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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versión impresa ISSN 1678-166Xversión On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.38 no.1 Goiânia  2022  Epub 27-Mar-2022

https://doi.org/10.21573/vol38n002022.117220 

ARTIGOS

Gerencialismo e performatividade: influências na prática da gestão educacional

Management and performativity: influences on the practice of educational management

Gerencialismo e performatividad: influencias en la práctica de la gestión educativa

HAROLDO ANDRIGUETTO JUNIOR1 
http://orcid.org/0000-0002-3698-000X

MARIA LOURDES GISI2 
http://orcid.org/0000-0002-0474-474X

1Escola O Pequeno Polegar São José dos Pinhais, PR, Brasil

2Pontifícia Universidade Católica do Paraná Programa de Pós-Graduação em Educação. Curitiba, PR, Brasil


Resumo

O artigo analisa a influência da lógica performativa e gerencialista nas práticas de gestão de escolas de educação básica de Curitiba (PR). Utiliza-se a abordagem qualitativa a partir de relatos de gestores educacionais, submetidos à técnica de análise de conteúdo. Com base nos estudos de Pierre Bourdieu e Stephan Ball, os dados revelaram que há forte influência do gerencialismo e performatividade nas instituições educacionais. Argumenta-se que tais teorias, de princípios mais racionalizantes, são insuficientes quando transpostas para as escolas, instituições estas complexas por excelência.

Palavras-Chave: gestão educacional; gerencialismo; performatividade

Abstract

The article analyzes the influence of performative and managerial logic in the management practices of basic education schools in Curitiba (PR). A qualitative approach is used based on reports from educational managers, submitted to the content analysis technique. Based on studies by Pierre Bourdieu and Stephan Ball, the data revealed a strong influence of managerialism and performativity in educational institutions. It is argued that such theories, with more rationalizing principles, are insufficient when transposed to schools, which are complex institutions par excellence.

Key words: educational management; managerialism; performativity

Resumen

El artículo analiza la influencia de la lógica performativa y gerencial en prácticas gerenciales de escuelas de educación básica en Curitiba (PR). Se utiliza el enfoque cualitativo basado en informes de los responsables educativos, sometidos a técnica de análisis de contenido. Basados en estudios de Pierre Bourdieu y Stephan Ball, los datos revelaron fuerte influencia del gerencialismo y performatividad en instituciones educativas. Se argumenta que tales teorías, con principios más racionalizadores, resultan insuficientes cuando se trasladan a las escuelas, instituciones complejas por excelencia.

Palabras-clave: gestión educativa; gerencialismo; performatividad

INTRODUÇÃO

No final da década de 1980, houve um período, iniciado nos Estados Unidos da América e na maioria dos países da Europa, no qual ficou evidente a adoção de novos modelos de gestão baseados no gerencialismo, com lógica predominantemente performativa (PAULA, 2005). No Brasil, essa reforma se deu por volta de 1990 com um Plano Diretor que previa a reorganização de estruturas administrativas, incluindo a profissionalização de servidores públicos, com foco na racionalização e na produtividade. Esses imperativos afetavam toda a sociedade, inclusive as escolas, que eram pressionadas mediante discurso de profunda racionalização do trabalho e uma lógica de administração empresarial.

Importante destacar que a administração das instituições educacionais apresentava bases empresariais desde 1980 (MAIA, 2008). A ausência de referencial ou teoria própria de administração educacional permitia que escolas públicas e privadas utilizassem modelos desenvolvidos no âmbito de empresas privadas, apropriando-se de conceitos técnicos, racionais e meritocráticos, portanto, mais gerencialistas e performativos, geralmente adaptados de indústrias e idealizados para sistemas mecanizados e seriados.

A herança desse período rendeu às organizações educacionais uma gestão mais burocrática e racional, um pouco diferente de sua natureza complexa, ambígua e social (BALDRIDGE, 1983; MEYER JR., 2005). No entanto, esse fato — o das organizações educacionais serem tratadas como organizações burocráticas — tem levado escolas, mediante uso excessivo da burocracia, a cometerem equívocos em sua gestão (LIMA, 2011). O excesso de burocracia, também conhecido como buropatologia (CAIDEN, 1994), tem se manifestado na supervalorização de elementos como rigidez e autoridade, fatores que, entre outros, contrariam a natureza complexa de seus objetivos e a missão educacional (LIMA, 2011).

Por isso, o objetivo deste artigo é analisar, a partir de referenciais sobre gerencialismo e performatividade, como se manifesta no espaço social (BOURDIEU, 1983) a influência da lógica performativa e gerencialista nas práticas de gestão de oito escolas de Educação Básica de Curitiba (PR), sendo duas privadas, três confessionais sem fins lucrativos e três públicas. Trata-se de um trabalho de abordagem qualitativa, natureza exploratória e descritiva, que se baseou no relato em profundidade de seus gestores (um de cada escola) a partir de entrevistas semiestruturadas, realizadas em 2019, que foram submetidas à técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011).

Para Ball (2012), as instituições educacionais estão sendo vítimas da cultura da performatividade enraizada em discursos de políticas educacionais. Nesse caso, as performances dos indivíduos ou organizações têm servido como medidas de produtividade e pura demonstração de qualidade (BALL, 2012, p. 37) ou validação de padrões de excelência.

Esse excesso tanto de gerencialismo quanto de performatividade no campo educacional, segundo Ball (2005), tem culminado na visão de que a aprendizagem é vista como resultado, e não como processo; e os professores atuam, então, como técnicos pedagógicos, sendo o objetivo do ensino melhorar o desempenho dos alunos nas avaliações externas, já que, cada vez mais, competição, classificação e desempenho das escolas são incentivados por meio dessas gestões. Em níveis maiores, segundo Ball (2005), não apenas os valores e a ética têm sido modificados, mas também a cultura está sendo substituída por competição, desempenho e resultado, afetando consideravelmente as práticas de gestão dos sistemas públicos e privados, com ou sem fins lucrativos.

O GERENCIALISMO NA EDUCAÇÃO

Até o final dos anos 1970, o Brasil seguia princípios desenvolvimentistas, focados na ideia da força do Estado e na produção interna com a diminuição das importações. Contudo, em meados dos anos 1980, um conjunto de fatores conjunturais desequilibrou o país, como enorme déficit fiscal, incapacidade de cumprir tarefas e funções demandadas interna e externamente, crise do Estado de bem-estar social e consequente perda de legitimidade diante da sua população, deixando o cenário ainda mais crítico e à mercê de transformações estruturais e restrições impostas pelo ambiente internacional cada vez mais globalizado (BRESSER-PEREIRA, 2004).

Ball (2005) destaca que o gerencialismo tem sido o “mecanismo central da reforma política e da reengenharia cultural do setor público nos países do Norte nos últimos 20 anos” (BALL, 2005, p. 544). Para o autor, o gerencialismo atua como fonte propulsora das principais mudanças do aparelho público, remodelando as relações de poder e afetando como e onde são feitas as opções de políticas sociais. Mesmo o gerencialismo tendo como base histórica o contexto americano, com a economia globalizada, o Brasil foi influenciado por valores e princípios de cunho gerencialista pós-fordistas de reestruturação produtiva (PAULA, 2005). Sendo assim, o gerencialismo passou influenciar e a representar as necessidades de empresas e governos, transcendendo, portanto, as matrizes histórico-culturais locais e alcançando todos os segmentos, inclusive o educacional. No Brasil, no início dos anos 1980, à medida que o subcampo da administração educacional evoluía, cresciam as críticas sobre os modelos até então aplicados de administração geral às escolas (ROSAR, 1999). Essa questão foi denominada por Souza (2007) como período crítico para o pensamento da administração educacional no Brasil.

Nessa fase, segundo Souza (2007), os autores Arroyo (1979), Félix (1984) e Paro (1988) já contemporizavam com ideias semelhantes, ao criticarem, por exemplo, a reforma da administração educacional e inserirem no campo as primeiras lutas simbólicas (BOURDIEU, 1983). Esses estudiosos concordavam que as produções existentes sobre esse tema no país apresentavam perfil teórico ou análise da produção teórica. Igualmente, discordavam da administração científica como contribuição para a manutenção das condições econômicas, sociais e políticas da sociedade, bem como avaliavam os quesitos da reforma educacional como de essência tecnocrática, em especial, quanto aos dirigentes escolares, reconhecidos por esses autores como gerentes em uma empresa produtiva, fortemente correlacionados à produtividade nessas organizações.

Mesmo assim, o gerencialismo foi sendo implementado nas escolas. Resistindo às críticas, fazia parte de um pacote de medidas que caracterizava a reforma da educação no Brasil, justificada por um movimento internacional de mudanças que desse sustentação para o país suportar uma nova ordem econômica mundial, agora globalizada (KRAWCZYK, 2000). Essa nova ordem apresentava lemas centrais sob a ótica de empreendedorismo e valores vitorianos (PAULA, 2005, p. 38), como esforço, trabalho duro, motivação, ambição, criatividade, inovação, excelência, independência, flexibilidade e responsabilidade pessoal.

Foi nesse período, especificamente em 1995, que a Administração Pública Gerencial ou a Nova Administração Pública emergiu como potencial modelo para gerenciar o Estado brasileiro. O ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, nessa época, manifestou interesse por experiências gerencialistas realizadas em outros países, especialmente as do Reino Unido, visando adaptá-las ao contexto nacional (BRESSER-PEREIRA, 1998).

Para Bresser-Pereira (1998), a reforma e a divisão das atividades reorganizariam o aparelho do Estado e fortaleceriam seu núcleo estratégico, transformando cultura burocrática em cultura gerencial. A reforma apontava, assim, para a função de administradores públicos, que colocariam em prática ideias e modelos de gestão importados do setor privado, como programas de qualidade e reengenharia organizacional. Para alcançar os objetivos, o novo modelo de gestão deveria enfatizar a profissionalização e o uso de práticas de gestão do setor privado, em seus três níveis: federal, estadual e municipal.

O gerencialismo definiu-se, portanto, como “a inserção, no setor público, de uma nova forma de poder, um instrumento para criar uma cultura empresarial competitiva, uma força de transformação” (BALL, 2005, p. 544-545). O autor foi categórico ao afirmar que o gerencialismo teve o importante papel de “destruir os sistemas éticos-profissionais que prevaleciam nas escolas, substituindo por sistemas empresariais competitivos” (BALL, 2005, p. 544).

Nesse caso, o trabalho dos gerentes, segundo Ball (2005), seria o de incutir uma cultura na qual os trabalhadores fossem responsáveis pelo bem-estar da organização. Ou seja, as práticas gerencialistas, como avaliações, pagamentos por meritocracia, publicações de resultados e indicadores, tornariam público o desempenho de cada colaborador da organização. O local de trabalho seria reencantado e a “performatividade incutida na alma do trabalhador” (BALL, 2005, p. 545). Na prática, segundo Ball (2005), o gerencialismo incluía novas subjetividades e organização de funcionamento à escola. Tal formato passaria a contemplar a gestão de recursos humanos, das aprendizagens da escola, de análises apuradas de custo- benefício e de metas de produtividade.

Importante citar que o gerencialismo na educação vem sendo cada vez mais aprofundado, através de estudos avançados sobre a natureza das organizações educacionais e sua gestão. Pesquisas nas áreas de sociologia, antropologia e ciências políticas têm buscado melhor compreender o funcionamento das instituições educacionais. Novas abordagens e estudos aprofundados, como os de Weick (1976), Baldridge (1983) e Meyer Jr. (2005), desvelam uma complexidade anormal da gestão educacional e uma forte relação com o ambiente, minimizando forças racionais e instrumentais na gestão (CLEGG; HARDY, 2006).

Para os autores Baldridge (1983) e Mintzberg (1994), as escolas têm demonstrado imensa emergência de ações, heterogeneidade profissional, ambiguidade estratégica e sensibilidade ao ambiente externo. Essas características demandam novas e modernas técnicas de gestão com a finalidade de permitir que essas organizações interajam e sobrevivam em um ambiente altamente dinâmico, revendo a forma como gerenciam agentes e resultados em aprendizagem, bem como manifestam sua relevância social.

Em Mintzberg (1989), percebe-se que tanto a obsessão pela eficiência quanto a gestão têm privilegiado dados tangíveis e mensuráveis, conduzindo ao perigo do excesso de gerencialismo. Etzioni (1972), muito antes de Mintzberg, já advertia que os aspectos mais substantivos de uma escola são aqueles de maior dificuldade em mensuração, o que implica avanço de pesquisa nessa direção.

DO GERENCIALISMO À PERFORMATIVIDADE

A performatividade na educação é fruto não apenas da demanda histórica, como também do pensamento gerencialista dominante que tomou conta da educação brasileira na década de 1990 com a reforma do aparelho estatal (BRESSER- PEREIRA, 2004), o qual consistiu na transposição de métricas, indicadores, avaliações, exames e lógica de gerenciamento da educação. Reconfigurou-se, por um lado, o papel do Estado e, por outro, a própria noção de educação pública, ao difundir uma ideia de qualidade que supõe diferenciações no interior dos sistemas públicos de ensino, promovendo desigualdades como condição de produção de qualidade (SOUZA, 2009).

Por performatividade, Ball (2005, p. 452) definiu como “uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação que emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e mudança”. Segundo esse autor, são como se as performances — de sujeitos individuais ou organizações — fossem, como medidas de produtividade ou resultados, verdadeiras formas de apresentação da qualidade para fins de promoção ou inspeção.

No segmento educacional, o processo de universalização do acesso ao Ensino Fundamental também impulsionou uma gestão mais performática, levando as redes escolares, sobretudo as públicas, a (re)pensarem formas de organização e distribuição de recursos (espaciais, financeiros e humanos), pois precisariam absorver (preocupação quantitativa) uma nova demanda de alunos para educação formal. Esse contexto, segundo Esquinsani (2010) direcionou a maior parte das escolas a mudar o foco de sua operação diária, trabalhando no limite de sua capacidade e buscando a otimização dos recursos. Os gestores tiveram que atender a uma demanda crescente por vagas, distribuídas, muitas vezes, em dois ou até mesmo em três turnos regulares de trabalho, seguindo princípios de racionalização financeira e de um aproveitamento total das estruturas físicas das escolas.

Sob esse fato, repousa a crítica de Esquinsani (2010) quando afirma que, na segunda metade do século XX, ocorreu na educação nacional o início de uma contradição que atingiu diretamente os sistemas de ensino: a ampliação do número de vagas — luta histórica compromissada com o acesso de todos à escola básica — que, infelizmente, não significou necessariamente a garantia de qualidade na educação de todos, sendo de essência quantitativa.

A autora revelou que não bastava colocar todos na escola, o que em tese revelaria uma possível eficácia do sistema, mas sim evidenciar formas qualitativas de administrar a expansão da escolarização (ESQUINSANI, 2010). Nesse sentido, segundo a autora, as avaliações em larga escala, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Prova Brasil, Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), tiveram destaque de protagonistas, pois cumpriam a função de demonstrar quantitativamente os indicadores da educação nacional, trazendo a interpretação dos mesmos para o debate da sociedade, porém sem a devida análise nem o cotejamento de diferentes níveis de conhecimento, conforme sugere a autora, como etapas indispensáveis para análises mais profundas.

A gestão performática limita-se em se fixar somente em números. Dessa forma, para evitar que o setor educacional fique à mercê de avaliações em larga escala e índices performativos, com indicadores predominantemente quantitativos, as avaliações devem, para além da coleta de informação e análise de resultados, identificar não só o que o aluno sabe, mas compreender por que não sabe (SOUSA; FERREIRA, 2019).

Ball (2005) defende que a performatividade é consequência de uma reforma educacional global e de uma possível inclinação natural da prática moderna, focada na eficiência e no desempenho, exteriorizando o conhecimento e o transformando em mercadoria. Para esse autor, a performatividade tem sido uma tecnologia moral presente na reforma neoliberal da educação, com função gerencial, tanto ao nível das instituições (nas práticas, na economia e no governo) como das subjetividades dos sujeitos, buscando torná-los mais eficientes a partir da reorientação e mensuração de suas atividades pedagógicas e acadêmicas (BALL, 2014).

O objetivo maior com a performatividade e a administração gerencial foi o de vencer a ineficiência e a crise de governabilidade enfrentadas pelo país, alterando de cultura burocrática para cultura gerencial (PAULA, 2005). Por isso, o início foi marcado pelo foco em eficiência, supervisão, técnica e racionalidades financeira e administrativa. Dessa forma, aos poucos, a performatividade e o gerencialismo no campo educacional mostravam-se como a solução para equacionar riqueza, eficiência e verdade (LYOTARD, 1984).

Passou-se, então, à concepção de escola predominantemente vista como organização, deixando de lado seu papel institucional e focando apenas na dimensão racional (LIMA, 2011) gerida mediante planejamento estratégico, como lógica previsível, metas e objetivos claros, desempenhos mensuráveis e resultados lineares na direção da estratégia determinada pelo Estado ou pela alta administração. Essa se tornou a concepção de escola, bem como do aporte principal para as bases gerencialistas e performáticas de gestão.

INFLUÊNCIA DO GERENCIALISMO E DA PERFORMATIVIDADE NAS PRÁTICAS DE GESTÃO EDUCACIONAL

Vale constatar a presença do gerencialismo e da performatividade na prática diária da gestão educacional. Mediante relatos dos gestores educacionais entrevistados, independentemente da natureza da escola, observou-se um nítido desejo da gestão em aprimorar o desempenho de sua instituição, o que demandava a real tarefa de melhor gerenciá-la e acompanhar seus resultados.

Como destacado na base teórica, historicamente o campo da gestão empresarial vem sendo responsável por emanar fortes influências de modelos de gestão e técnicas ao campo educacional, ainda carente de teoria própria de gestão. Percebeu-se essa influência nos relatos de gestores como uma exterioridade depositada nas pessoas sob forma de disposições duráveis ou habitus (CATANI et al., 2017). Essas marcas os guiaram na maneira de pensar, sentir e agir conforme premissas determinadas no campo social, nas quais todos os agentes foram indiretamente envolvidos e responsabilizados, não apenas para modernizar, organizar, e melhorar a performance, mas também para gerir processos, conflitos, pessoas, recursos e resultados.

A fim de sinalizar esse ponto, notou-se sutilmente uma agenda performativa diferenciada para cada natureza de organização educacional. Na escola pública, por exemplo, o desempenho foi muito influenciado pela gestão e transparência de recursos financeiros; pelo envolvimento e relação com a comunidade local; pelo resultado das avaliações em larga escala; pela gestão de benefícios, como alimentos e merenda escolar; pela relação com órgãos colegiados públicos; e pelo relacionamento político de dirigentes com a equipe. Nesse sentido, percebeu-se a força da gestão democrática como princípio que rege o ensino público e coíbe indicações políticas, favorecendo a inserção de profissionais focados em gestão e melhoria da qualidade do ensino.

No caso das organizações privadas, com e sem fins lucrativos, a agenda performativa e gerencial esteve mais ligada à fidelização ou manutenção dos alunos na escola, à clara prestação de contas sobre os serviços contratados, à qualidade do ensino, à organização das atividades extras ofertadas e dos benefícios entregues, bem como à percepção das famílias sobre o impacto positivo dessa educação e de seus diferenciais qualitativos, além do desempenho em resultados em exames nacionais de avaliação. O nível de responsabilização dos agentes pareceu maior, e a pressão pela entrega de resultados ficou mais visível, por meio de maior quantidade de avaliações diagnósticas, mecanismos de controle, supervisão do ensino e possibilidade de substituição dos agentes envolvidos com a prática, em casos de a avaliação de desempenho estar aquém do esperado.

Os dados demonstraram que, conforme explicam Drabach e Souza (2014), os discursos utilizados pelos gestores foram importados de uma lógica empresarial, com base no uso frequente de termos, por exemplo, orientação por resultados e controle, bem como mediante a prática de supervisão técnica, o uso de hierarquia direta e a responsabilização dos agentes, com performance de todos os envolvidos.

Para os gestores pesquisados, o ato de gerir ou liderar uma escola tem colocado diante de cada um demandas que exigem gerenciamento e performatividade. No dia a dia, os maiores desafios têm sido a formação de equipes, o engajamento de pessoas com a missão e o propósito da escola, a remuneração estratégica, as tecnologias para ensinar e aprender, os novos tipos de constituição de famílias, as características das famílias, a violência, a sexualidade, o gênero, entre outros, com pautas bem diversas.

As entrevistas deixaram claras a presença e a influência do gerencialismo e da performatividade na gestão. Avaliações de equipes, preocupações com retenções de talentos, competição por habilidades e competências invocadas pela meritocracia, bem como protocolos de atendimento, organização hierárquica, pesquisa e formação continuada, uniformização da informação e fluxos de trabalho, foram pautas para possíveis soluções importadas da realidade empresarial e implantadas por gestores educacionais.

Em alguns casos, contudo, observou-se que o formato adotado de gerencialismo acabou por minar a qualidade educacional da escola. Em geral, isso ocorreu quando se tratou do excesso de burocracia, especificamente suas disfunções1, que ocupam os gestores educacionais e atrapalham o processo pedagógico e gerencial. Os gestores atrelaram tamanha burocracia às demandas perante órgãos fiscalizadores municipais, estaduais e federais, relacionadas à administração de uma empresa (pública ou privada), com suas representações jurídicas e respectivas obrigações. Inevitavelmente, isso imprimiu por si só uma lógica empresarial de processos e organização, representando a dimensão racional da gestão à qual as disfunções da burocracia são inerentes.

Em contraponto, os dados revelaram um outro universo que compete à gestão, muito menos racional e formal, que envolve a formação humana, de gestão mais complexa, intangível e despadronizada. Tratou-se da gestão das aprendizagens e da essência da escola de educação básica, por meio de novos estudos voltados aos movimentos sociais, tendências em formação humana, neurociência, diferentes campos profissionais, outras habilidades e até novas demandas que surgem no percurso da gestão educacional.

Os dados também confirmaram a presença na gestão de ambas as dimensões: gerencial e acadêmico-pedagógica. Revelaram a contínua necessidade de o gestor educacional apropriar-se de capital específico voltado a resultados, métricas, desempenhos e liderança, além de teorias de gestão de pessoas e demais questões administrativas. Aos poucos, esse capital específico foi incorporado pelos gestores que, vagarosamente, sofriam uma espécie de violência simbólica, nos termos de Bourdieu (1983), já que, em determinados momentos, gestão e educação tornaram- se uma prática só. As lógicas acadêmicas e mercadológicas e as dimensões gerenciais e acadêmico-pedagógicas encontraram-se juntas na prática do gestor educacional, disputando por espaços e prioridades na agenda.

Concluiu-se que a influência do gerencialismo e da performatividade no campo educacional recaiu diretamente na gestão educacional. Na pauta dos gestores, estavam as lógicas mercadológicas e acadêmicas disputando por capitais linguísticos e culturais. Nas instituições educacionais, os gestores, independentemente de sua natureza, viram-se imersos em um campo diverso altamente profissionalizado e exigente, repleto de capitais acadêmicos e mercadológicos, avaliações, métricas gerenciais e performativas, tentando equilibrar não apenas recursos internos com demandas externas, mas também mercado com academia.

Gerencialismo e performatividade, ao serem transpostos para a realidade educacional, sofreram limitações diante da complexidade das escolas, em especial quanto à sobreposição de ações emergentes sobre as planejadas (MEYER JR., 2005). Esses fatores colocaram em xeque mensurabilidade, previsibilidade, planejamento, controle e lógica de causa e efeito, questões próprias do sistema racional e da maioria dos modelos gerencialistas e performativos.

Nos relatos da maioria dos gestores, ficou implícito que administrar uma organização educacional significou o tempo todo trabalhar com a emergência de ações de todos os agentes da escola. A escola revelou-se como um sistema social e dinâmico, mais imprevisível que previsível, mais incerto e ambíguo, que racional e planejado.

As seguintes características levantadas por Hoy e Miskel (2015) ficaram evidentes nos relatos: a atividade da gestão não é isolada, mas sim interdependente da ação de professores, famílias e alunos; há uma dose muito forte de subjetividade, tornando a gestão educacional um ato altamente subjetivo nas convicções do líder; o ensino e a aprendizagem são os dois objetivos primordiais; a estrutura é partilhada por competência profissional, altamente normativa e política; a dinâmica própria e sua cultura interna particular fazem com que cada escola possua seu propósito e conceito quanto à sala de aula, à escola e ao sistema escolar, sendo os resultados de difícil mensuração e padronização.

Pelas primeiras evidências demonstradas, a gestão educacional revelou-se como um fenômeno altamente complexo, vivo e dinâmico, caracterizando-se longe de um biologismo, apesar de as características serem comuns aos dois domínios (LIMA, 2011) e serem aplicáveis igualmente às suas dinâmicas.

Na análise dos relatos, percebeu-se sutilmente que os gestores, de fato, estão imersos em um sistema com pouca ou nenhuma previsibilidade, a não ser, evidentemente, a estrutura dos cursos, as matrizes curriculares, os alunos e professores matriculados, bem como a organização do sistema. Contudo as interações e ações desses agentes pareceram ser mais emergentes que planejadas, mais esporádicas que sequenciais.

Com isso, foi possível relacionar a gestão educacional ao modelo de anarquia organizada, no qual as decisões são tomadas com base em uma garbage can (COHEN, MARCH; OLSEN, 1972), situação típica de sistemas frouxamente articulados (WEICK, 1976).

Como anarquia organizada, observou-se uma variedade imensa de prioridades, modelos de ensino, escolas, perfil de educadores, definição de educação, concepção de sala de aula e de aprendizagem e tantas outras áreas que tornam a escola um mundo de diversidades e pluralidades a gerenciar. Na maioria do tempo, os gestores deparam-se com fenômenos emergentes, como improvisos, ideias, insights e manobras políticas que não seguem a lógica formal dos sistemas racionais.

Como garbage can, a escola tem sido resultado de um conjunto de decisões estratégicas baseadas em modelos prontos com soluções importadas da área empresarial para certos problemas, como gestão dos conflitos, qualidade no atendimento, gestão de pessoas, administração financeira, organização de processos, mapeamento da informação, fluxos de trabalho, feedback, entre outros, sem muitos referenciais de eficácia.

Segundo Lima (2011), essas imagens da escola como sistema anárquico visam, sobretudo, ajudar a representar que as decisões da gestão educacional não seguem uma fase racional e ordenada, mas são consequências de vários fluxos relativamente independentes dentro da organização, com relações frouxas ou fracamente acopladas (WEICK, 1976). Ou seja, ambiguidades, conflitos de interesse, imprevisibilidade e dificuldade de mensuração tornam esse sistema frouxo e distante de uma racionalidade previsível ou de um comportamento linear.

Em todos os casos, observou-se que a performatividade também foi percebida como uma tentativa de o gestor racionalizar sua prática e estabelecer um fim com o objetivo de avaliar, medir e, assim, tomar decisões estratégicas para a escola, tentando melhorar resultados.

Os dados ainda permitiram auferir que a performatividade acaba afetando todos os agentes da escola, gerando alto grau de responsabilização, como ressalta Ball (2005). Em nome de uma qualidade que parte dos referenciais estratégicos de organismos internacionais, como Banco Mundial (BM), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aumentam-se as cobranças, os relatórios de níveis de ensino e aprendizagem, as avaliações em larga escala, os monitoramentos sucessivos de indicadores-chave, a busca por eficiência e outros resultados que inevitavelmente acabam colocando os demais agentes da escola como corresponsáveis pelos dados, inserindo, nesse momento, uma lógica performativa.

De antemão, vale a ressalva de que isso não significa pensar que antes o foco educacional não estava sobre a qualidade, mas, mediante os relatos, ultimamente esse tem sido o parâmetro central. A qualidade está relacionada à produtividade, ao rendimento e à performance em educação. A escola performativa, então, parte de uma qualidade em educação que é “numerável, mensurável, auditável” (BELLO; TRAVERSINI, 2009), com “metas claras, compreensíveis, realizáveis, mas desafiadoras, medidas e monitoradas a partir da coleta sistemática de dados e da análise de séries históricas” (JOHANNPETER, 2008, p. 7), sendo clara a relação de que o resultado da escola é a soma das performances de seus agentes e, por lógica, a do sistema é o resultado da soma da qualidade de suas instituições.

Ficaram evidentes os aspectos performativos e gerencialistas atrelados a gestões educacionais pública e privada, com ou sem fins lucrativos. Em todos os entrevistados, observou-se que a maior preocupação dos gestores recai sobre dados numéricos, mensuráveis e ranqueados. Por mais que os entrevistados se abstiveram dessa questão ao serem questionados, a prática confirmou o foco em resultados e performance dos estudantes.

Quando questionados sobre a avaliação em larga escala, os relatos foram delicados, pois apontaram como positiva a avaliação, desde que longe dos ranqueamentos. A posição foi da avaliação pela ótica da melhoria das capacidades e das possibilidades institucionais, mas não da competição entre instituições pelas métricas. Sobre a limitação das avaliações em larga escala, boa parte das justificativas apontadas pelos gestores remeteu aos seguintes fatores: complexidade das escolas, ambiguidade e diversidade de seus objetivos, subjetividade de conceitos, como formação humana e cidadã, questões essas altamente multidimensionais para serem contempladas ou medidas pelas lógicas racional e objetiva da avaliação em larga escala.

Constatou-se que poucas e limitadas foram as contribuições das avaliações de larga escala para as escolas, além da geração de dados estatísticos sobre cada unidade escolar. Segundo os entrevistados, para formar crianças com habilidades globais, são necessárias outras avaliações, além da tradicional prova de conhecimentos em escala nacional, dada a particularidade de cada unidade, comunidade e ensino.

Ao refletir aprofundadamente sobre as informações apresentadas, pode-se auferir que boa parte dessa influência gerencialista e performativa relatada pelos gestores, bem como a tendência para administrar a escola como uma empresa, advém de três fatores previamente identificados nesta pesquisa:

  1. A herança histórica da administração gerencial foi dominante a partir da década de 1990, com a reforma do aparelho do Estado (BRESSER-PEREIRA, 2004). Nesse contexto, o gerencialismo e a performatividade eram as justificativas para vencer a crise de governabilidade, saindo da cultura burocrática para gerencial (PAULA, 2005). Esse fato acabou abrangendo o campo educacional, incutindo nas escolas muito capital econômico (dados, relatórios financeiros, métricas de evasão e situação da educação no país), social, cultural e simbólico (pela influência dos grupos dominantes, de seus valores, concepções e previsões), inserindo nesse campo modelos advindos da realidade gerencial, com métricas e padrões de mensurabilidade, lógica da eficiência e gestão da produção e recursos humanos, associando, desde essa época, o conhecimento à mercadoria, com máximas que se perpetuaram ao longo do tempo, como eficiência, supervisão, técnica e racionalidades financeira e administrativa.

  2. A existência inevitável, especialmente no caso das privadas, com ou sem fins lucrativos, de uma instituição mantenedora, que possui obrigações conjuntas com o Estado relacionadas a pagamentos de impostos, prestações de contas, transparência, relação com colaboradores, estando sujeitas, portanto, a todas as regras de funcionamento e organização das empresas prestadoras de serviço do Brasil e às burocracias relacionadas a cada tipo de organização.

  3. A carência de um corpo teórico consistente sobre administração educacional, que contemple a complexidade das organizações educacionais, conforme vêm sendo levantadas em sua maioria na literatura internacional por autores, como Baldridge (1983), Cohen, March e Olsen (1972) e Weick (1976), possibilitando o trabalho da gestão de maneira contributiva sem prejuízo da missão institucional das escolas e reconhecendo, igualmente, sua limitação em aspectos de mensuração e padronização.

Os relatos acerca do gerencialismo e da performatividade reforçam a posição de Juliatto (2013, p. 10) ao citar que as particularidades da escola a fazem uma organização sui generis, tornando-a claramente diferente das empresas. Contudo, segundo esse autor, isso não significa que a gestão educacional precise abrir mão da “eficácia, da seriedade e do alto desempenho em gestão”, ou seja, são necessárias adaptações para haver equilíbrio entre a lógica gerencial e a acadêmica, ambas necessárias para o sucesso escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As práticas de gestão em escolas públicas e privadas, com e sem fins lucrativos, de fato, são influenciadas pela lógica performativa e gerencialista. Isso tem ocorrido, especialmente desde os anos 1990, quando foi mais acentuada a intervenção de organismos internacionais na gestão das políticas públicas com importantes influências do Banco Mundial, de concepção liberal e mercadológica.

Na verdade, muitos modelos gerenciais vêm sendo transpostos às escolas, como prova da influência do gerencialismo e da performatividade. O problema dessas soluções importadas do meio empresarial é que a maioria delas são herméticas, adaptadas de áreas como física e biologia, com foco excessivo em mensurabilidade e padronização, variáveis incompatíveis com as escolas. Muitas dessas teorias apresentam como base ideologias e suposições limitadas acerca de pessoas e instituições, negando o papel das decisões e intenções humanas. Quando aplicadas ao mundo real, tornam-se profecias autorrealizadoras, abafando boas práticas das escolas, tão importantes nesse meio.

A influência do gerencialismo e da performatividade também pode ser sutilmente percebida, com muita sensibilidade, na vida cotidiana do gestor educacional, como um habitus, uma segunda natureza já incorporada e que tem guiado decisões (BOURDIEU, 1983). Em todos os casos, evidenciou-se, tanto pelo agendamento burocratizado das entrevistas, buscando encontrar espaços na agenda muito concorrida de cada profissional, quanto pelo local da entrevista, que o gestor educacional era um agente com inúmeras ocupações, responsabilidades e poder de decisão. Estava sob constante pressão de tempo e resultados, atendia demandas variadas e, praticamente, em sua totalidade, emergentes, mesmo vivendo imersos em reuniões de planejamento. Sua atuação era predominantemente gerencial e performativa, independentemente de a escola ser pública ou privada, com ou sem fins lucrativos.

Observou-se, também, a influência gerencial e performativa mediante o uso de termos muito comuns da área empresarial, citados nos discursos dos gestores, como resultados, fluxos de trabalho, demanda, atenção aos processos, gestão da agenda educacional, foco na qualidade, no atendimento e na profissionalização do ensino. O engajamento e a corresponsabilização gerenciais e performativos passaram a ser comuns na agenda dos gestores educacionais.

A influência gerencialista e performativa encontraria terreno fértil e produtivo se a escola, de fato, funcionasse como uma empresa menos complexa do que se apresenta. Os dados apontaram alguns fatores que embaraçavam as vistas dos gestores e ficaram sem resposta. Entre eles, principalmente, o fato de o interior das escolas ser altamente profissionalizado e heterogêneo, o que exigia uma cautela especial tanto nas teorias administrativas, com o avanço do gerencialismo e da performatividade, quanto na transposição de qualquer outra prática de gestão empresarial às escolas.

Indicadores de desempenho falhos pela dificuldade de mensuração, ambiguidade da missão, centros de poder diluídos na cúpula e nos profissionais da escola, dificuldades de padronização e controle dos agentes em campo demandavam adaptações aos modelos, à gestão e, consequentemente, às práticas, tornando-a mais acadêmica. Afinal, qual era a eficácia da escola? O quanto era eficiente em seus processos? Qual era a qualidade do ensino? O quanto se aprendia realmente? Qual é o verdadeiro impacto social de cada instituição? Perguntas que, mais ou menos gerencial ou performativa, nenhum gestor conseguiu responder completa ou objetivamente.

Ao mesmo tempo que os gestores tentaram profissionalizar cada vez mais a escola, esbarraram em fatores acadêmicos que precisariam ser considerados, pelo fato de estes fazerem parte da natureza escolar. Pela lente teórica deste artigo, era como se, no mesmo espaço social, estivessem a lógica de mercado e a acadêmica, seus capitais e seus agentes em luta simbólica por domínio.

Boa parte dessa luta simbólica entre esses dois capitais pode ser explicada pela complexidade das organizações educacionais em três princípios. No primeiro, o ensinar propõe-se a uma grande diversidade de conhecimentos e ao atendimento de infinitas expectativas de seus alunos, professores e sociedade. No segundo, esses conhecimentos possuem natureza essencialmente qualitativa e dinâmica, além de muitas deles serem experiências e saberes que dificilmente conseguirão ser medidos, pois envolvem formação humana. E, no terceiro, a natureza dos trabalhos acadêmicos e escolares não comporta uniformidade e padronização de procedimentos, em face das individualidades envolvidas no processo de ensino-aprendizagem e de produção do conhecimento.

Entretanto os relatos demonstraram que muitos gestores de escolas públicas e privadas ainda desconhecem a complexidade das escolas. Frente a frente com a gestão, muitos acabaram adaptando, indiscriminadamente, em suas práticas, lógicas e ferramentas da gestão empresarial, como planejamento estratégico, balanced scorecard, ciclo PDCA de qualidade, empowerment, em formas de ranqueamentos profissionais, planos meritocráticos, gestão da qualidade total, do atendimento, dos resultados, dos colaboradores, da rede de ensino, do conhecimento, entre outras ferramentas. Alguns partiram para a contratação de consultorias empresariais ou contratação de profissionais do mercado empresarial para aplicar soluções típicas desse segmento. Enfim, muitas têm sido as tentativas para controlar ou medir o desempenho das escolas, mas, em sua maioria, desprezando características próprias dessas instituições.

Apesar de saber que uma dose de eficiência é necessária para qualquer organização, a lógica gerencial baseada na eficiência tem sido perigosa por centralizar decisões nos custos e negligenciar, por vezes, a eficácia das escolas. Focar somente em números tem levado a uma série de verdades inquestionáveis que conflitam com resultados subjetivos, intangíveis, de difícil mensuração e padronização das escolas. A eficácia gerencial não pode ser apenas medida, mas sobretudo julgada, pois somente a mensuração não a isenta do julgamento. Isso se aplica às técnicas gerenciais e ao uso excessivo de práticas empresariais nas escolas que, ao inserirem métricas e indicadores para muitas variáveis, acabam abafando ou negligenciando os principais resultados escolares em prol do foco exclusivo de mensuração.

Se não foremtomados os devidoscuidados, gerencialismoe performatividade podem levar à obsessão pela eficiência. Ou seja, uma tendência, de cunho formal racional, de coletar mais informações que as necessárias para as decisões e ações nas organizações, gerando dispersão de foco, inação nas organizações e lentidão. Focar somente naquilo que é mensurável faz do gerencialismo e da performatividade altamente limitados e alimentam uma possível patologia nas organizações educacionais. Ao considerar somente custos ou resultados, o foco na eficiência vem provocando uma certa miopia de gestão. O fato é que as decisões são feitas nem só de custos, nem só de resultados. A missão da escola básica é focada em dimensão intelectual, formação integral, valores, os quais não podem ser medidos de forma rigorosamente quantificável em unidades monetárias ou em taxas de retorno.

De fato, as escolas estão longe das organizações máquinas e dos modelos gerenciais e performativos. Os modelos baseados nessa lógica têm insistido muito pela dominação no campo, mas os maiores resultados têm sido daqueles que privilegiam a gestão do conhecimento, validam as estratégias emergentes de disseminação de boas iniciativas, reconhecem projetos transformadores do ensino e aprendizagem e privilegiam a cooperação, a formação de caráter, a cidadania e as habilidades globais, com impacto e relevância social. Evitar uma generalização de modelos de gestão (DU GAY, 1996) é a única forma de permitir que a escola possa levar a termo seus projetos prioritários e, assim, cumprir plenamente o exercício de sua nobre e relevante missão educacional e social.

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1 Elevado apego às normas; excesso de formalização, rotinas e registros; resistências às mudanças; despersonalização dos relacionamentos (pessoas são números); diminuição da inovação; sinais de autoridade e dificuldades de relacionamentos com o público e categorizações das decisões.

Recebido: 29 de Julho de 2021; Aceito: 29 de Agosto de 2021

Haroldo Andriguetto Junior

Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Diretor da escola O Pequeno Polegar. E-mail: haroldo.andriguetto@hotmail.com.

Maria Lourdes Gisi

Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). E-mail: gisi.marialourdes@gmail.com.

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