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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

Print version ISSN 1678-166XOn-line version ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.39 no.1 Goiânia  2023  Epub Sep 25, 2023

https://doi.org/10.21573/vol39n12023.112810 

Artigos

Narrativas sobre a escassez de professores licenciados em matemática em corrente, Piauí

Narratives about the scarcity of licensed teachers in mathematics in corrente, Piauí, Brazil

Narrativas sobre la escasez de profesores licenciados en matemáticas en corrente, Piauí, Brasil

FLÁVIO DE LIGÓRIO SILVA1 
http://orcid.org/0000-0003-3372-8738

1 Instituto Federal da Bahia Campus Barreiras Departamento de Ensino Superior Barreiras , BA , Brasil


Resumo

O estudo analisa a relação entre política e escassez de professores licenciados em matemática em Corrente, Piauí. Procurou-se responder, por de uma pesquisa qualitativa à luz da sociologia e da psicologia social, à pergunta: o que revelam as narrativas de professores sobre a escassez de docentes de matemática nesse município? Os depoentes responderam questões abertas de duas entrevistas em profundidade. Os dados produzidos foram submetidos à análise de conteúdo segundo Bardin (2016) e permitiram compreender a relação entre a política clientelista e a escassez de professores de matemática em Corrente.

Palavras-Chave: Política; Clientelismo; Escassez de professores

Abstract

This study analyzes the relationship between politics and the scarcity of licensed math teachers in Corrente, a town in Piauí State, Brazil. Anchored on qualitative research in the light of sociology and social psychology, we aim to answer the question: what do the narratives of teachers reveal about the scarcity of math teachers in this town? The interviewees answered the open questions in two in-depth interviews. Then, we conducted a content analysis on the responses, according to Bardin (2016), which allowed us to understand the relationship between clientelist politics and the scarcity of math teachers in Corrente.

Key words: Policy; Clientelism; Teacher shortage

Resumen

El estudio analiza la relación entre política y escasez de profesores licenciados en matemáticas en Corrente, Piauí. Intentamos responder, a través de una investigación cualitativa a la luz de la sociología y la psicología social, la pregunta: ¿qué revelan las narrativas de los profesores sobre la escasez de profesores de matemáticas en este municipio? Los entrevistados respondieron preguntas abiertas de dos entrevistas en profundidad. Los datos producidos fueron sometidos a análisis de contenido según Bardin (2016) y permitieron comprender la relación entre la política clientelista y la escasez de profesores de matemáticas en Corrente.

Palabras-clave: Política; Clientelismo; Escasez de maestros

INTRODUÇÃO

Em Corrente, Piauí, o fenômeno da escassez de professores de matemática com licenciatura plena nessa disciplina é continuamente evocado, narrado e estabelecido como justificativa para certas tomadas de decisão de caráter político- administrativo tais como a contratação de docentes não licenciados em matemática para atuação nas escolas, oferta de cursos superiores semipresenciais e à distância nessa área de ensino, promoção de formações continuadas para professores que ensinam a disciplina sem serem habilitados, dentre outras. Serve, ainda, para explicar resultados satisfatórios ou não de certas práticas de ensino que podem ser aferidos por avaliações sistêmicas como as do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e do Programme for International Student Assessment (PISA).

No entanto, a escassez de professores para o ensino das disciplinas pode ser considerada parte de uma estrutura política de dominação, com cooptação e distribuição de cargos e favores em troca de votos e manutenção do poder local, manifestações de patrimonialismo (GANDINI, 2008, p. 206) e clientelismo políticos no campo da educação, em analogia ao que vem sendo observado já desde a República Velha e descortinado pelos grandes intérpretes da sociedade brasileira tais como Leal (2012), Faoro (2001), Holanda (1995), dentre outros.

Este trabalho é fruto de uma pesquisa de doutorado. Realizou-se uma pesquisa qualitativa visando responder à pergunta: o que revelam as narrativas professores sobre a escassez de docentes de matemática nesse município? Para isso, os depoentes, um conjunto de onze professores atuantes no local, responderam questões de duas entrevistas em profundidade realizadas no âmbito da pesquisa. Os dados produzidos foram submetidos à análise de conteúdo como proposto por Bardin (2016) e permitiram descortinar a relação entre política e escassez de professores para atuação na região.

Quanto à estrutura deste artigo, apresenta-se o referencial teórico que trata da questão do patrimonialismo e do clientelismo como formas de dominação que alicerçam a política brasileira. Em seguida, apresenta-se a metodologia que permitiu a obtenção dos dados e sua análise. Em continuidade, tem-se a análise dos dados dividida em duas partes: a primeira que destaca o quantitativo de docentes aptos para efetuar o ensino de matemática em Corrente e a segundo com as narrativas sobre a escassez de professores e suas motivações políticas. Por fim, tem-se a considerações finais e referências bibliográficas.

PATRIMONIALISMO E CLIENTELISMO COMO GRAMÁTICAS DE ANÁLISE DA VIDA POLÍTICA BRASILEIRA

São variadas as expressões que categorizam e tipificam as relações estado-sociedade no Brasil: coronelismo, patrimonialismo, mandonismo, bacharelismo, formalismo, autoritarismo, clientelismo, personalismo, cartorialismo, corporativismo, dentre outras. De acordo com Costa (2009, p. 161), tais categorias “são exemplos das ‘deformações’ ou ‘patologias’ utilizadas para descrever aspectos de nossa realidade, particularmente do Estado, do governo e administração pública que se constituiriam causas da pouca efetividade da ação governamental” no país.

Vigente durante a República Velha em um Brasil rural de economia voltada para a exportação de comodities produzidas em latifúndio, o coronelismo consagrou-se como categoria sociológica de análise da sociedade brasileira já desde a publicação, em 1949, do trabalho magistral Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil de Leal (2012). Como forma de compreensão da política da época, o coronelismo correspondia a uma prática de mandonismo presente nos meios rurais e pequenos núcleos urbanos em que uma elite, dona dos meios de produção e detentora do poder político, econômico e social controlava determinado território, subjugando, de diferentes maneiras, as demais classes sociais.

Ainda que o coronelismo como fenômeno político e social tenha declinado conforme a modernização do Estado brasileiro e urbanização de nossa sociedade ao longo do século XX, outras formas de dominação e aparelhamento do poder estatal que lhe são afins perduraram e ainda subsistem. Em sua esteira, outras gramáticas analíticas vieram à luz, dentre as quais põem-se em relevo o patrimonialismo. Ainda que descrevam fenômenos diferentes, porém teoricamente próximos e relacionados que acontecem no seio da sociedade brasileira, tais categorias têm em comum o fato de retratarem a apropriação da máquina pública pelos agentes do Estado e sua utilização para fins particulares, subjetivismo contrário à impessoalidade que deveria imperar no trato da res publica .

Para Costa (2009, p. 162), “a persistência com que essas categorias continuam a ser resgatadas, criticadas e atualizadas dá conta de sua importância para a compressão do país e para a construção da imagem que os brasileiros fazem de si mesmos”, ou mesmo, que outros povos, em diferentes nações, fazem do Brasil. O autor afirma, ainda, que não se chegou a conclusões definitivas acerca dos fenômenos que tais termos descrevem. Sendo assim, “não importa. Ainda que esses conceitos não constituíssem elaborações nascidas de fatos e atos verificáveis, eles têm existência estabelecida no mundo das representações, acabando por produzir impactos sobre as práticas sociais e as instituições que as regulam” (COSTA, 2009, p. 162).

Nesse sentido, os termos mencionados no primeiro parágrafo desta seção imiscuem-se na vida cotidiana brasileira, forjando representações que conduzem a práticas, formas de o cidadão comum relacionar-se com os representantes do estado e com a máquina pública de maneira mais ou menos pessoal, barganhando para si favores e vantagens. No entanto, embora sejam variadas as expressões que categorizam e tipificam as relações estado-sociedade no Brasil, para o presente trabalho, devemos nos deter sobre o patrimonialismo e o clientelismo, suficientes para a compreensão do objeto que se deseja analisar, qual seja, os discursos mobilizados por professores quanto à escassez de docentes para lecionar matemática no município de Corrente.

Segundo Saraiva (2019, p. 337), o termo patrimonialismo remonta a análise sociológica empreendida por Max Weber de formas de dominação e poder sociais e sua legitimação em sistemas de governança política. Conforme Oliveira, Oliveira e Santos (2011, p. 951), “o elo entre dominação e administração despertou o interesse do pensador, pois a dominação manifesta-se e opera por meio da administração”. Já em relação ao Brasil,

[...] a expressão ‘patrimonialismo’ é bastante utilizada, principalmente quando se discutem os problemas que envolvem corrupção, ausência de participação política das classes populares, a concentração de poder nas mãos de algumas famílias e até mesmo a atuação do Poder Judiciário no favorecimento de indivíduos (SARAIVA, 2019, p. 339).

Conforme a análise empreendida por diferentes autores como Faoro (2001) e Holanda (1995), de uma maneira simplificada, podemos considerar que o patrimonialismo brasileiro remonta à origem do estado monárquico português e ao processo de colonização do Brasil, perdurando por diferentes períodos de sua história e cristalizando-se como forma de manejo da coisa pública no país desde a colônia, perpassando os governos imperiais e republicanos. Em termos atuais, o patrimonialismo designa a ausência de distinções entre a esfera pública e os interesses de foro individual e particular dos agentes de estado, estabelecendo entre tais agentes e os cidadãos comuns “relações de reciprocidade, baseadas não na lei, mas, no costume” (OLIVEIRA, OLIVEIRA e SANTOS, 2011, p. 951). Segundo Saraiva (2019, p. 336), “no caso do Brasil, nos ( sic ) deparamos com um sistema político no qual os gestores não reconhecem os limites entre público e privado. Exercem suas atividades buscando apenas satisfazer suas necessidades pessoais ou de certa classe, desconsiderando quais são os desejos e carências reais da população”.

As práticas patrimonialistas alimentam a ineficiência do estado, ao mesmo tempo em que são retroalimentadas por essa mesma ineficiência num ciclo infinito. Conforme Couto (2016, s. p.):

A tarefa do deputado ou do senador, do vereador ou do prefeito, do governador ou do chefe de Estado, é a de gerir o patrimônio público, como se eles fossem tão somente usufrutuários de riquezas. Não há, portanto, projetos de nação eficazes, pois o sistema patrimonialista privilegia, sobretudo, projetos particulares, projetos voltados a grupos parasitários.

Tal afirmação se coaduna ao que Oliveira, Oliveira e Santos (2011) afirmam sobre o patrimonialismo estatal brasileiro. Segundo os autores:

As premissas do patrimonialismo são elementos absolutamente fundamentais para a compreensão da gestão pública brasileira. Se, por um lado, um grande esforço de construção institucional vem estabelecendo freios ao exercício personalista e seletivo do poder, por outro, fortes referências culturais tornam tais práticas toleráveis. Num sistema que se retroalimenta - ou seja, onde o patrimonialismo opera para a ineficiência estatal e onde a ineficiência impede a universalização dos serviços públicos -, há um novo “rei” (o corpo político-burocrático que conduz o aparato público) e novos “amigos do rei” (as clientelas políticas) (OLIVEIRA, OLIVEIRA e SANTOS, 2011, p. 952).

Já o clientelismo diz respeito a uma prática de reciprocidade em que certos políticos, denominados patronos, privilegiam uma parcela da população, considerada seus clientes, com bens, serviços e cargos, em troca de seus votos durante os pleitos eleitorais.

O conceito de clientelismo é originário do estudo de sociedades rurais. Ele caracteriza um tipo de relação social marcado pelo contato pessoal entre patrões e camponeses (clientes). Estes se encontram em posição subalterna, dado que não possuem terras. O elo entre patrões e clientes define uma forma especial de troca: ela é assimétrica e a desigualdade desempenha um papel-chave na sobrevivência das partes, gerando laços que vão do compadrio à lealdade política (OLIVEIRA, OLIVEIRA e SANTOS, 2011, p. 955).

Ainda que as práticas clientelistas estejam presentes em sociedades rurais, percebe-se a sua manifestação mesmo com a modernização da sociedade. Para Veloso (2006, p. 71):

[...] quando há necessidade de buscar recursos nas instituições do Estado, têm-se muitas vezes as redes de clientela agindo e estimulando o personalismo, na medida em que o mandatário age como um intermediário entre o poder público e o cliente, transformando o que deveria ser um direito do cidadão em favores pessoais.

No entanto, qual a relação entre clientelismo e educação? Barros (2008) esclarece que:

[...] os educadores e a Escola passam a ocupar um importante papel na reprodução do poder do Estado (Município), remanescente da herança cultural do clientelismo político, nas suas relações de submissão e resistência. [...] as escolas e os educadores no Nordeste através dos contratos temporários de trabalho e dos cargos comissionados são aprisionados no sistema de favor e de tutela do poder público municipal, tornam-se aliados das lideranças políticas, perdem na submissão ao chefe político autonomia e poder de resistência. Os cargos comissionados e os contratos temporários, burlando a constituição de 1988 criando subempregos na área de educação, mantendo os educadores submissos aos caciques políticos, graças à distribuição de subempregos que mantém o trem da alegria no serviço público municipal nas cidades do interior (BARROS, 2008, online )

À guisa de conclusão, podemos considerar que tanto o patrimonialismo quanto o clientelismo são expressões da política brasileira que contribuem para nosso atraso.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

O presente estudo ocorreu na cidade de Corrente, município do extremo sul do estado do Piauí e inscreve-se na tradição de pesquisa qualitativa (STRAUSS; CORBIN, 2008, p. 23). Participaram do estudo um total de 11 professores atuantes no município de Corrente, sendo que oito ensinavam matemática em escolas estaduais e municipais e três ocupavam cargos de gestão. Quanto ao sexo, os entrevistados eram oito do sexo masculino e três do sexo feminino, com idades que variavam dos 27 anos aos 59 anos. Considerando ainda os professores que ensinavam matemática, quatro possuíam formação de licenciatura na área e quatro possuíam outras formações que não podem ser consideradas adequadas para o ensino da disciplina conforme preconiza o arcabouço legislativo nacional.

Por questões éticas, os nomes dos depoentes foram omitidos, bem como algumas informações pessoais, dentro das possibilidades da pesquisa, em comum acordo com os participantes (confidencialidade). O trabalho do qual este estudo se origina foi submetido ao Comitê de Ética de Pesquisa (COEP) da universidade em que foi defendido, tendo sido integralmente aprovado de acordo com parecer consubstanciado desse mesmo órgão, no que diz respeito às questões pertinentes a estudos envolvendo seres humanos.

Os colaboradores foram informados sobre os parâmetros em que se daria a pesquisa e deram sua anuência por escrito, conforme o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo-lhes facultado desistir de sua participação a qualquer momento. Outro cuidado ético tomado diz respeito ao fato de que os informantes foram também esclarecidos de que poderiam não responder, eventualmente, às questões que, porventura, lhes gerassem desconforto ou pudessem suscitar retaliações nos ambientes em que trabalham. Estabeleceu-se, ainda, o compromisso de devolver à comunidade os resultados do estudo, realizando sua divulgação através de seminários, discussões e palestras.

Para a produção de dados, utilizaram-se diferentes instrumentos tais como: 1) planilhas com dados empíricos sobre a formação e lotação dos docentes que ensinam matemática nos estabelecimentos públicos de ensino municipais e estaduais, na cidade, obtidas junto aos respectivos órgãos estaduais e municipais responsáveis pelos sistemas de ensino; 2) realização de uma entrevista exploratória, de caráter mais próximo ao de uma conversação, 3) entrevista semiestruturada. Tais instrumentos foram se adaptando plasticamente às situações do campo, suas dificuldades, seus desafios.

Os dados obtidos através desses instrumentos foram sistematizados e arquivados. A partir das entrevistas transcritas, realizou-se um procedimento de transcriação dos textos, mantendo o sentido original dos depoimentos, mas retirando, tanto quanto foi possível, mas não absolutamente, elementos da narração em linguagem falada (marcadores discursivos como, por exemplo, “né” e “tá”; inadequações de regência e concordância). No processo de transcriação, omitiu-se, ainda, a citação, por extenso, de pessoas, fatos ou lugares que julgamos incongruentes à imagem dos depoentes ou de pessoas de sua convivência, de modo a não ferir a ética da pesquisa. O conjunto de entrevistas transcritas constituiu um corpus (BAUER, AARTS, 2014, p. 44), o qual foi submetido à interpretação e análise.

Os dados obtidos foram classificados, descritos e discutidos à luz da análise de conteúdo conforme Bardin (2016). A autora estabelece três fases para a análise de conteúdo, a saber: 1) pré-análise, 2) exploração do material e, por fim, 3) tratamento dos resultados e interpretação.

FALTAM PROFISSIONAIS PROFESSORES DE MATEMÁTICA EM CORRENTE?

No que diz respeito à formação de professores, a pesquisa verificou a oferta de formação docente na modalidade semipresencial para o ensino de matemática na Universidade Estadual do Piauí (UESPI), em campus presente na localidade, ao longo da primeira década do século XXI, sendo tal iniciativa suplantada pela instalação,na cidade, de um campus do Instituto Federal do Piauí (IFPI) que passou ofertar, de modo contínuo e presencialmente a licenciatura em matemática a partir do ano de 2010.

Em relação à Corrente, a rede municipal de ensino era formada, em 2015, por quatorze escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Nelas, à época, atuavam vinte professores que ensinavam matemática, dos quais onze eram licenciados na disciplina e nove possuíam outras formações. Já a Rede Estadual de Ensino contava, em 2015, com cinco escolas, em que atuavam vinte e dois professores no ensino de matemática.

Nas escolas estaduais presentes em Corrente, de vinte e dois professores que ensinavam matemática, apenas quatro ainda não eram licenciados na área, sendo que graduados em outras áreas de formação eram apenas dois. O contraste que se observa é entre o número de professores temporários e o número de professores efetivos, o que será mais bem discutido no âmbito desta análise. Convém destacar que quatro professores que ensinam matemática atuam em ambas as redes, de modo que os dados permitiram observar a situação funcional de um total de trinta e oito professores.

Tais dados permitem relativizar o discurso da escassez de professores licenciados em matemática no local. É comum se afirmar, em diferentes contextos, a escassez de professores de matemática em Corrente, o que contrasta com esses dados encontrados em campo.

A relativização do discurso sobre a carência de professores de matemática em Corrente pode ser justificada, ainda, pelo fato de que, entre 2010 e 2015, formaram-se vinte professores licenciados em matemática no polo de educação à distância da Universidade Federal do Piauí (UFPI) em Corrente e vinte e três docentes licenciados em matemática no Campus Corrente do Instituto Federal do Piauí, fora os demais professores licenciados antes desse período na UESPI e outras instituições. Desses quarenta e três licenciados, apenas nove constavam nas listas com dados disponibilizados pela prefeitura local e pela gerência estadual de educação. Ainda que tais instituições formem profissionais docentes também para a atuação nas cidades circunvizinhas a Corrente, pôde-se constatar que:

  1. Parte dos profissionais licenciados em matemática nessas instituições de ensino não estava empregada ou estava trabalhando em outras ocupações que não a docência,

  2. Uma fração desses licenciados se encontrava em atuação nas escolas públicas de Corrente (nove professores)

  3. Um número reduzido desses egressos atuava em escolas da rede privada em Corrente (três professores).

Em resumo, os dados exibem a situação funcional de 38 professores que ensinavam matemática na rede pública de ensino de Corrente em 2015, sendo que entre os anos de 2010 e 2015, o IFPI e a UFPI licenciaram em matemática 43 profissionais e com interseção entre tais conjuntos de nove professores, o que mostra a existência, a nosso ver, de professores com formação adequada segundo a legislação atual em número suficiente para atuar nos estabelecimentos de ensino da localidade. Assim, percebe-se a formação, nos últimos tempos, de profissionais licenciados em matemática em quantidade suficiente para atender à demanda das escolas estaduais e municipais de Corrente, visto que além destes 43 professores licenciados entre 2010 e 2015, existiam na cidade outros docentes licenciados em matemática, egressos de outras instituições tais como a UESPI. Por outro lado, ainda que a carência se faça presente como objeto de discurso e se materialize na existência de professores não licenciados em matemática, atuando no ensino da disciplina nas escolas públicas da cidade, percebe-se que há um problema de acesso dos professores licenciados aos cargos disponíveis nas escolas, conforme poderá ser observado na análise dos depoimentos dos colaboradores de pesquisa.

NARRATIVAS SOBRE A ESCASSEZ DE PROFESSORES

Em primeiro lugar, chama a atenção as narrativas que fazem referência ao personalismo e ao clientelismo político, em Corrente, tendo como consequência o loteamento de cargos da administração pública entre aqueles que se mobilizavam e davam apoio aos candidatos durante as campanhas eleitorais (rubrica e1). Isso pode ser constado em falas como as que seguem:

Professor F: Existe muito professor que está na sala e não tem conhecimento, mas, [os políticos dizem:] eu vou dar a ele esse papel porque ele votou em mim(e1). Existe muito isso.

[...]

Pesquisador: Então, tem professor...

Professor F: ...que está ocioso. Se você fizer uma pesquisa, você encontra. Ele está fora da sala de aula, e tem professor aí, sem conhecimento, dando aula no lugar dele, encaixado (e1).

Pesquisador: Por qual motivo?

Professor F: Pela questão política(e1). E quando vem um prefeito, que não usa isso como esse homem que está aí, acaba rápido. É criticado. Não sabe fazer política, não é popular. Você vê muito isso daí, tem que bater aqui e aqui [faz um gesto batendo nos ombros], no ombro, quando não é popular. Com ele, se você passou em um concurso, você trabalha. Se não passou, você não trabalha. Vamos assistir à administração que vem agora, no futuro, para você ver que eu não estou mentindo. Eles vão colocar para dar aula quem os ajudou na campanha(e1).

É nesse sentido apresentado por Veloso (2006) que o Professor F apontou práticas bilaterais de clientelismo entre os administradores da máquina pública e determinados cidadãos. Para o professor F, não basta ter conhecimento para ingressar na carreira docente. O candidato a professor deve efetuar uma troca entre apoio político e a ocupação de um cargo público. O professor F ainda explicita que fazer política é estabelecer relações clientelistas com seus eleitores, pois aquele que não as estabelece não sabe “fazer política, não é popular”. Também a Professora E citou, veladamente, “a questão política”, em Corrente:

Professora E: Existem professores de outra licenciatura atuando, e também, tem essa questão de... nosso sistema educacional ainda ser político, politicamente administrado. Você é indicado se você for de partido A ou B. Se não for, você é colocado em outra instituição. Aconteceu no meu caso, eu fiz o processo seletivo do estado, não aprovei, mas, fiz meu currículo, fiquei classificada. Esperaram colocar outros que estavam atrás de mim, aí, depois que lotaram quem eles queriam, me convocaram para trabalhar com física, em outro município. Eu disse que não tinha possibilidade, não era a minha licenciatura e em outro município que não seja o meu. Eu não aceitei. (e1)

Vê-se, de acordo com Barros (2008), que uma das formas de se manter a submissão do professorado como cliente da autoridade política local é mantê- lo em uma condição de precarização das relações de trabalho. A ausência de concursos (rubrica e2) e a contratação de professores temporários (na linguagem local de Corrente, os professores seletistas) são mecanismos de coação e cooptação para que as autoridades políticas locais se mantenham e se perpetuem no poder. É nesse contexto que o Professor F afirmou, que não há vontade política de se realizarem concursos públicos, já que, a partir da carência de professores, tem-se uma maneira de se garantir “o voto seguro” daqueles que dependem do governante para conseguirem se empregar na esfera pública.

Pesquisador: existe carência de professores de matemática em Corrente? Professor F: Eu acho que ainda existe. [...] Devido ao concurso. E devido a essa falta de vontade dos políticos (e2). Nós temos, já, pessoas no mercado, [...], mas ela continua ainda sem ser concursada (e2), porque não dão os concursos, eles continuam fazendo aquele concurso só processo seletivo, que é de apenas dois anos, aí torna a repetir. Com dois anos, o professor não pode mais continuar. Por que não pode mais fazer, existe uma regra, que não pode mais fazer, para não criar vínculo, aí acabam ficando fora do mercado de trabalho. Tem a oferta, é assim que se diz? Tem o profissional, a procura, mas não tem gente concursada, não dão o concurso (e2). Tem professor, bem aí, que está formado, está parado, sem poder dar aula, porque ele foi [celetista] já há quatro anos, e não pode enquanto não passar, enquanto não passar esse período para poder fazer um novo concurso seletivo. Então, eu critico, e digo, é a falta de vontade política (e2). Se eles dessem o concurso legal, para preencher todas as vagas, direitinho, concursado, pelo que realmente tivesse o curso de licenciatura plena, em matemática, já teria sanado esse problema.

[...]

Pesquisador: Então o problema agora é o acesso? Ele não consegue entrar. Professor F: Não consegue entrar, pela burocracia, pela falta de vontade política mesmo (e2). Não oferecem, eles não oferecem. Por que eles não oferecem? Porque eles querem ficar com a pessoa na mão(e1). Para estar dando aquele empreguinho de quatro anos e dois anos, para poder ter o voto seguro(e1). Porque se ele der o concurso, você vai gritar, eu também vou, voto em quem eu quero. Então ele não quer ninguém concursado(e1). É isso aí. Tem atrapalhado muito isso aí.

A realização de processo seletivo simplificado para a contratação de professores tem relação com o clientelismo político e não é exclusividade de Corrente. Também Feldman e Alves (2020) descortinaram o clientelismo político que envolve a contratação de professores temporários no município de Portel (PA) elencando fatos que se aproximam dos que aqui estão sendo analisados tais como a escassez de concursos e relações de poder assimétrico entre políticos e seus apadrinhados.

O professor F afirmou, ainda, em seu depoimento, o loteamento dos cargos públicos e sua distribuição, nem sempre para aquele que detém o conhecimento e as atribuições necessárias para ocupá-lo; antes, para aquele que deu o seu voto e seu apoio ao governante que disputou e ganhou a eleição. Nesse sentido, a presença de docentes em cargos efetivos na máquina pública, para o Professor F, torna- se uma ameaça à hegemonia de poder do governante, situação que se estende do município ao estado, em maior ou menor grau. Em seu depoimento, o Professor G narrou que foi um daqueles que se beneficiaram desta “política do ajeite” ou “apadrinhamento”, descrevendo que conseguiu o seu cargo de professor, ainda nos anos 1980, por meio da ajuda de um político de Corrente:

Professor G: eu inicialmente, meu curso inicial, é de técnico agrícola, dos anos 1980. Quando foi em 1981, devido à carência do estado, naquela época, não tinha profissional, mas tinha o programa Pró-Nordeste e me arrumaram essa vaga para trabalhar na parte da docência, que é dar aula(e4), e a outra parte no campo, desenvolvendo atividades de hortaliças, essas coisas, com os alunos. Mas, para isso eu tive que ir para Campo Maior, porque o curso não oferecia aquelas áreas mais interessantes, por exemplo, as práticas de ensino. Aí, eu tive que ir para Campo Maior receber um curso de 360 horas. Na época, o governo me enquadrou nesse programa. Aí, o estado, a Secretaria de Educação, como estava precisando de professores na época, nos aproveitou. Estava sem professor.

Pesquisador: E o senhor entrou mediante concurso, seleção, como foi?

Professor G: Naquela época, não existia. O concurso veio obrigatoriamente a partir de 1988(e2).

Pesquisador: Entendi. Então, a vaga tinha, o senhor se apresentava e era contratado... Professor G: Naquela época, tinha uns políticos, até o que hoje é o prefeito de Corrente, foi quem ajeitou isso para mim(e1)

Dando seguimento às discussões, vê-se que loteamento dos cargos no campo da educação acontece com a presença de outro mecanismo informal presente no sistema educacional local, depreendido mediante as entrevistas: o improviso na lotação dos professores (rubrica e4). Alijada durante muito tempo de instituições formadoras de professores dada a distância até maiores centros urbanos como Teresina e Brasília da ordem de 900 km e 800 km, respectivamente, com problemas de adequação do número de formados em determinadas áreas do conhecimento e a necessidade de mão de obra docente nas escolas, a cidade de Corrente viu-se, muitas vezes, com a necessidade de improvisar os professores de determinados componentes curriculares para atuarem em suas salas de aula. Os relatos da Professora J e da Professora L foram claros em afirmar a dificuldade de contratação de professores de determinadas áreas, entre elas, a matemática:

Professora J: O nosso primeiro concurso municipal para efetivar professor [...] foi em 1997. Nessa data, foi realizado o primeiro concurso da rede municipal para efetivar e dar uma organizada nisso tudo.

Pesquisador: [...]

Professora L: Mas, o que acontece, quando foram abertas as vagas, inicialmente eram 50 vagas, todas elas eram para professores polivalentes. Todo mundo que entrasse seria professor polivalente (e3).

Pesquisador: Eles poderiam dar aula de qualquer coisa?

Professora J: Ele poderia ser professor de primeira à quarta séries. [...]. Só que no município, as turmas de quinta série, sexta série, já tinham, Educação Infantil, já tinha. Mas, o concurso era só para polivalente, para o professor de primeira à quarta série. Então, quando lotou todo mundo de primeira à quarta série, os outros professores foram lotados por afinidades. Aquele professor que gostava de história... de matemática... aquele professor... (e4).

Pesquisador: Mas, essa afinidade é uma declaração? Quer dizer, a pessoa declara eu

gosto de... eu vou dar aula de...

Professora J: Chega lá na prefeitura e ouve: tem, aqui tem a disciplina de tal e tal. Aí, o professor diz: eu gosto muito de História! Então, ele ouve: pois, pois, você vai dar aula de História (e4)!

[...]

Professora J: Para aquilo com que ele se identifica, para aquilo que ele tem condições de ministrar. Têm professores, aqui, que têm a afinidade com língua portuguesa e não teriam condições de dar aula de matemática, então, esses professores são lotados em português. Aquele que tem facilidade com cálculo, que entende a matéria, que compreende, é lotado em matemática (e4).

Pesquisador: Mas isso me gera uma pergunta. Assim, como que se sabe se ele tem realmente a condição, foi a prova que ele fez no concurso? Por que não era para professor polivalente?

Professora J: Não, a Secretaria vê qual é a condição, o resultado do trabalho dele... Pesquisador: Então, se faz uma experiência?

Professora J: Faz-se uma tentativa (e4). [...]

Professora L: Para deixar um questionamento dentro da sua pesquisa, nós ainda temos professor que fez todo o curso de biologia e não quer dar aula de ciências, por exemplo. Nós temos um professor que fez todo um curso de língua portuguesa, mas quer ir lá para a Educação Infantil (e4).

Professora J: Como temos um professor que fez pedagogia, mas, que dar aula só se for de língua portuguesa! (e4)

O improviso na lotação dos professores explica, em parte, a presença de pedagogos ministrando a disciplina de matemática. Por tentativa e erro, às vezes por coação, de maneira perversa, professores de outras áreas ministram aulas de matemática, enquanto docentes licenciados em matemática dão aula de outros conteúdos.

Os depoimentos demonstraram, ainda, que o improviso na lotação dos professores, em geral, e dos professores de matemática, em particular, ocorre tanto na esfera municipal quanto na estadual, indistintamente. No âmbito municipal, essa lotação improvisada se deu, em maior grau, com o primeiro concurso público realizado após a Lei nº 9394/1996 (BRASIL, 1996), de caráter polivalente (rubrica e4). Tal não se deu sem tentativa e erro, como afirmaram a Professora J e a Professora L, em sua narrativa. Para Tardif (2000), o início da atividade docente acontece com intensa aprendizagem concreta do ofício de professor, quando se apreende as “manhas” inerentes ao ensino de determinado conteúdo. Assim, quando um professor é improvisado em determinada disciplina, em Corrente, ele está se submetendo a uma experiência intensa de aprendizagem de sua atividade de trabalho.

No jogo político, a improvisação serve ainda como forma de punição aos professores que “não se alinham” às determinações da secretaria municipal de educação e outros agentes da prefeitura. Alguns depoimentos afirmaram que, sendo o conteúdo mais temido, a matemática era, muitas vezes, utilizada para punir os professores. O Professor I relatou, brevemente, que viu um professor de geografia, o qual dizia odiar matemática, ministrando a disciplina, como penalidade por ter apoiado o candidato da oposição em uma eleição. Como era pertencente ao quadro efetivo e não podia ser demitido, sua mudança de lotação serviria como “castigo”. Ainda que o valor de verdade de tais narrativas possa ser objeto de questionamentos, deve-se atentar às consequências da lotação flutuante de professores e sua contratação por méritos políticos, fatos que propiciariam situações como as descritas pelos professores entrevistados.

Relacionando tudo isso, dos depoimentos se pode depreender a preferência pela contratação de professores temporários em comparação aos efetivos. Essa categoria de contratação, além de possibilitar uma remuneração menor pelo mesmo trabalho realizado por um professor efetivo, possibilita o controle das instituições a partir de dentro, garantindo o apoio dos servidores, sem contestação, durante o governo, e possibilitando maior número de votos, durante as eleições, causadas pelo patrimonialismo e clientelismo, como já apresentado. Como consequência, a Professora E aponta a descontinuidade do trabalho docente, sua constante readaptação a novos ambientes e atores escolares, sendo tal fato apontado por ela como negativo aos alunos.

Pesquisador: O estado também contrata muitos professores celetistas. O que você acha disso na escola? Qual o impacto, a dedicação?

Professora E: Eu acho que a dedicação do professor não vai muito, assim, causar impacto na questão da educação dos alunos na escola. O que causa problema é que como os professores celetistas são, todo ano, lotados em escolas diferentes, aquele trabalho que ele iniciou naquela escola, no próximo ano ele já está em outra, em outra série (e5). Isso prejudica, porque vai distorcendo o trabalho que ele tinha que continuar desenvolvendo na mesma escola. No meu ponto de vista, tinha que ficar na mesma escola, mas, ele vai para outra, para outra série, já começa tudo de novo. Quando a gente está em andamento novamente, é retirado, quando começa a se adaptar com as pessoas, o trabalho surtir efeito, que a gente sabe que é do ano para o outro que começa a modificar, que os alunos estavam acostumados com o professor, chegou um outro novo. É outra metodologia, até eles se acostumarem com aquele professor que praticamente já saiu... como a gente tem essa questão política, o ajeite (e1), tem professor que passa quatro meses na escola, e no outro semestre já está em outra escola, já foi modificado, e isso atrapalha.

As narrativas acima puderam ser categorizadas segundo o tema em destaque nas rubricas conforme o Quadro 1 .

Quadro 1 Tematização das entrevistas 

Rubrica Categoria temática
(e1) Clientelismo político
(e2) Escassez de concursos públicos na esfera estadual e municipal
(e3) Concurso municipal para professores polivalentes
(e4) Improviso na lotação de professores
(e5) Descontinuidade do trabalho docente

Fonte: produzido pelo autor no âmbito da pesquisa.

As questões de natureza política discutidas acima impactam diretamente as representações da escassez de professores licenciados em matemática, em Corrente. Nelas, os atores sociais atribuem (também) a escassez de professores à falta de vontade da classe política de sanar o problema e ao uso da máquina pública para benefícios pessoais e interesses privados numa espécie de barganha em torno de vantagens materiais (econômicas) e sociais ( status ). Faltam professores, e professores de matemática em particular, porque os membros do executivo e legislativo locais, sejam pertencentes às esferas estadual e municipal, beneficiam- se disso, utilizando os cargos disponíveis nas escolas e outras repartições como “moeda de troca” em busca de apoio para se elegerem, aparelhamento institucional que possibilita a manutenção do poder e da hegemonia da elite pertencente à classe política dominante.

O discurso da carência legitima a execução de medidas como a contratação de pedagogos, agrônomos, licenciados em história ou mesmo estudantes de ensino superior como professores para ensinar matemática, com base em uma suposta afinidade com o conteúdo, ao mesmo tempo em que profissionais licenciados encontram dificuldade de alçar o mercado de trabalho nas escolas locais, como o denuncia o Professor F: “[tem professor] que está ocioso. (...) Ele está fora da sala de aula, e tem professor aí sem conhecimento dando aula no lugar dele, encaixado”. A questão de a carência de professores de matemática constituir-se como fato amplamente disseminado no tecido social correntino é que permite esse encaixe de profissionais diversos não-licenciados em matemática como professores dos estabelecimentos de ensino, sem questionamento por parte da sociedade local, principalmente dos licenciados na disciplina que não conseguem se empregar e ficam à margem do mercado de trabalho. Sendo assim, verifica-se o acesso a empregos públicos, portanto, sob critérios questionáveis tais como a habilidade ou afinidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que revelam as narrativas de professores sobre a escassez de docentes de matemática no município de Corrente? À guisa de conclusão, pudemos compreender que não faltam, de maneira absoluta, profissionais habilitados, com curso de licenciatura na área, capacitados para ministrar matemática em Corrente. No entanto, verificamos que o patrimonialismo e o clientelismo forjam práticas que, ancoradas em representações de que faltam professores de matemática na localidade, permitem a distribuição de cargos a docentes que apoiam o representante político no momento das eleições.

Trata-se de um sistema que se retroalimenta, visto que as representações de escassez de docentes de matemática promovem o loteamento e a distribuição de cargos entre os aliados políticos de quem se encontra no poder, e a ocupação desses cargos por profissionais não-licenciados em matemática sinaliza à sociedade que faltam professores de matemática na localidade, círculo vicioso de difícil superação. O discurso de que faltam docentes licenciados em matemática justifica,

ainda, uma prática que, a priori , é ilegal, qual seja, a distribuição de cargos nas escolas em troca de votos, dando ares de legalidades às práticas clientelistas sob a justificativa de que faltam docentes com formação para ministrar aulas nos estabelecimentos de ensino.

AGRADECIMENTOS

Agradece-se a todos os depoentes que colaboram com a pesquisa. Ao IFBA/Campus Barreiras que disponibilizou tempo para a construção deste artigo e à UFMG e ao povo brasileiro que permitiram a realização do meu doutorado que culminou na redação deste trabalho.

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Recebido: 06 de Abril de 2021; Aceito: 27 de Março de 2022

Flávio de Ligório Silva Possui graduação em Matemática Licenciatura pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007), mestrado (2011) e doutorado (2018) em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Matemática, atuando principalmente nos seguintes temas: psicologia da educação matemática, formação de professores e processos de ensino- aprendizagem. Atualmente é professor do Instituto Federal da Bahia, Campus Barreiras, Departamento de Ensino Superior, Barreiras, BA, Brasil. E-mail: flavio.ligorio@ifba.edu.br

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