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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versión impresa ISSN 1678-166Xversión On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.38 no.1 Goiânia  2022  Epub 02-Oct-2023

https://doi.org/10.21573/vol38n002022.122805 

Seção temática: Políticas, gestão e direito à educação superior: novos modos de regulação e tendências em construção

As interfaces da relação público-privada na Formação de Professores/as: A BNCC e o lugar das universidades na Região Norte do Brasil1

The interfaces of the public-private relation in the Teachers Formation: BNCC and the role of the universities in the North Area of Brazil

Las interfaces de la relación público-privada en la formación de profesores y profesoras: la BNCC y el papel de las universidades en la región norte de Brasil

ANTONIA COSTA ANDRADE1 
http://orcid.org/0000-0002-4527-8562

MARIA DA CONCEIÇÃO DOS SANTOS COSTA2 
http://orcid.org/0000-0002-8256-068X

ARTHANE MENEZES FIGUEIRÊDO3 
http://orcid.org/0000-0001-9124-5086

MARIA DA CONCEIÇÃO ROSA CABRAL4 

1UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ Departamento de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Macapá, AP, Brasil

2Universidade Federal do Pará Instituto de Ciências da Educação Faculdade de Educação Física Belém, PA, Brasil

3UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ Departamento de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Macapá, AP, Brasil

4UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Instituto de Ciências da Educação Grupo de Estudo e Pesquisa de Política Educacional, Formação e Trabalho Docente Belém, PA, Brasil


Resumo

Esta pesquisa objetivou analisar as interfaces da relação público-privado com a execução de políticas de formação docente, em particular na implementação da BNCC na Região Norte do Brasil. Trata-se de um estudo documental com base em Fairclough (2010), pautado no Materialismo Histórico e Dialético. Os resultados apontam o aparelhamento e influências das instituições privadas, fortalecendo a mercantilização da formação docente, com reduzida presença das universidades.

Palavras-Chave: Políticas de Formação de professores; Público-privado; Educação Superior; BNCC; Região Norte

Abstract

This research aimed to analyze the interfaces of the public-private relation with the execution of policies of teachers´ formation, especially in the implementation of BNCC in the North Area of Brazil. It is documentary research based on Fairclough (2010), according to Dialectical-historical materialism. The results showed the power and influence of the private institutions, strengthening the market of the educational formation, with reduced presence of the public universities.

Key words: Policies of Teachers´ Formation; Public-private; Higher education; BNCC; North area

Resumen

Esta investigación buscó analizar las interfaces de la relación público-privada con la ejecución de políticas de formación docente, en particular en la implementación de la BNCC en la región norte de Brasil. Corresponde a un estudio documental con base en Fairclough (2010), fundamentado en el materialismo histórico-dialéctico. Los resultados indican la vinculación e influencias de las instituciones privadas, contribuyendo a la mercantilización de la formación docente, con reducida presencia de las universidades.

Palabras-clave: Políticas de formación de profesores; Público-privado; Educación superior; BNCC; Región norte

INTRODUÇÃO

As crises cíclicas históricas do capital, próprias do modo de produção capitalista, geram determinações em âmbito global, reconfigurando a vida em sociedade e no mundo do trabalho como forma de garantir a manutenção das relações sociais de produção advindas da exploração da força de trabalho de mulheres e homens. Para o capitalista, a aplicação mais útil do capital está naquilo que lhe gera mais lucro, e isso nem sempre é mais útil para a sociedade, cuja melhor aplicação está em usufruir dos benefícios extraídos das forças produtivas da natureza (MARX, 2004). No pensamento marxiano, o capitalismo se estabelece pela exploração da força de trabalho para garantir a autovalorização do capital mediante processo de servidão do ser humano que trabalha (MARX, 2013).

A crise do capital desencadeada nos anos de 1970 provocou a atual reestruturação dos processos produtivos sob a lógica econômica do toyotismo, que tem como princípio basilar o aumento da produtividade de um maior número de diferentes produtos em pouco espaço de tempo, com finalidade de atender às demandas do mercado oscilante (ANTUNES; PINTO, 2017). Para Dal Rosso (2008), esse sistema se caracteriza pela substituição do perfil de trabalhador especializado por um perfil polivalente, que, nas palavras de Antunes e Pinto (2017), a polivalência de mulheres e homens que trabalham se traduz em expropriação do intelecto do trabalho.

Consequentemente, a refuncionalização do Estado aproxima-o do capital financeiro internacional (MINTO, 2006), o que Mészáros (2015) afirma ser o Estado capitalista um defensor do capital, e, nesse sentido, exerce um papel decisório global para os interesses mercantis. Por conseguinte, os desdobramentos decorrentes dessas reconfigurações impactaram de forma destrutiva nas universidades, que passaram a adotar o modelo gerencial na formação de profissionais para atender às demandas do mercado. Desse modo, a condução estatal na área educacional segue na direção de criação de mecanismos legais na garantia da livre atuação do setor privado, bem como na condução de instituições públicas por meio de parcerias público-privadas (LEHER, 2003).

No tocante à formação de professores, a compreensão desse campo de estudo se apresenta na perspectiva para além da formação inicial e continuada, e deve ser concebida como um processo que ocorre ao longo da vida, o que indica evolução e profissionalização, conceitos esses que se relacionam com a qualidade da educação, além de se considerar, nessa concepção de formação, o trabalho docente e a formação humana (ANDRÉ, 2010). Assim, o atual cenário de subordinação do trabalho docente ao capital ocorre a partir do aprofundamento da divisão do trabalho escolar que expropria o saber pedagógico e se configura em trabalho parcelado (SILVA, 2011).

Pereira e Evangelista (2019) apontam que as políticas de formação de professores, neste século XXI, têm como centralidade a lógica empresarial na esfera pública, materializada com uma face cruel da docência, que se utiliza de estratégia política de duplo sentido, seja na forma de obstruir o acesso da classe trabalhadora ao saber científico, seja para impedir o movimento orgânico da categoria docente no intuito de inviabilizar a formação de consciência de classe. Notadamente, são políticas que seguem na direção de responder às demandas do capital com fomento à formação docente gerencial, visando a enfraquecer o potencial político de resistência da categoria à ordem vigente (PEREIRA; EVANGELISTA, 2019).

No contexto de formação para um mercado competitivo reconfigurado pela crise do capital, o estado neoliberal impõe contrarreformas educacionais pragmáticas e reducionistas. Como exemplo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Base Nacional Curricular da formação de professores (BNC-Formação), que resultam de uma concepção mercantilista da educação com a retomada da noção pragmática de educação por competências e do trabalho docente fragmentado, além do fortalecimento da política de elaboração de material didático e de capacitação na BNCC, o que promove a ampliação do mercado educacional na educação pública.

A BNCC foi instituída por meio da Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017, e a BNC-Formação foi homologada por meio da Resolução CP nº 02/2019, datada de 20 de dezembro de 20192, ambas normativas legais para a educação básica e formação de professores no país. Trata-se de uma perspectiva formativa que visa a preparar os trabalhadores para atender ao mercado de trabalho de maneira flexível, que possam rapidamente se ajustar às demandas de trabalho que serão ofertadas a ele, e sem efetivas garantias pela sua permanência. Segundo Simão (2016, p. 7), “o trabalhador passa a ser corresponsável por sua qualificação, pois é necessário ser competitivo no mercado que, por sua vez, não garante mais lugar para todos, passando o indivíduo a conviver com altas taxas de desemprego”.

Nessa perspectiva, a BNCC apresenta-se alinhada às estratégias de controle do trabalho docente, referenciando a lógica dicotômica entre trabalho manual e intelectual na educação básica, com grandes influências e interfaces com as orientações dos organismos internacionais, bem como pela adesão de parcerias empresariais e instituições financeiras que atuam no Brasil, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Banco Mundial (BM), Instituto Natura, Itaú (Unibanco), Bradesco, Santander, Fundação Lemann, Fundação Roberto Marinho, Gerdau, Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Todos pela Educação (TPE), entre outros, que desencadeiam no controle do conjunto da classe trabalhadora no mundo do trabalho (ANDRADE; COSTA; CABRAL, 2021; MACEDO, 2014; MAUÉS, 2011; PEREIRA; EVANGELISTA, 2019).

Notadamente, a BNCC incorpora uma concepção de formação humana subalternizada que, segundo Saraiva e Souza (2020), segue um direcionamento dos organismos internacionais formuladores de políticas educacionais na perspectiva de mundialização do capital, a exemplo do Banco Mundial, e, nessa perspectiva, propõem um formato curricular capaz de reforçar as desigualdades sociais dos discentes (ALBINO; SILVA, 2019).

São políticas educacionais em curso que impactam diretamente na autonomia didática-pedagógica dos trabalhadores/as da educação, bem como disputam e dividem a responsabilidade da formação de professores/as com instituições privadas. As ações destacadas fazem parte de um projeto neoliberal e privatista, presente no Brasil, que se manifesta de diversas formas, incluindo a participação e a gestão da educação aos grupos empresariais na definição da agenda pública nacional da educação.

Nessa perspectiva, o objetivo da pesquisa configurou-se em analisar as interfaces da relação público-privada com a execução de políticas de formação docente, em particular na implementação da BNCC na região Norte. No tocante ao problema da pesquisa, questionou-se: na execução de políticas de formação docente, quais interfaces da relação público-privada têm se expressado na implantação da BNCC na região Norte?

O presente artigo foi organizado em cinco seções, incluindo esta seção introdutória na qual, primeiramente, apresentamos uma contextualização sobre a política de formação docente e suas várias configurações que podem ser demonstradas por meio de uma política com viés empresarial, cuja implementação se volta para atingir a finalidade da BNCC nas esferas da educação básica e superior. Na segunda seção, estão organizados os procedimentos teórico-metodológicos que guiaram o mapeamento e sistematização dos trabalhos de acordo com a base teórica indicada. Na terceira seção, apresentamos as interfaces da relação público- privada na execução da política de formação de professores/as: a região Norte, analisando os programas ofertados em forma de editais pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), para educação superior. Na quarta seção, analisamos o cenário da região Norte e a materialização da BNCC, onde apresentamos a atuação entre universidades, secretarias de estado da educação e instituições privadas no processo de formação de professores/as. Por fim, na quinta seção, elaboramos sínteses e efetuamos considerações finais.

ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Este trabalho é fruto de uma pesquisa documental de abordagem qualitativa com aporte teórico-metodológico no Materialismo Histórico Dialético (MHD), que nos permite compreender a dinâmica e as grandes transformações da história e da sociedade humana (GOMIDE; JACOMELI, 2016, p. 67), tendo como referências as categorias de totalidade, mediação e contradição.

O levantamento de dados deu-se nos sítios das secretarias de estado da educação, bem como dos governos dos estados da região Norte (Amapá, Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), utilizando os seguintes descritores: BNCC, currículo, convênio, privado, parceria, formação continuada, programa e projeto, em busca de reportagens e documentos que remetessem aos programas, projetos e ações educativas desenvolvidos no período de 2017 a 2021.

Consideramos as notícias e informações contidas nas páginas como documentos que expressam uma concepção de formação-trabalho, educação e sociedade. De acordo com Evangelista (s/d), tais documentos oriundos do aparelho do Estado, de organizações multilaterais e de agências e intelectuais, entre outros, “expressam não apenas diretrizes para a educação, mas articulam interesses, projetam políticas e produzem intervenções sociais”.

Além desses dados, foi efetuado mapeamento e levantamento dos editais dos Programas que tratam da política de formação inicial e continuada da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no tocante ao PARFOR, PIBID e PRP, bem como de seus resultados dos anos de 2018, 2019 e 2020.

Após organização dos dados, a análise foi cotejada pelo referencial teórico e análise do discurso que, de acordo com Fairclough (2010, p. 242), está voltada “para as mudanças radicais na vida social contemporânea, para os modos pelos quais o discurso está inscrito nelas e para as configurações atuais da relação entre a semiose e os outros elementos sociais nas redes de práticas”.

AS INTERFACES DA RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA NA EXECUÇÃO DA POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES/ AS: A REGIÃO NORTE EM QUESTÃO

As políticas atuais de formação de professores consolidam o fortalecimento das parcerias público-privadas a exemplo do que se materializa pela CAPES nas recomendações emanadas nos documentos oficiais, em especial dos programas de Residência Pedagógica (PRP), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), que ensejam o fomento do modelo de gestão de formação de professores da educação básica caracterizado por editais, que visam a essas parcerias.

A periodicidade no lançamento dos editais dos programas e o incentivo à construção de redes colaborativas e de propostas interdisciplinares permitem que as instituições de educação superior aperfeiçoem o desenho de novas propostas de investigação e de trabalho, gerando uma dinâmica de aprimoramento recíproco e contínuo, com impactos positivos na educação brasileira (CAPES, 2013, p. 16). (grifo nosso).

O Parfor foi instituído pela Portaria MEC n. 09/2009 e insere-se na linha de formação inicial de professores, sob a coordenação da Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB/CAPES), e, conforme consta no Relatório de Gestão do Programa, o seu financiamento no período entre 2009 e 2013 foi mais que R$ 529 milhões (CAPES, 2013).

A análise documental evidencia que a somatória de IES parceiras da CAPES/DEB, de todos os programas de formação inicial e continuada no ano de 2013, totalizou 311 instituições, sendo 102 federais, 41 estaduais, 18 municipais e 150 privadas sem fins lucrativos. A região Norte, pelo relatório de 2013 e resultado do edital 19/2018 da CAPES, não apresentou IES de cunho privado (CAPES, 2013). No entanto, a maior incidência das parcerias privadas expressa-se na região Sudeste, com o quantitativo de 131 instituições, seguida do Sul com 68 e Nordeste com 61 IES. O cenário geral, por esfera administrativa, apresenta-se da seguinte forma, conforme exposto no gráfico 1:

Fonte: Relatório Parfor 2009–2013 (CAPES, 2013).

Gráfico 1 IES parceiras do Parfor segundo a esfera administrativa - 2013 

Evidencia-se o elevado percentual de instituições privadas que ultrapassa o quantitativo de IES estaduais. Isso leva à compreensão da presença expressiva do setor privado, disputando a formação de professores e o financiamento público na política de editais.

O modelo de gestão da DEB/CAPES segue o modelo gerencial de educação que se consolida por meio de editais para a seleção de instituições parceiras e, assim, cumpre com as recomendações emanadas pelo Plano Nacional de Pós-Graduação 2011–2020/CAPES para “ampliação da interlocução com os sistemas estaduais e municipais de ensino, em especial no que se refere às ações do Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica- PARFOR” (CAPES, 2013, p. 17).

No entanto, ressaltamos um aspecto importante no tocante ao maior percentual de matrículas que ocorreu na região Norte, resultante de ter sido a região que mais apresentou demandas para o Parfor (gráfico 3). As assimetrias regionais estão evidentes no que se refere à qualificação de docentes da educação básica, que buscam obter a formação no ensino superior, cuja concentração se encontra de forma exponencial no Norte e Nordeste do Brasil, especialmente, em relação à primeira licenciatura.

Fonte: Relação de municípios e áreas indicados nas propostas apresentadas pelas instituições de ensino superior - editais capes 01/2020 e 02/2020 RP e PIBID.

Gráfico 3 Número de propostas do PIBID por categoria administrativa - 2020 

Fonte: Relatório Parfor 2009–2013 (CAPES, 2013).

Gráfico 2 Distribuição de matrícula Parfor por região brasileira 2009–2013 

Podemos inferir que o Parfor, na região Norte, majoritariamente é desenvolvido pelas IES públicas, segundo o relatório CAPES (2013). O resultado do último edital 19/2018 confirma a continuidade dessa concentração, no desenvolvimento da formação docente, pelas universidades públicas federais e estaduais: do Acre (9 turmas), do Amapá (2 turmas), Amazonas (40 turmas), Pará (29 turmas) e Tocantins (1 turma).

No entanto, quando analisamos as parcerias público-privadas em outros programas, identificamos que essas se concretizam de forma mais incisiva no PIBID e no PRP, que integram a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação do Ministério da Educação, e que, ao longo das últimas décadas, têm se constituído no contexto das políticas educacionais reformistas a exemplo da BNCC e BNC-Formação.

As IES constituem-se em espaços para o desenvolvimento das parcerias no PRP, e, nessa perspectiva, a relação entre teoria e prática aparece como elemento central do programa. Em vista disso, considera-se que teoria e prática são indissociáveis e que não se manifestam somente nos espaços educacionais, mas em todo o exercício que move a ação do sujeito. Contraditoriamente, a concepção da relação entre teoria e prática proposta no PRP caminha no sentido pragmático e imediatista, cuja ênfase está em disciplinas instrumentais (SILVA, 2020).

A política de editais, também, presente no PRP, estabelece critérios para participação dos entes federados e de instituições parceiras que seguem o previsto nos documentos normativos. O quadro a seguir mostra a distribuição de instituições participantes e selecionadas no PRP e o envolvimento de IES de cunho privado por região.

Segundo Andrade, Costa e Cabral (2021), os dados do quadro 1 demonstram a influência de IES privada no gerenciamento da política inicial e continuada de professores/as com expressivo beneficiamento de bolsas, pois os dados:

Quadro 1 Número de propostas de RP, por categoria administrativa, por região brasileira - 2020 

CATEGORIA ADMINISTRATIVA REGIÃO
Norte Centro Oeste Nordeste Sudeste Sul Total
Pública Federal 327 295 855 557 340 2374
Pública Estadual 60 94 500 174 139 967
Privada sem fins lucrativos 8 43 76 212 242 581
Especial (pública não gratuita) 0 0 83 31 0 114
Privada com fins lucrativos 5 4 2 48 24 83
Pública Municipal 3 1   10 11 25
TOTAL 403 437 1516 1032 756 4144

Fonte: ANDRADE; COSTA; CABRAL (2021, p. 11).

Mostram ao menos dois aspectos preocupantes, um deles inusual: a inclusão de IES privadas com e sem fins lucrativos, Especial (pública não gratuita), beneficiando- se de bolsas de um programa do governo federal, com aprovação de um número expressivo de 778 IES, perfazendo quase o dobro de aprovação da Região Norte, que, obtiveram aprovação de suas propostas […] em apenas 403 Instituições. Observa-se que o número expressivo de IES de natureza não gratuita, concentram- se nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste (ANDRADE; COSTA; CABRAL, 2021, p. 11-12).

No tocante ao PIBID, apresenta um crescimento exponencial de oferta de bolsas, inclusive quando comparado ao Parfor e PRP. Na avaliação externa desse programa, por meio da Fundação Carlos Chagas são pontuadas como um processo que apresentou bons resultados à execução dos referidos programas, além de inclusão de propostas de indicadores para o acompanhamento técnico-pedagógico.

Destaque-se que o maior risco ao trabalho da CAPES é a ausência de bons planos de carreira do magistério e as condições de trabalho em muitas escolas da rede pública. De um modo geral, os planos existentes não contemplam adequadamente o reconhecimento da formação docente e não atraem jovens para a carreira do magistério. Os programas fomentados pela CAPES visam modificar as representações sociais a respeito do papel do professor da educação básica. A aproximação e o diálogo da CAPES com o Consed e a Undime e com a Secretaria de Articulação dos Sistemas Educacionais, do MEC, revelam-se estratégicos para apoiar a construção de planos de carreira que valorizem o docente e sua formação (CAPES, 2013, p. 68).

Está presente nesse discurso a categoria trabalho docente, porém com ausência de valorização de seu significado na sua totalidade quando não se cogita o diálogo com organizações sindicais de docentes que acumulam uma trajetória de lutas pela valorização do magistério em âmbito nacional, a exemplo do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), e tampouco as redes de pesquisas educacionais existentes no país, como a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE).

Em relação ao último edital de 2020 do PIBID, o cenário apresenta- se de forma mais expressiva na hegemonia da participação das IES privadas, considerando o número de propostas aprovadas. O número de propostas aprovadas é desenvolvido em 58,97% por IES federais, no entanto 28, 86% são propostas de IES privadas com fins lucrativos e sem fins lucrativos, cujo percentual supera a somatória de propostas de IES estaduais e municipais, o que corresponde a 14,72%, conforme gráfico 3 a seguir:

Verificamos que, estrategicamente, a DEB/CAPES vem desenvolvendo uma política de editais que reflete diretamente nos investimentos e na arquitetura acadêmica no campo da formação de professores/as. Constata-se uma abertura de um modelo de valorização da iniciativa privada crescente, que coloca as universidades públicas, em especial as que integram a região Norte, no tocante ao PIBID e RP, como parceiras de um projeto de formação cujas matérias-primas operam em favor da hegemonia do capital.

O CENÁRIO DA REGIÃO NORTE E A MATERIALIZAÇÃO DA BNCC: A ATUAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADES, SECRETARIAS DE ESTADO DE EDUCAÇÃO E INSTITUIÇÕES PRIVADAS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS

Nesta seção, apresentamos o cenário da região Norte diante da materialização da BNCC, destacando a atuação entre as secretarias de estado de educação e instituições privadas que vêm desenvolvendo um conjunto de iniciativas com o objetivo de efetivar a BNCC nos contextos da cidade e do campo.

O estudo analisou os projetos vigentes na região Norte que tomam por base o alinhamento aos princípios da BNCC, sejam eles originários do MEC ou das próprias secretarias. Para uma melhor organização e socialização dos resultados, apresentamos uma análise dos Programas, Projetos e Ações de Formação Continuada de professores/as existentes nas Secretarias Estaduais de Educação de todos os estados da região Norte e suas vinculações com instituições públicas e privadas na educação básica, que passamos a destacar algumas, por estado, seguido de análises referentes aos achados da pesquisa.

O estado do Acre desenvolve o “Projeto Ensino Médio em Tempo Integral”, em parceria com o Instituto Natura, Instituto Sonho Grande3 e Instituto Corresponsabilidade pela Educação (ICE)4, e tem por objetivo consolidar o ensino médio em tempo integral, já em andamento no Estado do Acre, e buscar aprimoramento ao modelo implantado no estado. O ICE também está presente em outros estados da região Norte, a saber: no Pará e Amapá, com escolas atendidas pelo ICE com os anos iniciais do ensino fundamental; atendendo o Ensino Médio nos estados do Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia e Tocantins5 (ICE, s/d).

Foi identificada entre as ações educativas realizadas ainda no estado do Acre, a “Formação sobre a base curricular do ensino fundamental” e a “I Formação Continuada Geral sobre o Currículo de Referência Único do Fundamental I e II”, ambas em parceria com a Undime, com o objetivo de debater sobre a “unificação do currículo nas redes de ensino”. De acordo com SEE/AC (2019), essa iniciativa retoma a discussão em torno dos princípios gerais propostos pela BNCC, “compreensão dos fundamentos pedagógicos, análise das competências para a educação básica, aplicabilidade das competências socioemocionais e compreensão das metodologias ativas no processo ensino e aprendizagem” (SEE/AC, 2019).

No estado do Amapá, destacamos a realização do “Projeto Produção de Material Didático Regionalizado”, de iniciativa da Secretaria de Estado da Educação do Amapá (SEED/AP), que objetiva a produção de material didático voltado para alunos do 4º e 5º ano do ensino fundamental das escolas públicas amapaenses, cujos conteúdos seriam alinhados à BNCC. Por meio de edital, a SEED/AP, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), faz a seleção de professores do próprio estado para a produção do material, que será distribuído nas escolas (AMAPÁ, 2021).

Ainda no Amapá, foi realizado o “Curso online Material Educacional de Ensino Fundamental alinhado ao currículo: como usá-lo para melhorar a aprendizagem”, voltado à capacitação de educadores de 1º ao 5º sobre o uso do material didático produzido por dezenove educadores amapaenses com base nos princípios pedagógicos da BNCC, atividade coordenada pela Associação Nova Escola em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (AMAPÁ, 2019).

O estado do Amazonas desenvolveu, por intermédio da Secretaria de Educação do Amazonas (SEDUC/AM), o “Programa Educa+Amazonas” com foco na aplicação das novas propostas curriculares para o ensino fundamental e médio, centrado em quatro eixos: qualificação e reconhecimento dos profissionais da Educação; recuperação da aprendizagem dos estudantes; preparação do estudante para o futuro; e meio ambiente e sustentabilidade (AMAZONAS, 2021).

Ainda no estado do Amazonas, identificamos o “Programa de Aceleração do Desenvolvimento da Educação do Amazonas” (PADEAM), desenvolvido pela SEDUC/AM, com parceria do BID, que objetiva a ampliação e melhoria do sistema público de educação do Estado, com recursos a serem aplicados em ações no campo de engenharia e pedagógico, voltado para aceleração das aprendizagens, além da qualificação de profissionais (AMAZONAS, 2021).

Por meio da Secretaria de Estado de Educação e Desporto do estado do Amazonas (SEDUC/AM), foi realizado em 2021, em formato remoto, a “Formação Continuada de Implementação da Reforma do Currículo e do Ensino Médio no Amazonas”, com a parceria do Instituto Iungo e uso de metodologia autoinstrucional, com objetivo de “capacitar os profissionais da rede estadual para o desenvolvimento de práticas que favoreçam as aprendizagens necessárias para o desenvolvimento do currículo, na etapa do Ensino Médio, com o objetivo de tornar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Referencial Curricular Amazonense realidades no estado” (AMAZONAS, 2021).

No estado do Pará, o “Programa de Melhoria da Qualidade e Expansão da Cobertura da Educação Básica” é uma iniciativa do Governo Estadual em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e atua para “melhorar o conjunto de indicadores educacionais do estado, assim como a infraestrutura das escolas sob sua administração” (PARÁ, 2019, s/p). De acordo com a Seduc/PA (PARÁ, 2019), quanto ao financiamento, há uma coparticipação do governo do estado e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com uma injeção de mais US$ 324 milhões, o equivalente a aproximadamente R$ 1,2 bilhão, de acordo com os valores de cotação do dólar registrados pelo Banco Central em outubro de 2018.

O “Projeto Novo Ensino Médio” objetiva implantar o ensino médio alinhado à BNCC e tem como parceiros as seguintes instituições: Instituto Unibanco, Itaú BBA, Oi Futuro, Instituto Natura, Movimento pela Base, Inspirare, Instituto Sonho Grande, Fundação Telefônica e Instituto Reúna. Além dessas instituições, é citada a parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) (PARÁ, 2019).

O “Programa Aprender Valor” visa a implementar nas escolas estaduais e municipais de ensino fundamental, no estado do Pará, a educação financeira como tema transversal à BNCC, de parceria com o Banco Central do Brasil (BACEN), o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF) e SEDUC/PA. Está também presente na maioria dos estados da região Norte (PARÁ, 2019).

O “Projeto Jovem de Futuro”, de parceria com o Instituto Unibanco (IU), é outra iniciativa da SEDUC/PA e tem por objetivo estimular o aprimoramento contínuo da gestão escolar orientada para resultados, implementada em escolas públicas de ensino médio (PARÁ, 2019).

O “Programa de Apoio Socioemocional para os educadores da rede” também tem destaque na página eletrônica da SEDUC/PA. Trata-se de uma plataforma online, 100% gratuita, desenvolvida por professores de diferentes estados do Brasil em um processo de criação colaborativa pilotado pelo Instituto Península. Os cursos são autoinstrucionais e realizados no formato Educação a Distância (EAD) e podem ser realizados por professores de todas as etapas e modalidades de ensino no horário de sua preferência, por meio do Centro de Formação de Profissionais de Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR) (PARÁ, 2019).

O “Projeto Ensino Médio em Tempo Integral” é outra iniciativa da SEDUC/PA, que também integra o “Programa de Melhoria da Qualidade e Expansão da Cobertura da Educação Básica no Estado do Pará”, e tem como parceiro consultor o consórcio entre o Centro de Estudo em Educação, Cultura e Ação Comunitário (CENPEC) e a Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV), visando a implementar o “Programa de Ensino Médio Integral” do MEC, com execução do plano de formação e supervisão para a política de educação integral, no campo da formação de professores/as (PARÁ, 2019).

Ainda no estado do Pará, o “Projeto Trilhas” do Instituto Natura vem sendo desenvolvido nos 144 municípios do estado do Pará em parceria com as secretarias municipais locais (MARTINS, 2018), estando presente também nos demais estados da região Norte. Desenvolve formação continuada que visa a apoiar o trabalho docente no campo da leitura, escrita e oralidade, com o objetivo de inserir crianças do 1º ano do ensino fundamental no universo letrado.

Em Rondônia, identificamos o “Programa Jovens Empreendedores Primeiros Passos” (JEPP), que envolve iniciativas nas escolas com projetos de educação empreendedora em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), e visa a promover a educação e a cultura empreendedora em sala de aula, envolvendo gestores, coordenadores, professores, alunos/as e pais, a fim de expandir a compreensão de empreender para além da vida empresarial (RONDÔNIA, 2019).

O “Projeto Metodologia de Tutoria Pedagógica Educacional”, coordenado pela SEED/RO, a Fundação Itaú Social e o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (CIEDS), oferece formações para gestores e professores, por meio de plataformas educacionais Cisco Webex Meetings, Training e vídeos, para o desenvolvimento de processo de aprendizagem, agregando novos conhecimentos de caráter prático e modelar nas escolas.

No estado de Rondônia, destacamos ainda as “Ações formativas em torno do Referencial Curricular do Estado de Rondônia (RCRO) atreladas à BNCC”, coordenadas pela Coordenadoria Estadual de Educação (CEE) a fim de realinhar os projetos pedagógicos escolares, consolidando a BNCC no estado e definindo o “conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais, que todos os estudantes do país devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da educação básica” (RONDÔNIA, 2020).

No estado de Roraima, foram registrados “Encontros formativos” com professores/as, gestores/as e coordenadores/as pedagógicos com foco no trabalho pedagógico alinhado às ações da BNCC na rede estadual, bem como “Oficinas sobre metodologias inovadoras, plano de ensino, plano de aula referente ao Documento Curricular de Roraima (DCRR) à luz das diretrizes da BNCC”, coordenados pela secretaria estadual de educação (RORAIMA, 2019).

No estado de Tocantins, o “Programa Estrada do Conhecimento” (PEC) atrelado ao “Projeto de Desenvolvimento Regional Integrado Sustentável” (PDRIS), de parceria e financiamento com o Banco Mundial (BM), apresenta o foco de desenvolver ações de aperfeiçoamento da qualidade do ensino mediante o uso de situações didáticas para a permanência do aluno na escola, estimulando a criação de oportunidades de trabalho e geração de renda para alunos/ as e famílias em condição de vulnerabilidade social (TOCANTINS, 2019).

Em Tocantins, ressaltamos ainda o “Encontro Formativo sobre o Documento Curricular do Ensino Médio e a implementação da BNCC”, com a Participação da professora Kátia Smole — Conselheira Estadual de Educação de São Paulo, diretora executiva do Instituto Reúna e fundadora do Instituto Mathema de formação e pesquisa (TOCANTINS, 2019) —; outros momentos formativos conduzidos pela Coordenação Regional de Educação (CRE/SEED), com o objetivo de “apropriar-se dos conhecimentos sobre a BNCC e sua aplicabilidade no ensino e aprendizagem” (TOCANTIS, 2019).

Alguns programas e projetos estão presentes em todos os estados da região Norte e demais regiões brasileiras, com parcerias público-privadas, como o “Projeto Conectando Saberes”6, uma iniciativa em rede no Brasil, apoiada pela Fundação Lemann, que tem a missão de construir espaços coletivos presenciais e virtuais para aproximar profissionais da educação comprometidos em promover uma educação pública de qualidade e excelência visando à transformação social.

Os dados acima revelam as interfaces da relação público-privada na execução de políticas de formação de professores na região Norte, por meio da “ocupação” do setor privado no campo educacional das instituições públicas dos estados da região, onde as instituições privadas com ou sem fins lucrativos — como assim se intitulam — vêm ganhando força, espaço e gestando conhecimentos para a formação dos sujeitos da educação básica pública. Os interesses por trás de tais iniciativas, certamente, colaboram com o “processo de mercadificação da educação pública que ocorre via sujeitos e processos” (PERONI; CAETANO, 2015, p. 338- 339).

Essas organizações individuais ou coletivas estão “[…] localizadas em redes do local ao global, com diferentes graus de influências e que falam de diferentes lugares: setor financeiro, organismos internacionais e setor governamental […]”, como já elucidamos nos itens anteriores deste estudo. Peroni e Caetano (2015) também apontam que todo esse movimento precisa ser discutido e problematizado em relação ao projeto de classe, a fim de compreender quais conhecimentos são construídos por tais instituições acima apresentadas. Que sujeitos querem formar? Qual o perfil de professores/as vem sendo modelado para as escolas?

Os dados também evidenciaram a presença permanente da Undime e Consed nas ações de formação continuada junto ao coletivo de trabalhadores/as docentes e nas constantes ações dos Conselhos Estaduais de Educação (CEE). Neves e Piccinini (2018, p. 191) destacam que o Consed e a Undime são “[…] agentes de Estado, estruturas que agregam secretarias de educação estaduais e municipais” que fazem parte do conglomerado empresarial Todos Pela Educação (TPE), que objetiva reformar a educação básica e a escola pública nacional. Conforme as autoras, o Movimento Pela Base (MPB) representa monopólios, com grande parte do capital financeiro brasileiro.

Nos estudos realizados por Peroni e Caetano (2015, p. 338), principalmente os que analisam as parcerias entre instituições privadas e escolas públicas, evidenciam que “[…] o privado define o conteúdo do público, tanto nos aspectos de gestão quanto nos aspectos pedagógicos”, e isso tem profunda relação com o processo de democratização no país, no campo educacional, ocasionando a expansão da mercadificação em andamento no Brasil, como destacam as autoras.

Percebemos que a reforma curricular que vem sendo implementada no Brasil já está sendo amplamente absorvida pelas secretarias estaduais de educação, por intermédio da criação e desenvolvimento de políticas vinculadas à BNCC e chega às universidades por meio de programas educativos gerenciados pelo MEC, que passam a exigir o vínculo com a BNCC. Isso demonstra que as intenções advindas das influências internacionais e interesses privados, com ênfase na padronização de conhecimentos e no controle do trabalho docente, caminham para um empobrecimento curricular, como afirma Hipólyto (2019), na medida em que o controle dos programas e projetos se volta cada vez mais para o setor privado, na perspectiva de formar o trabalhador que atenda ao mercado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar as interfaces da relação público-privada com a execução de políticas de formação docente, em particular na implementação da BNCC na região Norte, o estudo apresenta que o Parfor tem sido uma política importante da formação inicial e continuada de professores/as, que, embora em outras regiões do Brasil esse programa venha sendo desenvolvido em parceria com a iniciativa privada, no Norte, tem sido majoritariamente executado pelas IES públicas. No entanto, no PIBID e PRP ocorre um processo de disputas de projeto entre público e privado sobre o financiamento público, bem como no desenvolvimento da política da formação de professores. Os dados das regiões brasileiras colocam o Norte no ranking de menores participações de IES de cunho privado, porém expressa a influência privatista no processo de formação docente.

No tocante ao cenário da atuação entre universidades, secretarias de estado da educação e instituições privadas no processo de formação de professores/as na região, levantado nos sítios das secretarias de educação, constatou-se também a “ocupação” do privado nos sistemas público. Esse fato vem impactando a gestão da formação da classe trabalhadora, no ataque à autonomia docente, submetendo os/as trabalhadores/as docentes à lógica pragmatista e neoliberal por meio da BNCC e BNC-Formação. Ocorre cerceamento da liberdade e autonomia intelectual em relação ao trabalho pedagógico desenvolvido no contexto concreto da escola pública na região e na formação de professores/as. No entanto, destacamos os limites desse mapeamento nos sítios das secretarias de educação quanto à possível ausência de atualização de informações, o que implicou na não expansão de outros dados importantes para o estudo.

Por fim, conseguimos demonstrar que as interfaces da relação público- privada têm se expressado na implantação da BNCC na região Norte, com a expansão da privatização na educação básica, bem como nos programas fundamentais da formação docente que as IES desenvolvem.

Constata-se que as políticas econômicas vêm ganhando força e espaço, capturando a subjetividade dos sujeitos históricos. Contudo os movimentos sociais, docentes, os coletivos e associações científicas têm construído agendas de lutas, de denúncias, pautas que problematizam e demarcam uma resistência coletiva em defesa da formação da classe trabalhadora, em defesa da autonomia docente e da educação pública, socialmente referenciada, financiada pelo Estado, com participação democrática dos sujeitos históricos que constroem a educação pública nos diversos estados da região.

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2 Marcos regulatórios que amparam a elaboração dessas normativas foram bem discutidos no estudo de Guedes (2020).

3 Instituição sem fins lucrativos que objetiva alcançar resultados semelhantes aos melhores sistemas educacionais do mundo e reduzir as desigualdades socioeconômicas no país, por meio do ensino médio integral.

4 Instituição sem fins lucrativos que atua para a melhoria da qualidade da educação básica pública, por meio de educação integral em tempo integral. Tem como parceiros: Instituto Natura, O Stem-Brasil subsidiária do World Fund for Education (Nova Iorque), Fundação Itaú BBA, Instituto Cacau Show, FIAT, JEEP, entre outros.

5 Para mais informações, acessar: https://icebrasil.org.br/atuacao/

6 Para mais informações, acessar: https://www.conectandosaberes.org/

1 Pesquisa financiada pela CAPES/Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia (Procad/Amazônia), instituído pelo edital 21/2018.

Recebido: 28 de Fevereiro de 2022; Aceito: 2 de Junho de 2022

Antonia Costa Andrade Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Professora titular da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIFAP. Diretora do Departamento de Educação da UNIFAP. Coordenadora do Curso de Especialização em Política Educacional-CEPE/UNIFAP. Coordenadora do Eixo 2 da Rede Universitas. Vice presidente da ANPAE/AP. Coordenadora do Comitê Amapá da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. E-mail: antoniaunifap@gmail.com

Maria Da Conceição dos Santos Costa Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora Adjunta da Universidade Federal do Pará. Coordenadora do Grupo GEPEF/ UFPA. Vice-presidente do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE). Vice coordenadora do Eixo II Rede Universitas-BR. E-mail: concita.ufpa@gmail.com

Arthane Menezes Figueirêdo Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professora titular da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIFAP. Vice-Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGED/UNIFAP. Pesquisadora do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia (PROCAD/ Amazônia). E-mail: arthane@gmail.com

Maria da Conceição Rosa Cabral Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará, com período sanduíche na Universidade de Lisboa. Professora Associada do Instituto do Ciências da Educação, da Universidade Federal do Pará. Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa de Política Educacional, Formação e Trabalho Docente (Gestrado/ UFPA) e da Rede Universitas/BR. E-mail: mcrosa@uol.com.br

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