SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.38 número1Intensificación del trabajo de directores escolares en Salvador y región metropolitanaInserción de graduados de educación técnica federal en el mercado laboral local índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versión impresa ISSN 1678-166Xversión On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.38 no.1 Goiânia  2022  Epub 02-Oct-2023

https://doi.org/10.21573/vol38n002022.119509 

ARTIGOS

Diálogos com gestores escolares: desafios e oportunidades no contexto pandêmico

Dialogues with school principals: challenges and opportunities in the pandemic context

Diálogos con gestores escolares: desafíos y oportunidades en un contexto pandémico

1Universidade Cidade de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Educação Programa de Pós-Graduação Profissional Formação de Gestores São Paulo, SP, Brasil

2Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Educação Campinas, SP, Brasil

3Universidade Cidade de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Educação Programa de Pós-Graduação Profissional Formação de Gestores São Paulo, SP, Brasil


Resumo

Este artigo explora elementos textuais desvelados por diretores de escolas municipais sobre desafios e oportunidades vivenciadas no contexto pandêmico. Trata-se de estudo qualitativo realizado em duas etapas: preenchimento de formulário on line e roda de conversa. Apreendeu-se, dentre outros elementos, que diretores municipais enfrentaram desafios com as tecnologias interativas, mas também vivenciaram oportunidades construídas de forma singular, considerando a ausência de diretrizes governamentais claras que poderiam mitigar a descoordenação das redes de ensino durante a pandemia.

Palavras-Chave: Diretores escolares; Rede Municipal; Roda de Conversa

Abstract

This article explores textual elements unveiled by the principals of municipal schools concerning the challenges and opportunities experienced during the pandemic context. This is a qualitative study carried out in two phases: filling out an online form and a conversation circle. Results show that municipal principals faced challenges with interactive technologies, but also experienced opportunities built in a unique way, considering the absence of clear government guidelines that could mitigate the lack of coordination in education networks during the pandemic.

Key words: School Principals; Municipal Network; Conversation circle

Resumen

Este artículo explora los elementos textuales revelados por los directores de las escuelas municipales sobre los desafíos y oportunidades experimentados en el contexto de la pandemia. Se trata de un estudio cualitativo realizado en dos etapas: relleno de un formulario online y una rueda de conversación. Se conoció, entre otros elementos, que los directores municipales enfrentaron desafíos con las tecnologías interactivas, pero también vivieron oportunidades construidas de manera singular, considerando la ausencia de directrices gubernamentales claras que pudieran mitigar la falta de coordinación de las redes educativas durante la pandemia.

Palabras-clave: Directores escolares; Red Municipal; Rueda de Conversación

INTRODUÇÃO

Embora o Brasil tenha ingressado, oficialmente, no circuito da pandemia provocada pelo vírus SARs-Cov 2 – mais conhecida como Covid-19 – em final de fevereiro de 2020, as ações de isolamento social foram adotadas pelas autoridades a partir de março. As escolas, bem como todos os espaços de convivência coletiva, foram surpreendidas por essas medidas e tiveram que, repentinamente, suspender as atividades presenciais com o objetivo de controlar a propagação descontrolada do vírus. Ainda que essa suspensão de aulas presenciais tenha ocorrido praticamente ao mesmo tempo nas instituições educativas em todos os níveis, as profusas proposições de alternativas de continuidade dos estudos foram díspares e acrônicas.

O cenário impulsionou o delineamento de vários estudos e pesquisas para conhecer e compreender o contexto educativo e as ações educacionais em desenvolvimento pelas escolas e seus desdobramentos para os profissionais da educação, estudantes e suas famílias. As investigações têm evidenciado que as possibilidades de oferta, acesso e realização de atividades escolares remotas são drasticamente heterogêneas, indicando a possibilidade de acirramento das já robustas desigualdades educacionais no país (PIMENTA; SOUSA, 2021).

O texto está organizado em quatro partes, além dessa introdução. Inicialmente, elabora-se uma discussão sobre o cenário contemporâneo provocado pelo surgimento da SARs-Cov 2, e consequente declaração da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de abril de 2020. No Brasil, o Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer n. 5/2020, que dispôs sobre a reorganização dos calendários escolares e das atividades pedagógicas não presenciais, em sistemas, redes e unidades escolares estaduais, municipais e particulares de todo o país, originando desdobramentos de dispositivos legais e normativos em estados e municípios.

Em seguida, apresentam-se os procedimentos metodológicos e a contextualização da rede municipal de ensino, na intenção de ancorar as falas desveladas dos profissionais participantes; por fim, nas reflexões finais são tecidas considerações sobre os desafios e as oportunidades relatadas pelos diretores.

O ENSINO REMOTO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEXTO POLÍTICO E SANITÁRIO NO BRASIL

Entre o final de 2019 e início de 2020, o mundo testemunhou a emergência da doença respiratória causada pelo agente etiológico denominado SARS-CoV-2, que sitiou em semanas a cidade de Wuham, na China, e, espalhou-se rapidamente pela Ásia, Europa, África e América. Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020) declarou a COVID-19 uma pandemia altamente contagiosa e orientou os países a adotarem medidas severas para contenção e diminuição da propagação do vírus. Destacam-se as principais medidas sanitárias adotadas: isolamento social, fechamento de fronteiras e aeroportos para o turismo; restrição da indústria, do comércio bem como das instituições de ensino públicas e privadas, envolvendo todas as etapas e modalidades de ensino. Tais medidas ocasionaram mudanças e transformações no cotidiano social, com implicações políticas, econômicas e culturais, com a refração do convívio social e, no que tange à educação, com a utilização de Tecnologias Digitais Interativas (TDIs) para efetivação das relações de ensino e aprendizagem consubstanciadas na disseminação de tecnologias digitais de informação e comunicação, o que tem representado novos desafios às autoridades educacionais e à gestão de unidades escolares. (GARCIA et al., 2011).

Desse modo, com a expansão da COVID-19 em 2020 e, subsequentemente,em 2021, assistiu-se à situação educacional excepcional em que se encontravam 82,8% da população estudantil em todo mundo, quando a maioria dos países adotou ações e estratégias de Ensino Remoto Emergencial (ERE). (UNESCO, 2021; WILLIAMSON; EYNON; POTTER, 2020).

Diante de tal cenário, as diferentes respostas dos países foram condicionadas pelas condições políticas e econômicas, envolvendo investimento dos governos e a implantação de ações e estratégias excepcionais no campo educacional.

Na China, primeiro país a enfrentar o contexto pandêmico, houve a criação de redes de investimentos junto a empresas de tecnologias para garantir acesso de 240 milhões de alunos a conteúdos e sistemas de comunicação, através de “aulas remotas, programas de televisão transmitidos pelas tvs estatais, aplicativos e plataformas virtuais” (ARRUDA, 2020, p. 259). Na Europa, países como França, Espanha, Portugal e Inglaterra, também implementaram ações educativas mediadas por Tecnologias Digitais Interativas (TDIs) no Ensino Remoto Emergencial (ERE). As dificuldades de implementação e gestão demandaram aos governos desses países políticas públicas para ampliar o acesso de alunos e professores aos equipamentos tecnológicos, considerando-se a falta de recursos de setores da população, visando garantir equidade no processo de ensino e aprendizagem.

Na América, países como os Estados Unidos, também implementaram políticas compensatórias para diminuir a desigualdade de acesso aos meios tecnológicos e a internet, como o caso de Nova York (NEW YORK CITY, 2020). No Chile, México e Uruguai, observou-se em fontes oficiais de websites a implantação de estratégias e usos de TDIs na educação básica e superior, tais como aplicativos gratuitos, programas educativos televisivos, plataformas de mediação de aprendizagem, entre outras (ARRUDA, 2020).

No Brasil, devido ao seu caráter federativo, encontram-se propostas difusas (MONTEIRO WILL et al, 2021), as quais também revelam a ausência de políticas objetivas ao combate do COVID -19. Mais ainda, o país se destacou negativamente no cenário político internacional em meio à crise sanitária mundial, caracterizando- se a ação do governo federal pela necropolítica1 (SILVA; SILVA, 2020), com declarações contrárias às orientações de prevenção e contenção da pandemia advindas da Organização Mundial de Saúde.

Na área educacional, a responsabilidade da organização e funcionamento da educação básica ficou sob encargo dos estados, embora o Ministério da Educação, por meio da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, declarou a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia. Em seu artigo 1º esclarece que o período de autorização é de até trinta dias, prorrogáveis, a depender de orientação do Ministério da Saúde e dos órgãos de saúde estaduais, municipais e distrital.

A Medida Provisória nº 934, de 1º de abril de 2020, estabeleceu normas excepcionais sobre o ano letivo da Educação Básica e do Ensino Superior, decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública” (BRASIL, 2020). O seu Art. 1º dispensou a obrigatoriedade de cumprimento de 200 dias letivos, observando a carga horária mínima nos diferentes níveis educacionais e as determinações editadas pelos sistemas estaduais e municipais de ensino.

Com a interrupção das aulas presenciais, os estados e municípios e suas respectivas redes e instituições educacionais foram os protagonistas a implementarem atividades pedagógicas “não presenciais”, após a continuidade da quarentena. De acordo com a pesquisa de Monteiro Will e colaboradores (2021,p. 3), um levantamento de dados da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME, 2020), mostrou que, “em agosto de 2020, um total de 96% das escolas municipais brasileiras realizava atividades pedagógicas não presenciais na pandemia”. A análise de legislações estaduais e de documentos oficiais das secretarias estaduais da educação realizadas em 27 sites das Secretarias de Educação e em 12 sites de Conselhos Estaduais de Educação, no período de março a outubro de 2020, aponta para a diversidade de termos novos sem definições conceituais ou legais, com a ausência da noção comumente conhecida de “Educação a Distância’’.

Os estados e municípios assumiram a responsabilidade de implementarem ações e propostas pedagógicas difusas a partir de tecnologias e dispositivos de comunicação disponíveis. Mais ainda, como mostram as autoras, pode-se identificar uma “profusão terminológica”, com a presença de novas terminologias, como “ensino remoto”, “ensino híbrido”, “atividades pedagógicas não presenciais”, dentre outras. Como destacam as autoras, a utilização de “novos termos, sem a preocupação de conceituá-los, permite inferir que o novo pode abarcar qualquer coisa, inclusive a responsabilização individual do professor pelo desenvolvimento de todo o processo de ensino e aprendizagem, como a gestão das tecnologias (MONTEIRO WILL et al, 2021, p. 16).

A falta de regulamentações específicas e políticas públicas em face ao uso difuso de práticas pedagógicas no ensino remoto acarretou consequências sobre o trabalho pedagógico e os profissionais da educação, tais como aumento de atividades em condições precárias, despesas adicionais como o uso de recursos próprios e tecnológicos, aumento da carga horária, aprendizado de novas tecnologias, reorganização do planejamento pedagógico e do currículo, entre outras. Tal realidade imposta à educação pelo trabalho remoto tem gerado importantes pesquisas acerca dos impactos e problemas atualmente enfrentados pelos professores e gestores educacionais e escolares.

No cenário pandêmico, observa-se que, aos problemas persistentes na educação brasileira – como acesso de todas as crianças à escola e a garantia do direito à educação com qualidade social – agregam-se novos desafios à administração e gestão democrática do ensino público, enquanto princípio da educação escolar prevista na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal nº 9.394/1996).

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do Ensino público na educação básica, de acordo com as suas particularidades e conforme os seguintes princípios: (...) Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola (BRASIL,1996).

Na medida em que redes de escolas de todo o país receberam decisões centralizadas e unilaterais de secretarias e órgãos centrais, agravou-se o desafio de ampliar a participação democrática no âmbito das unidades. Estudos e pesquisas recentes (ROSA; MARTINS, 2021) mostram que a implementação dos planos emergenciais, na região metropolitana de São Paulo, interferiu nas possibilidades de efetivação do princípio democrático de organização e planejamento pedagógico nas escolas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo foi viabilizado em função de parceria interinstitucional entre o Departamento de Educação de Mongaguá, a Seção São Paulo da Associação Nacional de Política e Administração de Educação (Anpae) e a Universidade Cidade de São Paulo. Na primeira etapa, considerando a situação emergencial que não possibilitava a aproximação inicial dos/as pesquisadores/as presencialmente ao campo, na rede de ensino de Mongaguá, com todos/as diretores/as, optou-se por enviar um google forms, em março de 2021, que possibilitasse apreender, num primeiro momento, suas percepções sobre desafios enfrentados na gestão escolar durante a pandemia, e as janelas de oportunidades para encetar ações de continuidade às atividades escolares, no contexto pandêmico.

Em outros termos, o formulário continha dois “motes” para registro de livres respostas de 24 diretores/as participantes, de um total de 26 da rede municipal de ensino: a) desafios da gestão educacional em tempos de pandemia; b) janelas de oportunidades em tempos de pandemia (atividades consideradas inovadoras e interessantes para serem disseminadas). Procedeu-se à leitura flutuante, com vistas a construirmos hipóteses que deveriam ser confirmadas – ou não – na etapa consecutiva, a roda de conversa. Nas palavras de Bardin (2011, p. 30), “hipóteses sob a forma de questões ou de afirmações provisórias servindo de diretrizes, apelarão para o método de análise sistemática para serem verificadas no sentido de uma confirmação ou de afirmação”.

O procedimento se configura por um conjunto de estratégias técnicas utilizadas para análise das comunicações, sistematizadas para concatenar a descrição dos conteúdos das mensagens. Assim, organizamos, posteriormente, as falas em categorias, definidas por critérios de semelhança, e realizamos interpretações a partir do estabelecimento de relações com o contexto vivenciado naquele momento pelos sujeitos – a pandemia e o ensino remoto emergencial. Nas palavras de Franco (2012),

Produzir inferências é, pois, la raison d’etre da análise de conteúdo [...] uma vez que implica pelo menos uma comparação, já que a informação puramente descritiva, sobre o conteúdo, é de pequeno valor. Um dado sobre o conteúdo de uma mensagem [...] é sem sentido até que seja relacionado a outros dados. O vínculo entre eles é representado por alguma forma de teoria (p. 32).

Nessa direção, classificamos os conteúdos das falas em categorias de significação, considerando a relação dos sujeitos respondentes com os temas propostos no formulário, em interlocução com a literatura.

Na etapa subsequente, no dia 06 de junho de 2021, realizou-se a roda de conversa on line, com a participação de 5 diretores/as e 1 técnico de órgão central da rede municipal de ensino de Mongaguá – convidados para participar a partir das respostas ao formulário – que se propuseram a estabelecer uma interlocução com os/as pesquisadores, refletindo sobre as falas registradas anteriormente. Os/ as diretores/as que participaram da roda de conversa on line, tiveram sensibilidade e atenção para que a discussão expressasse a visão e os sentimentos dos pares, desvelando um movimento de identidade de grupo profissional. Conforme aponta Dubar (2012), há ofícios ou profissões que têm forte dimensão simbólica em termos de realização de si e de reconhecimento social, como é o caso do magistério.

Nessa perspectiva, ao realizarmos a roda de conversa com a participação de 5 diretoras e 1 técnico coordenador da Diretoria de Ensino do Departamento de Educação, partimos do pressuposto que preocupações cotidianas de profissionais da educação podem ser desveladas por um grupo constituído com o intuito de aprofundar a discussão sobre as emergências de dúvidas, conflitos e sentimentos de incerteza e angústia, elementos textuais recorrentes nas respostas registradas no formulário google forms.

Vale destacar a concepção que nos orientou para a realização da roda de conversa. A literatura da área indica que povos tradicionais praticavam o hábito de se sentar em roda para que uma geração aprendesse com a outra e para que os conflitos pudessem ser resolvidos pela comunidade. Estudos apontam, ainda, que Sócrates (469-399 a.C.) – ao realizar troca de ideias em seu círculo e instigar discussões e reflexões sobre virtudes e qualidades – método aporético, baseado na dúvida advinda do desconhecimento dos sujeitos que emitiam suas opiniões – propiciava a emergência de concepções adequadas a respeito dos temas discutidos, até que ideias ressignificadas e/ou mais adequadas pudessem ser aceitas.

No cenário contemporâneo, estudos envolvendo grupos foram realizados na antropologia, sociologia, psicologia social, psicanálise, saúde, educação e políticas públicas, inicialmente, relacionados à teoria de Elton Mayo, no início dos anos 1930. Com o advento de estudos psicossociais, sobretudo implementados a partir da Escola de Chicago, lograram a cena diversas técnicas grupais (LAPASSADE;LOURAU, 1972), assim como a perspectiva psicodramática de Kurt Lewin (1978). A partir dos anos de 1940, foram ampliadas as investigações que tomavam o grupo como elemento central de análise no campo das ciências humanas e sociais.

Na Europa, após a II Guerra Mundial, houve uma grande pulverização de temas e métodos, renovando estudos que defendiam a articulação entre o micro e o macrossociológico. De acordo com Lallement (2004), o uso de técnicas quantitativas sofisticadas permaneceu ao lado de abordagens qualitativas, em contexto de enfraquecimento das possibilidades de igualdade de oportunidades e de coesão social, originando críticas sobre escolas, fábricas e prisões. Na França, houve certo predomínio de tendências qualitativas (fenomenológicas e interacionistas), dando origem a algumas abordagens bastante originais, tal como a sociologia da legitimação, que privilegia análise de discursos, e a sociologia da experiência.

Nessa direção, grupos focais, grupos de discussão e rodas de conversa têm sido implementados no campo das ciências humanas e sociais, com perspectivas diferentes entre si2.

Para este estudo, optou-se por realizar uma roda de conversa por não configurar um processo diretivo com alternância de perguntas e respostas, mas sim, uma discussão pautada em temas geradores que possibilitam a instituição de espaços dialógicos. Nessa perspectiva, é fundamental que os motes orientadores do diálogo viabilizem a emergência de desafios, conflitos, concepções de mundo e de educação, sem manipulação de questões formuladas e definidas a priori, desenhadas em investigações cujos objetivos, muitas vezes, revelam apenas preocupações formais dos pesquisadores, que se consideram os sujeitos da pesquisa, e os pesquisados, como objeto da situação.

Assim, rodas de conversa propiciam reflexões sobre os papéis socialmente construídos, atravessados por histórias de vida e experiências diversas em função de condição socioeconômica, gênero, raça e etnia, além do pertencimento a grupos profissionais. Vale destacar que rodas de conversa não têm o pesquisador/educador como centro do processo, mas sim, como parceiro mediador da situação. No dizer de Freire (1987), a prática educativa deve:

[...] constituir-se em uma situação gnosiológica, pois [...] o papel do educador problematizador é proporcionar, com os educandos, as condições em que se dê a superação do conhecimento no nível da doxa pelo verdadeiro conhecimento, o que se dá, no nível do logos [...]. A educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade [...] em busca da emersão das consciências [...] (p. 45)

Nessa perspectiva, os educandos sentem-se desafiados e procuram enfrentar os desafios em relação com outros, em coletividade, superando a consolidação de problemas que se apresentam, inicialmente, como “algo petrificado” (p. 45).

Em outros termos, as discussões centradas em temas específicos – que expressam os interesses dos participantes - configuram espaços de diálogo baseados em respeito mútuo. A reflexão sobre impasses, incertezas e angústias, que acometem os profissionais da educação durante a pandemia, conduziu o grupo à necessidade de escuta em espaço/momento de troca de ideias, a partir de questionamentos e reflexões acerca de seu cotidiano de trabalho. Consideramos, na perspectiva do pensamento de Paulo Freire, que a dialogicidade não começa “quando o educador- educando se encontra com os educandos-educadores em uma situação pedagógica”, porém, tem início quando o educador se questiona e reflete sobre o conteúdo do diálogo, isto é, quando se desenha o “conteúdo programático da educação”. (1987, p. 53)

Ademais, conforme afirmam Oliveira, Rezende, Ferreira e Falcão (2021,p. 804), “[...] os escritos de Freire servem de alento no sentido de provocar educadoras(es) a romper com o silenciamento que reafirma a intensidade das históricas práticas antidemocráticas [..]”. As autoras consideram que, sobretudo neste cenário pandêmico, com a ocorrência do avanço da extrema-direita e a tentativa de destruição dos valores e direitos democráticos defendidos pela Constituição, profissionais da educação devem ter voz ativa, lutando pela ampliação dos mecanismos democráticos de participação nas unidades de ensino. Nessa direção, rodas de conversa desenham espaços dialógicos significativos para a consecução da escuta sensível que propicie ancoragem para as práticas escolares, durante o ensino remoto e a transição para o ensino presencial.

Vale destacar, ainda, que a relação educador-educando “implica, necessariamente, numa metodologia que não pode contradizer a dialogicidade da educação libertadora”, pois “a apreensão dos ‘temas geradores’ e a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos mesmos”, pode propiciar a construção de uma educação “libertadora e dialógica” (FREIRE, 1987, p. 56).

Tomando como referenciais as considerações acima expostas, realizou-se uma roda de conversa com diretoras de uma rede municipal da Região Metropolitana da Baixada Santista, por considerarmos que a metodologia de trabalho com grupos de interesse e/ou coletivos organizados - a partir dos estudos de Paulo Freire sobre Educação Popular e da concepção de Círculos de Cultura – propiciam espaços dialógicos que ressignificam sentidos e saberes dos sujeitos envolvidos, estimulando o aprofundamento de questões expressas na primeira etapa do estudo.

Nessa perspectiva, o propósito da realização da roda de conversa com diretores ocorreu em busca de estimular a emergência de práticas discursivas – divergentes ou convergentes - como uma opção metodológica para continuidade da expressão das percepções e sentimentos dos profissionais envolvidos.

ASPECTOS DA EDUCAÇÃO MUNICIPAL EM MONGAGUÁ E ELEMENTOS DESVELADOS POR DIRETORES DE ESCOLAS

O Município de Mongaguá possui apenas diretorias administrativas responsáveis por gerir as pastas. O Departamento Municipal de Educação (DEM) é administrado pela Diretoria Municipal de Educação, composto por 08 (oito) supervisores; 08 (oito) coordenadores de área; 03 (três) coordenadores de projeto e diversos outros profissionais de apoio técnico, pedagógico e administrativo. O órgão reporta-se à Diretoria de Ensino da Região de São Vicente (DERSVI), responsável pelos Municípios de Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande e São Vicente. A rede municipal de ensino atende, aproximadamente, 10.541 alunos: 912 em creche; 1.367, na educação infantil; 4.320 no ensino fundamental I; 3.942 no ensino fundamental II. Os docentes são divididos por categorias/nomenclaturas condizentes aos cargos/funções descritos no Plano de Carreira do Magistério Público Municipal: Educador de Creche – 12; Professores I – Educação Infantil – 10; Professor I – Educação Básica – 94; Professor II – Educação Básica – 169; Professor III – Educação Básica – 138; Professor Adjunto Educação Básica (temporário) – 126 (SENHEM, MARTINS, 2021).

A rede municipal de ensino possui 38 unidades escolares: 08 do segmento Creche; 09 EMEIS (Escola Municipal de Ensino Infantil – pré-escola); 08 unidades de Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano); 07 de Ensino Fundamental II (6º ao 9 º anos); 06 (seis) EMEIEFS (Escola Municipal de Ensino Infantil e Ensino Fundamental I).

As unidades são administradas por um total de 26 diretores, 25 vice- diretores e 35 coordenadores pedagógicos divididos entre as unidades de ensino. O primeiro Decreto, 7.092, datado de 16 de março de 2020, dispôs sobre o estado de emergência e crise sanitária no município (em consonância com a diretriz estadual e federal) e em seu Art 2º determinou a suspensão das aulas e atividades letivas na rede municipal de ensino, por tempo indeterminado, a partir de 23 de março de 2020. A última normativa municipal, 7.185 de 08 de setembro de 2020, versa no Art. 1º sobre a continuidade da suspensão das atividades presenciais nas unidades escolares; manutenção das atividades pedagógicas não presenciais e retorno das aulas presenciais para a rede pública municipal somente no ano de 2021.

De acordo com Senhem, Martins (2021), as diretrizes para o ensino remoto foram elaboradas pelo DEM e divulgadas em lives e páginas virtuais criadas em redes sociais, assim como por e-mails institucionais enviados com roteiros e rotinas que deveriam ser adotadas nas unidades. O órgão estimulou as unidades escolares a criarem páginas e perfis virtuais na rede social Facebook, a fim de manter contato com a comunidade e os alunos. Foram criados, também, grupos via aplicativo WhatsApp com o mesmo propósito de otimizar a troca de informações entre a comunidade escolar, pais, professores e equipe gestora das unidades. No site da Prefeitura há o ícone intitulado “Diário da Quarentena”, no qual constam todos os procedimentos e atividades desenvolvidas na implementação de Tecnologias Digitais Interativas no Ensino Remoto Emergencial.

Procedemos ao aprofundamento da análise da classificação de conteúdos organizados sistematicamente na primeira etapa, em interlocução com as expressões emergentes na roda de conversa, na perspectiva da análise de conteúdo. Dessa forma, partimos das mensagens verbais registradas (orais e escritas), dos gestos e dos silêncios, considerando as condições contextuais dos profissionais que as produziram, permeadas por elementos cognitivos, subjetivos, afetivos, e de valores sociais (FRANCO, 2012).

Após esse processamento, as mensagens (orais e escritas) foram classificadas conforme seguem: no primeiro eixo de análise, os conteúdos desvelados foram configurados em 4 categorias temáticas; em relação ao segundo eixo de análise, os conteúdos foram organizados em 2 categorias apenas, o que denota maior consenso entre diretores escolares, em torno das oportunidades abertas neste processo e, ao mesmo tempo, maior dispersão dos desafios enfrentados. Talvez as diferenças e desigualdades entre as escolas em relação à infraestrutura, equipes de profissionais, grupos de estudantes, dentre outras, possam explicar a diversidade das respostas ao primeiro mote em relação ao segundo.

Primeiro eixo de análise - desafios da gestão educacional em tempos de pandemia

Na primeira categoria deste eixo de análise foram destacadas as visões que expressam preocupações dos dirigentes escolares no que se refere à organização das escolas para atender as atividades no Ensino Remoto Emergencial. Ressalta-se que, no entanto, caberia ao órgão central propor ações que pudessem mitigar as situações relatadas3. Registram-se, literalmente, as falas recorrentes que expressam a visão do grupo:

[...] tivemos que fazer as famílias irem buscar as atividades impressas na escola; havia falta de equipamentos em número necessário para viabilizar atividades on line; falta de autonomia do gestor e grande demanda de ações burocráticas, o que dificultou a prática do diretor no sentido de minimizar a desigualdade escolar [...] [...] a burocracia administrativa buscava atender o Plano São Paulo sem levar em consideração as especificidades regionais [...]

As falas corroboram outros estudos realizados e que demonstraram aspectos desafiadores das escolas para implementar ensino remoto: no Brasil, 93% das instituições de ensino agendaram a retirada de atividades e materiais pedagógicos impressos na escola; 91% criaram grupos em aplicativos ou redes sociais, como WhatsApp ou Facebook; 62% fizeram parcerias com líderes comunitários para comunicação com as famílias e, em função desse contato, 71% de escolas rurais e 63% de escolas de municípios do interior conseguiram enviar materiais didáticos aos alunos (CETIC, 2021)4.

Estudos realizados ao longo de 2020 e 2021 também indicaram uma ampliação de desigualdades entre as redes de ensino: diferenças na capacidade das escolas de redes públicas e privadas para apoiar a aprendizagem dos alunos remotamente, o que dificultou o trabalho dos órgãos centrais, sobretudo das esferas municipais; diferenças regionais e locais na capacidade institucional de sistemas e redes de ensino para planejar ações e implementar estratégias para efetivar o ensino remoto e o trabalho em home office, em curto espaço de tempo; diferenças na disponibilização de dados oficiais nas redes de ensino que permitam controle social nas ações implementadas para o ERE e retorno ao ensino presencial; ausência de coordenação nacional para diminuir as desigualdades entre sistemas, redes e escolas e orientar diretrizes para reorganização das atividades escolares (ROSA, MARTINS, 2021; UFSCAR, 2020; FCC, 2020; UNICEF, 2020)

A fala de uma das diretoras resume o sentimento do grupo ao afirmar que (ela)

[...] se pergunta o tempo todo sobre a sua responsabilidade, que não é somente do diretor(a), mas é necessário que ele (a) precise intervir [...].

Após a fala dessa diretora, há consenso no grupo sobre o fato de que enfrentar as consequências advindas da pandemia foi tarefa árdua e todos/as reconhecem o esforço dos funcionários envolvidos. Em uma das unidades, ainda, a diretora relata que decorou a escola com o tema de festa junina e serviu comidas típicas, para incentivar famílias e responsáveis a irem buscar o material para os alunos trabalharem em casa, desvelando uma iniciativa singular.

Na segunda categoria, as situações relatadas revelaram inquietação nos/ as participantes da roda, entretanto, não são exclusivas dessa categoria profissional, tendo em vista que atingiram professores/as também. Nessa categoria, as citações foram mais recorrentes e desvelaram cenários complexos, pois as falas revelaram muitos problemas nas unidades da rede, conforme agregadas:

[...] lidamos com dificuldades de alunos e docentes para enfrentar o déficit tecnológico e sócio educacionais; foi muito difícil lidar com as mudanças de humores [...]

[...] a gente se perguntava o tempo todo: como obter a qualidade na educação usando as novas ferramentas de gestão e os obstáculos impostos pela pandemia? [...]

[...] como manter os professores e alunos motivados em tempos de pandemia e ensino remoto? não sabemos como lidar com os abalos psicológicos [...].

Uma diretora expressa, de forma singular, o sentimento de todo o grupo e revela, enfaticamente, questões relativas à saúde da comunidade escolar:

Hoje o maior desafio na gestão educacional é a preocupação com a saúde emocional dentro da unidade escolar, em manter a equipe bem estimulada e trabalhar uma gestão humanizada, [..] pois ainda tem muita resistência de viver a empatia. Além de terem que se repaginar para trabalhar em home office os colaboradores muitas vezes não estão sabendo lidar com as questões emocionais. Isso tem sido um desafio diário na gestão.

A necessidade do apoio de órgãos centrais às escolas fica evidente na terceira categoria do primeiro eixo de análise.

A busca ativa dos alunos é um desafio [...] quais estratégias e meios de canais de comunicações, que podemos utilizar, para resgatar e trazer de volta os alunos a participar das aulas remotas?

[...]

o principal desafio tem sido manter proximidade e contato com os alunos para evitar evasão ou abandono, bem como termos certeza que não acontece maus tratos aos alunos em casa ou nas comunidades onde moram; são desafios de tal magnitude, tal complexidade que não podem ficar apenas sob a responsabilidade da direção escolar, tanto que alguns diretores declaram ter empreendido a iniciativa “de convidar as comunidades escolares, conselhos de escolas e Associação de Pais e Mestres (APM) a participar deste momento pandêmico, fazer uma política democrática da educação. (grifo nosso).

A discussão gerada após as falas, em função da “gestão democrática da educação”, revelou dificuldades de outra ordem, relacionadas a questões discutidas em inúmeros estudos da área que se referem à pouca participação de famílias, responsáveis, alunos/as e comunidades nos espaços escolares, sobretudo na organização e funcionamento de órgãos colegiados (MARTINS et al, 2018).

A fala de uma diretora também expressa significativamente o pensamento do grupo, pois todos/as concordam com suas considerações:

minha maior preocupação é com a questão do emocional de alunos e seus familiares. Como as famílias estão reagindo? Quais as dificuldades com a internet?

A quarta e última categoria está composta por um conjunto de afirmações as quais podem ser consideradas ao que Boaventura Sousa Santos chamou de “claridade pandêmica”, isto é, quando um aspecto da crise revela outros problemas. Nesse sentido, fica muito evidente a constatação dos/as diretores/as em relação às desigualdades econômicas e sociais e seus reflexos na educação e em suas unidades. A fala a seguir sintetiza e desvenda o sentimento do grupo e as percepções dos profissionais acerca do contexto emergencial vivenciado naquele momento:

[...] acho que a pandemia acentuou a diferença entre aqueles que tinham mais dificuldades de aprender. Visando isso, notamos que os principais desafios enfrentados foram o pouco tempo disponível para a formação dos docentes para atender o novo modelo de aula exigido para esse novo paradigma educacional, além da resistência dos docentes e dos alunos [...]

Segundo eixo de análise - janelas de oportunidades em tempos de pandemia (atividades consideradas inovadoras e interessantes para serem disseminadas)

A segunda categoria deste eixo revela evidências de que o contexto pandêmico levou as escolas a uma ressignificação do “fazer” escolar com criatividade e ousadia. Afirmações que demonstram a necessidade de buscar alternativas para o enfrentamento do contexto e a necessidade de pesquisar sobre o uso das tecnologias foram muito recorrentes, conforme agregadas:

[...] Nesse período houve necessidade de pesquisas e atualizações através das diversas opções de ferramentas tecnológicas

[...] foi o facilitador que oportunizou o aprendizado dos educandos e dos docentes, para uma educação mais ágil na formação dos indivíduos.

Também foram inúmeras as respostas sobre a importância de ações pedagógicas que fossem novidade para os/as estudantes:

[...] As atividades têm que ser inovadoras e ter qualidade para serem interessantes, criando curiosidade em inovar a cada dia pois estamos em um ano atípico [...]

[...] é preciso buscar conhecimento e se reinventar para novas oportunidades nesse tempo difícil que estamos vivendo; com tudo que está acontecendo no mundo e a maneira que nos relacionamos com os indivíduos [...]

[...] é de suma importância trabalhar através da realidade deles. Ensinar em tempos que estamos tão distantes e ao mesmo tempo perto [...] é preciso impactar a vida dos alunos com uma aprendizagem significativa para eles.

Outras expressões da roda de conversa merecem registro:

[...] também chamam atenção os talentos que a pandemia exteriorizou. No desenvolvimento do plano de ação pedagógica, ocorreu a descoberta de talentos dos alunos, dos professores e gestores [...]

[...] tivemos o prazer de ver professores se descobrirem ao utilizarem ferramentas de multimídia, deixarem o medo de se exporem em redes sociais;

[...] conseguiram colher avanços com as ferramentas híbridas e não dá para voltar ao método antigo de aulas, pois, de forma satisfatória conseguimos o desprendimento e participação dos professores de forma diferenciada.

Um aspecto chama atenção no que se refere à oportunidade para repensar a escola: a necessidade de maior aproximação com os/as estudantes, principalmente com suas famílias e o meio social, que se traduziu na instituição de sentimento de empatia cujas expressões foram reveladas na segunda categoria deste eixo de análise. Após intensa (e tensa) discussão, as falas demonstram preocupação com a saúde mental dos/as estudantes, pois há consenso no grupo sobre o fato de não saberem lidar com a questão crucial do estado psicológico e emocional dos alunos durante a pandemia, o que ampliou a insegurança e o estresse na efetivação das atividades pedagógicas.

Uma diretora deixa isso patente, pois sua fala congrega a percepção dos demais profissionais:

A pandemia trouxe como consequência a oportunidade de os professores conhecerem melhor a vida do aluno, pois foi preciso compreender o seu contexto socioeconômico, cultural e histórico para desenhar uma metodologia que atendesse suas necessidades.

Vale ressaltar que a Roda de Conversa oportunizou o debate entre profissionais da educação superior, pesquisadores que se colocaram no papel de parceiros na conversa e profissionais da rede municipal de ensino, sobre os desafios encontrados na gestão das escolas no contexto pandêmico. Em outros termos, construiu-se um espaço dialógico que propiciou a emergência da socialização coletiva de desafios enfrentados e de alternativas que pudessem amenizar as dificuldades do isolamento e distanciamento sociais na implementação do ensino remoto.

REFLEXÕES FINAIS

Procedemos a uma sumarização dos principais elementos textuais emergentes nas falas e expressões de sentimentos, angústias e dúvidas dos/as diretores/as para implementar atividades de ensino remoto, lidar com as emoções, atender famílias e/ou responsáveis e acessar alunos em situação de vulnerabilidade social, com vistas a dar continuidade ao processo de ensino e de aprendizagem em contexto adverso e imprevisível, do ponto de vista sanitário, emocional, social e econômico.

Identifica-se a preocupação do grupo de profissionais com o fato de o distanciamento e o ensino remoto limitarem oportunidades de aprendizagem dos alunos, pois há um tempo necessário para o aprendizado - fator preponderante para ampliar e efetivar ganhos no processo de ensino aliado ao fator tempo; a interrupção dos estudos provoca perda de conhecimento e habilidades adquiridas, sobretudo nos estudantes de menor renda, conforme corrobora estudo elaborado para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (REIMERS; SCHLEICHER, 2021).

Vale destacar que diretores e professores não têm o perfil (e nem poderiam ter) do trabalhador que domina tecnologias de informação e comunicação, pois, usualmente, não é área de conhecimento de profissionais da educação, conforme desvelam falas recorrentes na roda de conversa.

Outra preocupação evidente refere-se à baixa conectividade de professores e estudantes, o que dificultou a busca ativa de estudantes, corroborando pesquisas já realizadas que demonstraram o problema da baixa conectividade de escolas no país, conforme discutimos na primeira categoria de análise. (CETIC, 2021).

Ressaltam-se, ainda outras dificuldades apontadas no que se refere: aos usos de Tecnologias Digitais Interativas (TDI) e baixa motivação de estudantes para aprender com as atividades remotas; ao acompanhamento das atividades em casa, por pais e responsáveis; à continuidade das atividades pedagógicas, então previstas no início do ano letivo de 2020, provocando um deslocamento de estratégias para avaliar o desempenho dos alunos, o que retirou professores e diretores da zona de conforto frente a esse desafio. Nesse sentido, chama atenção a preocupação expressa por eles/as ao pouco tempo disponível para a formação dos docentes para trabalhar no que eles/as denominaram como “novo paradigma educacional”.

No que se refere às oportunidades percebidas por eles/as como relevantes, vale destacar maior aproximação com os/as estudantes, famílias, responsáveis e o desvendamento de contextos vulneráveis nos quais muitas escolas se localizam. A estafa mental – e física - provocada pela pandemia – revelou a emergência de sentimentos de empatia no grupo e a urgência de aproximar escolas e comunidades, embora todos/as tenham concordado com a insegurança de não saberem lidar com problemas emocionais e, em alguns casos, de luto pela perda de familiares.

Em suma, apreende-se que os/as participantes do estudo expressaram desafios enfrentados para implementar o ensino remoto na gestão de suas unidades, assim como oportunidades construídas de forma singular, considerando, sobretudo a ausência de diretrizes claras e coordenadas em âmbito federal e estadual, que poderiam mitigar a descoordenação das redes de ensino durante a pandemia. A extensão de horas de trabalho, aliada aos desafios de aprender a lidar com as TDIs, desenhou um paradoxo: a ampliação de níveis de estresse desses profissionais - cujas funções diárias já são sobrecarregadas de atividades excessivamente burocráticas -, gerou aprendizagens na construção coletiva de estratégias inovadoras e inéditas de organização e funcionamento das atividades escolares.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, Eucidio Pimenta. Educação remota emergencial: elementos para políticas públicas na educação brasileira em tempos de Covid-19. Em Rede - Revista De Educação a Distância, v. 7, n. 1, p. 257-275, 2020. Disponível em: https://www. aunirede.org.br/revista/index.php/emrede/article/view/621/575Links ]

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011. [ Links ]

BRASIL. Medida provisória n° 934 de 1º de abril de 2020. Estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública. Diário Oficial da União: seção 1: extra, Brasília, DF, edição 63-A, p. 1, 1 abr. 2020. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 05, de 28 de abril de 2020. Dispõe sobre a reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID- 19. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 83, p. 63, 04 mai. 2020a. [ Links ]

CETIC-CENTROREGIONALDEESTUDOSPARAODESENVOLVIMENTODA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO, 2021. https://cetic.br/pt/pesquisa/ educacao/indicadores/ Acesso em 19/08/2021. [ Links ]

DUBAR, Claude. A construção de si pela atividade de trabalho: a socialização profissional. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, v. 42, n. 146, p. 351-367, agosto 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/zrnhPNJ4DzKqd3Y3nq7mKKH/abstract/?lang=pt#Links ]

FRANCO. Maria Laura Puglisi Barbosa. Análise de conteúdo. Campinas: Autores Associados, 2012. [ Links ]

FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS. Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica. [Informe n.1] São Paulo: FCC. 2020. https://www.fcc.org.br/fcc/educacao-pesquisa/educacao-escolar-em-tempos- de- pandemia-informe-n-1. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, 2002. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. [ Links ]

GARCIA, Marta Fernandes.; RABELO, Dóris Firmino.; SILVA, Dirceu da; AMARAL, Sérgio Ferreira do. Novas competências docentes frente às tecnologias digitais interativas. Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 14, n. 1, p. 79-87, jan./abr. 2011. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/TeorPratEduc/article/download/16108/8715/Links ]

GODOI, Christiane, Kleinübing. Grupo de discussão como prática de pesquisa em estudos organizacionais. RAE, São Paulo, v. 55, n. 6, nov-dez 2015, p. 632-644. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rae/a/GfrVF9TxRzrnCJkDZTJCHXS/abstract/?lang=ptLinks ]

LALLEMENT, Michel. História das ideias sociológicas – de Parsons aos contemporâneos. Petropólis: Vozes, 2004. [ Links ]

LAPASSADE, George., LOURAU, Rene. Chaves da Sociologia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. [ Links ]

LEWIN, Kurt. Problemas de dinâmica de grupo. São Paulo: Cultrix, 1978. [ Links ]

MARTINS, Angela Maria. Cenários de Gestão de Escolas Municipais no Brasil. Fundação Carlos Chagas, Textos FCC, n. 54, 2018. [ Links ]

MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte & Ensaios. Rio de Janeiro, n. 32, dez. 2016. p. 122-151. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993Links ]

WILL, Daniela E. M.; CERNY, Roseli Z.; ESPÍNDOLA, Marina B.; LOTTERMANN, Josimar. Profusão terminológica na denominação das práticas pedagógicas da educação básica durante a pandemia de COVID-19. EmRede - Revista de Educação a Distância, v. 8, n. 1, 16 jul. 2021. Disponível em: https:// www.aunirede.org.br/revista/index.php/emrede/article/view/726/637Links ]

NEW YORK CITY. Department of Education. Coronavirus Update. 2020. Disponível em: https://www.schools.nyc.gov/school-life/health-and-wellness/coronavirus- update. Acesso em: 20 julho 2021. [ Links ]

OLIVEIRA, Edna Castro de; REZENDE, Aldo; FERREIRA, Maria José de Resende Ferreira; FALCÃO, Patrícia Helmer. Desafios da práxis freiriana em tempos de pandemia: ensino remoto e a gestão educacional no PROEJA. Rev. Bras. Polít. Adm. Educ., v. 37, n. 2, p. 787 - 809, mai./ago. 2021. Disponível em: https://seer. ufrgs.br/index.php/rbpae/article/view/113252/64403Links ]

PIMENTA, Cláudia Oliveira; SOUSA, Sandra Zákia. Avaliação em tempos de pandemia: oportunidade de recriar a escola. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 32, e08274, 2021. DOI: https://doi.org/10.1822/eae.v32.8274Links ]

ROSA, Sanny S.; MARTINS, Angela M. Ensino remoto em sistemas municipais de educação no Brasil: percepções dos gestores escolares. Revista Ibero-americana de Educação, v. 86, n. 2, p. 77-93, 2021. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=8068854Links ]

REIMERS Fernando, M.; SCHLEICHER, Andreas. Um roteiro para guiar a resposta educacional à Pandemia da COVID-19 de 2020. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. (OCDE), 2020. [ Links ]

SANTOS, Boaventura Sousa. A trágica transparência do vírus. https://sul21.com.br/opiniao/2020/04/a-tragica-transparencia-do-virus-por-boaventura-de-sousa-santos/.Acesso em 04/06.2021. [ Links ]

SEHNEM, Edmar Lucas Ferreira.; MARTINS, Angela Maria. O ENSINO REMOTO EMERGENCIAL NO MUNICÍPIO DE MONGAGUÁ, SP. Docent Discunt, v. 1, n. 2, p. 108-117, 24 fev. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.19141/docentdiscunt.v1.n2.p108-117Links ]

SILVA, Eliane Alves; SILVA, Marcelo Martins. OBrasilfrenteà pandemia de Covid-19: da bio à necropolítica. Confluências, v. 22 n. 2, p. 362-383, 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/confluencias/article/download/43040/25359/149476Links ]

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - PPGEd-So - Programa de Pós-Graduação em Educação/UFSCar/Campus Sorocaba. Relatório de pesquisa: Condições e dinâmica cotidiana e educativa na RMS (Região Metropolitana de Sorocaba/SP) durante o afastamento social provocado pelo coronavírus. Sorocaba, maio de 2020. Disponível em: https://www.ppged.ufscar.br/pt-br/arquivos-1/relatorio-de-pesquisa-educacao-e-coronavirus-na-reg-de-sorocaba-ufscar-26-05-2020pdf.pdf. [ Links ]

UNIÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO (UNDIME). Pesquisa revela que 96% das redes municipais de educação estão realizando atividades não presenciais com os alunos durante a pandemia. 2020. Disponível em: https://undime.org.br/noticia/10-09-2020-09-48-pesquisa- revela-que-96-das-redes-municipais-de-educacao-estao-realizando-atividades-nao- presenciais-com-os-alunos-durantea-pandemia. [ Links ]

UNESCO. COVID-19: impact on Education. Disponível em: https://en.unesco.org/covid19/educationresponse. Acesso em: 20 jul. 2021. [ Links ]

UNICEF. Covid-19: Mais de 95% das crianças estão fora da escola na América Latina e no Caribe. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/covid-19-mais-de-95-por-cento-das-criancas-fora-daescola-na- america-latina-e-caribe [ Links ]

WILLIAMSON, Ben; EYNON, Rebecca.; POTTER, John. Pandemic politics, pedagogies and practices: digital technologies and distance education during the coronavirus emergency. Learning, Media and Technology, v. 45, n. 2, p. 107– 114, 2020. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/17439884.2020.1761641Links ]

1 Conceito proposto pelo filósofo camaronês Achille Mbembe sobre políticas governamentais que legitimam o “deixar morrer” de populações, grupos e/ou classes sociais vulneráveis (MBEMBE, 2016). No caso brasileiro, pode-se destacar a negação inicial da pandemia adotada pela necropolítica do governo Bolsonaro, passando por ações de retaliação aos governos estaduais que promoveram o isolamento social, até o impedimento de aquisição de insumos para o combate à pandemia, como a compra de vacinas, fornecimento de oxigênio aos hospitais, entre outros. Até o momento de escritura deste artigo, o Brasil, estava prestes a ultrapassar a marca trágica de 600 mil vidas perdidas, de acordo com os dados públicos disponíveis.

2 Sobre essa discussão ver o artigo de Christiane Godoi que aborda o grupo de discussão como prática de pesquisa (GODOI, 2015).

3 Não há identificação nominal dos participantes por motivos éticos, mas também, por opção teórico- metodológica, considerando que a Roda de Conversa com Diretores Escolares foi proposta tendo como princípio que “o espaço do educador democrático, que aprende a falar escutando, é cortado pelo silêncio de quem, falando, cala para escutar o outro a quem, silencioso, e não silenciado, fala” (FREIRE, 2002, p. 132).

4 Estudo realizado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), realizou entrevistas telefônicas com 3.678 gestores de escolas públicas (municipais, estaduais e federais) e particulares = 2.009 escolas de áreas urbanas e 1.669 de áreas rurais. https://cetic.br/pt/pesquisa/ educacao/indicadores/ Acesso em 19/08/2021.

Recebido: 25 de Outubro de 2021; Aceito: 11 de Novembro de 2021

Angela Maria Martins Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação Profissional Formação de Gestores da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID); Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. E-mail: ange. martins@uol.com.br ; amartins@fcc.org.br

Cristiane Machado Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Docente no Departamento de Políticas, Administração e Sistemas Educacionais - DEPASE - na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail: crimacha@unicamp.br

Eric Passone Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós- Graduação Profissional Formação de Gestores da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Pós-doutorando no Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância – LEPSI IP/FE – do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP. E-mail: eric.passone@unicid.edu.br

Creative Commons License  This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution Non-Commercial License, which permits unrestricted non-commercial use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.