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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.38 no.1 Goiânia  2022  Epub 02-Out-2023

https://doi.org/10.21573/vol38n002022.121160 

ARTIGOS

O financiamento da educação das prefeituras da região da baixada litorânea fluminense na pandemia1

The financing of education in the municipalities of the baixada litoral fluminense region during the pandemic

La financiación de la educación en los municipios de la baixada litoral fluminense en la pandemia

FÁBIO ARAUJO DE SOUZA1 
http://orcid.org/0000-0001-5756-3654

1Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Educação Programa de Pós-graduação em Educação Rio de Janeiro, RJ, Brasil


Resumo

O artigo apresenta uma pesquisa que analisou as despesas pagas com a receita obrigatória para o ensino no ano de 2020, dos governos municipais da região da Baixada Litorânea fluminense, marcado pelo contexto da pandemia. Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa que recorreu aos dados orçamentários e financeiros publicados pelo TCE-RJ e pelos governos municipais. Ficou constatado que, dos 10 governos, 6 deixaram de investir no ensino não presencial. A maioria dos 10 governos investiu em despesas inadequadas e ilegais em um contexto pandêmico.

Palavras-Chave: Covid-19; Financiamento da educação básica; Região da Baixada Litorânea

Abstract

The article presents a research that analyzed the expenses paid with the mandatory revenue for education in the year 2020, by the municipal governments of the region of Baixada Litorânea fluminense, marked by the context of the pandemic. This is a quali-quantitative research that used the budgetary and financial data published by the TCE-RJ and the municipal governments. It was found that of the 10 governments, 6 stopped investing in non-face-to-face teaching. Most of the 10 governments invested in undue and illegal expenses in a pandemic context.

Key words: COVID-19; Financing basic education; Região da Baixada Litorânea

Resumen

El artículo presenta una investigación que analiza los gastos pagados con los ingresos obligatorios para la educación en el año 2020, de los gobiernos municipales de la región de la Baixada Litorânea fluminense, marcada por el contexto de la pandemia. Se trata de una investigación cuali-cuantitativa que utilizó los datos presupuestarios y financieros publicados por el TCE-RJ y los gobiernos municipales. Se comprobó que, de los 10 gobiernos, 6 dejaron de invertir en la enseñanza no presencial. La mayoría de los 10 gobiernos invirtieron en gastos indebidos e ilegales en un contexto de pandemia.

Palabras-clave: COVID-19. Financiación de la educación básica. Región de la Bajada Costera.Regulación; SINAES

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, surgiu o primeiro caso de doença de crise respiratória grave causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2). Rapidamente, o vírus alastrou-se para vários países causando a maior pandemia do século XXI. Para o controle e a contenção à propagação da covid-19, foram adotadas medidas de prevenção, sendo, uma delas, o distanciamento social. No Brasil, a despeito da suspensão das aulas presenciais, que ocorreu em meados de março de 2020, somente em abril o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou o Parecer nº 05/2020 (BRASIL, 2020a) cujo objetivo, entre outros, foi, em razão da pandemia da covid-19, o de reorganizar o calendário escolar e possibilitar o cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual.

Segundo o § 1º do art. 8º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394/1996, “Caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais” (BRASIL, 1996). Contudo, devido à ideologia negacionista do governo federal, as recomendações e orientações acerca das medidas a serem adotadas para conter a propagação do coronavírus, sobretudo na área da educação, ficaram comprometidas (BOGO, 2021) e, diante da necessidade de dar prosseguimento ao ano letivo em um contexto de distanciamento social, alguns governantes, de forma apressada e improvisada, adotaram medidas para implementar o ensino não presencial (CUNHA; SILVA; SILVA; 2020).

A tão combalida educação pública brasileira teve que se adaptar perante as novas necessidades impostas pela pandemia e, nesse sentido, os recursos públicos poderiam ter sido empregados para minimizar seus graves entraves nesse novo e desafiador contexto. Medidas como a compra de equipamentos e mobiliários para implementação do ensino remoto para docentes e discentes; de smartphone e tablet para discentes e docentes; chip para acesso à internet; cursos de formação para o trabalho remoto, sobretudo para docentes, pais e responsáveis de alunos; acesso gratuito ou subsidiado à internet em domicílio; reprografia de material, serviço de postagem para a entrega dos materiais, entre outras, poderiam ter minimizado os efeitos da pandemia na educação. Com o advento da vacina, era necessário planejar o retorno presencial atendendo plenamente às medidas de segurança nas escolas, de modo que os governantes poderiam ter aproveitado o distanciamento social e os recursos para melhorar a infraestrutura de suas redes de ensino.

A despeito do atendimento às necessidades citadas, os resultados da pesquisa “Resposta educacional à pandemia de covid-19 no Brasil”, realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao Ministério da Educação, revelam que 99,3% das escolas municipais brasileiras suspenderam as atividades presenciais; 80,3% das redes municipais não disponibilizaram equipamentos, como computador, notebooks, tablets e smartphones, aos docentes (BRASIL, 2020b).

Nesse sentido, a presente pesquisa contribui para fomentar as discussões acerca das receitas e despesas municipais no ensino, em 2020, no período de pandemia, sendo importante analisar em quais despesas os governos municipais aplicaram os recursos obrigatórios do ensino, sobretudo porque, em 2020, as escolas estiveram fechadas para as aulas presenciais. Segundo o art. 212 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) (BRASIL, 1988), no mínimo 25% das receitas resultantes de impostos e transferências devem ser aplicadas, anualmente, na manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). Destaca-se que o art. 69 da LDB considera o percentual previsto na Constituição Estadual e na Lei Orgânica Municipal quando acima do mínimo determinado pela Constituição Federal. O TCE-RJ adota a medida de verificar os percentuais das Leis Maiores dos entes subnacionais. Todavia o recorrente descumprimento do percentual mínimo para o ensino não é punido nem mesmo quando o ente federado deixa de cumprir o percentual previsto na Constituição Federal como ocorreu, por exemplo, em 2020. As despesas em MDE, segundo o art. 70 da LDB, são basicamente: remuneração e formação dos profissionais da educação; aquisição de equipamentos e serviços para o ensino; ampliação, construção e reforma de equipamentos do ensino; estudos e pesquisas referentes ao ensino; bolsas de estudos; atividades- meio necessárias (segurança, limpeza etc.); material didático e transporte escolar (BRASIL, 1996). No caso dos municípios, segundo o art. 211, alterado pela Emenda Constitucional (EC) nº 14 da CRFB (BRASIL, 1988), as áreas de atuação prioritárias são: educação infantil (creche e pré-escola) e ensino fundamental (anos iniciais e anos finais) (BRASIL, 1988).

A despeito dos recursos vinculados constitucionalmente através de percentual mínimo, a educação básica conta com outras fontes de receitas para financiá-la, quais sejam: o salário-educação, as participações governamentais oriundas da exploração e produção de recursos naturais (petróleo, pré-sal, hídricos e minerais); as transferências voluntárias, os serviços educacionais, convênios, entre outras receitas menos expressivas. Contudo o objeto de análise desta pesquisa será somente as receitas do percentual mínimo de impostos para a MDE, o que se justifica pelo fato de que os detalhamentos encontrados no site do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ), acerca das despesas em educação, na maioria dos casos, referirem-se apenas a elas.

Este artigo está dividido, afora a introdução, em 4 seções, em que a primeira aborda as receitas dos governos municipais da região da Baixada Litorânea; a segunda, as despesas pagas com receitas do percentual mínimo para o ensino, em 2020, no contexto da pandemia de covid-19; a terceira, o (des)financiamento do ensino não presencial nas redes municipais da região da Baixada Litorânea, e a quarta e última seção, os aspectos conclusivos desta pesquisa.

AS RECEITAS PARA O ENSINO DA REGIÃO DA BAIXADA LITORÂNEA FLUMINENSE

Em 2019, o estado do Rio de Janeiro (RJ) teve o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) nominal do conjunto dos estados brasileiros, alcançando quase R$ 780 bilhões. Embora o PIB não seja um indicador adequado para medir a qualidade de vida dos países, haja vista que não considera variantes sociais e a histórica desigualdade socioeconômica, é possível constatar a disparidade de parte da riqueza produzida entre poucos estados (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) perante os demais entes brasileiros (BRASIL, 2021). A desigualdade persiste entre os municípios de um mesmo estado, como no caso fluminense. A cidade de Niterói conta com uma renda média de R$ 4.186,51, enquanto Japeri apresenta R$ 259,63, ou seja, da cidade mais rica à mais pobre, há uma diferença de 16 vezes (O GLOBO, 2021).

O estado fluminense está dividido administrativamente em oito regiões (Metropolitana, Noroeste Fluminense, Norte Fluminense, Baixadas Litorâneas, Serrana, Centro-Sul Fluminense, Médio Paraíba e Costa Verde), sendo que a região da Baixada Litorânea é composta por dez municípios: Araruama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Casimiro de Abreu, Iguaba Grande, Rio das Ostras, São Pedro da Aldeia, Saquarema e Silva Jardim (CEPERJ, 2021). Popularmente conhecida como Região dos Lagos, a atividade turística impulsiona a economia da região, sendo Cabo Frio a cidade mais populosa (CEPERJ, 2021). Além disso, muitas dessas cidades são petrorrentistas, ou seja, recebem receitas volumosas oriundas das participações governamentais decorrentes da exploração e produção de recursos naturais, em especial, do petróleo e do gás natural (SERRA; TERRA; FONTES, 2006).

A Tabela 1 apresenta os valores nominais da Receita Líquida de Impostos e Transferência (RLIT), em 2020, dos dez municípios da região. É importante compreender que a preguiça fiscal, conjugada com a guerra fiscal que enseja diversos benefícios fiscais (isenção, anistia, remissão, renúncia e redução) para frações de classes dominantes, combinada com generosas linhas de crédito subsidiado cedidas às empresas fluminenses também diminuem a RLIT e, consequentemente, a receita para o cálculo do percentual mínimo do ensino (SOUZA, 2018). Nosso federalismo centrípeto, ou seja, com forte concentração de poder na União, não corresponde à realidade tributária e às responsabilidades delegadas na CRFB (BRASIL, 1988) para os entes subnacionais (ARRETCHE, 2005).

Tabela 1 Receita Líquida de Impostos e Transferências e despesas com ensino em 2020. Valores nominais em R$ 1,00. 

Municípios RLIT MDE %
Araruama 187.542.946,71 61.340.393,70 32,71
Armação dos Búzios 140.054.643,93 29.470.619,26 21,04
Arraial do Cabo 62.655.246,28 14.784.579,15 23,60
Cabo Frio 348.115.141,11 61.156.599,01 17,57
Casimiro de Abreu 109.814.503,12 35.256.244,56 32,11
Iguaba Grande 59.887.734,43 15.224.204,17 25,42
Rio das Ostras 296.118.115,06 54.185.790,16 18,30
São Pedro da Aldeia 125.277.886,21 30.492.375,34 24,34
Saquarema 151.616.349,97 41.147.777,99 27,14
Silva Jardim 67.374.512,46 16.166.763,24 24,00

Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ, 2021). Tabela elaborada pelo autor.

A corrupção também é um dos males que afeta a diminuição das receitas municipais e, para atenuá-la, é necessária uma forte transparência das contas municipais para um controle social que tenha em vista inibir esse entrave que afeta diretamente o financiamento do fundo público municipal, sobretudo para as áreas sociais. Além disso, a financeirização do fundo público, uma das formas que o sistema econômico capitalista encontra para expandir seus lucros através das receitas públicas, é um fantasma que assombra os recursos públicos. Recentemente, a proposta de EC nº 23 pretendia alterar o texto da CRFB a fim de entregar o fluxo da arrecadação de impostos como garantia plena ao investidor na compra dos derivativos (recebíveis) da Dívida Ativa dos entes federados (AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA, 2021).

Mesmo em meio à pandemia, em relação a 2019, a RLIT aumentou em alguns municípios, a exemplo do governo de Araruama, que observou um aumento em 10 milhões. No que se refere às receitas obrigatoriamente vinculadas ao ensino, é importante ressaltar que 20% das mesmas eram obrigatoriamente enviadas para o governo federal com o objetivo de compor os Fundos de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de natureza contábil e de âmbito estadual, que foram substituídos, em 2021, pelos Fundeb permanentes criados pela EC nº 108 (BRASIL, 2020) e regulamentados pela Lei nº 14.113 (BRASIL, 2020).

Esta pesquisa analisará os Fundeb criados pela EC 53/2007 e regulamentados pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, pois o exercício financeiro de 2020 foi o último de vigência desses Fundos. No caso dos municípios, o percentual citado incide em algumas transferências recebidas da União e do estado. A redistribuição dos recursos dos Fundeb é realizada a partir do cálculo do valor mínimo nacional aluno-ano, que resultava do cálculo da estimativa de receita dos estados, do DF e dos municípios (sem a complementação federal), dividida pelo número de matrículas nos segmentos de atuação prioritária considerando seu fator de ponderação correspondente a cada segmento. Os Fundos estaduais que não alcançassem o valor mínimo nacional aluno-ano recebiam a complementação da União que, por sua vez, durante o período de vigência dos Fundeb (2007-2020), correspondia a 10%, no mínimo, do valor estimado dos Fundos. Embora a Lei nº 11.494 (BRASIL, 2007), que o regulamentou, estipulasse o percentual de 10% como mínimo, o governo federal nunca ultrapassou esse mínimo, o que denota seu desinteresse em aumentar as receitas para financiar a educação básica através da complementação aos Fundos (BRASIL, 2007).

Cabe destacar que os municípios que recebiam um valor maior do que contribuíram, não deveriam contabilizá-lo a título de alcance do percentual mínimo em MDE, mas sim adicionalmente a ele. Por outro lado, os municípios que tiveram receita menor que a contribuição, deveriam contabilizar sua perda para fins do alcance do percentual mínimo. A complementação federal não deveria ser contabilizada para o alcance do percentual mínimo em MDE do ente que a recebeu. O TCE-RJ considera que a receita da aplicação financeira seja contabilizada para fins de alcance do percentual mínimo.

Nenhum dos governos municipais da região da Baixada Litorânea teve perdas com o Fundeb, e os governos de Casimiro de Abreu e Iguaba Grande receberam complementação da União, segundo dados do relatório de contas do TCE-RJ (RIO DE JANEIRO, 2020). Inusitado é que, nos estados contemplados com a Complementação Federal, todos os governos municipais e o estadual devem receber a complementação, já que o valor mínimo estadual aluno-ano não foi capaz de alcançar o valor mínimo nacional aluno-ano. Segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, todos os governos municipais e o estadual do Rio de Janeiro receberam complementação federal ao Fundeb, em 2020, porém, nos relatórios de contas do TCE-RJ dos 92 governos municipais, apenas em 15 houve o registro de tais receitas. Com base nos documentos contábeis do Tribunal, não foi possível saber se os governos, que receberam a Complementação Federal, deduziram-na do percentual mínimo. Caso não tenha ocorrido, os governos se apropriaram dessa receita indevidamente para fins do alcance do percentual mínimo no ensino.

Para 2020, o TCE/RJ alterou a metodologia de apuração do cálculo dos gastos em educação e passou a utilizar os valores pagos e não empenhados ou liquidados, sobretudo, porque esses últimos podem ser cancelados no fim do exercício financeiro, o que pode, por exemplo, distorcer o resultado do cálculo do percentual mínimo na MDE. Com relação ao cumprimento do percentual mínimo em MDE, é possível constatar na Tabela 1 que 6 governos municipais não cumpriram a determinação constitucional. Embora tenha apontado tal descumprimento, o TCE/RJ foi tolerante com os governos municipais:

O não cumprimento da aplicação mínima estabelecida configuraria objeto de Irregularidade. Entretanto, o agravamento da pandemia da covid-19 no país provocou diversas suspensões de atividades, incluindo as aulas presenciais em toda a rede municipal de ensino durante grande parte do exercício de 2020, interrupção de investimentos e manutenções diversos na área do ensino público, suspensão de fornecimento de merenda escolar, ou seja, ocorreu, consequentemente, queda no dispêndio público na educação, prejudicando sobremaneira o atingimento do índice constitucional. Contudo tal redução do gasto público deve ser entendida no sentido de preservação, e não desperdício, em virtude do necessário enfrentamento da pandemia em outras frentes que se fizeram e ainda se fazem necessárias com a urgência que o caso requer, sendo assim, entende-se que, in casu, o não cumprimento do índice previsto no art. 212 da Constituição Federal possa ser excepcionalmente tratado como impropriedade (TCE/RJ, 2020, p. 50).

Cabe destacar que, a EC nº 119/2022 (BRASIL, 2022) determina que, em decorrência do estado de calamidade pública devido à pandemia, os entes subnacionais não poderão ser responsabilizados administrativa, civil ou criminalmente pelo descumprimento, exclusivamente nos exercícios financeiros de 2020 e 2021. Por outro lado, a emenda determina que a diferença do valor não aplicado seja complementada até 2023 (BRASIL, 2022).

A medida adotada pela EC nº 119/2022 é controversa, sobretudo porque, segundo a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), o fechamento das escolas diminuiu os gastos em MDE e, além disso, os municípios não investiram em ensino remoto, de modo que os custos de tal ensino recaíram sobre os professores e alunos. Segundo a Associação, a medida é “uma absolvição prévia desconectada da realidade social e jurídica e dos deveres que o Estado tem com a educação” (ATRICON, 2021).

O TCE/RJ apontou que os governos municipais de Cabo Frio, São Pedro da Aldeia e Iguaba Grande não criaram conta específica para as receitas da MDE. A criação da conta é importante para facilitar a contabilização das receitas e o controle dos recursos do ensino. Além disso, segundo o § 5º do art. 69 da LDB, as contas bancárias devem estar vinculadas ao órgão responsável pela educação.

AS DESPESAS NO ENSINO NA REGIÃO DA BAIXADA LITORÂNEA NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19

Na Tabela 2, logo abaixo, é possível observar os gastos classificados como inadequados em um panorama de distanciamento social e, portanto, de escolas fechadas para aulas presenciais. Foram analisados os relatórios analíticos da Prestação de Contas dos governos municipais e o pouco detalhamento ou, até mesmo, a falta de exatidão de algumas despesas dificultou uma análise mais precisa. O TCE/RJ apontou algumas despesas com as receitas do percentual mínimo para o ensino como irregulares. A maior parte são despesas de exercícios anteriores, mas também aparecem despesas com uniformes e ações assistenciais incluídas nas contas de Araruama; com falta de exatidão nas despesas aplicadas com folha de pagamento, ampliação de obra de Creche Municipal, gêneros alimentícios e guias do OSTRA PREV, pelo governo de Rio das Ostras, que totalizaram, aproximadamente, R$ 5 milhões.

Tabela 2 Descrição dos gastos inadequados ou ilegais no ensino em 2020. Valores nominais em R$ 1,00. 

Município Descrição Valores
Araruama Fornecimento de água 2019 (TCE) 68.002,89
Despesas com uniformes e projeto assistencial (TCE) 2.299.560,60
Locação de 14 ônibus 376.957,00
Itens para cesta básica 230.120,20
Aluguel para a sede da Secretaria de Educação 112.000,00
Fornecimento de água 368.766,24
Fornecimento de energia elétrica 401.375,94
Aluguel de um ano para sede da Secretaria de Educação 149.500,00
Locação de seis veículos 84.641,25
Total 4.090.924,12
Armação dos Búzios Contrato temporário 13.706.882,92
Total 13.706.882,92
Arraial do Cabo Seguro para acidentes (alunos) 38.066,20
Energia elétrica 129.367,08
Material esportivo (projeto social) 35.116,70
Total 202.549,98
Cabo Frio Programa Complementar Municipal Dinheiro na Escola 1.166.923,00
Repasse complementação PNAE 277.888,00
Total 1.444.811,00
Casimiro de Abreu Devolução de saldo ao FNDE 85.235,30
Total 85.235,30
Iguaba Grande Despesas de exercícios anteriores (TCE) 380.588,79
Energia elétrica 70.465,63
Água e esgoto 38.456,34
8.700 litros de gasolina e 3.960 de Diesel 24.951,42
Locação de três imóveis para escola 88.395,57
Gênero alimentício 24.201,02
Total 627.058,77
Rio das Ostras Folha de pagamento, ampliação de obra de creche municipal, gêneros alimentícios e guias do OSTRA PREV - falta de exatidão da despesa (TCE) 5.098.953,08
Serviço de limpeza e conservação, incluindo o fornecimento de material de higiene, limpeza e equipamentos 3.086.842,22
Locação de sala de aula pré-fabricada 1.492.745,25
Transporte escolar 323.568,00
Energia elétrica 967.277,64
Kit alimentício 1.731.257,28
Combustível 15.477,87
Alimentação escolar 1.363.034,83
Total 14.079.156,17
São Pedro da Aldeia Despesas de exercícios anteriores (TCE) 21.251,60
Licença-prêmio não usufruída (TCE) 159.710,60
Total 180.962,20
Saquarema Veículo para transportar água 54.810,00
Combustível 32.130,17
Manutenção de veículos de transporte escolar 228.322,64
Aluguel de creche 68.841,96
Energia elétrica 90.943,44
Fornecimento de água 43.689,36
Transporte de estudantes 87.162,08
Aluguel de creche (em março) 41.321,20
Cooperativa para contratar terceirizados (merendeira, auxiliar serviços gerais, zelador, porteiro e encarregado) 9.752.655,08
Total 10.399.875,93
Silva Jardim Despesa de exercícios anteriores com pessoal (Fundeb) (TCE) 170.000,00
Despesa de exercícios anteriores com pessoal (TCE) 935.147,91
Associação Pestalozzi 300.846,00
Total 1.405.993,91

Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ, 2021). Tabela elaborada pelo autor.

A Tabela 2 apresenta as despesas consideradas ilegais e inadequadas no ano de 2020, em um contexto de pandemia, logo, de escolas fechadas ou parcialmente fechadas. Merecem destaque os volumosos gastos com gêneros alimentícios, cestas básicas e kits alimentação expressamente proibidos de serem custeados com receitas do percentual mínimo para o ensino, pois o § 4º do art. 212 da CRFB (BRASIL, 1988) determina que: “Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários” (BRASIL, 1988).

Segundo o art. 35 da Lei Federal nº 4.320/1964 (BRASIL, 1964), pertencem ao exercício financeiro as receitas nele arrecadadas e as despesas nele empenhadas. Se houver excesso de arrecadação no exercício, deve-se abrir um crédito adicional via decreto para registrar esse excesso no orçamento. Os detalhamentos acerca do excesso de arrecadação, superávit financeiro e restos a pagar (processados e não processados) abrangem somente dados orçamentários do Fundeb, o que dificulta o controle e acompanhamento das demais receitas da educação dos municípios fluminenses.

Segundo a Tabela 2, dos 10 municípios investigados, 4 aplicaram recursos da MDE com fornecimento de energia elétrica e 3 com fornecimento de água. Mesmo se consideramos a possibilidade de que algumas escolas tenham funcionado parcialmente, e em horário reduzido, para a entrega das cestas básicas e/ou para entrega de material impresso, tais despesas podem não ter ocorrido ou, se ocorreram, os valores não poderiam ser tão altos quanto os encontrados nos relatórios analíticos.

O governo municipal de Araruama gastou, em 2020, mais de R$ 401 mil em energia elétrica e, aproximadamente, R$ 369 mil em fornecimento de água, em 2019 esses gastos foram de R$ 826 mil e R$ 511 mil, respectivamente. O governo de Arraial do Cabo, em 2020, utilizou R$ 129 mil com energia elétrica, sendo que, em 2019, não custeou essa despesa com os recursos da MDE. O governo de Rio das Ostras gastou, em 2020, R$ 967 mil com energia elétrica e, em 2019, os gastos da MDE com essa despesa foram de R$ 563 mil, ou seja, a despesa com energia elétrica quase dobrou na pandemia, mesmo com as escolas fechadas ou funcionando parcialmente. O governo de Saquarema gastou, em energia elétrica, R$ 913 mil, em 2019, e, em 2020, R$ 91 mil, o que nos leva a entender que houve uma redução significativa dessa despesa na pandemia, caso não tenha sido custeada com outras fontes da educação. Cabe destacar que, em 2019 e 2020, outras fontes para custear essas despesas podem ter sido utilizadas, porém, como o relatório analítico detalha, por amostragem, as despesas do percentual mínimo obrigatório não foi possível ter essas informações precisas das demais receitas.

Em relação aos gastos com gênero alimentício, dos 10 governos municipais, 4 aplicaram receitas do percentual mínimo e, como demonstrado anteriormente, a CRFB (BRASIL, 1988) proíbe esse tipo de despesa com receitas do percentual mínimo. Contudo o TCE/RJ (2021) decidiu, através do processo TCE-RJ nº 261.276-8/01, considerar tais despesas como manutenção e desenvolvimento do ensino, contrariando o § 4º do art. 212 da CRFB (BRASIL, 1988) e o inciso IV do art. 71 da LDB (BRASIL, 1996). Para Da Vies (2001), os Tribunais de Contas deixaram e deixam bastante a desejar na análise propriamente técnica das contas da educação e isso foi constatado também nesta pesquisa.

Embora não estejam entre o rol de despesas proibidas com o percentual mínimo, os gastos com transporte escolar e combustíveis causaram espanto, pois, no contexto da pandemia e de alunos não utilizando tal serviço, ele foi comum para quatro governos: Araruama alugou 20 veículos, dos quais 14 eram ônibus, pelo valor de R$ 377 mil; o governo de Iguaba Grande custeou 12 mil litros de combustíveis; o de Rio das Ostras aplicou R$ 339 mil em combustível; e o de Saquarema, R$ 119 mil, nessa despesa, além de ter aplicado R$ 228 mil com manutenção de veículos.

Com relação às despesas com aluguel, foi possível constatar que quatro governos aplicaram receitas do percentual mínimo com essa despesa. O governo de Araruama aplicou R$ 262 mil com aluguel da sede da Secretaria de Educação, o gasto é aceitável mesmo no período da pandemia, porém foi destacado nesta pesquisa devido ao seu alto valor. Iguaba Grande aplicou R$ 88 mil com aluguel de imóveis para o funcionamento de escolas. O governo de Rio das Ostras alugou salas de aulas pré-fabricadas no valor total de, aproximadamente, R$ 1,5 milhão. Saquarema gastou R$ 110 mil com aluguel de imóveis para creche. Como não estão disponíveis os contratos, não há como saber se foram firmados no ano de 2020 ou anteriormente, o que justificaria o pagamento, haja vista que o governo já teria esse compromisso a cumprir. Porém, dado o volume de recursos utilizados do percentual mínimo aplicado em uma despesa que não se justifica em período de pandemia, destacamos nesta pesquisa tais dados como inadequados. Até porque, pelo princípio da economicidade e eficiência na administração pública, tais contratos poderiam ter sido rescindidos.

Além das despesas supracitadas, foram detectadas despesas duvidosas, que necessitariam de documentos que permitissem análises mais profundas para entender o porquê de constarem como pagas com o percentual mínimo obrigatório. O governo de Armação dos Búzios aplicou 48% das receitas do percentual mínimo com contrato temporário. Contraditoriamente, o jornal Folha dos Lagos, de 3 de abril de 2020, publicou a matéria: “Prefeitura de Búzios anuncia demissão de 400 professores contratados”. Segundo a matéria, o governo municipal justificou a demissão devido à adoção de um pacote de medidas de corte com gastos de pessoal motivado pela queda da arrecadação (FOLHA DOS LAGOS, 2021). Contudo, segundo dados do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO), de 2019 para 2020, houve um aumento na RLIT de R$ 17 milhões!

O governo de Arraial do Cabo teve dois gastos que chamaram a atenção. O primeiro referente ao seguro para alunos, pois, como estavam em distanciamento social, o seguro era dispensável. O segundo refere-se aos materiais esportivos, pois, além de ser despesa em desporto, os materiais foram adquiridos para serem utilizados em projeto social conforme a descrição do empenho.

O governo de Cabo Frio repassou às instituições escolares mais de R$ 1,1 milhão a título de complementação do Programa Dinheiro Direto na Escola do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O contraditório é que as escolas estavam sem receber alunos na pandemia, o que não justifica um repasse tão volumoso quanto o realizado às unidades. O governo complementou também o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que, como justificado anteriormente, não deve constar no rol de despesas com o percentual mínimo obrigatório no ensino. O governo de Casimiro de Abreu pagou com receitas do percentual mínimo do ensino uma devolução de saldo ao FNDE, porém essa despesa não poderia ser realizada com essa receita, sobretudo porque ela não está definida no rol das despesas possíveis em MDE, conforme o art. 70 da LDB.

O governo de Rio das Ostras aplicou mais de R$ 3 milhões com serviço de limpeza e conservação, incluindo o fornecimento de material de higiene, limpeza e equipamentos. A prefeitura de Saquarema aplicou quase R$ 10 milhões para contratar uma cooperativa de terceirizados (merendeira, auxiliar serviços gerais, zelador, porteiro e encarregado). A Justiça do Trabalho, através do processo: 0100073-92.2019.5.01.0411, ajuizado pelo Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ), detectou irregularidades e fraudes na atuação de cooperativas que prestam serviços à prefeitura.

Por fim, o governo de Silva Jardim aplicou recursos do percentual mínimo para a Associação Pestalozzi no valor de R$ 301 mil. Todavia, a instituição atua no atendimento às pessoas deficientes, mas, na pandemia, os alunos atendidos, provavelmente, não foram à instituição devido ao distanciamento social, o que coloca dúvidas acerca dessa despesa. É importante salientar que alguns dos gastos listados na Tabela 2 foram empenhados no período de janeiro a março, ou seja, antes da adoção da medida do fechamento das escolas. Porém os empenhos poderiam ter sido cancelados tão logo se estabelecesse o fechamento.

O (DES)FINANCIAMENTO DO ENSINO NÃO PRESENCIAL NA REGIÃO DA BAIXADA LITORÂNEA FLUMINENSE

Com relação às despesas pagas voltadas ao ensino não presencial, foi possível constatar que foram menores que as despesas inadequadas demonstradas na Tabela 2. Dos 10 municípios da região, 6 (Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Casimiro de Abreu, São Pedro da Aldeia e Silva Jardim) não aplicaram recursos do percentual mínimo obrigatório no ensino em nenhum tipo de despesa para o ensino não presencial. Isso denota a ausência de planejamento dos governos municipais para esse tipo de atividade.

A maioria dos governos que aplicou recursos no ensino não presencial optou por serviços e não pela aquisição dos materiais e equipamentos. Isso se justifica, em parte, pela facilidade de superfaturar os serviços, uma vez que, na aquisição de um material ou equipamento, é mais fácil detectar se houve ou não superfaturamento. Por outro lado, a opção pelos serviços de locação, sobretudo de link de internet e reprografia, pode ter sido pelo caráter emergencial ocasionado pela pandemia.

Estranhamente, o governo municipal de Araruama alugou 13 impressoras monocromáticas, inclusos os materiais de consumo e a assistência técnica, por R$ 617 mil, enquanto o governo de Rio das Ostras contratou o serviço de locação de apenas três impressoras por R$ 770 mil. Não foi possível encontrar os contratos dos serviços e, portanto, detectar o período do contrato de ambos os governos, porém há uma disparidade enorme de preços entre os contratos. Os governos de Iguaba Grande e Saquarema aplicaram R$ 13.600,00 e R$ 36.415,60, respectivamente, com locação de impressoras, mas não foi possível encontrar o quantitativo de impressoras alugadas. O governo de Saquarema gastou quase meio milhão com aquisição de material gráfico. Se instituída, nesses municípios, a inexigibilidade de licitação, devido ao estado sanitário emergencial, ela pode ter contribuído para o superfaturamento dos contratos de serviços acima citados.

Tabela 3 Descrição dos gastos com ensino não presencial em 2020. Valores nominais em R$ 1,00. 

Município Descrição Valores
Araruama Fornecimento de link de internet 100.000,00
Fornecimento de licença de uso e provimento de infraestrutura em nuvem 111.549,75
Locação de 13 impressoras monocromáticas capacidade de 200.000 cópias/mês incluindo material de consumo e assistência técnica 617.474,99
Total 829.024,74
Armação dos Búzios Nenhum gasto com ensino não presencial 0,00
Arraial do Cabo Nenhum gasto com ensino não presencial 0,00
Cabo Frio Nenhum gasto com ensino não presencial 0,00
Casimiro de Abreu Nenhum gasto com ensino não presencial 0,00
Iguaba Grande Locação de impressoras a laser e multifuncionais (10 meses) 13.600,00
Total 13.600,00
Rio das Ostras Fornecimento de link para transporte de dados, links dedicados ao acesso à internet banda larga, com suporte técnico presencial e/ou remoto para manutenção 143.183,29
Locação de microcomputadores 557.394,58
Locação de três impressoras multifuncionais 770.258,33
Total 1.470.836,20
São Pedro da Aldeia Nenhum gasto com ensino não presencial 0,00
Saquarema Locação de equipamentos e serviços de impressora 36.415,80
Aquisição de material gráfico 262.063,52
Contratação de empresa para aquisição de apostilas 231.002,80
Empresa especializada em serviço de cópia. Digitação e impressão 21.054,88
Total 550.537,00
Silva Jardim Nenhum gasto com ensino não presencial 0,00

Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ, 2021). Tabela elaborada pelo autor.

ASPECTOS CONCLUSIVOS

Em 2020, o mundo foi surpreendido pela maior pandemia do século XXI, que já retirou a vida de mais de 6 milhões de pessoas no mundo. O Brasil registrou, até o fechamento desta pesquisa, mais de 674.779 mortos (BRASIL, 2022). O governo federal, que deveria atuar firmemente nas medidas de segurança para conter a transmissão pelo coronavírus, adotou uma postura negacionista, contribuindo assim para a disseminação do vírus e, portanto, para a morte de muitos brasileiros.

As políticas para a educação no início da pandemia ficaram desarticuladas em diversas ações que, em sua maioria, foram adotadas pelas redes sem nenhuma coordenação e cooperação do governo federal. A medida dos governos foi o distanciamento social e o fechamento das instituições escolares, sendo que, alguns meses após o fechamento, algumas escolas abriram para distribuição de material pedagógico e de kit alimentação.

É bem verdade que as receitas oriundas da arrecadação de impostos diminuíram no cenário pandêmico, mas isso não justifica a apatia e a omissão de uma parte significativa de governantes que não implementaram medidas para assegurar o ensino nesse período. Por outro lado, as despesas na área da educação, em tese, diminuíram, uma vez que, com as escolas fechadas, o consumo de energia elétrica, água, serviço de esgoto, limpeza, transporte escolar, entre outros, também foi baixo.

Contudo a maioria não investiu no ensino não presencial e tributou aos professores, às professoras, aos pais e aos responsáveis de alunos a responsabilidade para implementarem as aulas remotas. Esta pesquisa concluiu que, além de pouco investirem em medidas para manter o ensino no contexto da pandemia, a maioria dos governos municipais da região da Baixada Litorânea fluminense aplicou os recursos de maneira ilegal e inadequada, gerando um desvio de mais de R$ 46 milhões dos cofres públicos.

Por outro lado, os recursos do percentual mínimo constitucional para o financiamento de medidas de implementação do ensino não presencial foram de menos de R$ 2,9 milhões. Além disso, a conivência dos órgãos de controle e fiscalização, somada à pouca transparência e à dificuldade de acesso aos dados das receitas e despesas da educação, contribui para os desvios, a corrupção e a má aplicação dos recursos públicos do ensino e da educação.

A conivência do TCE-RJ, bem como a omissão do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) em relação aos gastos ilegais e inadequados dos governos municipais na pandemia, torna a impunidade dos governantes um estímulo para os desvios e a corrupção nas receitas municipais. Nem de longe, esta pesquisa esgota os meandros da aplicação dos recursos públicos na educação fluminense, mas acende um alerta para o acompanhamento e controle social das receitas e despesas dessa área social.

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1 Apoio FAPERJ.

Recebido: 29 de Dezembro de 2021; Aceito: 17 de Julho de 2022

Fábio Araujo de Souza Professor Adjunto da Faculdade de Educação da UFRJ e do programa de Pós- Graduação em Educação da UFRJ. Pós-doutor em educação pela UFG, Doutor em educação pela USP, Mestre em educação, cultura e comunicação nas periferias urbanas pela UERJ e Pedagogo pela UERJ. E-mail: f.asouza@yahoo.com.br

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