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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.39 no.1 Goiânia  2023  Epub 25-Set-2023

https://doi.org/10.21573/vol39n12023.122318 

Artigos

Condições de trabalho dos docentes do ensino fundamental durante a pandemia da covid-19

Working conditions of elementary teachers during the covid-19 pandemic

Condiciones de trabajo de los profesores de primaria durante la pandemia del covid-19

RAISSA GARCIA BRUM1 
http://orcid.org/0000-0002-0120-801X

LAURELIZE PEREIRA ROCHA2 
http://orcid.org/0000-0001-9334-6550

DECIANE PINTANELA DE CARVALHO3 
http://orcid.org/0000-0003-1598-6602

JAMILA GERI TOMASCHEWSKI BARLEM4 
http://orcid.org/0000-0001-9125-9103

ROSEMARY SILVA DA SILVEIRA5 
http://orcid.org/0000-0002-4902-9571

SUELEN GONÇALVES DE OLIVEIRA6 
http://orcid.org/0000-0002-7919-6952

1 Universidade Federal do Rio Grande Escola de Enfermagem Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Rio Grande , RS , Brasil

2 Universidade Federal do Rio Grande Escola de Enfermagem Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Rio Grande , RS , Brasil

3 Universidade Federal de Pelotas Pró-reitoria de Gestão de Pessoas Coordenação de Saúde e Qualidade de Vida Pelotas , RS , Brasil

4 Universidade Federal do Rio Grande Escola de Enfermagem Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Rio Grande , RS , Brasil

5 Universidade Federal do Rio Grande Escola de Enfermagem Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Rio Grande , RS , Brasil

6 Universidade Federal do Rio Grande Escola de Enfermagem Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Rio Grande , RS , Brasil


Resumo

Objetivou-se investigar as condições de trabalho dos docentes do Ensino Fundamental durante a pandemia da covid-19. Estudo qualitativo, descritivo e exploratório. Participaram 44 docentes do Ensino Fundamental, por meio de entrevistas semiestruturadas na modalidade online. Empregou-se Análise Textual Discursiva. Identificou-se adaptações na estrutura e infraestrutura dos docentes e dos discentes durante esse período, dificuldades na tentativa de conciliação do trabalho com a vida privada e mudanças no processo ensino-aprendizagem.

Palavras-Chave: Docentes; Covid-19; Saúde do Trabalhador; Condições de trabalho

Abstract

The objective was to investigate the working conditions of Elementary School teachers during the COVID-19 pandemic. It is a qualitative, descriptive, and exploratory study. It was attended by 44 Elementary School teachers through semi-structured online interviews. Discursive Textual Analysis was used. Adaptations were identified in the structure and infrastructure of teachers and students during this period, difficulties in trying to reconcile work with life, as well as changes in the teaching-learning process.

Key words: Faculty; Covid-19; Occupational Health; Working Conditions

Resumen

El objetivo de este estudio fue investigar las condiciones de trabajo de los docentes de la Enseñanza Primaria durante la pandemia de covid-19. Es un estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio, que tuvo la participación de 44 docentes de la Enseñanza Primaria mediante entrevistas semiestructuradas en línea. Se utilizó el Análisis Textual Discursivo. Se identificaron adaptaciones en la estructura e infraestructura de docentes y estudiantes durante este período, dificultades para intentar conciliar trabajo y vida, así como cambios en el proceso de enseñanza- aprendizaje.

Palabras-clave: Docentes; Covid-19; Salud Laboral; Condiciones de Trabajo

INTRODUÇÃO

Com base na propagação rápida do vírus SARS-CoV-2, que causa a Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a disseminação comunitária em todos os continentes no dia 11 de março de 2020, caracterizando-a como uma pandemia (BRASIL, 2020a).

Com isso, no dia 17 de março de 2020, por meio da Portaria nº 343, o Ministério da Educação (MEC) deliberou acerca da substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, durante a pandemia da covid-19. Inicialmente, as determinações eram voltadas às Redes de Ensino Superior que integravam o Sistema de Ensino Federal; posteriormente, a Portaria recebeu ajustes por meio das Portarias 345/2020 e 356/2020. No dia 18 de março de 2020, o Conselho Nacional de Educação (CNE) manifestou-se para esclarecer aos sistemas e redes de ensino de todos os níveis, etapas e modalidades a necessidade de reorganizar as atividades acadêmicas devido às ações preventivas de controle da covid-19 (BRASIL, 2020b).

A partir do momento da suspensão das atividades presenciais, com autorização do MEC, Escolas e Universidades determinaram que as atividades presenciais deveriam ser realizadas através de um modelo de educação remoto, por meio de ferramentas digitais. (SARAIVA; TRAVERSINI; LOCKMANN, 2020). As novas exigências desse modo de trabalho fizeram os docentes adaptarem-se a um novo formato de ensino e ao ambiente virtual, precisando improvisar o espaço doméstico e dividir-se, simultaneamente, entre as atividades profissionais e as familiares (SOUZA et al. , 2021).

Os elementos e a experiência que perpassavam o trabalho do docente, em modo presencial, precisaram ser readaptados para uma nova realidade, não significando apenas uma transposição de atividades, que aconteciam em sala de aula, com contato direto com os discentes para atividades realizadas integralmente em meio digital. A atividade de trabalho, os meios e o objeto de estudo precisaram ser reestruturados em pouco tempo, o que levou a uma intensificação e a uma precarização das condições e processos de trabalho (SOUZA et al. , 2021).

Destaca-se a dificuldade da mudança para os docentes do Ensino Fundamental, visto que, em situações habituais, já necessitavam pensar e criar estratégias de ensino e aprendizagem, novas formas de avaliar de acordo com as exigências; adequar-se aos tempos pedagógicos, planejar e (re)planejar situações didáticas, além de oportunizar tempo para atendimentos individuais aos alunos e seus responsáveis (BRITO; PRADO; NUNES, 2017). Além disso, nesta etapa, ocorre a alfabetização e é o período mais extenso da Educação Básica, dividindo-se em anos iniciais, do 1º ao 5º ano; e anos finais, do 6º ao 9º ano (BRASIL, 1996).

No Ensino Remoto Emergencial, os docentes precisaram adaptar-se para executar seu trabalho por meio de aulas remotas, em ambiente virtual e em plataformas de videoconferência, que antes tinham pouco domínio, já que estas ferramentas estavam mais restritas aos docentes do Ensino Superior (SOUZA et al. , 2021). Em um primeiro momento, a criação de estratégias para desenvolver o trabalho passou a ser do docente individualmente, intensificando o trabalho e consequentemente aumentando a exaustão (SARAIVA; TRAVERSINI; LOCKMANN, 2020).

Nesse contexto, a pandemia da covid-19 gerou impactos na rotina de trabalho dos docentes, levando a transformações repentinas no modo de execução do trabalho e nos desafios que precisaram ser superados. Dessa forma, este estudo se justifica pela necessidade de compreensão das condições de trabalho desses profissionais, ou seja, as circunstâncias em que esse trabalho foi desenvolvido, para que estratégias sejam elaboradas e implementadas, a fim de evitar que outras dinâmicas impostas repentinamente não venham a prejudicar a saúde desse trabalhador. Tem-se como questão de pesquisa: quais as condições de trabalho dos docentes do Ensino Fundamental durante a pandemia da covid-19? O estudo tem como objetivo investigar as condições de trabalho dos docentes do Ensino Fundamental durante a pandemia da covid-19.

Nos próximos capítulos, serão apresentados o caminho metodológico utilizado para a construção do estudo, os resultados encontrados de acordo com as categorias construídas, a discussão, as considerações finais e por último as referências utilizadas.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de cunho qualitativo, descritivo do tipo exploratório. Seguindo as recomendações do Checklist Consolidated Criteria For Reporting Qualitative Research (COREQ). Foi realizado contato prévio com a Secretária Municipal da Educação solicitando o contato dos diretores das Escolas Municipais e, a partir disso, foi realizado contato solicitando o e-mail dos docentes para divulgação da pesquisa, assim como foi divulgada em grupos de mídias sociais das escolas. Além de enviar o convite diretamente aos diretores e aos professores, o estudo foi divulgado nas mídias sociais das pesquisadoras responsáveis, ( Facebook e Instagram ), com o objetivo de alcançar um maior número de participantes. Participaram 44 docentes do Ensino Fundamental de 28 escolas da Rede Municipal de Ensino de um município do Sul do Rio Grande do Sul, selecionados a partir da técnica de amostragem não probabilística por conveniência.

Os critérios de inclusão para participação foram: ser docente do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino do município e estar atuando de forma remota, híbrida ou presencial. Como critérios de exclusão elencou-se: atuar em escolas que são consideradas conveniadas ao município, visto que podem apresentar um processo de trabalho e uma gerência distinta das demais; e estar sob licença de qualquer natureza ou afastado para estudos.

Anterior à coleta de dados, foi realizado um estudo piloto com três docentes, que serviu para alterações gramaticais e de concordância, não havendo alterações de conteúdo no instrumento, sendo que essas docentes não foram incluídas no estudo. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista por videoconferência, através da Plataforma Zoom ou Google Meet, conforme preferência do participante. Para a entrevista, foi utilizado um roteiro semiestruturado, abarcando questões mistas referentes à caracterização do participante e questões abertas referentes à rotina, processo e ambiente de trabalho, durante a pandemia da covid-19.

A coleta de dados ocorreu no período de junho a setembro de 2021 e foi finalizada quando as respostas começaram a se tornar repetitivas. As entrevistas possuíram em média 40 minutos de duração e foram realizadas pela mestranda responsável pelo estudo, sob orientação de uma pesquisadora docente. Utilizou-se uma sala privada online . Inicialmente, foi explicado brevemente o estudo e como seria conduzida a entrevista. Apenas o áudio foi gravado para transcrição e o material obtido pelas transcrições foi encaminhado para cada um dos participantes para comentários e correções.

A análise dos dados ocorreu através da Análise Textual Discursiva, seguindo os passos sequenciais: unitarização dos textos, resultante das entrevistas com os docentes; categorização das unidades, por semelhança e aproximação e a captação de um novo emergente (MORAES; GALIAZZI, 2011). A partir dessa análise, os dados foram agrupados em quatro categorias: adaptação da estrutura e infraestrutura dos docentes; impacto da estrutura e infraestrutura dos discentes; conciliação do trabalho e vida domiciliar; e mudanças no processo de ensino- aprendizagem, conforme quadro 1:

Quadro 1 Categorias formadas a partir das unidades de análise 

UNIDADES DE ANÁLISE CATEGORIAS
Novas aquisições para poder executar o trabalho Adaptação da estrutura e infraestrutura dos docentes
Infraestrutura para desenvolver o trabalho
Cortes no salário em período de pandemia
Falta de acesso dos discentes à tecnologia e a materiais necessários. Impacto da estrutura e infraestrutura dos discentes
Falta de um ambiente adequado para aprendizagem
Dificuldade de conciliação do trabalho e vida domiciliar Conciliação do trabalho e vida domiciliar
Cuidado com os filhos/família durante o ensino remoto
Pontos positivos do ensino remoto
Falta de tecnologias nas escolas Mudanças no processo de Ensino- Aprendizagem
Dificuldades no uso das tecnologias para executar o trabalho
Ajuda da tecnologia para a execução do trabalho
Plataformas usadas para desenvolver o trabalho
Busca por novos conhecimentos
Criação de estratégias pensando no discente
Importância da família e do retorno dela no processo de ensino-aprendizagem
Falta de interesse e retorno por parte dos discentes como fator prejudicial no processo de ensino-aprendizagem
Desenvolvimento o trabalho
Período de atendimento aos discentes e às famílias

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

O estudo seguiu a Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande e, também, possuiu aprovação da Secretária Municipal de Educação do Município.

As entrevistas foram precedidas da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Assegurou-se o sigilo, a confidencialidade e a privacidade dos depoimentos realizados pelos participantes. Para preservar o anonimato, os docentes foram identificados pela sigla DEF, que corresponde a Docente do Ensino Fundamental, seguido por um número, exemplo: DEF1, DEF2, DEF3 etc.

RESULTADOS CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES

A idade dos trabalhadores variou entre 29 e 63 anos. Em relação ao sexo,

39 docentes eram do sexo feminino. Em relação ao estado civil, 27 docentes eram casados. O tempo de formação variou entre seis e 40 anos e o tempo de atuação na docência, entre quatro e 43 anos. No que tange à titulação máxima apresentada, quatro alegaram possuir Graduação, dois Doutorado, cinco Mestrado e 33 Especialização.

ADAPTAÇÃO DA ESTRUTURA E INFRAESTRUTURA DOS DOCENTES

Em relação à estrutura e à infraestrutura, o discurso dos docentes colocou em evidência que os espaços, que anteriormente eram de convívio familiar, foram transformados em sala de trabalho, muitos destes não sendo compatíveis com o exercício laboral. Espaços precisaram ser criados ou readaptados na casa, por meio de obras ou modificações. Nesse sentido, o ensino remoto gerou transformações no ambiente domiciliar de toda família.

A minha sala virou o meu espaço de trabalho, então não é mais o lugar que senta pra ver televisão [...] o espaço que o marido sentava pra ver televisão, já não tem mais, é o meu espaço de trabalho. (DEF 42)

A minha casa continua em obra, porque a gente teve que criar um escritório. (DEF 37)

Quando eu me dei por conta [...] que esse ensino remoto ia seguir por mais tempo e que eu precisava de espaço, de um canto que eu pudesse me trancar. [...] eu passei as minhas coisas todas para o banheiro, meu computador está de ladinho, isto daqui é um banheiro [mostrando na videoconferência][...] aqui eles chamam de “minha salinha”. (DEF 28)

Além dessa necessidade de adaptação do ambiente, os docentes relataram cortes no salário durante esse período. Então, foi necessário, através de recursos do próprio bolso, investir em mecanismos e equipamentos para executar o trabalho, como velocidade de internet, celular e computador.

Precisei colocar uma internet mais potente porque a minha não foi suficiente, além do meu trabalho, tinham os meus filhos usando a internet. O meu celular estragou no meio da pandemia, o que também foi um gasto a mais porque era 24h em função do WhatsApp falando com os grupos, falando com as famílias e falando com as crianças. (DEF 18)

Eu tive que comprar um celular novo, porque o meu celular não comportou tudo que precisava [...]. Eu tive que comprar um computador novo. (DEF 14)

Foi tirado agora, durante uns meses, nosso difícil acesso, na verdade era uma coisa que tapava outra, não gastava gasolina pra ir pra escola, mas tu investias em outras coisas pro teu espaço, internet e até mesmo a tecnologia. O que eu notei é que todo mundo teve que tirar do próprio bolso. (DEF 11)

IMPACTO DA ESTRUTURA E INFRAESTRUTURA DOS DISCENTES

Os discursos colocaram em ênfase a falta de estrutura e de infraestrutura dos discentes para a realização das atividades propostas, o que acaba repercutindo na condição do docente para realizar seu trabalho. A diferença socioeconômica dos discentes ficou evidenciada nesse período, o que foi percebido pela falta de acesso deles às tecnologias, aos equipamentos e aos materiais físicos necessários à realização das atividades. Além disso, houve a necessidade de adaptação das metodologias de ensino e fornecimento de material físico para que os discentes conseguissem manter o contato com a escola.

[...] ano passado, a minha supervisora pagava uber para levar ao aluno atividade impressa e para o aluno trazer de volta atividade impressa. Chegar a esse ponto para não perder o aluno, para o aluno não desistir, porque estava muito difícil. (DEF 11)

[...] quando a gente está com todos eles no presencial até não nota, a gente sabe, mais ou menos, a situação de cada aluno. Mas agora, uma mãe dizer “olha a gente não tem condição, não tem celular”, ou numa casa de seis, sete, oito pessoas ter um celular e quando o pai ou a mãe saem para trabalhar, um deles leva o celular e os filhos não têm como assistir [...] Também há alunos que pegam impresso e devolvem depois impresso, desses eu tenho muito mais pena, porque a gente não tem contato algum e como lá é semestre, eu tenho alunos que já saíram e eu não vi o rosto deles, nem no facebook e nem no whatsapp, porque eles não têm acesso algum. (DEF 17)

Uma questão social, nem todo mundo tem as tecnologias, ela não é universalizada. Então muitos estudantes e principalmente os que mais precisam não têm, [...] é o aluno que tem dificuldade de aprendizagem, é o aluno que não tem celular, não tem acesso a internet e isso começou a nos preocupar. (DEF 39)

Os discursos também evidenciaram a falta de um ambiente adequado e uma estrutura familiar que favorecesse a participação e o desenvolvimento das atividades propostas. A falta de um ambiente que favoreça a aprendizagem e a possibilidade de concentração mostraram que nem todos os discentes estão sendo atingidos pelo trabalho da mesma maneira.

É difícil, principalmente na realidade dos meus alunos, terem um espaço onde eles consigam estar focados no que está passando ali [...] os pequenos acabam indo de um lado para o outro, porque não têm com quem deixar, então essa organização prejudica a aprendizagem deles no geral, às vezes, eles querem se concentrar, mas o ambiente não colabora. (DEF 24)

Às vezes, não tem uma peça pra sentar e assistir a aula, às vezes eles ficam com a família inteira na volta, tu estás escutando o barulho de todos ali [...] já aconteceu de uma aluna dizer assim “Professora, eu não vou poder assistir a aula porque hoje tem uma festinha de aniversário aqui” [...] a menina assistiu toda a aula e naquele fervo de festa. (DEF 25)

CONCILIAÇÃO DO TRABALHO E VIDA DOMICILIAR

No que diz respeito à conciliação entre trabalho e vida domiciliar verificou- se que o trabalho, de certa forma, invadiu o domicílio dos docentes. As atividades laborais se sobressaíram, tornando-se prioridade na vida desses docentes, fazendo com que o tempo para família e para si se tornasse inexistente.

Prefiro ter a minha casa um pouco mais pra mim, não dividindo o tempo todo com a escola [...] Agora eu não tenho um momento pra relaxar, pra descansar. É trabalho, trabalho e trabalho. (DEF 1)

No início foi bem complicado. Eu não estava tendo tempo pra família, eu estava me entregando demais pra escola, pro serviço, para as demandas do colégio, mas com o puxão de orelha da minha família que está em casa e com o meu corpo pedindo socorro, comecei cuidar um pouquinho mais. Mas tem dias que ainda ultrapasso o limite no serviço da escola e acabo deixando a família em segundo plano. (DEF 25).

Além disso, os docentes relataram a falta de conscientização por parte dos familiares em relação ao desenvolvimento do trabalho em casa e da rotina de trabalho que precisava ser estabelecida no momento. Ademais, alguns docentes destacaram que, por permanecerem em casa, as tarefas domésticas, divididas entre familiares no período anterior à pandemia, passaram a ser responsabilidade exclusiva das docentes, gerando outra demanda de trabalho.

[...] entrou no meu ambiente familiar e na minha rotina, muitas vezes, em casa, as pessoas não entendem que estamos sentadas no computador, mas estamos trabalhando ou que estamos mexendo no celular porque na verdade estamos trabalhando. (DEF 18)

[...] meu marido é autônomo, então quando eu trabalhava fora todas as atividades eram divididas, agora como eu estou em casa, muita coisa que ele me ajudava a fazer ele não faz mais. (DEF 31)

Por outro lado, alguns docentes destacaram a importância da participação dos cônjuges nesse momento no cuidado dos filhos e nas tarefas domésticas.

Me apeguei muito no meu marido, que me ajudou muito nesse sentido. Ele trabalha, mas o tempo que ele está em casa, ele se dedica ao máximo para me ajudar. (DEF 21)

Os docentes também alegaram que se perdeu a delimitação entre a casa e o ambiente de trabalho. Houve uma dificuldade de estabelecer uma rotina, visto que as tarefas e imprevistos domésticos acabavam atrapalhando o trabalho e vice-versa, gerando cansaço e perda de momentos de lazer em família.

Tu passas o dia inteiro assim, trabalha, atende a casa, atende marido, atende filho. Tu nem sabes o que é uma coisa e o que é outra, mistura tudo e isso é extremamente cansativo. (DEF 23)

A gente não conseguia ter mais essa coisa de família dentro de casa, porque parece que o

trabalho ficou todo dentro de casa e a casa não tinha mais espaço. (DEF 40)

Apesar de fatores negativos, o trabalho em casa também foi entendido como algo positivo devido à oportunidade de distanciamento social e prevenção da covid-19, para si e para a família, além de facilitar a aproximação com os filhos, que também estavam sem escola.

Eu, trabalhando de casa, permiti que meus filhos não se arriscassem estando na escola; se eu estivesse trabalhando de forma presencial, eles estariam na escola, porque eu não teria opção. (DEF 8)

[...] eu pude aproveitar muito mais o meu filho bebê estando em casa. Digamos que um

ponto positivo que eu encontrei. (DEF 21)

MUDANÇAS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

O processo de ensino-aprendizagem, no modo remoto, foi permeado por diversas circunstâncias que impactaram diretamente na condição de trabalho do docente. Nesse contexto, foi exposta a preocupação com a aprendizagem dos discentes, visto que existe uma dificuldade em identificar o nível de aprendizado sem o contato presencial, principalmente nos casos de alfabetização. Os docentes relataram dúvidas quanto à verificação da efetividade do processo de ensino, durante o período remoto e, em alguns casos, se as atividades estavam sendo realizadas pelo próprio discente.

[...] eu não sei se realmente alguns alunos estão conseguindo fazer ou se eles estão copiando as respostas, na sala de aula tu consegues enxergar, tu consegues sentir o teu aluno. (DEF 44)

[...] eu não tinha certeza se era o pai ou a mãe que estavam do lado fazendo as atividades e, às vezes, isso ficava nítido, [...] o nível de complexidade dado, a gente sabe que não é de um aluno de quinto ano. (DEF 36)

A questão da alfabetização é um momento de troca, tu tens que estar com o aluno ali [...] então a gente fazia os planejamentos e enviava, mas não sabia como eles estavam fazendo, como eles estavam recebendo, qual era o olhar da família, se estava preparado ou não pra receber e pra passar pra criança [...] (DEF 2)

Os docentes relataram a inevitabilidade de busca por novos conhecimentos nesse período. Eles sentiram a necessidade de investir tempo para realizar cursos e para buscar instruções, a fim de executar o trabalho da melhor maneira possível. O auxílio e a cooperação entre colegas foram enfatizados na busca por novas formas de ensino no modo remoto, buscando melhora no processo de ensino-aprendizagem.

Eu fui atrás de cursos, lives na internet, procurei recursos e ideias pra fazer o mais lúdico possível à distância, como fazer isso, como chegar na criança desta forma [...]buscando bastante essa questão do ensino remoto (DEF 2)

Junto com os colegas. Lendo, fazendo formações, surgiram muitos cursinhos na internet gratuitos, a gente fazia, ou se combinava [...]. Uns ajudavam os outros, isso foi a melhor parte. (DEF 29)

Para facilitar o processo de ensino-aprendizagem, os docentes relataram tentar criar estratégias para se manterem próximos aos discentes, buscando formas de contato para que o vínculo não fosse perdido. Assim como tentaram elaborar estratégias adaptativas de como executar o trabalho de modo que favorecesse o aprendizado e ajudassem no processo de ensino-aprendizagem deles.

A gente tentou se adaptar, tentando estimulá-los cada vez mais, trazendo atividades diferentes, lúdicas, aplicativos, jogos online, pra fazer com que eles se sentissem parte daquilo ali também. (DEF 24)

Os docentes destacaram a importância da família no processo de ensino- aprendizagem dos discentes nesse modo remoto. Enfatizou-se a necessidade de um acompanhamento efetivo da família para esse processo, principalmente nos casos de alfabetização, no qual o suporte ao mesmo tempo que é indispensável, torna- se um empecilho, visto que alguns pais, mesmo possuindo disponibilidade, não conseguiam ajudar os filhos por não possuírem o conhecimento necessário. Os docentes então necessitaram reformular os planejamentos e as atividades de modo que os responsáveis pudessem auxiliar os discentes.

E para os pais também essa mudança foi muito difícil, o planejamento tem que ser todo voltado para como o pai vai conseguir entender. (DEF 12)

O aluno que não sabe ler, por exemplo, é muito difícil ser alfabetizado pelo ensino remoto porque ele precisa de muito suporte familiar e se a família não tem esse suporte para dar, e muitas não têm, muitos pais também não são alfabetizados, ele não vai alcançar. Então a escola é sempre onde o professor e o aluno conseguem estar conectados. (DEF 24)

A falta de interesse no ensino por parte dos discentes acabou sendo um fator prejudicial no processo de ensino-aprendizagem. Os docentes destacaram a falta de retorno das atividades por parte dos alunos e a falta de interação deles, impedindo uma avaliação concreta da aprendizagem.

Alunos participativos são poucos [...] também tem aqueles que ligam aula, mas vão dormir, fecham o microfone e vão dormir, então tu nem sabe se tão ali ou não [...] é um querer deles [...] é outra coisa que frustra. (DEF 23)

Em relação ao desenvolvimento do trabalho durante o ensino remoto, os docentes mostraram a diferença entre algumas escolas e algumas realidades, o que foi levado em consideração no momento do planejamento e da adaptação das metodologias. Em alguns momentos, eram realizados encontros síncronos por meio de plataformas; em outros, os planejamentos e atividades eram enviados através do Whatsapp e o retorno por parte dos alunos também era por esse meio. Outras escolas adotaram opção de disponibilizar o material impresso, visto que a inclusão digital não era unanimidade entre os discentes. Os docentes também relataram a tentativa de adaptar materiais, tentando torná-los mais atrativos.

Já com a Educação Especial, da sala de recursos, eu realizava a chamada de vídeo. [...] Eu realizava a chamada pelo WhatsApp e no computador tinha algum jogo, usava o computador e o telefone. Ou ainda jogos físicos que dessem a opção de a criança falar qual o acerto ou o erro, para assim trabalharmos. (DEF 26)

Uma vez por mês nós íamos nas porteiras de cada uma das 87 famílias e entregávamos um caderno pedagógico que era com o material de atividades, que aí a gente garante o acesso a todos independe terem internet ou não. Então eles recebiam o material cada mês, casualmente era um mês temático, nós começamos no mês de abril que era páscoa, nós levamos o presente de páscoa e as atividades. (DEF 39)

Em relação ao período estabelecido pelos docentes para oferecer atendimento aos discentes e sua família, alguns relataram estipular um horário fixo para o atendimento e outros relataram ficar disponíveis a qualquer momento do dia, extrapolando a carga horária de trabalho. O trabalho, dessa forma, configurava-se em longas jornadas diárias, extrapolando a carga horária, ocupando os três turnos e invadindo o fim de semana.

A gente trabalhou de domingo a domingo, mais de 10 horas por dia [...]. Durante o dia todos eles chamando, daí um faz à tarde, o outro tem que esperar o pai chegar do trabalho. (DEF 3)

Em determinado momento as pessoas não tinham assim horário [...] Era 10, 11 horas

da noite, eu estava atendendo pai ou aluno no whatsapp. (DEF 44)

O processo de ensino-aprendizagem, no período emergencial, aconteceu principalmente através do uso das tecnologias. Este uso foi visto pelos docentes por meio de duas perspectivas: por um lado, eles destacaram a importância de modernizar as formas de ensinar e de descobrir novas formas de trabalho e, por outro, referiram que uma das dificuldades encontradas no modelo de trabalho foi a falta de domínio das ferramentas utilizadas. No entanto, destacaram a facilidade na busca de informações instantaneamente por meio das ferramentas digitais e da possibilidade em pesquisar bons materiais relacionados à educação, possibilitando melhorar as metodologias, além de permitir encontros e reuniões sem necessitar de deslocamento.

A facilidade foi de buscar as informações [...] e nós sempre acompanhamos uma turma e muitas vezes surgiam dúvidas das crianças e imediatamente por eu estar com a tela compartilhada eu já entrava aqui no Google e pegava a informação. (DEF 4)

A gente se deu conta de que muitas das coisas que a gente fazia e que gerava um custo físico, um custo mental, pode amenizar com a tecnologia. (DEF 39)

Em relação à dificuldade no uso das tecnologias, alguns docentes destacaram a falta de conhecimento acerca das ferramentas digitais e os desafios encontrados para aprender a utilizá-las. Os docentes também relataram que inicialmente as dificuldades eram maiores e que muitas vezes contaram com o auxílio de colegas e dos próprios discentes.

Foi uma adaptação bem complicada, bem difícil, bem frustrante em algumas vezes, eu tive que correr atrás para procurar, para conseguir me encaixar nesse novo modo de dar aula. (DEF 12)

E outra dificuldade é saber utilizar as plataformas. (DEF 20)

Os adolescentes nos ajudam muito. “professora, a senhora tem que apertar em tal botão, assim, assim e a senhora vai chegar em tal lugar” eles não ficam nos recriminando e nem debochando, eles nos ajudam. Foi uma experiência única, porque todos nós que vivemos, estamos vivendo isso, será histórico. (DEF 29)

DISCUSSÃO

Os docentes relataram a transformação do espaço utilizado para o convívio familiar em sala de trabalho, havendo necessidade de investir seus próprios recursos na compra e manutenção de equipamento, além da adaptação na infraestrutura. Ademais, os docentes citaram que, mesmo precisando investir em equipamentos de trabalho, houve cortes no salário durante a pandemia da covid-19, configurando um fator dificultante para as compras necessárias. Corroborando com esse achado, Souza et al (2021) também destacou que a transformação do espaço domiciliar em espaço de trabalho coube exclusivamente aos docentes, assim como todos os custos relacionados às condições de trabalho e à infraestrutura física adequada. Um estudo realizado na Indonésia destacou que apesar de o trabalho em casa trazer uma economia no gasto com transporte, considera necessário um orçamento especial para gastos extras adicionais durante o período, como luz e internet (PURWANTO et al. , 2020).

A desigualdade socioeconômica dos discentes, nesse período, ficou evidente, percebida pela falta de tecnologia, de equipamentos e de materiais para realizar as atividades propostas, fazendo com que fosse necessário o fornecimento de material físico. Essas disparidades entre as condições financeiras repercutiram tanto no processo de ensino quanto nas condições de trabalho do docente, visto que gerou uma maior demanda física, na tentativa de adaptar metodologias para aumentar o acesso e também mental, por gerar uma maior preocupação em razão do trabalho não estar atingindo a todos. Em outro estudo, docentes do Chile relataram que esse novo modo de ensino configura uma docência segregada e desigual, pois nem todos possuem o acesso necessário ao aprendizado. Ainda nessa linha, os docentes Chilenos destacaram a necessidade de implementação de futuras políticas públicas igualitárias de acesso e conectividade (VILLALOBOS MUÑOZ, 2021).

A falta de um ambiente físico e de uma estrutura familiar dos discentes também impactaram no processo de ensino-aprendizagem e na condição de trabalho do docente, de modo que este trabalho é intensificado no sentido de conseguir auxiliar os discentes e seus pais. Em outro estudo, a dificuldade de foco por parte dos discentes foi citado devido às distrações do ambiente doméstico, tornando evidente que o ambiente escolar é mais favorável à organização e ao desenvolvimento de hábitos de aprendizado (CIPRIANI; MOREIRA; CARIUS, 2021). A desigualdade digital, em tempos de pandemia, vai além da ausência de acesso à internet, engloba a capacidade de manejar as tecnologias, a disponibilidade de tempo, a saúde e o interesse dos familiares para acompanhar as atividades e impactam diretamente no aproveitamento dos discentes (MACEDO, 2021). A falta de recursos dos alunos, então, tem sido tema central nos debates sobre o ensino remoto, visto que atenua as desigualdades entre escolas públicas e privadas (SARAIVA, TRAVERSINI E LOCKMANN, 2020).

No que diz respeito ao trabalho e à vida domiciliar, os docentes alegaram dificuldade em conciliar o tempo e em estabelecer uma rotina durante o Ensino Remoto Emergencial, o que transferiu para segundo plano os momentos para si e para família, dando prioridade ao trabalho e gerando um acúmulo de tarefas domésticas. Os fatores que perpassam o tema trabalho-família caracterizaram mais uma grande demanda que sobrecarregou esses trabalhadores. Lemos, Barbosa e Monzato (2020) relataram que os docentes durante a pandemia se encontraram sobrecarregados com as múltiplas demandas que englobam os cuidados da casa, dos filhos e do trabalho, não conseguindo atender, como gostariam, às exigências desses três âmbitos, o que acabou gerando uma angústia com o momento vivenciado.

Apesar das dificuldades criadas entre conciliar trabalho e família, durante esse período, alguns docentes relataram a importância da participação dos cônjuges no cuidado com os filhos e com as tarefas da casa para conseguir dar conta das altas demandas exigidas. Essa mesma percepção foi encontrada em outro estudo, no qual alguns docentes relataram que a participação dos cônjuges nas atividades domésticas auxiliou na diminuição da demanda de trabalho (LEMOS; BARBOSA; MONZATO, 2020).

Apesar das adversidades, o trabalho domiciliar foi visto como algo positivo, principalmente por proporcionar a proteção de si e dos filhos, em relação à covid-19 e por permitir estar perto da família. As medidas de contenção colocadas em prática, como reduzir contato entre as pessoas nas escolas e no trabalho, foi uma estratégia no controle da pandemia (PREM et al. , 2020). A oportunidade de ficar perto da família durante esse período leva os docentes a suportar e relativizar a sobrecarga de trabalho propiciada pelo momento (LEMOS; BARBOSA; MONZATO, 2020). O processo de ensino-aprendizagem, durante o Ensino Remoto Emergencial, foi permeado por fatores que impactaram na condição de trabalho do docente, por gerar uma maior demanda referente às adaptações necessárias para o momento e por sentimentos de preocupação e frustração quando pensado no discente e na efetividade de seu aprendizado. Então, a remodelagem na forma de exercer o trabalho e o tempo que passou a ser usado para executá-lo levou a consequências negativas à saúde física e mental do docente (SOUZA et al. , 2021).

Os docentes destacaram uma preocupação com o aprendizado dos discentes, salientando a dificuldade em mensurar esse aprendizado, principalmente no processo de alfabetização. Além disso, eles destacaram a dificuldade em identificar se as atividades estavam sendo desenvolvidas pelos discentes e, por vezes, desconfiavam da realização das tarefas. Essa preocupação também foi verificada em estudo chileno, no qual foi salientado que a ausência nas aulas realizadas por videoconferência, a falta de interação com os discentes e o atraso do feedback das tarefas não permitiram avaliar o aprendizado como efetivo. Assim como entendem que o contato presencial é algo essencial para o aprendizado. Apesar de destacarem a tecnologia como facilitadora do trabalho, em tempos de pandemia, alegaram que as aulas presenciais não são substituíveis, que o contato físico e a afetividade são especiais na aprendizagem e que a presença do docente é necessária para o desenvolvimento integral do discente (VILLALOBOS MUÑOZ, 2021).

A presença física para o processo de ensino-aprendizagem também é ressaltada por docentes da cidade de Juiz de Fora. Eles destacam que por mais que seja possível a interação por meios digitais, na Educação Básica, isto não é considerado satisfatório, visto que restringe o olhar atento do docente e limita as práticas que favorecem a participação e a compreensão dos sujeitos envolvidos (CIPRIANI; MOREIRA; CARIUS, 2021). Por mais que os meios digitais sejam extremamente essenciais, eles restringem as possibilidades educativas e não substituem a relação humana (NOVOA; ALVIM, 2021).

Com vistas a possibilitar um processo de ensino-aprendizagem com qualidade, os docentes do estudo relataram a necessidade da busca por novos aprendizados e a criação de planejamentos que favorecessem esse processo, como busca por cursos para melhorar as metodologias de ensino e a criação de métodos alternativos para manter a proximidade com os discentes, criando estratégias para tentar atrair o interesse deles. Ficando evidente, então, a preocupação dos docentes com o papel formativo, com a necessidade de se reinventar, de maneira que seus alunos não sejam lesados, penalizados e desestimulados durante o ensino remoto (CARVALHO; MOURA, 2021).

Nesse contexto, a família passou a ser uma parte fundamental no processo de ensino-aprendizagem durante a pandemia. Porém, a falta de tempo e de conhecimento dos familiares para acompanhar o discente passou a ser um fator dificultador e de incerteza nesse processo, além de acumular mais uma demanda para os docentes que precisaram reformular o planejamento para que ele fosse de fácil entendimento, pensando nas particularidades dos pais. Macedo (2021) constatou que além dos impactos econômicos, sociais, psicológicos e de saúde gerados para diversas famílias da comunidade escolar, as famílias também foram desafiadas pelo Ensino Remoto Emergencial a ter um controle do horário dos filhos, a cumprir os prazos das lições e a esclarecer dúvidas sobre o conteúdo proposto. Segundo Carvalho e Moura (2021), o momento trouxe uma transformação para as escolas de Educação Básica, visto que a interação deixou de ser apenas entre docente e discente e passou a ser mediada pelo docente e executada pela família, juntamente com o discente. Com a sala de aula deslocando-se para casa, os pais passaram a desempenhar a função de organizar o horário e fiscalizar o cumprimento de atividades (SARAIVA; TRAVERSINI; LOCKMANN, 2020).

Apesar das inúmeras estratégias adotadas para o ensino-aprendizagem, docentes identificaram a falta de interesse e a falta de interação dos discentes como um fator prejudicial ao trabalho. Corroborando com o achado, docentes de outro estudo asseguraram perceber, nessa modalidade de ensino, discentes desmotivados, apáticos e desinteressados (CIPRIANI; MOREIRA; CARIUS, 2021). Além disso, a mudança na proximidade pedagógica, que envolveu a relação docente-discente para o encontro virtual limitado e isolado, pode acabar gerando insatisfação, tristeza e ansiedade nesses trabalhadores. (SOUZA et al. , 2021).

Os docentes utilizaram uma grande variedade de mecanismos para estimular o processo de ensino-aprendizagem, como encontros síncronos e, em outros momentos, o envio de atividades por Whatsapp e atividades por meio de plataforma virtual. Ademais, a maioria dos docentes disponibilizou material físico adaptado para tentar alcançar discentes que não possuem acesso aos meios tecnológicos. Estudo de Saraiva, Traversini e Lockmann (2020) também evidencia a grande variedade de recursos utilizados pelos docentes para executar o trabalho durante o Ensino Remoto Emergencial.

No que diz respeito ao tempo disponível para o trabalho, alguns docentes relataram estipular um horário e outros relataram ficar disponíveis durante todo o dia, ultrapassando qualquer carga horária estimada, já que utilizam por vezes o terceiro turno e os finais de semana com as atividades e orientações aos discentes e familiares. O estudo de Saraiva, Traversini e Lockmann (2020) mostra que o ensino remoto implicou em uma demanda integral para os docentes.

Com relação ao uso repentino da tecnologia, os docentes reconheceram a possibilidade e a necessidade de modernizar as formas de ensino e utilizar essas ferramentas para executar o trabalho. Foram destacadas as possibilidades que a tecnologia permite, como a facilidade de busca instantânea, a pesquisa de materiais de qualidade para melhoria de metodologias de ensino e a facilidade de encontros sem precisar deslocamento. Esses recursos tecnológicos impactaram em um novo formato de aprendizagem e a implementação de novas metodologias para alcançar esse objetivo impulsionou, de certa forma, a qualidade do ensino (VILLALOBOS MUÑOZ, 2021).

Alguns docentes enfatizaram a dificuldade no domínio das ferramentas digitais necessárias para executar o trabalho no Ensino Remoto Emergencial. Entretanto, foi com o apoio dos colegas e dos próprios discentes que as fragilidades foram sendo minimizadas. Nesse sentido, verifica-se que não foram ofertadas capacitações necessárias que possibilitassem um melhor uso das ferramentas, o docente precisou buscar maneiras alternativas de aprendizado com ajuda de outras pessoas. Cipriani, Moreira e Carius (2021) destacaram que a dificuldade na adoção de novos recursos e metodologias para desenvolver o trabalho reforçam a necessidade de uma formação continuada desses trabalhadores. Assim como Souza et al (2021) enfatiza que os docentes foram responsáveis pelo manuseio de tecnologias, o que caracterizou mais uma dificuldade no processo de ensino-aprendizagem para aqueles que não tinham formação ou familiaridade com essas ferramentas.

As ferramentas digitais têm determinado inúmeras mudanças em nossa sociedade, dessa forma, as escolas precisam ser espaços responsáveis por conduzir uma educação com e para essas tecnologias. Para que isso ocorra, é necessário o acesso a uma infraestrutura de tecnologia digital básica e a existência de processos de formação continuada para docentes e gestores, a fim de que essas tecnologias sejam incorporadas ao currículo. Esse processo é pensado no sentido de transformar a organização da escola e a cultura escolar (SCHERER; BRITO, 2020).

Os resultados mostraram que a pandemia da covid-19 exigiu uma reestruturação do exercício profissional e trouxe intensas e repentinas mudanças nas condições de trabalho dos docentes do Ensino Fundamental, gerando consequências que extrapolaram o ambiente físico, o espaço e o convívio familiar, o cuidar de si, a partir de uma imersão ao trabalho que, muitas vezes, levaram à frustração. Mesmo com as dificuldades encontradas, o compromisso com o ensino- aprendizagem foi um dos fatores que mais se destacaram.

A reestruturação ressaltou a intensificação e a precarização das condições de trabalho, como consequência, os docentes se viram submetidos às novas exigências (SOUZA et al. , 2020). A sobrecarga de trabalho na situação vivenciada pode gerar frustração, preocupação e ansiedade (CIPRIANI; MOREIRA; CARIUS; 2021). Nesse contexto, os desafios que a pandemia trouxe para a docência não levou apenas a mudanças estruturais, mas acarretou uma série de fatores que podem levar os docentes à exaustão (SARAIVA; TRAVERSINI; LOCKMANN, 2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia da covid-19 fez com que o setor educacional precisasse ser reorganizado e replanejado para seguir em funcionamento. Essas transformações implicaram em mudanças na rotina e nas condições de trabalho dos docentes do Ensino Fundamental.

Em relação à estrutura e à infraestrutura, destaca-se que os docentes precisaram adequar o seu domicílio para executar o trabalho. A falta de estrutura e de infraestrutura dos discentes nesse período ficou evidente e repercutiu diretamente na condição de trabalho do docente. No que diz respeito ao trabalho e à vida domiciliar, os docentes alegaram uma dificuldade de conciliação, o que gerou mais uma demanda de trabalho. E o processo de ensino-aprendizagem, durante o Ensino Remoto Emergencial, foi permeado por fatores que impactaram a condição de trabalho do docente

É importante destacar a importância de identificar as condições de trabalho às quais estão submetidos esses trabalhadores, visto que não houve apenas uma reestruturação material. A transformação implicou em transformações no âmbito da vida privada dos docentes, intensificando o trabalho e adentrando a vida domiciliar, familiar, pessoal e impedindo até momentos de descanso e de lazer.

A partir do momento em que conhecemos e ouvimos os docentes, podemos elaborar estratégias para melhorar as condições de trabalho. A partir desse estudo, sugere-se a elaboração de tecnologias de educação em saúde como cartilhas, vídeos, entre outros recursos, que poderão gerar promoção de saúde e prevenção a desgastes decorrentes das condições de trabalho do docente. Assim como a possibilidade da inserção de um enfermeiro que exerça a saúde ocupacional na Secretaria da Educação ou ainda uma articulação com a Secretaria de Saúde para o desenvolvimento de ações em saúde do trabalhador.

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Recebido: 15 de Fevereiro de 2022; Aceito: 07 de Novembro de 2022

Raissa Garcia Brum Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (2022). Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande (2019). Atualmente discente do Curso de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Saúde - NEPES. E-mail: raissagbrum@gmail.com

Laurelize Pereira Rocha Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (2014). Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (2012). Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande (2009). Docente na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande. Coordenadora adjunta do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem - NEPES. E-mail: laurelize@gmail.com

Deciane Pintanela de Carvalho Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (2020). Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (2017). Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande (2014). Atualmente atua como Enfermeira da Coordenação de Saúde e Qualidade de Vida da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas da Universidade Federal de Pelotas. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Saúde - NEPES. E-mail: deciane.caravalho@gmail.com

Jamila Geri Tomaschewski Barlem Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (2014). Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (2012). Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande (2010). Docente na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande. Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande – (2023-2024). Líder e Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem - NEPES. Pesquisadora do CNPq – PQ2. E-mail: jamila_tomaschewski@hotmail.com

Rosemary Silva da Silveira Doutora em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006). Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Graduada em Enfermagem e Obstetrícia pela Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora Medianeira (1987). Docente na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande e no Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem - NEPES. E-mail: rosemaryssilveira@gmail.com

Suelen Gonçalves de Oliveira Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (2019). Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande (2015). Atualmente discente do Curso de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande. Atua como enfermeira supervisora dos estágios finais da Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Saúde - NEPES. E-mail: su.g.oliveira@gmail.com

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