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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

Print version ISSN 1678-166XOn-line version ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.39 no.1 Goiânia  2023  Epub Sep 25, 2023

https://doi.org/10.21573/vol39n12023.122539 

Artigos

Acesso e uso de aparatos tecnológicos e internet na educação superior em Minas Gerais

Access and use of technological devices and internet in higher education in Minas Gerais

Acceso y uso de dispositivos tecnológicos e internet en la educación superior de Minas Gerais

DANIEL SANTOS BRAGA1 
http://orcid.org/0000-0001-5075-4570

AMANDA TOLOMELLI BRESCIA2 
http://orcid.org/0000-0002-1578-1474

DINA MARA PINHEIRO DANTAS3 
http://orcid.org/0000-0002-8704-0675

1Universidade do Estado de Minas Gerais Departamento de Educação Ibirité, MG, Brasil

2Universidade do Estado de Minas Gerais Faculdade de Educação Belo Horizonte, MG, Brasil

3Universidade Federal do Ceará Programa de Pós-graduação em Educação Fortaleza, CE, Brasil


Resumo

este estudo objetiva identificar aspectos do acesso e uso de aparatos tecnológicos e internet por professores e alunos de cursos de graduação da Universidade do Estado de Minas Gerais, na pandemia de covid-19. Foi aplicado questionário online, respondido por 229 docentes e 669 discentes. Identificou- se que o Ensino Remoto Emergencial exigiu adequações didático-pedagógicas, bem como aquisições ou melhorias de aparatos tecnológicos e redes de internet. Também possibilitou traçar o perfil socioeconômico dos discentes e demonstrou as desigualdades de oportunidades educacionais vivenciadas.

Palavras-Chave: acesso às tecnologias digitais; desigualdades de oportunidades educacionais; ensino remoto emergencial; educação superior

Abstract

The aim of this study is to identify the access and use of devices and the internet by professors and undergraduate students of the State University of Minas Gerais, during the covid-19 pandemic. A questionnaire was applied, to which 229 teachers and 669 students answered. It was identified that Remote Education required pedagogical adaptations, as well as acquisitions or improvements of technological devices and internet networks. It was also possible to trace the socio-economic profile of the students and demonstrated the inequalities of educational opportunities experienced.

Key words: access to digital technology; inequalities of educational opportunities; emergency remote education; higher education

Resumen

El objetivo de este estudio es identificar el acceso y uso de dispositivos e internet por parte de profesores y estudiantes de pregrado de la Universidad Estadual de Minas Gerais, en la pandemia de covid-19. Se aplicó un cuestionario, respondido por 229 profesores y 669 alumnos. Se identificó que la Educación Remota requería adaptaciones pedagógicas, así como adquisiciones o mejoras de dispositivos tecnológicos y redes de internet. También permitió trazar el perfil socioeconómico de los estudiantes y demostró las desigualdades de oportunidades educativas experimentadas.

Palabras-clave: acceso a la tecnología digital; desigualdades de oportunidades educativas; educación remota de emergencia; educación superio

INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea é marcada por constantes e cada vez mais acentuadas transformações nos mais variados segmentos, especialmente em relação ao desenvolvimento e massificação de tecnologias de informação e comunicação. As mudanças na dinâmica dos usos dessas tecnologias interferem nas estruturas sociais, econômicas e nas relações interpessoais, formando uma cultura da virtualidade real (CASTELLS, 1999). Por outro lado, ainda que os impactos das novas utilizações de aparatos tecnológicos e recursos digitais tenham ocorrido globalmente, a expansão da rede e o acesso à internet não se deram de forma igualitária, mas com desigualdades distribuídas geograficamente entre polos de desenvolvimentos tecnológicos, produtores de conteúdo e utilizadores (CASTELLS, 2003).

Para Levy (1999), o ciberespaço1 funciona como um novo lugar de sociabilidade, acabando também por originar novas formas de relações sociais, com códigos, estruturas e especificidades próprias. O ciberespaço é visto, para alguns, como um ambiente conservador e reacionário, que aumenta o abismo entre ricos e excluídos; entre o Primeiro Mundo informatizado e as regiões pobres nas quais a maioria dos habitantes nem sempre tem acesso a um telefone. Por outro lado, o ciberespaço também pode ser compreendido como um agente de libertação, pois permite que textos e imagens de todos os tipos circulem em grande escala no mundo inteiro, sem necessariamente passar por editor, redator ou censor, sendo assim progressista e revolucionário.

Esse duplo fenômeno (crescente presença das tecnologias digitais nas estruturas socioeconômicas e as desigualdades de sua produção e acesso) marcam o surgimento de uma verdadeira tecnomeritocracia nas sociedades contemporâneas. Esse termo, cunhado por Castells (2003), designa a ideia disseminada – e reforçadora de desigualdades – de que o desenvolvimento científico e tecnológico é elemento decisivo no progresso individual e da humanidade como um todo. Dessa forma, os sistemas educacionais sofrem pressões sociais, políticas e econômicas para se adequarem à nova realidade, contribuindo para a formação de pessoas comprometidas com o desenvolvimento econômico, ou seja, aptas a produzir e se utilizar de recursos tecnológicos (ZANDVLIET, 2012). Essa adequação dos sistemas se manifesta, dentre outros elementos, pela introdução de diversos usos de aparatos tecnológicos nas relações de ensino e aprendizagem (BUCKINGHAM, 2010).

Na contramão dessa compreensão utilitarista e economicista das tecnologias digitais nos sistemas educacionais, diferentes pensadores buscaram apontar o uso dos aparatos tecnológicos e das redes em uma vertente mais democrática (DAGNINO, 2002). As chamadas teorias críticas da tecnologia (FEENBERG, 2010) vêm buscando fundamentação nos segmentos científicos para que a tecnologia se torne não somente um suporte para o processo de ensino e aprendizado, como também instrumento de inclusão e transformação social (FREITAS; SEGATTO, 2014).

Tanto em uma perspectiva utilitarista quanto crítica, a tendência de crescimento dos usos de tecnologias digitais de informação e comunicação nos mais diversos segmentos sociais foi acentuada com o advento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em relação ao surto de doença respiratória aguda grave – covid-19 – causada pelo novo coronavírus Sars-CoV-2, no ano de 2020. Em todos os continentes, milhões de pessoas foram infectadas e parte considerável delas veio a óbito em decorrência de complicações ocasionadas pela doença (OMS, 2020). Dentre as diversas medidas de contenção da disseminação da doença, estavam ações de distanciamento social, estímulo ao trabalho domiciliar (home office) e, para o caso da educação, substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, o chamado Ensino Remoto Emergencial (HODGES et al., 2020). No Brasil, a adoção desse modelo de ensino se deu a partir da Portaria do Ministério da Educação nº 343, de 17 de março de 2020.

Este estudo se propõe a investigar o acesso de professores e alunos de cursos de graduação a aparatos tecnológicos e redes de internet à luz da teoria crítica da tecnologia, no contexto pré-pandemia e também do Ensino Remoto Emergencial (ERE). Em outras palavras, propõe-se a investigar onde, como e para que se acessavam recursos de tecnologias de informação e comunicação no âmbito da educação superior e se isso mudou durante a pandemia de covid-19. A hipótese que subjaz essa investigação entende que professores e estudantes acessam de forma desigual e excludente aparatos tecnológicos e redes de internet em espaços externos à universidade dado o baixo grau de institucionalização do uso acadêmico desses recursos e pela dificuldade financeira de acesso a tais aparatos. O recorte espacial e temporal da pesquisa são professores e alunos de nível superior em Minas Gerais em 2020, especificamente a comunidade acadêmica da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

Este recorte se justifica pelo fato de a UEMG ser a terceira maior instituição de educação superior de Minas Gerais, sendo sua estrutura multicampi e constituída por 16 campi e 20 unidades distribuídas em diferentes regiões do estado (Abaeté, Belo Horizonte – sede, Barbacena, Campanha, Carangola, Cláudio, Diamantina, Divinópolis, Ibirité, Ituiutaba, Frutal, João Monlevade, Leopoldina, Passos, Poços de Caldas e Ubá). No ano de 2020, a UEMG contava com 1.647 docentes e 20.815 discentes, distribuídos em 118 cursos.

Na UEMG, as aulas presenciais foram suspensas no dia 17 de março de 2020 e foram retomadas a partir da Resolução COEPE/UEMG Nº 272, de 02 de julho de 2020, que dispõe sobre as atividades acadêmicas de forma remota emergencial durante a pandemia da covid-19 na Universidade, sendo esta posteriormente alterada e mais à frente revogada.

Estudos preliminares realizados em bancos de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), especificamente no Censo da Educação Superior de 2018 e nos questionários contextuais do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – Enade do triênio 2016-2018, identificaram que 84,6% dos estudantes da UEMG consideravam que os professores utilizavam tecnologias da informação e comunicação como estratégia de ensino (projetor, multimídia, laboratório de informática, ambiente virtual de aprendizagem). Da mesma forma, mais da metade (57,3%) concordava que a instituição contava com recursos didáticos virtuais e/ou conferiu acesso às obras disponíveis na internet. Ou seja, é possível afirmar que o uso de novas tecnologias para processos de ensino e aprendizagem já apresentavam certo grau de institucionalização nessa universidade.

Assim, este artigo intenta contribuir com um estudo que coteje o acesso e usos de aparatos tecnológicos e redes de internet antes e durante o Ensino Remoto Emergencial (ERE) pela comunidade acadêmica da UEMG. Dito de outro modo, tendo em vista a hipótese de que a crescente inserção de recursos tecnológicos no contexto educacional – antes e durante a pandemia – não se dá de maneira homogênea e nem segue a mesma velocidade de outros setores, mas, que de forma comedida, vai sendo inserida e construindo novas estruturas de ensino que perpassam uma trajetória ampla de recursos educacionais se torna importante problematizar o quê e como professores e estudantes acessam e se apropriam dessas tecnologias.

AS NOVAS TECNOLOGIAS E SUAS APROPRIAÇÕES

A utilização de tecnologias de informação e comunicação nos processos de ensino tem sido discutida com muita frequência em congressos, seminários, dissertações de mestrado e teses de doutorado, porém tais discussões tratam da utilização de tecnologias no Ensino Fundamental, Médio e mais recente e constantemente, na Educação a Distância. Contudo discutir a utilização de tecnologias no Ensino Superior é uma prática mais recente e menos ampliada, e sendo ainda iniciais os estudos que estão sendo desenvolvidos nesse sentido, mas não menos fundamentais para a continuidade do ensino e para a retomada (ainda futura) da educação presencial modificada, atualizada e (por que não?) mais efetiva.

Esta (r)evolução que hoje está sendo vivenciada na educação indica, entre outros aspectos, que “a educação se realiza em outros lugares além da escola” (GOMEZ, 2004, p. 22), podendo-se dizer que “não existem fronteiras quando se utiliza a Internet para a aprendizagem das pessoas” (GOMEZ, 2004, p. 22), o que ficou mais claro com o desenvolvimento do ERE. Essa mudança pode ainda significar uma mudança no papel do professor, que passa a ser, além de leitor, também autor e desenvolvedor de materiais para a educação, inclusive editor e colaborador, para uma “plateia” que ultrapassa os limites da sala de aula ou do ambiente escolar de aprendizagem.

Essa mudança nos papéis dos professores e dos alunos passa a ser possível e facilitada com a ampliação do acesso a aparatos tecnológicos, principalmente, da educação realizada em redes, mediados por tecnologia da informação e comunicação, ou seja, em ambientes virtuais de aprendizagem. Com a mudança do papel do aluno, percebe-se que é exigida mudança também da prática docente do Ensino Superior. É solicitado ao professor que atue “utilizando tecnologias de informação na sua docência; produzindo seu trabalho não mais de forma isolada, mas em redes acadêmicas nacionais e internacionais” (MOROSINI, 2000, p. 11). Sendo que essa solicitação, antes do advento da pandemia, era um convite, e agora uma exigência acadêmica a todos os envolvidos, pois a mediação tecnológica passou a ser a única forma de dar continuidade ao processo formativo de crianças, jovens e adultos, por um longo período.

Considerando-se que “a aprendizagem em grupos colaborativos constitui um tema de enorme interesse para a pesquisa educacional e está gerando, especialmente nas últimas quatro décadas, uma grande quantidade de estudos e pesquisas” (ONRUBIA; COLOMINA; ENGEL, 2010, p. 208), percebe-se que aprender em rede, discutir novos conceitos e novas possibilidades por intermédio de tecnologias de informação e comunicação, comunidades práticas, redes sociais e atividades desenvolvidas coletiva e colaborativamente são possibilidades cada vez mais atuais.

A partir das mudanças que os educadores têm vivenciado na educação, Kenski (2003; 2007 e 2013) elucida que era necessário (no contexto pré-pandêmico) que acontecesse uma completa e relevante mudança no sistema educacional. Além disso, a “lógica de educar utilizando-se das redes tem como ponto relevante a redefinição do papel do professor” (KENSKI, 2003, p. 93), pois “as tecnologias digitais requerem um espaço educacional no qual sejam estabelecidas redes de relações que proporcionem múltiplas possibilidades de interação, tornando impossível a previsão dos resultados que poderão ser obtidos” (LOPES, 2005, p. 37).

Considera-se que essa nova maneira de pensar, essa nova corrente que “coloca o usuário na posição de produtor e difusor de conteúdos, é conhecida com o nome de Web 2.0, em contraposição à perspectiva anterior de Web 1.0, que conferia ao usuário um papel de mero consumidor relativamente passivo” (COLL; MONEREO, 2010, p. 28) e que esta possibilita, por exemplo, a construção de redes de conhecimento. Porém toda essa discussão da aprendizagem utilizando aparatos tecnológicos para auxiliar no ensino desde a Educação Básica ao Ensino Superior dificilmente teria saído do campo das ideias e das projeções e projetos (normalmente individuais e não coletivos ou de políticas públicas) até o advento da pandemia de covid-19. E, se administrar e capacitar o corpo docente para a utilização de aparatos tecnológicos antes da pandemia já era utópico, administrar uma crise sanitária e buscar a simetria social e educacional pode ser uma das missões mais difíceis que os educadores já tiveram em sua prática profissional (RIBEIRO, 2021). Ribeiro (2021) trata como ciclo da precariedade o que está sendo vivenciado na educação e que esse ciclo

[…] é composto por nossas condições pré-pandemia, quando a maior das escolas, a despeito dos 30 anos de estudos e alertas sobre a relação possível entre tecnologias digitais e educação, não investia nessa questão. Por exemplo: não estruturava nem fornecia nenhum ambiente virtual de aprendizagem (AVA), não solucionava questões hoje básicas como acesso a Wi-Fi e acesso remoto a sistemas escolas, negava e proibia acessos a certas plataformas, burocratizava excessivamente o uso de recursos digitais e não conseguia ou não atualizava ou dava manutenção em equipamentos rapidamente obsoletos (RIBEIRO, 2021, p. 4).

A despeito do não feito pelas escolas, pelos professores, pelas redes de ensino antes da pandemia, culminando nos ciclos de precariedade (RIBEIRO, 2021), Santos (2021) trata a covid-19 como pedagógica, no sentido de que só o próprio vírus pode nos auxiliar a “tentar organizar as respostas sociais que, no futuro, poderão diminuir a possibilidade de sermos visitados por novos vírus dessa maneira tão indesejada” (SANTOS, 2021, p. 38). Tais respostas sociais incluem a mudança que a educação precisa efetivar, inclusive para a retomada do ensino presencial, agora em um possível novo modelo, o que Kenski (2003, p. 92) vislumbra como “um novo tempo, um novo espaço e outras maneiras de pensar e fazer educação são exigidos na sociedade da informação.”

Tal discussão no contexto pré-pandêmico era uma, neste momento de ERE é outra. Porém a necessidade de se mapear os aparatos digitais e o acesso à internet que parte da população tem acesso, como está sendo realizado neste trabalho com a comunidade acadêmica da Universidade do Estado de Minas Gerais, faz-se premente no sentido inclusive de buscar melhorias internas de tais aparatos, bem como de qualificação tecnológica e metodológica de professores para uso de tais aparatos.

MAPEAMENTO DOS APARATOS DIGITAIS E ACESSO À INTERNET NA UEMG: RESULTADOS DO SURVEY

O campo de pesquisa sobre a utilização de aparatos tecnológicos e redes de internet no ensino superior tem se ampliado pari passu à própria transformação societária que coloca, cada vez mais, as tecnologias de informação e comunicação em posição de centralidade (MORAIS et al., 2014). A literatura sobre o assunto se apresenta por meio de diferentes enfoques temáticos, referenciais teóricos e abordagens metodológicas.

Quanto à diversidade temática, é possível encontrar estudos sobre os usos específicos pelos alunos nos processos de aprendizagem; nas abordagens de ensino por parte de professores e na perspectiva da adequação institucional ou do impacto de tecnologias emergentes (PINTO et al., 2013). Em relação aos referenciais teóricos, é possível divisar compreensões deterministas, instrumentalistas, substantivistas e da teoria crítica (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004). No tocante às metodologias, existem estudos tanto de natureza qualitativa, com investigações in loco, de cunho descritivo, que enfrentam como obstáculo a generalização; e estudos de cunho quantitativo, que esbarram na falta de dados oficiais fidedignos (MORAIS et al., 2014).

Por se tratar de uma pesquisa com seres humanos, e como toda pesquisa com seres humanos apresentava possibilidade de danos à dimensão psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, buscando minimizar a possibilidade de tais riscos os pesquisadores se comprometem com a ética em pesquisa e com os cuidados necessários para resguardar os participantes da pesquisa. Sendo esta submetida ao Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado de Minas Gerais e aprovada em Parecer nº 4.062.535.

Objetivando identificar aspectos relativos ao acesso e uso de aparatos tecnológicos e redes de internet por professores e alunos de cursos de graduação em Minas Gerais, especificamente, os pertencentes à comunidade acadêmica da Universidade do Estado de Minas Gerais, no contexto da pandemia de covid-19, no ano de 2020, foram enviados questionários online (tipo Survey) autoaplicáveis utilizando a ferramenta Google Formulário para 23.425 alunos de graduação e 1.511 docentes dos cursos de graduação, constituindo-se em uma pesquisa de caráter censitário, tendo como universo de análise todos os docentes e discentes dos cursos de graduação da Universidade no ano de 2020.

A construção dos questionários levou em conta a teoria crítica da tecnologia. Ou seja, os aparatos tecnológicos não devem ser reduzidos à sua instrumentalidade técnica, pretensa neutralidade ou inerente inovação. Antes, buscou-se captar o acesso e uso desses recursos a partir de sua interseção com outros marcadores sociais como sexo, cor/raça, idade e renda (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).

Posteriormente, foram analisados os dados coletados cotejando com informações obtidas a partir de outros estudos que buscam identificar o acesso à tecnologia da população brasileira, bem como os dados do ENADE. Os procedimentos de investigação e etapas da pesquisa foram subdivididos em três etapas distintas e complementares:

  1. a primeira consistiu em um levantamento e análise bibliográfica com o intuito de aprofundar estudos sobre a utilização de tecnologias de informação e comunicação na educação superior. Esta revisão, mediante análise de conteúdo, subsidiou a problematização, construção e eventuais ajustes nos instrumentos de coleta de dados (questionário survey). Sendo consultadas diferentes bases bibliográficas como Scielo, o portal de periódicos das principais universidades brasileiras (USP, UFRJ, UFMG, UFRGS), a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações e a base ERIC (para referências internacionais).

  2. A etapa seguinteconsistiu na adoção deprocedimentosde encaminhamento e aplicação de surveys online (CAWI Computer-Assisted Web Interviewing) aos alunos e professores de cursos de graduação da Universidade do Estado de Minas Gerais. O produto desta etapa é um banco de dados com informações relativas a acesso e uso de aparatos tecnológicos e redes de internet por professores e alunos.

  3. A terceira etapa é a consolidação e análise dos dados coletados. Os produtos alcançados são: um relatório técnico a ser encaminhado à reitoria da UEMG na forma de contribuição para as eventuais políticas internas da universidade e este artigo científico. Para fins de apresentação, nos gráficos das figuras, os dados de professores sempre foram apresentados em tons azuis e os dados de alunos, em tons vermelhos.

CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA DE PROFESSORES E ALUNOS DA UEMG

Os participantes deste estudo foram instados a responderem questões relativas ao sexo, raça, idade e renda no primeiro bloco de perguntas dos questionários. O objetivo foi identificar o perfil socioeconômico dos professores e alunos da UEMG uma vez que essa caracterização é relevante para o desenvolvimento da pesquisa quanto às desigualdades de acesso e uso de aparatos tecnológicos por grupos distintos.

Em relação aos professores (Tabela 1), a maioria eram mulheres autodeclaradas brancas. Apenas cerca de um quarto dos docentes da UEMG eram negros (pardos e pretos), apesar de esse grupo social constituir mais da metade da população no estado de Minas Gerais (IBGE, 2019).

Tabela 1 Perfil socioeconômico dos professores entrevistados 

Professores respondentes – n: 227
Sexo/Gênero Número de professores %
Feminino 131 57,7
Masculino 94 41,4
Outros 2 0,9
Cor/Raça
Branca 161 70,9
Parda 47 20,7
Preta 12 5,3
Amarela 1 0,4
Prefere não responder/não sabe responder 6 2,6
Faixa etária
< de 30 anos 10 4,4
Entre 30 e 40 anos 85 37,4
Entre 40 e 50 anos 73 32,2
> de 51 anos 59 26
Professores respondentes – n: 227
Renda
Entre um e dois salários mínimos 1 0,4
Entre dois e cinco salários mínimos 26 11,5
Entre cinco e dez salários mínimos 131 57,7
Entre dez e vinte salários mínimos 58 25,6
Acima de vinte salários mínimos 4 1,8
Prefere não responder/não sabe responder 7 3,1

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Não é possível destacar diferenças significativas entre os grupos de professores por cor/raça ou sexo/gênero quanto à idade ou quanto à renda, apesar de uma tímida correlação entre essas duas últimas variáveis (ρ de Spearman = 0,1; p <0,05), que pode significar ganhos salariais decorrentes de eventuais progressões ao longo da carreira. Uma possível explicação para a baixa correlação é o expressivo número de professores com contratos temporários (prática ainda utilizada na UEMG), não vinculados à carreira do magistério superior e que, portanto, não faziam jus a aumentos remuneratórios e vantagens pecuniárias incorporáveis previstos aos efetivos.

Quanto aos alunos respondentes (Tabela 2), a maior parte era mulher, com proporção superior ao identificado na população de estudantes da universidade (INEP, 2018) que demonstra um limite representativo da amostra. Todas as demais características têm percentual compatível com o perfil encontrado para a UEMG no Censo da Educação Superior. A porcentagem de estudantes brancos e negros é próxima, respectivamente 47,0% e 49,7% do total. Em relação à idade, mais da metade dos estudantes respondentes tinham entre 20 e 29 anos, o que sugere que o ingresso na educação superior se deu imediatamente após ao ensino médio ou poucos anos depois da conclusão da educação básica. Um número expressivo de alunos estava acima de 30 anos (cerca de um quarto), o que permite supor que ingressaram no nível universitário com trajetórias e experiências profissionais e/ ou acadêmicas diversas. Dos alunos respondentes, 84% declararam terem renda própria acima de um salário mínimo, percentual bastante superior ao da média nacional disponível nos dados do Enade (triênio 2017-2019), sendo possível inferir um perfil de estudantes trabalhadores.

Tabela 2 Perfil socioeconômico dos alunos entrevistados 

Alunos respondentes – n: 666
Sexo/Gênero Número de professores %
Feminino 520 78,1
Masculino 136 20,4
Outros 5 0,8
Prefere não responder/não sabe responder 5 0,8
Cor/Raça
Branca 313 47,0
Parda 221 33,2
Preta 110 16,5
Amarela 7 1,1
Outros 1 0,2
Prefere não responder/não sabe responder 14 2,1
Faixa etária
< de 19 anos 78 11,7
Entre 20 e 30 anos 378 56,8
Entre 31 e 50 anos 176 26,4
> de 51 anos 34 5,1
Renda
Não tem renda 7 1,1
Até um salário mínimo 60 9,0
Entre um e dois salários mínimos 182 27,3
Entre dois e cinco salários mínimos 283 42,5
Acima de cinco salários mínimos 95 14,3
Prefere não responder/não sabe responder 39 5,9

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Quando se compara a cor/raça pela faixa etária, é possível verificar que brancos eram mais da metade dos alunos na faixa entre 20 e 30 anos. Já os negros eram a maioria dos estudantes com idades entre 31 e 50. Isso se dá, possivelmente, por esse grupo – em geral – ter que começar a trabalhar precocemente e, por conseguinte, entrarem na universidade com mais idade. A desigualdade racial se apresentava também quanto à renda, sendo os negros a maioria dos estudantes respondentes tanto para a ausência de renda (85,7%) quanto para renda até um salário mínimo (63,8%). Os autodeclarados brancos apresentavam maior percentual para todas as faixas de maior renda.

A primeira compreensão suscitada pelos dados é que não é possível distinguir um perfil dos professores dada a sua heterogeneidade socioeconômica, com exceção, talvez, da cor/raça dos docentes, majoritariamente branca. A segunda inferência é que as informações obtidas no primeiro bloco do questionário permitem a delimitação de um perfil típico-ideal (WEBER, 1999) dos alunos respondentes da pesquisa. Qual seja, o aluno da UEMG em 2020 era uma mulher, branca, jovem (até 29 anos), trabalhadora, com renda de dois a cinco salários mínimos. Enquanto as professoras eram também mulheres, brancas, de 30 a 40 anos, com renda de cinco a dez salários mínimos.

De posse dessas informações, na próxima seção serão apresentados os dados relativos à disponibilidade de aparatos tecnológicos e recursos de internet de professores e alunos da UEMG.

ACESSO E USOS DE APARATOS TECNOLÓGICOS E INTERNET POR PROFESSORES E ALUNOS DA UEMG

A emergência da pandemia de covid-19 e a consequente adoção de medidas para a contenção da disseminação do Sars-CoV-2, dentre elas o ERE em instituições de ensino públicas e particulares, fez com que professores e alunos precisassem lidar com aparatos tecnológicos e redes de internet disponíveis em suas residências para a continuidade das relações de ensino e aprendizagem.

Considerando que pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (IBGE, 2019) 21,7% da população acima de 10 anos estava desconectada no início da pandemia, ou seja, mais de 12 milhões de brasileiros não possuíam acesso à internet em domicílio, foi questionado a docentes e estudantes da UEMG se eles fizeram aquisição de dispositivo eletrônico e/ou melhorias na internet para a utilização no período de ensino remoto (Figura 1), sendo revelado que a maioria dos professores adquiriu e/ou implementou melhorias em aparelhos e na internet para seu trabalho durante a pandemia. Por outro lado, isso ocorreu para menos da metade dos alunos.

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Figura 1 Aquisição e/ou melhoria de aparatos tecnológicos (a) e redes de internet (b) por professores e alunos da UEMG no contexto da pandemia, 2020 

Para o caso dos professores, todos os grupos etários, de raça/cor e de renda tiveram maiores percentuais para sim quanto à aquisição e melhoria de aparatos e internet. Em relação aos alunos, apenas nos grupos de estudantes sem renda, com renda familiar até um salário mínimo e entre um e dois salários mínimos, houve percentual maior daqueles que adquiriram ou melhoraram aparelhos digitais. Isso pode significar que as faixas maiores de renda já tinham equipamentos adequados antes mesmo da pandemia, o que demandou maior esforço por parte dos estudantes com menor renda para conseguirem acompanhar as atividades no ERE.

A aquisição de novos equipamentos demonstrada nesta pesquisa ajuda a explicar a presença de aparatos tecnológicos nos domicílios. Os dados demonstram ainda que os professores da UEMG contavam com mais dispositivos e em maior variabilidade do que alunos (que pode ter como origem as aquisições apresentadas na Figura 1). Se para alunos o aparelho mais disseminado era o smartphone, para docentes era o notebook. Mesmo assim, a maior parte dos respondentes afirmou contarem com aparelhos de notebook e smartphones em casa; 37 docentes (16,2%) tinham acesso a apenas um dispositivo e mais da metade contava com três ou mais dos aparelhos relacionados. Um em cada quatro alunos tinha um dispositivo somente e 43,8% contavam com dois, sendo que ainda 30,3% dos estudantes tinham acesso a mais de três aparelhos em casa. Quanto à preferência de uso, de todos os aparatos disponíveis, professores utilizam mais frequentemente notebooks (51,9%) e alunos, smartphones (78,1%).

Apenas um professor respondente não contava nem com computador, nem com notebook, registrando somente smartphone como dispositivo presente no domicílio, o que pode dificultar o uso pedagógico de diferentes metodologias, como as metodologias ativas, por exemplo, ou utilização de ambientes virtuais. Dos alunos, 51 (7,6% do total) estavam nessa mesma situação, com um deles contando, além de aparelho smartphone, com um tablet em casa. A despeito da maioria dos alunos da UEMG serem brancos, 66% dos respondentes nessa situação de ausência de computadores ou notebooks eram negros. A renda parece ser fator preponderante para o fato da ausência de computadores de mesa e notebooks tendo em vista que 78,8% dos estudantes que responderam não terem esses itens, tinham renda familiar de até dois salários mínimos. Ou seja, ainda que esses estudantes tenham sido os que mais empreenderam esforços na aquisição de novos equipamentos, ainda assim foram os que permaneceram em situações menos adequadas quanto à posse de dispositivos digitais para o acompanhamento das atividades do ERE.

Quanto à internet, os grupos de estudante com menos renda também foram os únicos a responderem que o local de moradia não tinha internet: 42,9% dos que não tinham renda; 11,7% dos com renda familiar até um salário mínimo; e 8,8% dos com renda familiar entre um e dois salários mínimos. Dentre a exposição de motivos, estão a falta de condições no momento, a disponibilidade de redes na região e os altos preços cobrados pelas companhias que fornecem o serviço.

A qualidade da internet foi explorada nos questionários por meio da pergunta sobre o tipo de conexão utilizada (Figura 3). A maior parte dos respondentes (com proporção superior para professores) tinha internet banda larga via cabo/fibra ótica, sendo considerada essa a condição mais adequada pela maior possibilidade de estabilidade de conexão e velocidade de transmissão de dados (upload e download). Mesmo assim, percentual expressivo de professores e alunos da UEMG reportou se utilizar de conexão com maior possibilidade de instabilidade (via rádio, satélite, chip e até mesmo internet discada).

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Figura 3 Tipo de conexão de internet de professores e alunos da UEMG no contexto da pandemia, 2020 

O acesso à internet por tipos de conexão menos adequadas predominava entre estudantes respondentes entre um e dois (28,6%) e entre dois e cinco salários mínimos (39,8%). A explicação para não constar entre os de menor renda pode ser devido ao fato de que foi exatamente nesses grupos o maior percentual de ausência de internet, daí figurarem com percentuais menores nesse quesito (2,4% dentre os que não têm renda; e 13,1% dentre os com até um salário mínimo). A velocidade da internet também foi questionada, e considerando uma conexão adequada para aulas online em torno de 15 a 25 Mbps (KONNET, 2020), 38,3% estavam abaixo do básico, e 9,5% estavam próximos da faixa ideal, mas apresentavam risco de instabilidade.

Ainda sobre a internet, apenas um professor declarou que a rede de Wi-Fi é compartilhada, o mesmo ocorrendo com 114 alunos (17,1% do total). Dentre os estudantes, o percentual foi maior entre os que declaravam não terem nenhuma renda e até um salário mínimo, perfazendo 74,6% dos que compartilhavam Wi-Fi. Esse percentual também foi significativamente alto entre os alunos autodeclarados amarelos (42,9%), mas não foi possível destacar algum fator explicativo para o dado. Quanto ao uso das redes, apenas 16 alunos (2,4%) nunca tinham utilizado a internet por ser cara, por inabilidade ou por falta de necessidade. A grande maioria dos docentes (95,6%) e estudantes (95%) assinalou estar conectada a maior parte do tempo. Nove alunos responderam que somente utilizam a internet para assistirem a aulas síncronas e apenas um professor se encontrava nessa situação.

Os usos de aparatos digitais e internet foram questionados para os períodos antes e durante a pandemia da covid-19. Os dados da Figura 4 corroboram com as discussões da literatura do uso disseminado das tecnologias no cotidiano das atividades acadêmicas de professores e alunos da UEMG. É notório que os percentuais de atividades na internet feitas por professores são superiores às dos alunos em todos os itens.

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Figura 4 Atividades na internet que professores e alunos da UEMG já realizavam antes da pandemia, 2020 

Quando confrontadas as respostas de professores e alunos sobre se havia utilização de recursos tecnológicos para atividades de ensino antes da pandemia, parece haver divergência dos dados. Embora seja próximo o percentual de docentes que responderam não utilizar tais recursos (11%) e discentes que reportaram que seus professores não se utilizavam de tecnologias (9%), é possível distinguir gradações nas respostas dos alunos. Ou seja, embora a maioria dos professores considerava utilizar tecnologias no ensino, para os estudantes, nem todos os docentes o faziam no contexto pré-pandemia.

A Figura 6 apresenta os resultados da pergunta sobre quais os principais recursos utilizados por professores no ensino antes da pandemia. Em geral, professores e alunos concordaram que os recursos mais utilizados foram o PowerPoint, e-mail e ambientes virtuais de aprendizagem. Em outros, professores apontaram ainda elementos diversos que se utilizam como jogos online, softwares específicos, consultas a bancos de dados e repositórios institucionais entre outros. Apesar disso, os alunos não confirmavam ou não percebiam essa utilização.

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

* n = 657 (9 alunos respondentes ingressaram após o advento da pandemia e não responderam à questão).

Figura 6 Principais recursos utilizados por docentes para o ensino antes da pandemia na percepção de professores e alunos da UEMG, 2020 

A partir dos dados, é possível inferir que, a despeito das desigualdades constatadas, os professores e alunos da UEMG já dispunham de grande acesso a recursos digitais e redes de internet (Figura 2 e Figura 3) antes da pandemia e estavam habituados a fazer diferentes atividades com essas tecnologias (Figura 4). Porém, apesar de a maioria dos professores utilizarem, em certa medida, essas tecnologias com os estudantes (Figura 5), esses usos eram bastante limitados à projeção de slides em sala de aula, o e-mail como ferramenta de comunicação e os ambientes virtuais como repositórios de textos e forma de recebimento de atividades e trabalhos via upload, o que Ribeiro (2021) reforça ao sintetizar como

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Figura 2 Aparatos tecnológicos presente em domicílios de professores e alunos da UEMG. 2020 

Fonte: Dados da pesquisa (2022)* n = 657 (nove alunos respondentes ingressaram após o advento da pandemia e não responderam à questão).

Figura 5 Utilização de recursos tecnológicos por docentes no ensino da UEMG na percepção de professores e alunos* antes da pandemia, 2020 

[…] antes da pandemia, alguns de nós, docentes, fazíamos usos tímidos, preliminares ou incipientes das TDIC; durante a pandemia, fomos obrigados a usos radicais, compulsórios e abruptos dessas tecnologias, geralmente empregando recursos mais variados e mais abrangentes do que antes conhecíamos ou usávamos, ainda que nossas práticas pedagógicas e aulas possam ainda ser muito semelhantes às das atividades presenciais (RIBEIRO, 2021, p. 9).

Foi questionado a professores e alunos quais as metodologias utilizadas após o início do ERE (Figura 7), sendo possível perceber que a maior parte das respostas parece apontar para a reprodução de práticas já estabelecidas em sala de aula, ou seja, embora tenham o mundo inteiro de possibilidades às mãos com o acesso à internet e a aparatos tecnológicos por eles e pelos alunos, os professores, em sua maioria, fizeram a transposição de aulas expositivas que aconteciam antes da pandemia em salas de aula presenciais para as salas de aulas virtuais, o que Ribeiro (2021) considera por ser um ciclo de precariedade que vivenciamos na educação, na qual “a despeito dos 30 anos de estudos e alertas sobre a relação possível entre tecnologias digitais e educação, não investia nessa questão” (p. 4).

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Figura 7 Principais metodologias utilizados por docentes no ERE na percepção de professores e alunos da UEMG, 2020 

Ou seja, mesmo no contexto do ERE, são poucas as estratégias adotadas que se utilizam de recursos digitais para além da forma da mediação não presencial, observando-se que “muito das aulas presenciais foi apenas transposto ao ambiente virtual, sem pertinência e sem planejamento, o que gerou experiências de ensino e de aprendizagem penosas, cansativas (ainda mais) e estranhas” (RIBEIRO, 2021, p. 7), como pode ser demonstrado nos dados apresentados na Figura 7.

Mesmo para as metodologias ativas que poderiam ser realizadas por meio de recursos digitais não são disseminadas, com o agravante da dissociação das respostas de professores e alunos. Isso pode se dar por falta de uma maior compreensão por parte dos estudantes do que seriam metodologias ativas, ou por uma execução, por parte dos docentes, que leve, de fato, ao protagonismo do estudante em seu processo de aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As hipóteses que nortearam o desenvolvimento e que ajudaram a delinear o escopo desta pesquisa eram de que professores e estudantes acessam de forma desigual e excludente aparatos tecnológicos e redes de internet em espaços externos à universidade, dado o baixo grau de institucionalização do uso acadêmico desses recursos (caracterizada pela escassez dos recursos digitais e inadequação das instalações).

Tais hipóteses foram corroboradas pelos levantamentos e análises feitas pelos dados apresentados ao longo deste trabalho, sendo possível traçar um perfil típico de docentes da UEMG como sendo majoritariamente composto por mulheres, brancas, de 30 a 40 anos, com renda de cinco a dez salários mínimos e discente como sendo composto por também mulheres, de 20 a 29 anos, meio a meio para brancos e negros, sendo diferenciado apenas nas faixas etárias que de 20 a 30 anos são compostas por alunos brancos e de 31 a 50 anos composta por alunos negros, podendo ser inferido que estes começaram sua vida profissional precocemente e, por conseguinte, entrarem na universidade com mais idade.

Outro aspecto importante de se ressaltar deve-se ao fato de que a maioria dos professores adquiriu e/ou implementou melhorias em aparelhos e na internet para seu trabalho durante a pandemia, enquanto entre os alunos sem renda ou com renda familiar até um salário mínimo e entre um e dois salários mínimos precisaram adquirir ou melhorar recursos digitais, enquanto os de maiores faixas de renda não precisaram adquirir ou melhorar tais recursos, podendo significar que estes já tinham equipamentos e acesso à internet antes da pandemia.

Os professores contavam com mais dispositivos e em maior variabilidade do que alunos, e embora os professores consideravam utilizar tecnologias no ensino, para os estudantes, nem todos os docentes o faziam no contexto pré-pandemia. Entre os recursos mais utilizados, tanto apontado por professores quanto alunos, destaca-se o PowerPoint, e-mail e ambientes virtuais de aprendizagem. Demais recursos apontados por professores não foram confirmados pelos alunos.

O contexto da pandemia de covid-19 possibilitou um marco para educadores e educandos colecionarem tecnovivências2. Passou-se tempo demais ensaiando, almejando, (re)traçando metas para a inserção da tecnologia na educação, e chegou o momento em que não havia mais opção ou possibilidade de se fugir desse meio para a realização da educação, então, chegou o momento da educação, desde a Infantil ao Ensino Superior, fazer acontecer essa reescrita dos processos pedagógicos, agora utilizando-se da tecnologia como único meio possível para seu desenvolvimento.

A ideia de identificar aspectos relativos ao acesso e uso de aparatos tecnológicos e redes de internet por professores e alunos de cursos de graduação em Minas Gerais, especificamente alunos e professores da Universidade do Estado de Minas Gerais, surge no momento em que o ensino presencial é suspenso em todo o Brasil e iniciam-se estudos e discussões buscando o retorno dessas aulas, encontros, momentos de ensino, chegando-se ao que atualmente já é conhecido como Ensino Remoto Emergencial.

Esse é o modelo de ensino que, hoje, quase dois anos depois da suspensão das aulas, exigiu e ainda exige grandes adequações didático-pedagógicas de docente, bem como aquisições ou melhorias de aparatos tecnológicos e redes de internet por docentes e discentes. Pondera-se ser evidente o impacto da pandemia na necessidade de aquisição ou melhoria de aparatos tecnológicos tanto entre professores quanto alunos da Universidade do Estado de Minas Gerais, por meio dos dados apresentados e discutidos nesta pesquisa.

As instituições de ensino suspenderam as aulas presenciais inicialmente acreditando-se que no máximo em um mês estaríamos de volta às nossas salas com pouca ventilação e abarrotadas de alunos sedentos pela aprendizagem, mas considerando que essa nossa experiência de afastamento social foi (muito) mais longa do que prevíamos, as tecnologias foram a única forma de permanecer com o processo de escolarização de toda a população. Como tal experiência mediada pelas TIC não foi tão curta como prevíamos inicialmente, podemos considerar que

[…] esses usos radicais podem se tornar aprendizagens para todos/as, inclusive os/ as mais avessos/as, transformando-se em uma espécie de legado que talvez nos faça ser, então donos/as de uma nova experiência, e nos leve a repensar nossas práticas de antes, mesclando-as a novos imaginários e universos de docência, com TDIC, ainda que mais ponderadamente (RIBEIRO, 2021, p. 9).

Conclui-se, considerando a necessidade de capacitações tecnológicas para professores e alunos, na necessidade de se equipar as universidades (e também escolas de educação básica) para a nova realidade que se vivencia, de uma educação mediada por tecnologias digitais, bem como a implementação de políticas públicas de auxílio à aquisição de aparatos tecnológicos pelos discentes.

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1 Segundo Levy, Ciberespaço, que ele também chama de REDE, “é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo” (LEVY, 1999, p. 17).

2 Termo cunhado por Ribeiro (2021) inspirado no conceito de escrevivências da escritora brasileira Conceição Evaristo.

Recebido: 23 de Fevereiro de 2022; Aceito: 03 de Setembro de 2022

Daniel Santos Braga Docente em cursos de formação de professores da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG – Ibirité) onde coordena o LAPIS – Laboratório de Alfaletrar e Políticas para Infâncias. Doutor em Educação: Conhecimento e Inclusão Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: daniel.braga@uemg.br

Amanda Tolomelli Brescia Professora da área de mídias, mediação e tecnologias na educação no curso de Pedagogia da Universidade do Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Doutora em Educação pela UFMG (2017), mestra em Educação Tecnológica pelo CEFET- MG (2013), especialista em Gestão de Pessoas e Projetos Sociais pela UNIFEI (2009), especialista em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância pela UFF (2012) e graduada em Pedagogia pela UEMG (2007). É fundadora e editora-chefe da SCIAS – Educação, Comunicação e Tecnologia. E-mail: amanda.brescia@uemg.br

Dina Mara Pinheiro Dantas Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (2006), mestrado em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (2010). Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação pela Universidade Federal do Ceará (2022). Atuou como docente em Universidades Públicas– IFCE, UECE, UEMG e IFNMG. Coordenou o Curso de Pedagogia da Universidade do Estado de Minas Gerais na Unidade acadêmica de Divinópolis (2019). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Tecnologias Digitais, principalmente nos seguintes temas: Inclusão Digital, Informática Educativa, Formação de Docente, Educação à Distância e Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação. Desenvolve pesquisa em colaboração com os grupos do Laboratório de Pesquisa Multimeios – FACED/UFC desde 2003. E-mail: dinamara@gmail.com

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