo de Pesquisa Infância, Educação, Sociedade e Cultura Vitória, ES, Brasil

3Universidade Federal do Espírito Santo Programa de Pós-Graduação em Educação Grupo de Pesquisa Infância, Educação, Sociedade e Cultura Vitória, ES, Brasil

4Universidade Federal do Espírito Santo Programa de Pós-Graduação em Educação Grupo de Pesquisa Infância, Educação, Sociedade e Cultura Vitória, ES, Brasil


Resumo

Este artigo objetiva apresentar um panorama das matrículas na educação infantil em tempo integral de âmbito nacional, na série histórica do decênio 2007- 2017. Realiza uma análise descritiva e explicativa de dados do Inep (Censo Escolar de 2007 a 2017) e do IBGE (estimativa de projeção populacional de 2017). Os resultados indicam tendência de crescimento das matrículas no tempo integral, sobretudo nas creches públicas municipais urbanas, com maior evolução que no tempo parcial. Constata predominância nas matrículas de crianças brancas dos sexos feminino e masculino de maneira similar.

Palavras-Chave: Educação Infantil; Tempo integral; Matrículas

Abstract

This paper aims to present an overview of enrollment in full-time early childhood education at the national scope, in the historical series of the decade 2007-2017. It carries out a descriptive and explanatory analysis of data from INEP (School Census 2007 to 2017) and IBGE (population projection estimate 2017). The findings indicate a trend of growth in full-time enrollment, especially in urban public daycare centers, with higher evolution when compared to part- time. It notes that the prevalence of both female and white children is similar.

Key words: Early Childhood Education; Full-time; Enrollment

Resumen

Este artículo tiene como objetivo presentar un panorama de la matrícula en educación infantil a tiempo completo a nivel nacional, en la serie histórica de la década 2007-2017. Realiza un análisis descriptivo y explicativo de los datos del Inep (Censo Escolar 2007 a 2017) y del IBGE (Estimación de proyección de población en 2017). Los resultados indican una tendencia creciente en la matrícula a tiempo completo, especialmente en las guarderías públicas urbanas, con una evolución mayor que en la jornada parcial. Encuentra un predominio similar en la matriculación de niños y niñas blancos.

Palabras-clave: Educación Infantil; Tiempo completo; Matrícula

INTRODUÇÃO

Em que pesem as prerrogativas apostas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996) sobre o reconhecimento da educação como um direito das crianças pequenas, desafios têm-se colocado ao campo da educação infantil com a oferta do tempo integral nas creches e nas pré-escolas públicas brasileiras. Em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - Dcneis (BRASIL, 2010), considera-se tempo parcial a jornada de no mínimo, quatro horas diárias na instituição e tempo integral, igual ou superior a sete horas diárias.

Comprometendo-se com a ampliação da oferta nas creches e nas pré- escolas, o Plano Nacional de Educação - PNE (BRASIL, 2001), com vigência entre os anos de 2001 e 2011, estabeleceu como Meta 1: “ampliar a oferta da educação infantil de forma a atender, em cinco anos, a 30% da população de até 3 anos de idade e 60% da população de 4 a 6 anos (ou 4 e 5 anos) e, até o final da década, alcançar a meta de 50% das crianças de 0 a 3 anos e 80% das de 4 a 5 anos” (BRASIL, 2001). Porém, segundo Poloni (2017), ao final do período vigente, o atendimento almejado para as crianças de 0 a 3 anos de idade não foi cumprido, diferentemente do atendimento previsto para as crianças de 4 a 5 anos. Já em relação ao tempo integral, o referido documento previa “adotar progressivamente o atendimento em tempo integral para as crianças de 0 a 6 anos” (BRASIL, 2011).

Em 2014 sanciona-se um novo PNE instituído pela Lei n° 13.005/2014 (BRASIL, 2014) que se tornou orientador da educação brasileira para os dez anos de sua vigência entre os anos de 2014 e 2024, estabeleceu metas específicas para a educação infantil, bem como para o tempo integral. Em sua Meta 6, propõe “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica” (BRASIL, 2014). A esse respeito, Poloni (2017) constatou que em 2014, no Brasil, apenas cerca de 30% das crianças entre zero e três anos de idade estavam matriculadas nas creches, em contrapartida aproximadamente 90% das crianças de quatro e cinco anos1 de idade nas pré-escolas. Diante disso, a autora discute que a situação da educação infantil no país evidencia a desigualdade do acesso à educação infantil, principalmente na creche, bem como a dificuldade da rede pública municipal em garantir as matrículas das crianças pequenas. Por sua vez, a Meta 1 do PNE (BRASIL, 2014) propõe em sua Estratégia 1.17, “estimular o acesso à educação infantil em tempo integral para todas as crianças de 0 a 5 anos, conforme estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (BRASIL, 2014).

Em pesquisa realizada em 2020 no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes, utilizando os descritores “educação infantil” AND “tempo integral”, foram identificadas 21 dissertações de mestrado publicadas entre os anos 2008 a 2019. Assim, chamamos atenção para a existência de poucas pesquisas sobre o atendimento do tempo integral no âmbito da educação infantil, à exceção dos relatórios e dados divulgados pelo Observatório do PNE2 e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira - INEP3 (2015). Também não encontramos trabalhos acadêmicos que se dedicassem a estudar especificamente as matrículas na educação infantil em tempo integral, seja em âmbito municipal, estadual ou nacional. O estudo de Antônio (2013) realiza um movimento inicial importante ao discutir estatisticamente os números referentes às matrículas na educação infantil de âmbito nacional compreendidas entre os anos de 2007 e 2011. No entanto, a autora privilegiou as informações sobre crianças de zero a três anos que frequentavam as creches, abrindo caminho para novas investigações que possam ampliar o panorama das matrículas na educação infantil e seus diferentes tipos de atendimento.

Diante disso, a pesquisa objetiva traçar um panorama das matrículas na educação infantil em tempo integral de âmbito nacional, na série histórica que compreende o decênio 2007-2017, devendo-se o recorte ao fato de o Inep passar a divulgar os dados relativos ao tempo integral somente a partir de 2007. Já o ano final se justifica pelo nosso interesse em investigar uma série histórica contemplada por um decênio.

No que compete à estrutura deste artigo, além desta introdução e das considerações finais que reúnem reflexões de todo o processo metodológico-teórico desenvolvido, ele encontra-se organizado em quatro seções. Na primeira seção, abordamos a metodologia e os percursos da pesquisa bem como a explicitação das bases de dados utilizadas e das variáveis elencadas para a análise dos dados. Na segunda seção, apresentamos a evolução das matrículas na educação infantil em tempo parcial e em tempo integral; o percentual de matrículas na educação infantil em tempo integral por região, por dependência administrativa e por localização urbana ou rural. Na terceira seção, discorremos sobre o perfil das matrículas na educação infantil em tempo integral considerando a raça/cor e o sexo das crianças matriculadas por tipo de estabelecimento. Na quarta seção, indicamos os próximos passos do nosso estudo tendo em vista a conjuntura atual.

METODOLOGIA

Para alcançar o objetivo anunciado, optamos pela realização de um estudo de natureza descritiva e explicativa. Segundo Kramer e Kappel (2000), para analisar estatisticamente a educação infantil no Brasil utilizam-se principalmente duas grandes fontes de informações, o Censo Escolar realizado anualmente sob a responsabilidade do INEP vinculado ao Ministério da Educação - MEC e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE,4 que realiza pesquisas domiciliares sobre características socioeconômicas e demográficas da população, incluindo também aspectos educacionais, com o perfil das pessoas que frequentam ou não a escola.

A cada decênio o IBGE divulga os dados do Censo Demográfico e anualmente o instituto realiza a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD,5 em que são incluídas informações sobre a população de zero a cinco anos (KRAMER; KAPPEL, 2000). Cabe ressaltar que em 2020 houve um adiamento da realização do novo Censo, cuja justificativa se deu inicialmente pela pandemia de Covid-19, contudo, destacamos o anúncio feito pelo atual Governo Federal relativo ao significativo corte de verbas para o IBGE, o que certamente causará forte impacto no desenvolvimento de pesquisas e elaboração de políticas públicas baseadas nos dados estatísticos que muito nos indicam sobre a realidade do país.

O procedimento utilizado nesta pesquisa foi o levantamento de informações nas bases de dados do Inep, referentes ao Censo Escolar de 2007 a 2017, mediante solicitação realizada ao Serviço de Informação ao Cidadão - SIC, o qual nos permitiu acessar as informações sistematizadas dos microdados educacionais da educação infantil. Também nos valemos do IBGE sobre as informações demográficas referentes à estimativa de projeção populacional infantil, desagregada por idade simples, de zero a três e de quatro a cinco anos do ano de 2017, considerando que para realização deste estudo, não foi possível a utilização dos dados relativos ao Censo Demográfico, pelas razões acima elencadas.

Descrevemos e discutimos os dados considerando as matrículas em creche e pré-escola e a população correspondente a essa faixa etária, quais sejam, zero a três anos para a creche e quatro e cinco anos para a pré-escola. As variáveis utilizadas para a análise foram as matrículas desagregadas por tipo de atendimento (parcial e integral); tipo de estabelecimento (creches e pré-escolas); dependência administrativa (federal, municipal e estadual); tipo de sistema de ensino (pública e privada); localização (rural e urbana) e as características de raça/cor e sexo das crianças matriculadas. Os dados do Inep foram analisados de forma individualizada, bem como comparados aos dados da estimativa de projeção populacional para o cálculo da taxa de atendimento. Entende-se por atendimento a razão entre a população de crianças com idade entre zero e cinco anos e o número de matrículas na educação infantil.

Para além de transpor a média quantitativa das matrículas, buscamos qualificar a análise dessas informações, conferindo atualidade aos dados na perspectiva de preencher a lacuna existente em relação aos estudos quantitativos sobre essa temática, pois “dados sobre a matrícula, quando não processados, pouco ou nada têm a informar, mas, quando esses dados são processados, analisados, relacionados e comparados entre si através de uma série, são capazes de fornecer informações importantes e irrefutáveis [...]” (ANTÔNIO, 2013, p. 70).

Reconhece-se que essa metodologia de pesquisa comporta limites devido às divergências existentes entre as bases de dados utilizadas, porquanto o Inep se refere às matrículas nas instituições classificadas por etapa da educação e modalidade, de instituições oficiais cadastradas nas secretarias de ensino e o IBGE coleta as informações sociodemográficas domiciliares, que nos permitem obter dados sobre crianças que frequentam a escola, ainda que não oficiais (KAPPEL, 2001). No entanto, ressaltamos em que nosso estudo não realizamos o cruzamento entre essas bases, uma vez que os dados da estimativa de projeção populacional do IBGE foram utilizados apenas para fornecer informações acerca do quantitativo de crianças para o cálculo da taxa de atendimento.

MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL EM TEMPO INTEGRAL: O QUE OS DADOS APONTAM

Dados do Censo Educacional de 2017 apontam que, no Brasil, estavam matriculadas 8 508 731 crianças na educação infantil (3 406 796 nas creches e 5 101 935, nas pré-escolas), sendo que 72,23% se encontravam nas unidades de ensino públicas. As escolas municipais respondem por 71,53% dessas matrículas (36,48% nas creches e 63,52% nas pré-escolas). No que se refere à localização das instituições, há uma predominância na região urbana (89,18%) em relação à rural (10,82%). Quanto às matrículas da série histórica 2007-2017, identificamos uma evolução de 30,7%, percentual alavancado pelo expressivo crescimento de 115,7% correspondente às matrículas na creche e mais sutilmente de 3,5%, na pré-escola, uma diferença, portanto, de 112,2% (Tabela 1).

Tabela 1 Evolução de matrículas na educação infantil (2007 - 2017) 

Ano Matrículas EI Creche Pré-escola
2007 6 509 868 1 579 581 4 930 287
2008 6 784 955 1 769 868 5 015 087
2009 6 810 379 1 909 938 4 900 441
2010 6 792 095 2 074 579 4 717 516
2011 7 003 802 2 307 177 4 696 625
2012 7 314 164 2 548 221 4 765 943
2013 7 607 577 2 737 245 4 870 332
2014 7 869 869 2 897 928 4 971 941
2015 7 972 230 3 049 072 4 923 158
2016 8 279 104 3 238 894 5 040 210
2017 8 508 731 3 406 796 5 101 935
Variação % 30,7% 115,7% 3,5%

Fonte: elaboração própria com base nos dados do Censo Escolar (INEP, 2007- 2017).

Embora tenha ocorrido a expansão de matrículas na educação infantil em 2017, quando observamos o número de matrículas efetuadas em relação à população infantil de zero a cinco anos de idade disponibilizada pela projeção populacional do IBGE, identificamos um percentual de demandas ainda não contempladas.

A exemplo disso, temos a creche com 3 406 796 crianças matriculadas e 8 620 531 de crianças não matriculadas, o que representa um percentual de 72,68% de crianças com idades entre zero e três anos fora da escola. Tais motivos podem estar localizados, dentre outros fatores, na falta de disponibilidade de vagas ou na decisão dos pais em não matricular seus filhos na creche. Há que se destacar que embora as crianças com idade de zero a três anos tenham sido excluídas da obrigatoriedade da matrícula em creches, tal fato não exclui o dever do Estado em ofertá-la. No caso da pré-escola, há um contingente de 5 101 935 crianças matriculadas (83,92%), no entanto, os 16,08% restantes representam 977 004 mil crianças entre quatro e cinco anos não atendidas pela educação infantil pré-escolar obrigatória.

No intuito de aprofundar a análise e conhecer algumas especificidades contempladas por tais estatísticas, desagrupamos as matrículas por tipo de atendimento. O país mostrou uma tendência de crescimento das matrículas na educação infantil em tempo integral na série histórica analisada. Em 2007, o total de matrículas no tempo integral era de 1 401 605 ou 21,5% do total de matrículas na educação infantil. No ano de 2017, esse quantitativo passa a ser 2 555 953, ou seja, 30,04% em relação à educação infantil, indicando crescimento aproximado de 8,5 pontos percentuais (p.p.) e uma evolução total de 82,4% ou 1 154 348 matrículas a mais no tempo integral. Se compararmos a evolução do quantitativo das matrículas do tempo parcial e integral no período de 2007 a 2017, observamos uma diferença de crescimento de 65,83% entre as matrículas nos dois tipos de atendimento, dado que o percentual de evolução das matrículas no tempo integral da série histórica analisada é bem maior do que no tempo parcial, 82,36% e 16,53%, respectivamente (Gráfico 1).

Fonte: elaboração própria com base nos dados do Censo Escolar (INEP, 2007- 2017).

Gráfico 1 Evolução de matrículas na educação infantil em tempo parcial e integral 

Todas as regiões do país também exibiram crescimento no total de matrículas na educação infantil em tempo integral na série histórica analisada. A região Sudeste obteve o maior crescimento com 11,8 p.p., apresentando 26,4% das matrículas em tempo integral em 2007, quantitativo ampliado para 38,1% em 2017. Essa expansão significou 695 797 novas matrículas no tempo integral, representando uma evolução total de 95,5% no período. As regiões Sul e Centro-Oeste tiveram as matrículas no tempo integral aumentadas em 70,6% e 73,6%, respectivamente. O Sul foi a segunda região com a maior ampliação no número de matrículas em valores absolutos (257 401). Já no Nordeste, houve uma expansão de 3,9 p.p., correspondente a evolução de 60,7% das matrículas em tempo integral no decênio estudado. Por fim, a região Norte apresentou o menor crescimento em 1,9 p.p., com 5,4% das matrículas em tempo integral em 2007, ampliado para 7,3% em 2017. Essa diferença contabilizou o aumento em 63,2% ou o equivalente a 18 514 novas matrículas. As informações detalhadas são demonstradas no Gráfico 2.

Fonte: elaboração própria com base nos dados do Censo Escolar (INEP, 2007- 2017).

Gráfico 2 Percentual de matrículas na educação infantil em tempo integral, por região 

Em quase todas as Unidades Federativas - UF’s, entre os anos de 2007 a 2017, a variação no percentual de matrículas no tempo integral foi positiva. O maior aumento na série histórica foi de 315,4% referente ao Distrito Federal. Outras cinco UF’s apresentaram evolução superior a 100%, quais sejam, Roraima (270,1%), Acre (167,9%), Alagoas (141,6%), São Paulo (116,3%) e Ceará (106,6%), que, conjuntamente aos estados do Tocantins (98%), Rio Grande do Sul (95,4%), Goiás (89,6%) e Minas Gerais (82,9%) exibem ampliação percentual superior à média nacional de 82,4% no período analisado. Treze UF’s apresentaram variação positiva no número de matrículas, porém abaixo da apurada para o Brasil: Pernambuco (75,9%), Santa Catarina (67,2%), Amazonas (66,2%), Paraíba (64%), Pará (63,7%), Maranhão (60,3%), Bahia (55,3%), Paraná (54,3%), Rio de Janeiro (53%), Piauí (41,6%), Mato Grosso (41%), Sergipe (40,6%) e Mato Grosso do Sul (40,5%).

Em números absolutos, a maior ampliação no quantitativo de matrículas ocorreu em São Paulo (520 223), Minas Gerais (110 353) e Rio Grande do Sul (107 205), citadas aqui apenas as três primeiras UFS com expansão superior a cem mil matrículas. Paradoxalmente aos percentuais nacionais, quatro estados brasileiros apresentaram involução no número de matrículas em educação infantil em tempo integral no período analisado: Amapá (-84,7%), Rio Grande do Norte (-66,5%), Rondônia (-19,2%) e Espírito Santo, o único da região Sudeste, com um decréscimo de 2,7% total, indicando para essas localidades necessário aprofundamento por meio de novos estudos e pesquisas.

Os dados apontam ainda uma preponderância no percentual de matrículas em tempo integral nas unidades de educação infantil públicas municipais em torno de 69% ao longo de toda a série histórica, demonstrando, assim, uma responsabilidade quase exclusiva dos municípios no atendimento em tempo integral, sobretudo na creche. Vale destacar que, segundo a LDB (BRASIL, 1996) é de incumbência municipal a oferta da educação infantil e do ensino fundamental, o que justifica a predominância das matrículas nessa dependência administrativa. A rede municipal também representou a dependência administrativa com a maior evolução (84,25%) no período de 2007 a 2017, correspondente a 807 865 novas matrículas, conforme explanado visualmente no Gráfico 3.

Fonte: elaboração própria com base nos dados do Censo Escolar (INEP, 2007- 2017).

Gráfico 3 Evolução de matrículas na educação infantil em tempo integral, por dependência administrativa 

A rede privada seguiu em segundo lugar com cerca de 30% do total das matrículas na educação infantil em tempo integral e crescimento total em torno de 80%. As redes públicas estadual e federal exibiram percentuais de matrículas, que mesmo somados, são pouco significativos, menores que 0,5% do total do tempo integral. No entanto, chama-nos atenção a progressiva diminuição no quantitativo de matrículas da rede pública estadual, que apresentou queda de 62,7% dos números totais, equivalente a 95 542 matrículas a menos ao longo dos anos.

O percentual de matrículas na educação infantil em tempo integral mostrou-se maior na localização urbana em relação à rural em todos os anos analisados. Em 2007, do quantitativo total de matrículas na educação infantil, 5,2% eram provenientes de instituições em tempo integral rurais e 24,1% de instituições em tempo integral urbanas. Ao longo do decênio 2007-2017 a diferença entre os percentuais de matrículas referentes às localizações das escolas aumentou, revelando para 2017 a taxa de 32,5% na localização urbana (aumento de 8,4 p.p. ou 82,14%, de evolução total) e 9,4% na localização rural (aumento de 4,2 p.p. ou 88,88% de evolução total), como mostrado no Gráfico 4.

Fonte: elaboração própria com base nos dados do Censo Escolar (INEP, 2007- 2017).

Gráfico 4 Percentual de matrículas em tempo integral, por localização 

A discriminação das informações referentes aos sistemas de ensino por tipo de estabelecimento nos permitiu identificar que o percentual de evolução das matrículas em tempo integral nas creches privadas (137%) superou o das creches públicas (96%), ainda que esse resultado represente, em valores absolutos, um crescimento maior no número de matrículas na rede pública (661 736) se comparado à rede privada (356 789). Paradoxalmente, a evolução das matrículas na pré-escola pública em tempo integral (53%) excedeu a pré-escola privada, apresentando uma involução de 5% no número de matrículas no período analisado. Em valores absolutos, isso representa para a rede pública no ano de 2017 um acréscimo de 144 658 matrículas na pré-escola em tempo integral se comparado ao ano de 2007, enquanto a rede privada anunciava 8 835 matrículas a menos.

Quando desagrupamos as informações estatísticas sobre a taxa de atendimento na educação infantil em tempo integral e em tempo parcial no período de 2007 a 2017, identificamos que a evolução no atendimento em creches em tempo integral (10,0 p.p.) sobressaiu à evolução no atendimento em creches de tempo parcial (7,8 p.p.), o que pode ser justificado, em certa medida, pelo número de matrículas na creche de tempo parcial (1 435 600) ser menor que o número de matrículas no tempo integral (1 971 196), significando uma taxa de atendimento da população infantil com idade entre zero e três anos de 9,87% e 17,26%, respectivamente, ambas referentes a 2017.

Alguns autores (AUER, 2018; TAQUINI, 2018; ARAÚJO, 2015) apontam que a expansão do número de matrículas nas creches em tempo integral pode estar atrelada à necessidade de trabalho das famílias e a consequente demanda por um tempo ampliado de permanência da criança pequena na instituição de educação infantil. Assim como, em muitos casos, a vaga no tempo integral é o único tipo de atendimento oferecido às famílias para a matrícula na creche, impossibilitando a escolha pelo tempo parcial.

Contraditoriamente, a evolução no atendimento na pré-escola em tempo parcial (10, 54 p.p.) superou a evolução na taxa de atendimento do tempo integral (3,29 p.p.), em decorrência do número de matrículas em números absolutos na pré-escola em tempo parcial (4 517 178) ser expressivamente maior que em tempo integral (584 757), projetando, para o ano de 2017, taxa de atendimento de 76,27% e 9,87%, na devida ordem. O percentual significativo de cobertura nas pré-escolas em tempo parcial pode ser justificado pela obrigatoriedade de matrícula das crianças a partir dos quatro anos de idade, conforme previsto na Emenda Constitucional nº 59/2009 (BRASIL, 2009), ocasionando possível redução de vagas para as pré- escolas em tempo integral.

Pelos dados analisados, a rede pública, no ano de 2017, ofertava educação em tempo integral em aproximadamente 40% de escolas faltando, portanto, cerca de 10% para alcançar a meta de 50% das escolas públicas prevista pelo PNE (BRASIL, 2014). Quando analisamos esse indicador desagregado por etapa escolar, o maior número refere-se às escolas que atendem ensino fundamental (34%), seguido por escolas que oferecem matrículas na educação infantil (24,7%) e, por fim, escolas que ofertam o ensino médio (17,4%). Importante ressaltar que uma mesma escola pode atender a mais de uma etapa de ensino, podendo ser considerada escola com atendimento em tempo integral aquela com pelo menos um aluno matriculado nesse tipo de atendimento.

Em relação ao percentual de matrículas por etapa de ensino da rede pública, há uma discrepância no que diz respeito ao tempo integral. Considerando dados de 2007 a 2017, a educação infantil pública é a etapa que apresenta a maior contribuição para o cumprimento da meta de 25% de matrículas na educação básica, contando com 28,8% das matrículas no tempo integral, o que representa uma evolução de 9,4 p.p. Em seguida temos o ensino fundamental com 16,3% e por último o ensino médio, que não acompanhou o ritmo das outras etapas e manteve uma porcentagem inferior às demais, com 8,4% de matrículas em escolas de tempo integral em 2017.

PERFIL DAS MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL EM TEMPO INTEGRAL

Estudos que se dedicam a traçar o perfil das matrículas na educação infantil estabelecem como variáveis principais o sexo, a raça/cor e a renda familiar das crianças matriculadas, privilegiando o cruzamento entre os dados do IBGE, PNAD e Inep (FERNANDES; DOMINGUES, 2017; ANTÔNIO, 2013). No entanto, ao tentarmos realizar esse cruzamento em relação à educação infantil em tempo integral, não foi possível discorrermos sobre a renda familiar das crianças, visto que o questionário utilizado pelo PNAD, ao abordar a frequência da criança na escola, não distingue os tipos de atendimento discriminados por dados socioeconômicos. De igual modo, o Educacenso,6 ao coletar e divulgar referências sobre os alunos, não privilegia em seu questionário a renda familiar.

Diante da falta de informações socioeconômicas oficiais mais detalhadas, a identificação do perfil relativo ao tempo integral se ateve à análise da raça/cor e sexo das crianças matriculadas, conforme dados do Censo escolar. Muniz (2010) ressalta que informações sobre a cor da população são utilizadas nos Censos demográficos desde 1982, contudo, somente em 2002 passam a ser inseridas nas pesquisas realizadas nas grandes cidades pelo IBGE e em 2005 são incorporadas aos Censos Escolares. No entanto o Educacenso, diferente do questionário do IBGE/PNAD, permite que o profissional escolar responsável por seu preenchimento marque a opção cor/raça ‘não declarada’, o que acreditamos causar uma série de hiatos sobre o perfil das crianças que frequentam a educação infantil, em especial em tempo integral.

Considerando apenas os indicadores de raça/cor, quando desagrupamos os dados especificamente para o ano de 2007, temos que o percentual de participação7 das matrículas de crianças brancas equivale a 34,26% do total da na educação infantil em tempo integral na rede pública, em contraposição aos 3,84% das crianças declaradas pretas, 22,67% pardas, 0,43% amarelas e 0,31% indígenas. Chama-nos atenção que em 2007, havia 38,49% de matrículas de crianças não declaradas no Brasil.

Em 2017 a participação das matrículas de crianças brancas na educação infantil em tempo integral em instituições públicas expandiu em 9,96 p.p., representando 44,22% de todas as matrículas na rede pública em tempo integral. Nesse mesmo ano, o número absoluto de matrículas de crianças é ampliado em 22 283, no entanto, o percentual de participação de matrículas dessa raça/cor em relação às demais na rede pública diminui de 3,84% para 3,31% nesse tipo de estabelecimento, sofrendo, portanto, involução de 0,53 p.p. O mesmo pode ser observado em relação às raças/cor amarela e indígena, que apresentam menor taxa de participação, exibindo os percentuais 0,24% e 0,13% respectivamente. A participação de crianças pardas matriculadas é ligeiramente aumentada em 3,10 p.p., caracterizando 25,77% do total de matrículas na rede pública em tempo integral. Já no que se refere às crianças não declaradas corresponde a 467 782 matrículas em números absolutos. Tais dados podem ser mais bem visualizados na Tabela 3 abaixo.

Tabela 3 Evolução e percentual de matrículas na educação infantil em tempo integral da rede privada, por raça/cor 

  Matrículas 2007 % Matrículas 2017 % Variação Absoluta Variação p.p
ND 178 971 38,56% 315 623 40,23% 136 652 1,68
Branca 169 992 36,61% 305 932 38,99% 135 940 2,38
Preta 22 221 4,78% 24 616 3,13% 2 395 -1,65
Parda 89 848 19,35% 135 490 17,26% 45 642 -2,09
Amarela 2 356 0,53% 2725 0,35% 369 -0,18
Indígena 864 0,18% 361 0,04% 503 -0,14
Total 464 252 100% 784 747 100% 321 501 0,00

Fonte: elaborada pelas autoras com base nos dados do Censo Escolar (INEP, 2007- 2017).

Tabela 2 Evolução e percentual de matrículas na educação infantil em tempo integral da rede pública, por raça/cor 

  Matrículas 2007 % Matrículas 2017 % Variação Absoluta Variação p.p
ND 362 116 38,49% 467 782 26,33% 105 666 -12,16
Branca 322 300 34,26% 783 716 44,22% 461 416 9,96
Preta 36 157 3,84% 58 440 3,31% 22 283 -0,53
Parda 213 283 22,67% 456 418 25,77% 243 135 3,10
Amarela 4 017 0,43% 4 037 0,24% 20 -0,19
Indígena 2 838 0,31% 2 429 0,13% -409 -0,18
Total 940 711 100% 1 772 822 100% 879 767 -0,44

Fonte: elaborada pelas autoras com base nos dados do Censo Escolar (INEP, 2007- 2017).

Destacamos que, o Estatuto da Igualdade Racial - EIR instituído pela Lei 12.288/2010 define população negra como “o conjunto de pessoas que se autodeclara pretas e pardas conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE” (BRASIL, 2010, p. 15). Embora o número de crianças brancas seja consideravelmente maior do que o de crianças pretas e pardas, se tomarmos por referência a definição de população negra do EIR (BRASIL, 2010), é possível afirmar que o quantitativo de crianças negras matriculadas na educação infantil em tempo integral na rede pública se sobressai em relação às brancas.

A análise dos dados relativos à rede privada revela para o ano de 2007 maior percentual de participação das crianças declaradas brancas, equivalente a 36,61% de todas as matrículas registradas no atendimento em tempo integral, seguido por 19,35% de crianças pardas, 4,78% pretas e as raças/cor amarela e indígena que somadas correspondem a cerca de 0,70% do quantitativo total. Já em 2017, o percentual de matrículas de crianças brancas caracteriza 38,99% do total de matrículas da rede privada em tempo integral, seguido por 17,26% de crianças pardas, 3,13% de crianças pretas e as raças/cor amarela e indígena que somadas correspondem a cerca de 0,40% do quantitativo total. Cabe destacar que mesmo considerando o quantitativo das crianças declaradas pretas e pardas de forma agrupada, conforme estabelece o EIR (BRASIL, 2010), o quantitativo de crianças brancas é superior ao de crianças negras na rede privada tanto em 2007 quanto em 2017.

Ao olharmos para as matrículas na educação infantil em tempo integral

considerando a raça/cor das crianças entre os anos de 2007 e 2017, identificamos que apenas o número de crianças indígenas sofreu diminuição. O percentual de matrículas de crianças brancas teve a maior evolução. Embora em números absolutos, as matrículas de crianças pardas, pretas e amarelas também tenham aumentado, diferentemente das crianças indígenas que diminuíram, quando olhamos para a variação em p.p. que se refere à diferença, em valores absolutos, entre duas porcentagens de participação das matrículas na série histórica, percebemos uma queda da porcentagem de matrículas de crianças pretas, pardas, amarelas e indígenas em 2017 se comparado a 2007, o que equivale respectivamente a -1,65 p.p., -2,09 p.p., -0,18 p.p. e -0,14 p.p. O número de matrículas de crianças com raça/cor não declaradas aumenta. No período analisado, tem um acréscimo de 136 652 em número absolutos, representando cerca de 40% do total de matrículas na educação infantil em tempo integral da rede privada em 2017.

Diante de um quantitativo baixo de crianças declaradas pretas e indígenas, visto que são etnias fortemente presentes no Brasil e de um número tão alto de crianças com raça/cor não declaradas, entendemos que se corre o risco, segundo Piza e Rosemberg (1999, p. 127) de os respondentes “[...] falsearem a cor, afiliando- se ao grupo que tenha mais prestígio social, ou de o coletor do censo identificar grupos em ascensão ou em descenso a partir de uma ‘cor social”. Acresce-se a isso o fato de que, em função do extenso formulário, os respondentes não darem a devida atenção ao preenchimento de alguns itens. Assim, podemos afirmar que a maioria das crianças matriculadas na educação infantil em tempo integral são brancas. Contudo, ao olharmos especificamente para a rede pública, há uma predominância de crianças negras, fundamentando-se na definição de população negra do EIR (BRASIL, 2010). Somado a isso, não podemos desconsiderar o elevado número de crianças não declaradas que poderiam nos revelar outras possibilidades de análises.

Piza e Rosemberg (1999, p. 130) afirmam que “as palavras usadas para nomear a cor das pessoas não são meros veículos neutros enunciadores de matizes, mas carregam índices de preconceito/ discriminação, de seu distanciamento e de sua superação”. O fato de os responsáveis não reconhecerem cor/raça das crianças pode estar relacionado a questões ideologicamente econômicas, políticas e sociais. Se os dados de raça/cor das crianças matriculadas apresentam distribuição desigual, o mesmo fato não foi observado em relação ao sexo. A análise da distribuição das crianças por sexo revela estabilidade no percentual de matrículas na educação infantil em tempo integral ao longo de 2007 a 2017, correspondendo em média a 48% de meninas e 52% de meninos, portanto, uma prevalência sutil de matrículas referentes ao sexo masculino.

PARA ONDE VAMOS?

Considerando a educação infantil enquanto direito ainda não universalizado no Brasil, ao que nos parece, com a pandemia de Covid-19, a situação tende a se complexificar. Segundo o documento Guia dos guias Covid-19 – Educação e Proteção 70 recomendações para políticas emergenciais e cenário em 2021 publicado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em 2021, mais de 5,5 milhões de crianças e de adolescentes tiveram o direito à educação negado. Diante disso, questionamos: o percentual de matrículas na educação infantil em tempo integral aumentou ou diminuiu depois de 2017? O perfil de matrículas sofreu alterações no que diz respeito ao tipo de estabelecimento; ao tipo de localização; ao tipo de dependência administrativa e ao tipo de sistema de ensino?

Como está esse atendimento nos diferentes municípios brasileiros em tempos pandêmicos? No cenário atual, é fundante considerar a existência de uma quarentena seletiva em que a vivência dos tempos pandêmicos não ocorre da mesma maneira para todas as crianças, devido às desigualdades sociais, econômicas e educacionais que influenciam em suas condições de vida, o que está atrelado à própria história da educação infantil em tempo integral voltada às crianças pequenas oriundas de classes socioeconomicamente desfavorecidas no Brasil. Sendo assim, tendo como referência esse público infantil específico, de quantas e de quais crianças estamos falando no Brasil?

Pesquisa de âmbito nacional, realizada por Neves (2021), identificou que em todas as regiões brasileiras existe a utilização de critérios sociais tanto no atendimento em tempo integral quanto em tempo parcial no âmbito da creche. Tendo como critérios para a matrícula das crianças a inscrição das famílias em programas de transferências de renda, sobretudo no Programa Bolsa Família; a situação de risco e vulnerabilidade social; a comprovação de problemas de saúde das crianças ou de suas famílias; o trabalho extradomiciliar das famílias. Tudo isso reforça o desenvolvimento de políticas de cunho compensatório para as crianças pequenas, o que complexifica ainda mais um contexto de precarização de vagas na educação infantil em tempo integral.

Ao tomarmos por referência os dados referentes às matrículas na educação infantil em tempo integral, identificamos que em 2020,8 houve uma involução de 400 mil matrículas neste tipo de atendimento, fato este que precisa ser melhor investigado na década seguinte. Quanto à dependência administrativa, a responsabilidade ainda se concentra na rede pública municipal em 2020, tal como no decênio (2007-2017).

Chamamos atenção para o destaque que a sinopse estatística atual do Inep atribui às turmas presenciais, o que evidencia que as matrículas das crianças que estiveram em ensino remoto durante a pandemia não se fazem presentes nesses dados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que a educação infantil seja reconhecida como primeira etapa da educação básica e um direito de todas as crianças de zero a cinco anos de idade, identificamos que no período analisado o acesso às creches e às pré-escolas no Brasil ainda não se efetiva como uma garantia para todas. Dessa forma, a rede pública municipal, maior responsável pelas matrículas na educação infantil, parece não estar suprindo a toda demanda dessa etapa, nem sequer daquelas crianças que se encontram com idade adequada para frequentar a pré-escola, obrigatória desde 2013, conforme Lei nº 12.796/2013 (BRASIL, 2013) que alterou a LDB (BRASIL, 1996). Em um contexto de precarização de vagas, percebemos uma tendência contraditória de crescimento das matrículas no tempo integral, sobretudo nas creches públicas municipais. Ainda que essa expansão supere a do tempo parcial, pode não ser suficiente para atender a todas as crianças que demandam uma vaga nesse tipo de atendimento, por isso há a presença de critérios socioeconômicos de matrículas como mencionado anteriormente, bem como de ações judiciais e extrajudiciais de famílias que acionam o Ministério Público e o Poder Judiciário para solicitar vagas para seus filhos nas creches e pré-escolas públicas em tempo integral, uma vez que não conseguiram obtê-las diretamente nas instituições de educação infantil (AUER; ARAÚJO, 2022).

Constatamos que são necessários avanços no que se refere à convergência das bases de dados do IBGE e do INEP, especialmente às informações socioeconômicas relativas às crianças matriculadas em tempo integral que não se encontram disponíveis para consulta pública e podem estar omitindo informações importantes. As questões em torno das matrículas na educação infantil em tempo integral fazem suscitar outros interesses de investigação, como por exemplo, sua possível relação com a expansão da obrigatoriedade da educação infantil em um contexto de grandes disparidades regionais, cobertura de atendimento e expansão das matrículas. Investigar a evolução das matrículas de educação infantil em tempo integral nos municípios brasileiros coloca-nos em linha direta com um tema ainda pouco explorado, possivelmente justificado com a naturalização de um processo que foi se configurando em torno da educação infantil em tempo integral e os efeitos de sua institucionalidade na experiência com as crianças pequenas.

Pelo que podemos depreender, a educação infantil em tempo integral vai, aos poucos, assumindo destaque nas políticas públicas, seja pelas demandas quanto à efetivação e ampliação de sua oferta, seja pelos desafios que a consolidação dessa experiência requer no contexto da educação da infância como primeira etapa da educação básica. Assim, a presente pesquisa apresenta um conjunto de dados que não exaurem todas as suas possibilidades analíticas, mas coloca-se com o objetivo de suscitar debates, reflexões e estudos que possam corroborar com o aprofundamento das questões que envolvem o acesso das crianças pequenas na educação infantil em tempo integral.

REFERÊNCIAS

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1 A Lei n° 11.274 promulgada em 2006 alterou a idade máxima das crianças para frequentarem a educação infantil de seis para cinco anos, visto que antecipou o ingresso das crianças de seis anos no ensino fundamental.

2 Disponível em: < http://www.observatoriodopne.org.br/>. Acesso em: 03 abr. 2020.

3 O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação.

4 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é um instituto público da administração federal brasileira, provedor de informações geográficas e estatísticas do Brasil.

5 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) é um instrumento de avaliação que visa acompanhar as flutuações trimestrais e a evolução, no curto, médio e longo prazos, da força de trabalho, e outras informações necessárias para o estudo do desenvolvimento socioeconômico do país.

6 Segundo o Inep, o Educacenso é um sistema web utilizado para o levantamento de dados do Censo Escolar, organizado em cinco formulários para a coleta e organização de informações sobre a escola, os gestores, as turmas, o profissional escolar e os alunos.

7 Denominamos percentual de participação a razão entre o quantitativo de matrículas de uma determinada raça/cor e o total geral de matrículas na educação infantil em tempo integral, discriminados por tipo de estabelecimento (creche ou pré-escola) e tipo de sistema de ensino (público ou privado).

8 Embora não esteja no nosso escopo de investigação, consideramos importante apresentar alguns dados atualizados que podem reverberar em novos estudos.

Recebido: 31 de Outubro de 2021; Aceito: 09 de Março de 2022

Vania Carvalho de Araújo Pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Paulo (USP); Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes); Coordenadora do Grupo de Pesquisa Infância, Educação, Sociedade e Cultura (IESC). E-mail: vcaraujoufes@gmail.com

Rennati Taquini Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes); Professora da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental da Prefeitura Municipal de Guarapari; Integrante do Grupo de Pesquisa Infância, Educação, Sociedade e Cultura (IESC). E-mail: rennati@gmail.com

Franceila Auer Doutoranda em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes); Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes); Professora de educação infantil da Prefeitura Municipal de Vitória; Integrante do Grupo de Pesquisa Infância, Educação, Sociedade e Cultura (IESC). E-mail: auerfranceila@gmail.com

Kalinca Costa Pinto das Neves Mestre em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes); Professora de educação infantil e pedagoga da Prefeitura Municipal de Vila Velha; Integrante do Grupo de Pesquisa Infância, Educação, Sociedade e Cultura (IESC). E-mail: kalinca.pinto@edu.vilavelha.es.gov.br

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