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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.39 no.1 Goiânia  2023  Epub 25-Set-2023

https://doi.org/10.21573/vol39n12023.123844 

Artigos

Aspectos teórico-metodológicos da produção do conhecimento sobre regulação e gestão por resultados no campo da política educacional (2015-2020)

Theoretical and methodological aspects of knowledge production on regulation and management by results in the field of education policy (2015-2020)

Aspectos teórico-metodologicos de la produccion del conocimiento sobre regulación y gestión por resultados en el campo de la política educacional (2015-2020)

MARCO ANDRÉ SERIGHELLI1 
http://orcid.org/0000-0003-1652-6042

ELTON LUIZ NARDI2 
http://orcid.org/0000-0001-7706-3585

1 Universidade do Oeste de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em Educação Videira , SC , Brasil

2 Universidade do Oeste de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em Educação Xanxerê , SC , Brasil


Resumo

O trabalho tem por objetivo traçar uma delimitação do conhecimento acerca da temática regulação e gestão educacional por resultados , veiculada por trabalhos acadêmicos da área da Educação, datados de 2015 a 2020, na especificidade dos aspectos teórico-metodológicos mobilizados. Para tanto, serve-se de publicações na forma de teses disponíveis no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes , acessadas por meio da aplicação de descritores e de filtros, cuja análise incide em um conjunto de aspectos do domínio teórico-metodológico. Os resultados evidenciam coerência entre temas enfocados e linhas de pesquisa dos autores e aderência entre níveis de análise, referenciais teóricos e abordagens adotadas, além da prevalência de posicionamento crítico, com estabelecimento de relações centrais à compreensão da temática.

Palavras-Chave: Regulação educacional; Gestão por resultados; Política educacional; Produção científica

Abstract

The work aims to trace a delimitation of knowledge about the theme of regulation and educational management by results, conveyed by academic works in the field of Education, dated 2015 to 2020, in the specificity of the theoretical and methodological aspects mobilized. To this end, it uses publications in the form of theses available in the Capes Theses and Dissertations Catalog, accessed through the application of descriptors and filters, whose analysis focuses on a set of aspects of the theoretical-methodological domain. The results show consistency between focused themes and lines of research of the authors and adherence between levels of analysis, theoretical frameworks, and approaches adopted, in addition to the prevalence of critical positioning, with the establishment of central relationships to the understanding of the theme.

Key words: Educational regulation; Management by results; Educational policy; Scientific production

Resumen

El trabajo tiene por objetivo hacer una delimitación del conocimiento sobre la temática regulación y gestión educacional por resultados, vehiculada por trabajos académicos del área de la Educación, datados de 2015 a 2020, en la especificidad de los aspectos teórico-metodológicos movilizados. Para eso, se sirve de publicaciones en formato de tesis disponibles en el Catálogo de Tesis y Disertaciones de Capes, accedidas por medio de la aplicación de descriptores y de filtros, cuyo análisis incide en un conjunto de aspectos del dominio teórico-metodológico. Los resultados evidencian coherencia entre temas enfocados y líneas de investigación de los autores y adherencia entre niveles de análisis, referenciales teóricos y abordajes adoptados, además de la prevalencia de posicionamiento crítico, con establecimiento de relaciones centrales a la comprensión de la temática.

Palabras-clave: Regulación educacional; Gestión por resultados; Política educacional; Producción científica

INTRODUÇÃO

A execução de uma pesquisa pressupõe o acesso a conhecimentos já construídos acerca da temática, a fim de se avançar em relação a eles. No caso específico de pesquisas sobre políticas educacionais, a diversidade de objetos de estudo, afora a de enfoques teórico-metodológicos, confere características notadamente múltiplas aos estudos e às publicações deles decorrentes. A esse respeito, Krawczyk (2015) propõe pensarmos se o que está em pauta é pesquisa em política educacional ou pesquisa das políticas educacionais , à medida que, em relação à primeira há um campo específico de pesquisa que requer diferentes aportes disciplinares, enquanto a segunda, mais frequente, é focalizada em suas especificidades, geralmente em termos de propósitos e consequências.

Com as atenções voltadas à produção acerca da temática regulação e gestão educacional por resultados , no campo da política educacional, o objetivo deste trabalho foi traçar uma delimitação do conhecimento acerca dessa temática, veiculada por trabalhos acadêmicos da área da Educação, datados de 2015 a 2020, na especificidade dos aspectos teórico-metodológicos mobilizados. 1 Delimitação do conhecimento é aqui entendida como reconhecimento, registro e agrupamentos que levem à síntese e à reflexão sobre a produção científica em uma área determinada, considerando um recorte temporal específico (MOROSINI, 2015).

Nessa direção, em termos de processo metodológico, no presente trabalho servimo-nos da pesquisa bibliográfica, especificamente, de publicações na forma de teses da área da Educação ocorridas no período, acessadas no Portal Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio da aplicação de descritores e de alguns filtros disponíveis, tendo sido a seleção guiada pelo critério de relação direta com o campo da política educacional .

Para o processamento das informações desse recorte das produções da área sobre a temática-alvo, foram priorizadas as relacionadas a aspectos teórico- epistemológicos, em conformidade com o que propõe Mainardes (2018b, p. 360), destacando-se os “fundamentos teóricos das pesquisas e o significado destes no desenvolvimento teórico do campo do qual as pesquisas fazem parte.” Mais pontualmente, buscamos identificar e analisar os seguintes aspectos: caracterização básica , reportando a características, como autor, instituição, linha de pesquisa, ano de defesa, temática, fontes de coleta de dados; abordagem teórico-metodológica , referindo- se aos níveis de análise adotados pelo autor, ao referencial teórico utilizado e à abordagem (qualitativa, quantitativa, qualiquantitativa); e perspectiva teórico- epistemológica , compreendendo aspectos epistemológicos e epistemetodológicos. 2

Consoante o objetivo declarado, o trabalho está estruturado em três seções seguintes a esta. Na primeira, abordamos a pesquisa no campo educacional, sobre sua relevância e dificuldades de imersão no âmbito científico e a importância do método em pesquisas educacionais, em relação ao qual são revisitadas características do positivismo, da fenomenologia e do materialismo dialético. A segunda seção trata dos procedimentos metodológicos adotados e dos resultados da pesquisa. Por fim, a última seção traz considerações finais, traçadas em conformidade com o objetivo do trabalho, com base nos achados da pesquisa.

PESQUISA E MÉTODO NO CAMPO EDUCACIONAL: ALGUMAS NOTAS

Sabidamente, as ciências humanas possuem peculiaridades que as diferenciam das outras ciências, o que justifica a adoção de um tratamento metodológico distinto do utilizado nas ciências naturais. O ser humano, alvo da investigação das humanidades, possui uma história e uma multiplicidade de relações que o determinam no tempo e no espaço. Então, o “[...] caráter dinâmico impede que o cientista da área das ciências humanas analise a realidade considerando exclusivamente o que pode ser observado e quantificado.” (ZAVAGLIA, 2008, p. 471).

No caso da área da Educação, as últimas décadas têm testemunhado um crescimento considerável no número de pesquisas, bem como uma maior diversidade de temas, enfoques e contextos (TEIXEIRA, 2015). Podemos dizer que se trata de uma evidência em termos de avanços no plano da investigação científica da área e de contribuições para a construção de respostas a questões e problemáticas da sociedade contemporânea em matéria educacional, como é o caso da democratização da educação, que tem ensejado diversas investigações com enfoque de um amplo conjunto de aspectos relacionados aos sistemas públicos de ensino (ALMEIDA, 2010). Afinal, pesquisa é uma ação intencional que emerge da dúvida, da insatisfação com aquilo que aparentemente é sabido, e “produzir pesquisa é ser criativo, reinventar a história e os fazeres humanos sob um olhar particular. Trata-se de uma atividade coletiva, cuja função primordial é atribuir sentidos ao cotidiano, revendo e significando identidades e histórias.” (FERREIRA, 2009, p. 44).

De acordo com Gatti (2010), uma das características mais frequentes em pesquisas em Educação é o uso de técnicas não quantitativas, como a observação participante, análise documental e de conteúdo, entrevistas, depoimentos, dentre outras. Tipos que se colocam como novos meios para a abordagem de processos escolares, cujos fundamentos diferem de outros modelos, marcando o questionamento da neutralidade do pesquisador e de seus instrumentos de pesquisa.

Atendo-nos ao debate sobre abordagens do método de pesquisa, partimos do entendimento de que os métodos podem ser considerados modos de abordar a realidade ou caminhos para o conhecimento, configurando-se como uma mediação entre o sujeito e a realidade empírica que ele percebe, neles estando implícitos pressupostos teóricos, lógico-epistemológicos, ontológicos e gnosiológicos (SÁNCHEZ GAMBOA, 1998; 2014). De forma mais ampla, são três as grandes e distintas abordagens do método em pesquisa: empírico-analítica, fenomenológico- hermenêutica e crítico-dialética (FRIGOTTO, 2016).

A abordagem empírico-analítica de método de pesquisa está associada a uma das principais correntes filosóficas e sociológicas da modernidade, o positivismo, que direciona o olhar para a realidade de forma objetiva, no sentido de identificar o problema e de estabelecer regras para controlá-lo, aos moldes do que ocorre nas ciências naturais. De acordo com Sousa (2014), ao utilizar a abordagem empírico-analítica, o pesquisador realça uma visão idealista do mundo, em que o conhecimento ocorre mediante um objeto já existente e inserido em determinada realidade, bastando que seja identificado e interpretado.

Triviños (2008) destaca que uma característica dessa abordagem é a explicação científica da realidade mediante a observação de fatos e fenômenos, pautando-se na neutralidade do pesquisador. Assim, o pesquisador apresenta a realidade sem nenhum julgamento ou posicionamento, não considerando o contexto e as causas do fenômeno, pois o interesse se restringe apenas às suas relações. Por isso, o apelo ao rigor na análise estatística, a fim de assegurar que nenhuma associação de ideias, interpretações ou elementos valorativos seja empregada pelo pesquisador, interferindo nos resultados da pesquisa. De acordo com a síntese tecida por Chizzotti (2017, p. 25), esse método

consiste em submeter um fato à experimentação em condições de controle e apreciá- lo coerentemente, com critérios de rigor, mensurando a constância das incidências e suas exceções e admitindo como científicos somente os conhecimentos passíveis de apreensão em condições de controle, legitimados pela experimentação e comprovados pela mensuração.

À luz dessa abordagem, as pesquisas em educação tendem a classificar e hierarquizar os fenômenos educacionais, utilizando-se de um padrão de referência considerado ideal. Nessa perspectiva, o conhecimento científico passa a ser dividido e organizado segundo a ordem de observação: quanto mais próximo do ideal, mais científico. Conforme anota Chizzotti (2017, p. 28), pesquisas em ciências humanas e sociais possuem dificuldades de submeter os fenômenos estudados a uma experimentação, haja vista analisarem “fenômenos coletivos, como ocorre com a sociologia, a economia, a demografia, ou porque é impossível submeter o próprio homem à experimentação no sentido estrito, isto é, modificar os fenômenos com a variação livre dos fatores.”

Ademais, conforme apontado pelo autor, tal abordagem expõe determinados limites da pesquisa quantitativa, que admite a neutralidade científica. Ela reproduz os interesses das estruturas sociais, a insignificância da luta de classe e a pretensão de afirmar que a ciência se pauta em um único padrão de conhecimento (CHIZZOTTI, 2017). Como consequência, é possível apontar que não observa o contexto, a cultura, os valores e a história, além de desconsiderar a subjetividade e aspectos históricos e sociais.

O método fenomenológico-hermenêutico “[...] parte da ideia da necessidade de ter um conhecimento indubitável ou possível, ainda que, de início, não nos é permitido admitir conhecimento algum como conhecimento.” (TRIVIÑOS, 2008, p. 44). Vale destacar que, para Edmund Husserl, o primeiro grau de conhecimento (dados absolutos) são as vivências. Ainda segundo Triviños (2008, p. 44):

Para determinar a possibilidade do conhecimento, precisa-se da “redução fenomenológica”. Este é o segundo passo no método fenomenológico. O primeiro é o do questionamento do conhecimento, o que significa a suspensão, a colocação entre parênteses das crenças e proposições sobre o mundo natural. Para Husserl não existem conteúdos da consciência, mas exclusivamente fenômenos.

A fenomenologia se apresenta como ciência e como método. Ciência no sentido de produzir conhecimento e método para garantir a rigorosidade para tal. A primeira parte do método fenomenológico está na epocké , que significa a suspensão dos juízos, colocar em xeque os conhecimentos até então acumulados pelo senso comum, pela filosofia e pela ciência, chegando à condição de que a única certeza que temos é a nossa consciência, que por sua vez é de alguma coisa. Sempre quando pensamos, pensamos em algo.

Conforme destaca Tourinho (2017, p. 123), a visada da fenomenologia “[...] consiste em reafirmar a racionalidade no nível da experiência, por meio da redução fenomenológica que nos permite pensar a autêntica objetividade na pura interioridade da consciência intencional.” Nessa esteira, a pesquisa fenomenológica- hermenêutica permite uma atitude de abertura do homem na compreensão do que se manifesta, uma perspectiva de liberdade, por meio da qual o pesquisador percebe o que se mostra. Ela não se caracteriza somente como uma descrição, mas como interpretação, com vistas à compreensão do viver, do existir.

Por isso, a atitude fenomenológica requer observar três etapas: a primeira é definir o que vai ser investigado, fixar dados e registros – compreensão; a segunda é o momento da reflexão – interpretação e análise; e a terceira é a ação, nova compreensão, busca-se a concretização da proposta de investigação. Portanto, é uma pesquisa de caráter exploratório, obedecendo à lógica das etapas de compreensão e interpretação dos fenômenos, permitindo aos pesquisadores demonstrarem suas diferentes formas de entender o mundo (MASINI, 2010).

Entre outros méritos, pesquisas de natureza fenomenológica, conforme aponta Triviños (2008), têm elevado a importância do sujeito na marcha da construção do conhecimento, em oposição à via positivista. Já em termos de historicidade, prossegue o autor, tal abordagem apresenta fragilidades, principalmente pela omissão de estudos que apresentam elementos ideológicos, lutas de classes, reprodução dos interesses das relações estruturais e econômicas, direitos fundamentais etc.

Por fim, a abordagem crítico-dialética de método tem em conta as conexões entre as partes de um fenômeno e destas com a sua totalidade, permitindo a compreensão do movimento e identificando as condições mais adequadas para conhecer os objetos da realidade. Conforme reforça Sousa (2014), o conhecimento é reconhecido como produto da historicidade, das ações do homem, sendo a ciência uma construção que decorre da relação dialética do homem e do objeto e suas determinações. Lembra Triviños (2008), que o materialismo dialético supera a ideia do materialismo pré-marxista, principalmente na perspectiva metafísica e idealista, mostrando como se transforma a matéria e como ocorre a passagem das formas inferiores para as superiores:

O movimento é o modo de existência da matéria. Jamais existiu em algum lugar, nem pode existir, a matéria sem movimento. [...] A ciência transforma em verdades objetivas as nossas sensações. O movimento da matéria é absoluto e eterno, não pode ser criado nem eliminado, pois a própria matéria não pode ser criada nem eliminada [...] Separar o movimento da matéria equivale a separar o pensamento da realidade objetiva, a separar as minhas sensações do mundo exterior [...] (TRIVIÑOS, 2008, p. 60).

Nessa linha, podemos identificar, na perspectiva marxista, a filosofia da práxis, sendo uma vertente teórica e prática que não idealiza o conhecimento, mas define-o como prática social – ação do homem – uma atividade teórico-prática presente no processo de produção, parte importante do desenvolvimento social e econômico. De acordo com Gadotti (2003, p. 28):

A contradição dialética é uma inclusão (plena, concreta) dos contraditórios um no outro e, ao mesmo tempo, uma exclusão ativa. O método dialético não se contenta em dizer que existem contradições, pois a sofística, o ecletismo ou o ceticismo são capazes de dizer o mesmo. O método dialético busca captar a ligação, a unidade, o movimento que engendra os contraditórios, que os opõe, que faz com que se choquem, que os quebra ou os supera.

Portanto, o marxismo tem como característica compreender a essência do problema em questão e, para isso, exige do pesquisador a ruptura com a objetividade defendida nas ciências naturais, bem como uma posição diante das situações estudadas, pois não há neutralidade em ciência. Seu método exige uma articulação entre a teoria e a realidade para que seja possível explicar e apreender o objeto.

Então, o materialismo histórico-dialético enquanto método visa compreender o homem na construção de sua existência, portanto, vinculado com sua realidade, seu mundo e sua vida. Tem base no argumento de que tudo o que existe faz parte de uma existência material e concreta e que pode ser conhecida. Assim,

[...] esse conhecimento que é produzido pelo sujeito, reproduz o real em suas múltiplas determinações com o objetivo de superar a aparência mediata das coisas e atingir a sua essência. A partir do dado empírico, o real é observado pelo sujeito diretamente em sua aparência e indiretamente em sua essência, de modo a possibilitar o entendimento e o desvelamento dos processos presentes nos fenômenos estudados, distinguindo assim aquilo que é aparente daquilo que é essencial apreender no processo de investigação. (FRIGOTTO, 2016, p. 49).

Consoante essa perspectiva, ao analisarmos determinada realidade, precisamos atentar à sua essência, considerando as aparências somente como meio. Conforme destaca Netto (2011, p. 22):

O objetivo do pesquisador, indo além da aparência fenomênica, imediata e empírica – por onde necessariamente se inicia o conhecimento, sendo essa aparência um nível da realidade e, portanto, algo importante e não descartável –, é apreender a essência (ou seja: a estrutura e a dinâmica) do objeto. Numa palavra: o método de pesquisa que propicia o conhecimento teórico, partindo da aparência, visa alcançar a essência do objeto.

Netto (2011, p. 53) ainda destaca que este método implica uma “[...] determinada posição (perspectiva) do sujeito que pesquisa: aquela em que se põe o pesquisador para, na sua relação com o objeto, extrair dele as suas múltiplas determinações.” Assim, o pesquisador se coloca em três movimentos, a saber: vivência da realidade a ser investigada; consciência crítica para analisar a realidade e compreendê-la de forma dialética; e intervenção para solucionar os problemas. Uma dinâmica que, conforme assinala Masson (2014, p. 233), deve estar articulada “à defesa da superação da sociedade capitalista, ou seja, à promoção da emancipação humana.”

Desse modo, para a metodologia dialética, o início da investigação é a observação dos elementos que contextualizam e fazem parte do fenômeno em estudo (a tese). Esses elementos são analisados para serem percebidas conexões, além de serem relacionados com a realidade histórica da formação social, permitindo ao pesquisador a tomada de consciência acerca dos conflitos que cercam o fenômeno na sua aparência (antítese). Por fim, o movimento é o de permitir ao pesquisador compreender a essência de seu objeto e analisá-lo a partir de uma categoria teórica, produzindo, assim, a síntese.

Destacada a importância do método em pesquisas educacionais e tecidas algumas notas acerca de características das três grandes abordagens do método em pesquisa, a próxima seção focaliza os achados da pesquisa. Centra-se, portanto, no traçado de uma delimitação do campo do conhecimento relativamente à temática regulação e gestão educacional por resultados.

ACHADOS DA PESQUISA: PARA UMA DELIMITAÇÃO DO CONHECIMENTO

Conforme referido, com o propósito de estabelecer uma delimitação do conhecimento – reconhecimento, registro e agrupamentos que conduzam à síntese e reflexão sobre a produção científica em uma área, em determinado recorte temporal (MOROSINI, 2015) – o presente estudo serviu-se de publicações na forma de teses da área da Educação, constantes do Portal Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, que envolvam a temática regulação e gestão educacional por resultados , publicações essas ocorridas entre 2015 e 2020.

Para o levantamento, foram acionados os descritores políticos de regulação e gestão por resultados (aplicados individual e conjuntamente), tendo sido delimitada a incidência dos termos no título e resumo das teses, assim como delimitados o idioma português , o âmbito nacional e a área de conhecimento e concentração Educação . Do universo de 22 trabalhos acessados mediante tal delimitação, foram excluídas repetições (motivadas pela aplicação dos diferentes descritores), trabalhos sem relação com políticas de regulação ou gestão por resultados (verificada no conteúdo dos títulos e resumos), bem como aqueles cuja temática não fosse afeita ao campo da política educacional . Assim, foram selecionados 12 trabalhos de tese, conforme descrição constante do Quadro 1 .

Quadro 1 Teses selecionadas da Área da Educação – Brasil (2015 a 2020) 

Título Autor Ano Universidade
Dirigentes municipais de educação: modos de regulação dos sistemas educacionais e subjetividades Maurício Estevam Cardoso 2015 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Política de responsabilização como estratégia para promoção de desempenho escolar: um estudo sobre o Prêmio “Escola Nota Dez”. Luisa Xavier de Oliveira 2016 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Gestão Escolar e o Programa BH Metas e Resultados: há espaços para a participação da comunidade escolar? Luiz Fernando da Silva 2016 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Responsabilização na administração da educação: a política de responsabilidade educacional como engrenagem de controle de resultados Allan Solano Souza 2016 Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Gerencialismo e performatividade na Gestão educacional do estado de São Paulo Juliano Mota Parente 2016 Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP)
O papel dos conselhos municipais de educação do Estado de Minas Gerais na formulação de políticas públicas de educação Virgínia Coeli Bueno de Queiroz 2017 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Responsabilização educacional no contexto da gestão por resultados na rede estadual de ensino de Pernambuco (2007-2014) Ildo Salvino de Lira 2018 Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Política de avaliação de sistema e a gestão do resultado da prova Brasil na escola Rozemeiry dos Santos Marques Moreira 2018 Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)
Regulação das políticas educativas, Banco Mundial e PDDE interativo: a intensificação do controle sobre os resultados no contexto da gestão escolar Raquel Angela Speck 2018 Universidade Estadual de Maringá (UEM)
A Nova Gestão Pública na educação em Minas Gerais e Pernambuco: as políticas, os atores e seus discursos. Alexandre William Barbosa Duarte 2019 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Influência, texto e prática: os contextos de produção das políticas de formação continuada de professores no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso - IFMT (2008 -2018) Rosimeire Montanuci 2020 Universidade de Uberaba (Uniube)
Gestão democrática como dispositivo gerencialista Rudnei Joaquim Martins 2020 Universidade do Vale do Itajaí (Univali)

Fonte: elaboração pelos autores, com base em dados do Portal Catálogo de Teses e Dissertações da Capes.

Conforme mencionado, as atenções se voltaram às informações relacionadas aos aspectos teórico-epistemológicos, na linha do que propõe Mainardes (2018a), em matéria de metapesquisa. A análise do conteúdo ocorreu com base nas contribuições de Bardin (2016), tendo sido consideradas as seguintes categorias empíricas: caracterização básica , reportando a características, como autor, instituição, linha de pesquisa, ano de defesa, temática, fontes de coleta de dados (documentos, bibliográficas, entrevista, observações in loco , etc.); abordagem teórico-metodológica , referindo-se aos níveis de análise adotados, ao referencial teórico utilizado e à abordagem (qualitativa, quantitativa, qualiquantitativa); e perspectiva teórico- epistemológica , compreendendo aspectos epistemológicos e epistemetodológicos.

Considerando os focos dos debates empreendidos pelos autores das teses, foi possível demarcar três eixos temáticos gerais conexos ao tema central do presente estudo – regulação e gestão educacional por resultados –, a saber: elementos de regulação da educação; resultados e performatividade; e políticas de responsabilização.

Ao primeiro eixo temático – elementos de regulação da educação – filiam-se os estudos de Cardoso (2015), Queiroz (2017), Speck (2018), Duarte (2019), Montanuci (2020) e Martins (2020). Nesses casos, os trabalhos enfocam o papel de conselhos, mecanismos de regulação da gestão escolar e configuração de sistemas de ensino. O segundo eixo, que reúne trabalhos em torno da temática ampliada resultados e performatividade , aporta as teses de Silva (2016), Parente (2016) e Moreira (2018), sendo verificado o enfoque em programas de metas e resultados como modo de reconfiguração da gestão escolar, no sentido da obtenção de melhores resultados, e performatividade nas avaliações em larga escala. Por fim, ao eixo temático políticas de responsabilização vinculam-se os trabalhos de Oliveira (2016), Souza (2016) e Lira (2018), cujas temáticas versam sobre políticas de responsabilização projetadas para a melhoria da qualidade do ensino.

Relativamente à caracterização básica dos trabalhos, verificamos haver congruência dos temas com as linhas de pesquisa a que se vinculam os orientandos autores e seus orientadores. Trata-se de um dado relevante à medida que a relação orientando-orientador resulta fortalecida quando o campo de atuação do orientador coaduna com o tema da investigação do orientando. Ademais, assinala Eco (2008, p. 33), “[...] isso é útil até didaticamente porque o candidato poderá valer-se de conselhos da parte de um professor muito bem-informado sobre o assunto, e utilizar como material de fundo e de comparação as teses elaboradas por outros estudantes sobre temas afins.” A mencionada congruência pode ser evidenciada no Quadro 2 .

Quadro 2 Relação entre tema pesquisado pelo autor, linha de pesquisa e temáticas de pesquisa do orientador 

Autor Tema pesquisado Linha de pesquisa Temas de pesquisa do orientador
Cardoso (2015) Elementos constituintes de subjetividades dos Dirigentes Municipais de Educação (DMEs). Observatório municipal da educação Administração e gestão dos/nos sistemas educacionais. Representações, processos, mecanismos e instrumentos de coordenação e de articulação no sistema educacional brasileiro.
Oliveira (2016) Política de responsabilização adotada pelo Estado do Ceará, análise de impacto do prêmio “Escola nota dez”. Políticas de responsabilização educacional. Avaliação educacional. Análise de políticas educacionais. Desigualdades sociais e urbanas e educação.
Silva (2016) Gestão Escolar e o Programa BH Metas e Resultados. Políticas públicas de educação: concepção, Implementação e avaliação. Reformas e novas regulações educacionais. Gestão dos sistemas públicos de educação e das escolas.
Souza (2016) Políticas de responsabilidade educacional, especificamente a Lei municipal (Mossoró-RN) n. 2.717/2010. Educação, política e práxis educativa. Descentralização. Política educacional. Gestão educacional. Educação superior.
Parente (2016) A influência do gerencialismo e da performatividade na gestão educacional do estado de São Paulo. Formação dos profissionais da educação, políticas educativas e escola pública. Formação de professores. Representações sociais. Políticas públicas. Pedagogia.
Queiroz (2017) O papel dos conselhos municipais de educação do estado de Minas Gerais na formulação de políticas públicas de educação. Políticas públicas de educação. Processos de formulação, implementação e avaliação de políticas educacionais.
Lira (2018) Política de responsabilização educacional formulada no contexto da reforma administrativa do estado de Pernambuco, tomando-se como marco temporal o período de 2007 a 2014. Políticas educacionais da educação básica. Educação. Democracia. Gestão escolar. Política educacional. Análise do discurso.
Moreira (2018) Política de avaliação de sistema e a gestão do resultado da Prova Brasil na escola. Educação escolar: teorias e práticas. Políticas e gestão da educação, com ênfase na gestão de unidades escolares.
Speck (2018) Regulação das políticas educativas, Banco Mundial e PDDE Interativo, a intensificação do controle sobre os resultados no contexto da gestão escolar. Políticas educacionais e gestão escolar Educação infantil. Estado. Educação. Política educacional brasileira. Políticas públicas.
Duarte (2019) A Nova Gestão Pública na educação em Minas Gerais e Pernambuco, as políticas, os atores e seus discursos. Políticas públicas de educação. Políticas públicas em educação. Gestão escolar e trabalho docente na América Latina.
Montanuci (2020) Os contextos de emergência, criação e implementação das políticas públicas de educação em seus reflexos no IFTM. Processos educacionais e seus fundamentos. Educação. História da educação. Políticas públicas. Prática de ensino.
Martins (2020) A gestão democrática da educação básica, nos documentos oficiais após a Constituição Federal de 1988, dispositivo de segurança gerencialista utilizado pelo Estado para atingir a sua governamentalidade. Práticas docentes e formação profissional. Educação infantil. Formação docente. Políticas públicas para educação.

Fonte: organizado pelos autores com base nas teses e no currículo Lattes dos autores (2021).

Em geral, as pesquisas enfocam temas de políticas educacionais originadas ou desenvolvidas em âmbito municipal ou estadual 3 . Nesses âmbitos, segundo a abrangência dos temas investigados, sobressai o enfoque em redes ou sistemas de ensino. Em menor escala, o campo de estudo diz respeito a instituições de ensino, embora nesse caso estejam presentes em trabalhos dos eixos elementos de regulação da educação e resultados e performatividade.

Sabidamente, um elemento importante para creditar rigor à pesquisa são as fontes utilizadas, que devem ser explicitadas com vistas a assegurar sua confiabilidade (ECO, 2008), posto serem elas que nos permitem analisar o fenômeno dentro de determinados critérios. No conjunto de teses do eixo elementos de regulação da educação predominam a pesquisa bibliográfica – levantamento ou revisão de obras publicadas sobre a teoria que norteia o estudo –, a documental – fontes primárias, com dados e informações não analisadas ou tratadas cientificamente –, e a oral, relativamente a manifestações sociais e à produção explicativa da história. Diferentemente, os estudos de Cardoso (2015) e Queiroz (2017) incluíram fontes iconográficas e estatísticas, respectivamente.

No eixo resultados e performatividade sobressaem as fontes bibliográfica e documental. O trabalho de Moreira (2018), por sua vez, além de desenvolver pesquisa bibliográfica, análise de documentos e estatística, valeu-se de observação do espaço escolar, aplicação de questionários e entrevistas, diante do objetivo de analisar empiricamente uma escola a fim de compreender sua micropolítica diante dos resultados obtidos em avaliação externa (MOREIRA, 2018).

Por fim, relativamente ao eixo políticas de responsabilização , os trabalhos contaram com fontes bibliográfica, documental e oral, nesse último caso, tendo sido mobilizada a entrevista como recurso de coleta. O Quadro 3 sintetiza o conjunto de fontes característico dos estudos que tratam os trabalhos selecionados.

Quadro 3 Fontes identificadas nos trabalhos do corpus 

Eixo temático Autor Bibliográfica Documental e/ou Legislação Oral/ Narrativa Iconográfica Estatística
Regulação da educação Cardoso (2015) - X X X -
Queiroz (2017) X X X (entrevistas) - X
Speck (2018) X X X (questionário) - -
Duarte (2019) X X X - -
Montanuci (2020) X X X - -
Martins (2020) X X - - -
Resultados e performance Silva (2016) X X X (entrevistas) - -
Parente (2016) X X - - -
Moreira (2018) X X X (entrevistas) - X
Políticas de responsabilização Souza (2016) X X X (entrevistas) - -
Oliveira (2016) X X - - X
Lira (2018) X X X (entrevistas) - -

Fonte: elaboração pelos autores, com base em dados do Portal Catálogo de Teses e Dissertações da Capes.

Em síntese, podemos observar que os trabalhos portam, em termos de características gerais, elementos básicos de uma tese e que, em geral, há sintonia entre os temas dos trabalhos e os que constituem campo de pesquisa dos respectivos orientadores, além dos que identificam as linhas de pesquisa com as quais os autores e orientadores se vinculam. Também cabe destacar o potencial da organicidade dos processos de pesquisa – fontes e recursos de investigação – para o desenvolvimento social local e regional, dado que a massiva maioria dos trabalhos se deteve em análises tendo como campo empírico redes de ensino (municipais ou estaduais), mantendo interlocução com sujeitos sociais imersos nesses âmbitos e realidades educacionais.

No que se refere à abordagem teórico-metodológica dos trabalhos analisados, identificamos aderência, em cada texto, entre os níveis de análise, o referencial teórico e a abordagem. De modo geral, a maioria dos trabalhos toma como pano de fundo o domínio ideológico neoliberal, frequentemente reportando a questão da reestruturação do papel do Estado e das reformas educacionais no país, nos anos de 1990. Do conjunto de teses analisadas, conforme referido, três quartos compreenderam investigações e discussão de realidades locais ou regionais, ou seja, a maioria apresenta níveis de análise sistêmica à medida que os estudos, ao abordarem as mencionadas realidades, têm em conta movimentos de escala global incidentes no Estado. A esse respeito, Zanten (2004, p. 37) destaca que “o que importa, fundamentalmente, no investigador é um ponto de vista global [...]”, por isso, “[...] um bom trabalho de campo é aquele que consegue pôr em relação o maior número de elementos de maneira inteligente, dar uma inteligibilidade global a um grande número de fenômenos.”

Acerca do conjunto de teses do eixo elementos de regulação da educação , os trabalhos de Cardoso (2015), Speck (2018), Duarte (2019), Montanuci (2020) e Martins (2020) assumiram uma abordagem qualitativa de análise, com a qual foi possível, segundo argumentos de Cardoso (2015, p. 7), “compreender estados subjetivos, manifestados em pensamentos, sentimentos e atitudes.” Em Queiroz (2017), cuja abordagem foi qualiquantitativa, os encaminhamentos compreenderam uma análise descritiva de informações quantitativas acessadas por meio de questionário.

No eixo resultados e performatividade , composto por três teses, figuram a abordagem qualitativa e qualiquantitativa. Com abordagem qualitativa, Moreira (2018) operou sua análise a partir dos estudos de Stephen Ball, documentos e entrevistas, além do trabalho de Parente (2016), cuja análise incidiu em legislação. A abordagem qualiquantitativa, característica da análise empreendida por Silva (2016), decorreu da adoção de diversas fontes de informação (entrevistas semiestruturadas, registros escolares, atas e questionários).

Já no eixo políticas de responsabilização , a abordagem manifesta é a qualitativa, segundo a qual as análises exigem ir além da mera descrição, adentrando a interpretação e argumentação. Lembrando Zanten (2004, p. 30), “o trabalho de investigação qualitativa é entender globalmente as categorias que mobilizam os atores para compreender a realidade e para atuar sobre a realidade.”. Nesse sentido, portanto, o fenômeno investigado não é um dado neutro, isolado da dinamicidade social, pois estabelece um elo constante com diversos condicionantes e sujeitos sociais que lhe atribuem significados.

Relativamente à dimensão epistemológica das teses, de que dispõe a categoria perspectiva teórico-epistemológica , consideramos, conforme assinalado, tratar- se das epistemologias da política educacional, cujo enfoque reporta “a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e o enfoque epistemetodológico.” (MAINARDES, 2018a, p. 6). Ou seja, diz respeito à cosmovisão assumida pelo pesquisador, de que são exemplos o marxismo, neomarxismo, estruturalismo, pós-estruturalismo, existencialismo, humanismo e o pluralismo. Nesse sentido, encontramos nos trabalhos selecionados diferentes perspectivas epistemológicas, destacando-se o marxismo, seguido do pós-estruturalismo.

Trabalhos, como os de Duarte (2019), Silva (2016) e Souza (2016) realçam a perspectiva marxista de método, quando assinalam que ela confere à investigação uma filosofia da práxis, em que diferente de a teoria e a prática idealizarem o conhecimento, este é definido como prática social – ação do homem –, uma atividade teórico-prática exposta no processo de produção, constituindo parte importante do desenvolvimento social e econômico.

Na perspectiva pós-estruturalista, argumenta-se que para compreender um objeto é necessário estudá-lo em si, como também os sistemas de conhecimento que o envolvem. Dessa perspectiva, identificada em parte dos estudos, sobressaem apontamentos do poder, não como um elemento regido de cima para baixo, mas sim difuso, proveniente de vários lugares. O campo educacional é um desses lugares, que se afigura como um espaço de poder e de legitimação para as políticas, à medida que sem a prática, uma política não é efetivada.

O posicionamento epistemológico, conforme defende Mainardes (2018a), deve estar em consonância com a perspectiva epistemológica, vinculado ao campo de estudo em que se situa o pesquisador. “Alguns exemplos de posicionamento epistemológicos são: crítico, crítico-radical, crítico-analítico, reprodutivista, neoinstitucionalista, jurídico institucional, empirista, neoliberal, entre outros.” (MAINARDES, 2018a, p. 6). Com base nos achados da pesquisa, a constatação é que todos os trabalhos expressam posicionamento crítico, havendo variações quanto ao aspecto descritivo e analítico neles desenvolvidos. Lira (2018), por exemplo, ao destacar o caso da responsabilização, referindo-se à mudança de postura do professor ou diretor quando atrelada à bonificação e não necessariamente à melhoria da qualidade da educação, ressalta que se arma uma tendência de que os fins da educação sejam confundidos e/ou obscurecidos pelo interesse no recebimento da bonificação, levando os profissionais a naturalizarem os valores. Também, uma tendência ao atrelamento da ideia de boa educação a notas altas.

No que se refere ao enfoque epistemetodológico – assegurador da coerência interna da pesquisa, estabelecendo rigorosidade, densidade e coerência nos trabalhos (MAINARDES, 2018a) –, é importante compreender o contexto e o percurso histórico do pesquisador, pois sua visão de mundo, que será determinante para a construção do enfoque epistemológico, constitui-se a partir dessas experiências. Tello e Mainardes (2015, p. 158) enfatizam que o

[...] enfoque epistemetodológico é o modo em que se constrói metodologicamente a pesquisa a partir de uma determinada perspectiva epistemológica e de um posicionamento epistemológico. Nenhuma metodologia é neutra, por essa razão, ao explicitar suas bases epistemológicas, o pesquisador deve preocupar-se com a vigilância epistemológica da metodologia de sua pesquisa, cuja construção deve partir da posição e perspectiva epistemológica desenvolvendo construções metodológicas consistentes.

A concepção de mundo do pesquisador constitui elemento referencial, à medida que todos possuem um posicionamento epistemológico, ou seja, uma forma de ver o mundo. Porém, tal visão de mundo não pode prescindir da capacidade de se enxergar limitações ou mesmo falhas em análises fundadas nessa visão. Segundo Tello e Mainardes (2015), com base em Meksenas, um pesquisador não pode ter um posicionamento demasiado rígido, haja vista a necessidade de, muitas vezes, precisar lançar mão de uma flexibilização, pois em algumas situações o objeto de estudo requer outra perspectiva, o que não significa uma perda da vigilância epistemológica.

Em suma, diante dos referenciais da perspectiva teórico-epistemológica aqui apontada, a conclusão é de que os trabalhos evidenciam sintonia entre a perspectiva epistemológica e o posicionamento dos autores. Conforme apontado, quanto à perspectiva epistemológica constata-se equilíbrio em relação às escolhas, ao passo que, no que diz respeito ao posicionamento epistemológico, o referencial predominante é o crítico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, buscamos traçar uma delimitação do conhecimento acerca da temática regulação e gestão educacional por resultados , veiculada por trabalhos acadêmicos da área da Educação, datados de 2015 a 2020, na especificidade dos aspectos teórico-metodológicos mobilizados. Para tal delimitação, centramo-nos em elementos caracterizadores de uma perspectiva teórico-metodológica, considerando aspectos que, de acordo com Mainardes (2018b), relacionam-se às formas de explicitação da perspectiva epistemológica, das teorias utilizadas e da organicidade na composição do referencial.

Dos resultados obtidos, foi possível constatar que os autores dos trabalhos do corpus debruçaram-se em temas conexos à regulação e gestão educacional por resultados . A sistematização dos achados da pesquisa em três eixos temáticos possibilitou constatar o realce: a mecanismos políticos e administrativos emanados da reforma do Estado brasileiro, repercussivos ao funcionamento do sistema educacional e ao controle exercido sobre esse sistema; à forte presença de referenciais da Nova Gestão Pública na educação, fenômeno que redunda na composição de um perfil gerencialista na maneira de administrar os sistemas de ensino e as escolas; e ao progressivo descompromisso do Estado no provimento da educação pública, em grande medida evidenciada por decisões políticas e práticas de implantação de políticas responsabilizadoras de gestores e professores pelos resultados educacionais e por o que tem sido formalmente considerado qualidade na educação pública.

Submetidos à análise acerca da dimensão epistemológica, foi possível constatar, quanto à caracterização básica , coerência dos temas enfocados nos trabalhos com as linhas de pesquisa a que se vinculam orientadores e orientandos autores, assim como em relação à organicidade dos processos de pesquisa – fontes e recursos investigativos – e conexão com o contexto social. Relativamente à abordagem teórico- metodológica , restou evidente a aderência, em cada texto, entre os níveis de análise, o referencial teórico e a abordagem operada, assim como o fato de, em termos de perspectiva teórico-epistemológica , ser unânime o posicionamento crítico, embora com diferenciações em termos analíticos.

Por fim, cabe assinalar que a presente delimitação do campo do conhecimento, tendo por referência aspectos teórico-epistemológicos, também possibilitou sinalizar questões da educação brasileira no domínio da política de regulação por resultados em voga, destacando-se relações centrais à compreensão dessa política e de fenômenos que a circundam e a determinam. Sobressaem, nessa seara, o contexto da reforma do Estado, a partir da década de 1990, e a ação regulatória e de controle nela inscrita, ação esta que crescentemente vem conjugando medidas de responsabilização de escolas e professores pelos resultados obtidos e parametrizados em metas e ações mobilizadoras da organização da escola como unidade de produção, para o que se vê requerida uma gestão educacional por resultados. É, pois, no quadro das consequências dessa circunstância que também vemos situado o tema da democratização da gestão educacional no tempo presente.

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1O estudo é parte de um projeto de pesquisa maior que visa analisar repercussões de políticas de regulação e gestão por resultados na gestão democrática da educação básica, na especificidade do controle social.

2Na direção proposta, não são operadas comparações de resultados dos estudos.

3Apenas alguns casos se diferenciaram desse enfoque (um quarto do corpus), ao considerarem fenômenos referenciados em outros âmbitos.

Recebido: 21 de Abril de 2022; Aceito: 05 de Agosto de 2022

Marco André Serighelli Doutorando em Educação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). Professor Titular da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Docente do Campus de Videira. E-mail: marco.serighelli@unoesc.edu.br

Elton Luiz Nardi Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Pós- doutor pela Universidade do Minho. Professor Titular da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação. E-mail: elton.nardi@unoesc.edu.br

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