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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versão impressa ISSN 1678-166Xversão On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.39 no.1 Goiânia  2023  Epub 25-Set-2023

https://doi.org/10.21573/vol39n12023.114483 

Artigos

Gestão da educação e os desafios impostos pelos organismos internacionais

Education management and the challenges imposed by international bodies

La gestión de la educación y los retos impuestos por los órganos internacionales

IVY DANIELA MONTEIRO MATOS1 
http://orcid.org/0000-0001-5402-6108

MARIA JOÃO CARVALHO2 
http://orcid.org/0000-0002-3953-0928

1 Instituto Federal do Norte de Minas Gerais Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Docência e Diversidade Januária , MG , Brasil

2 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Escola de Ciências Humanas e Sociais Departamento de Educação e Psicologia . Vila Real , Portugal


Resumo

Este artigo, de natureza reflexiva, tem como objetivo abordar a importância dos Organismos Internacionais na elaboração das políticas homogeneizadoras em países desenvolvidos e em desenvolvimento, promovendo a massificação. Para o efeito, apresentamos as concepções que estão nas bases dessas políticas, nomeadamente a concepção do eu e do outro e as bases ideológicas que a suportam. Foi possível concluir, no que à educação diz respeito, que essas políticas afetam as formas de gestão e resvalam no trabalho docente, bem como nos parâmetros da avaliação escolar.

Palavras-Chave: Gestão democrática da educação; Políticas de gestão educacional; Organismos Internacionais; Educação emancipatória

Abstract

This is an article of reflexive nature, which aims to address the importance of International Organizations in the elaboration of homogenizing policies in developed and developing countries, promoting massification. For this purpose, we present the conceptions that underlie these policies, namely the conception of the self and the other, and the ideological bases that support it. It was possible to conclude, concerning education, that these policies affect the forms of management and slip into the teaching work, as well as in the parameters of school evaluation.

Key words: Democratic education management; Educational management policies; International Organizations; Emancipatory education

Resumen

Este artículo, de carácter reflexivo, tiene como objetivo abordar la importancia de los Organismos Internacionales en la elaboración de políticas homogeneizadoras en países desarrollados y en vías de desarrollo, promoviendo la masificación. Para ello, presentamos las concepciones que subyacen a estas políticas, es decir, la concepción del yo y del otro y las bases ideológicas que la sustentan. Se pudo concluir, en materia de educación, que estas políticas inciden en las formas de gestión y se deslizan en la labor docente, así como en los parámetros de evaluación escolar.

Palabras-clave: Gestión democrática de la educación; Políticas de gestión educativa; Organizaciones internacionales; educación emancipadora

INTRODUÇÃO

A par da importância dos Organismos Internacionais (OI’s) na implementação das políticas, daremos conta dos fundamentos que essas propostas encerram ao nível da educação. Posteriormente faremos referência ao modelo empresarial de gestão das organizações educacionais e ao trabalho docente que potenciam, sem esquecer o seu impacto para a avaliação e para a responsabilização dos sujeitos. A educação emancipatória, fundada na lógica democrática, será abordada em contraponto à lógica gestionária.

Estudar o campo da gestão democrática nas instituições de ensino encontra resistência nas forças políticas, financeiras e de mercado. Reformas educacionais foram implementadas em diversos países nas últimas décadas, estando eles desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Na América Latina, a transferência da decisão para as comunidades escolares foi amplamente incentivada ou exigida pelas agências de financiamento, principalmente o Banco Mundial (BM), através dos seus programas de ajustes estruturais na educação (Borges, 2004). Na Inglaterra, Anderson (2017) considera que a sua implementação se deve aos Partidos Trabalhista e Conservador; nos Estados Unidos, aos Republicanos e Democratas; e no Chile aos Democratas Cristãos, sem esquecer a aliança de partidos de esquerda. E, para além das questões partidárias, o autor lista uma rede de colaboradores ávidos por reforçar a urgência dessas políticas, que denomina de aliança hegemônica do Novo Direito, “incluindo os neoliberais, os conservadores sociais, os conservadores religiosos e uma classe média profissional nova” (2017, p. 602).

Por isso, tanto nos países de língua inglesa, quanto nos latino-americanos, o empoderamento da comunidade através da descentralização da gestão escolar se tornou uma tendência. E não passa disso: descentralização, que pode ser confundida, em uma análise mais elementar, com a gestão democrática das organizações educacionais. Há uma ampla rede de apoio à implantação dessas mudanças no âmbito educacional, com as quais se busca a redução dos custos e a transferência das responsabilidades para professores, gestores e comunidade escolar em geral. São objetivos centrados na lógica de mercado, reduzindo a educação a uma atividade mensurável, quantificável, passível de avaliações objetivas e da busca pela eficácia e eficiência.

Para Freire (1987), as estruturas democráticas na gestão das organizações educacionais partem do desejo popular de participar. Este desejo movimenta-se, rompendo com as estruturas de exclusão e autoritarismo para criar mecanismos de participação e, por romper com o status quo , encontra alicerces no ato revolucionário. A gestão democrática só se constrói com a participação efetiva dos sujeitos envolvidos na dinâmica escolar, o que não pode ser conquistado com a implantação de políticas educacionais idealizadas por OI’s, de resto também não se revela como seu objetivo.

FUNDAMENTOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PROPOSTAS PELOS OI’S

A força impositiva das políticas educacionais orientadas pelos OI’s, acompanhada do esforço do Estado para o seu estabelecimento, por si só, gera situações impeditivas à efetivação de práticas democráticas nas organizações educacionais: primeiramente, a democracia deve ser algo desejado, algo que se anseia e, a partir daí, devemos caminhar progressivamente no sentido da sua construção; em segundo lugar, as estruturas de participação devem brotar das ações naturalmente geradas pelos sujeitos envolvidos na dinâmica escolar, ou seja, práticas democráticas é que vão construindo estruturas democráticas para se expressarem, naturalmente, pois não se ordena que alguém seja democrático. Forma-se o cidadão democrático a partir das práticas que progressiva e paulatinamente vão desempenhando no seu ambiente social. Esta prática cotidiana trabalha para coibir os medos de participar, pois naturalmente a participação inclui riscos e comprometimento e “não é possível viver, e muito menos existir, sem riscos. O fundamental é nos prepararmos para saber corrê-los bem” (Freire, 2000, p. 79).

Freire (1987) ao considerar a necessidade da revolução no percurso de construção da democracia, chama a atenção para o seu aspecto da construção popular. Esta revolução representa o desejo do povo de participar, associado às reivindicações de instâncias para tal, marcando momentos de ruptura e de discussões, naturais à participação.

A generalização de políticas embasadas em um modelo hegemônico estimula o imperialismo, ajudando os Estados membros dos OI’s no seu processo de dominação do mundo. Trata-se de mecanismos criados socialmente para promover a aculturação dos países em desenvolvimento, o que contribuirá, inevitavelmente para a sua posterior espoliação política, econômica e social, transformando esta espoliação em algo naturalizado, muitas vezes fruto de um percurso intencionalmente trilhado pelos países assistidos.

Em virtude da recente ampliação da integração geoeconômica global, os OI’s tornaram-se atores de relevância no cenário mundial, com a missão de estabelecer um ordenamento das relações internacionais de poder e influência política. Atuam na elaboração e regulação de normas, suscitam acordos entre países, buscam atender determinados objetivos e sugerem orientações, pelo que, em nome de cooperação política ou financeira, os países em desenvolvimento são incentivados a adotar políticas elaboradas por estes OI’s.

Sendo políticas construídas por organismos externos aos países que deverão implantá-las, desconsiderando a identidade desses povos, promovendo a massificação quanto aos objetivos, formas de gestão e métodos de avaliação, estas políticas educacionais implementadas são homogeneizadoras e simultaneamente colonizadoras. Discutiremos duas concepções que estão nas bases dessas políticas: a concepção do eu e do outro na sua elaboração e as bases filosóficas que as fundamentam.

Arroyo (2018) chama a atenção para o modo como é instituída a classificação dos desiguais e como este método interfere para acentuar as desigualdades sociais e educacionais, sendo que considera a classificação dos desiguais enquanto parte de uma relação binária, pautada na diferenciação entre o eu e o outro. O desigual é o outro, diferente de mim, aquele que detém outras condições social, étnica, econômica, etc. Representa um padrão de poder-saber e define um padrão de inferioridade-superioridade humana, intelectual, moral e cultural. Emana do modo como eu vejo o outro, sendo que esta visão carrega consigo diferentes marcas da minha cultura sobre a cultura do outro, e ainda de um modelo. O modelo do eu, que é tido como sucesso, desenvolvido, a partir de parâmetros centrados no meu ordenamento cultural (hegemônico, imperialista, capitalista, neoliberal). O modelo é sempre elaborado pelo ente externo, sem nenhuma participação daquele que o irá aplicar, apresentado de forma hegemônica e descontextualizada.

A concepção do outro, geralmente, parte da afirmação daquilo que não sou: burocrático, subdesenvolvido, improdutivo, etc. Com base nesta concepção do eu e do outro, as políticas deixam os países que as implementam vulneráveis naquilo que os estrutura: a sua identidade, potenciando a abertura a modelos hegemônicos com concepções filosóficas análogas.

Esta concepção do outro como improdutivo, incompetente e incapaz, torna-se o espaço adequado para a imposição de bases filosóficas voltadas para a produtividade, eficácia e eficiência. Em voga principalmente a partir da década de 1990, as bases filosóficas da Nova Administração são as influências diretas sobre as políticas de gestão educacional, elaboradas pelos OI’s.

Para Carvalho:

Explícita e implicitamente, a racionalidade económica tem assumido grande centralidade e protagonismo ao incorporar decisões e recomendações a nível das políticas educativas desenvolvidas a partir da década de 1980, em estreita ligação com a ideologia da modernização (...) revelando a importação dos ideais de descentralização e autonomia de sectores empresariais e produtivos enquanto momento de desburocratização, mas também de racionalização, de aumento de eficácia e eficiência, de aumento de produtividade e qualidade (2009, p.142).

O modelo empresarial forneceu à área educacional os conceitos de eficácia, eficiência, produtividade e qualidade, como solução para a problemática da qualidade do ensino. Esta tendência mercadológica é marca da política neoliberal e obscurece a real finalidade da escola, seus fins sociais, transformando-a em uma organização que plagia o funcionamento empresarial.

Faz-se necessário compreender qual o horizonte político-ideológico que lançou as bases para tais iniciativas na administração pública. Para Alves (2014), são dois os caminhos para esta investigação: a teoria do capital humano e o New Public Management (nova administração pública). No plano internacional, os anos de 1980 e 1990 marcaram o momento da hegemonia neoliberal e, no campo da administração pública, ganhava força o movimento que ficou conhecido como nova administração pública. Na perspectiva do capital humano, a educação passa a ser entendida como um fator de produção e, neste âmbito, configura-se como produtora de resultados.

Para os partidários de tal empreendimento, isto significa modernizar a gestão pública. Trata-se, em síntese, da aproximação entre administração pública a formas de gestão contemporâneas do setor privado, este último compreendido como o modelo de êxito a ser perseguido. Neste âmbito, diríamos que:

Diferentemente do triunfo da democracia, o fim político dessa ascensão é o de fazer da escola uma máquina eficaz a serviço da competitividade econômica. Assinalado o contraste dessa perspectiva com o projeto de educação e gestão democrática plantado [na década de 1980] importa destacar que as políticas educacionais postas em marcha nos anos de 1990 foram evidenciando que o objetivo de democratização da educação passou a ser o de imprimir maior racionalidade à gestão [...] [convergindo] para novos modelos de gestão do ensino público, modelos esses calcados em formas mais flexíveis, participativas e descentralizadas de administração de recursos e das responsabilidades (NARDI, BOIAGO. 2018, p. 753)

Os autores acrescentam que a autonomização da escola pública, inscrita no novo modelo de regulação, constitui uma marca desses novos modelos de gestão. No entanto, tornam as escolas, paralelamente, alvos de uma corrente de denúncias sobre a ineficiência, razão pela qual sugerem o uso de mecanismos eficientes de gerenciamento, mormente em sintonia com o objetivo de produzir mais com menor custo, o que dá forças aos argumentos a favor da privatização da educação pública ou de políticas voltadas para o fortalecimento da parceria público-privada (Nardi, Boiago, 2018).

As Teorias da Administração na educação são herdeiras das influências das escolas clássica, psicossocial e contemporânea. A escola-clássica introduz a preocupação com o controle e a racionalização do trabalho, introduzindo, na prática, a divisão do trabalho, autoridade, disciplina, unidade de comando e de direção, subordinação dos interesses individuais aos interesses gerais, centralização, hierarquia, ordem, promovendo a desvalorização do trabalhador, automatização do trabalho e subordinação. A escola psicossocial substitui o critério da eficiência econômica pelo da eficiência e eficácia técnicas, preocupando-se com a prossecução dos objetivos; a escola contemporânea utiliza o critério da efetividade, centrada na capacidade de serem encontradas respostas para as demandas, preocupada com o desenvolvimento socioeconômico (Hora, 2007).

Ocorre que o trabalho desenvolvido nas instituições escolares apresenta uma natureza estritamente diferente de uma fábrica ou de uma empresa. Enquanto uma fábrica produz um objeto a partir de uma matéria-prima e, em termos da gestão do trabalho, procura quantificar quantos objetos com o grau de qualidade alcançado foi produzido em um tempo específico, já a escola produz pessoas, seres humanos, o que torna difícil saber como quantificar, delimitar, mensurar a sua eficiência. Do mesmo modo para o tempo necessário para se “produzir” um ser humano ou como avaliar dentro de moldes padronizados que aquele educando está “pronto”, definindo e delimitando tempos e espaços concretos do trabalho de formação humana, sendo que cada indivíduo é único.

Alves (2014) conclui que os gestores parecem lidar mal com as situações de trabalho. Essa é uma realidade demasiadamente complexa da qual a saída para eles tem sido a simplificação. Assim, no precipitar de um sem número de decisões e ações, o “ativismo gestionário” tem cada vez mais dificuldade de mascarar a indigência da gestão diante do trabalho docente. Agir de outro modo implicaria “ir além do restrito horizonte do homo economicus – produção de um mundo objetivo, o trabalho é também ocasião de uma realização subjetiva” (Alves, 2014, p. 54).

O tema da educação é muito complexo e o modelo empresarial, mercadológico, torna esta temática evidente para os gestores públicos. A problemática da gestão da educação também se coloca de modo mais premente quando os políticos eleitos para os cargos são, muitas vezes leigos quanto à natureza do trabalho docente, quanto às especificidades do ambiente escolar e quanto ao processo subjetivo da aprendizagem. A opção parece ir no sentido das políticas quantificáveis, racionalistas, generalizadas, emprestadas e influenciadas pelos campos políticos e mercadológicos. Ademais, a maioria dos Estados não detém os instrumentais políticos e econômicos necessários para se oporem às definições dos OI’s, que representam as definições de seus financiadores. Apesar de muitos países questionarem a dimensão que tais medidas representariam para os setores sociais, a lógica gestionária parece imperar e a “modernização” dos serviços públicos foi adotada pela maior parte dos países.

Cunha (1991) considera que, dentro dessa política de autonomia orquestrada pelas agências financiadoras em países menos desenvolvidos, e especialmente no Brasil, essa suposta descentralização vem acompanhada de diversos processos que tratam da padronização dos procedimentos administrativos e pedagógicos com a finalidade de garantir a redução dos custos e a redefinição dos gastos, não se abrindo mão das políticas controladoras.

Nardi e Boiago posicionam-se contra os mecanismos controladores da participação e contra os recursos de controle de poder na decisão e, por isso, afirmam:

Entendemos a participação política como recurso fundamental à democratização da gestão da educação, sendo devido reconhecer a concorrência de fatores políticos, econômicos e sociais que buscam simplificá-la, especialmente, em seu teor político. Seguindo as reflexões de Nogueira (2015), um exemplo dessa simplificação é justamente o comprometimento da qualidade da representação política oportunizada, frequentemente expressa na fórmula participação com controle do poder de decisão (2018, p. 752).

Para tentar contrapor esta manobra antidemocrática, Bordignon e Gracindo (2000) defendem que o espaço escolar se torna o espaço onde ainda podem ser definidas medidas de oportunização da participação dos diferentes segmentos do contexto escolar.

A participação é configurada pelas políticas homogeneizadoras da educação, primeiro no processo de responsabilização dos sujeitos envolvidos, pois, se lhes é dado o poder de decidir e os resultados não são satisfatórios, infere-se que as decisões foram equivocadas; em segundo lugar, ela também se transforma em um mecanismo de sedução, dando aos sujeitos a sensação de participar da decisão.

MODELO EMPRESARIAL DE GESTÃO DAS ORGANIZAÇÕES EDUCACIONAIS E O TRABALHO DOCENTE

Para Alves (2014), a lógica gestionária provoca grande impacto no trabalho docente e, discutindo os estragos que uma política de gratificação do trabalho docente a partir do rendimento dos seus alunos causou no estado de São Paulo, Brasil, chega a definir tal política como “o exemplo mais acabado da racionalidade gestionária na área da educação escolar brasileira” (2014, p. 39).

A política de elaborar um plano de carreira meritocrático para os docentes altera totalmente a natureza do trabalho do professor, transformando-o em algo especificado, dimensionado e conduzido, o que o torna facilmente gerido. Alves descreve os modos pelos quais o trabalho docente pode ser especificado, dimensionado e conduzido, a saber:

(...) especificado: por meio da prescrição da tarefa via guias curriculares, projetos que chegam prontos às escolas etc.; dimensionado: por meio de ferramentas que objetivam quantificar o trabalho do professor e o trabalho realizado pelo conjunto da escola, tornando-os mensuráveis (percentual de aprovação, número de projetos desenvolvidos, índices, metas, resultados da unidade escolar nas avaliações do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar no Estado de São Paulo [SARESP] etc.); conduzido: por meio de incitação pecuniária, classificação das escolas, exposição dos resultados de avaliações etc. Nesse horizonte, o trabalho, no caso o trabalho docente, se apresentaria – e isso no sentido literal do termo – como objeto da gestão, respondendo a seu interesse instrumental e modelado a partir de fora (2014, p. 40).

O aspecto meritocrático de lidar com o trabalho docente reflete que este é também o aspecto com que se lida com o trabalho do discente. Este modelo educacional tem os seus méritos, aplicando-se com sucesso à parcela dos estudantes que se encaixam nos moldes meritocráticos e capitalistas. Grande parte dos estudantes é excluída desse sistema por causa da situação sociocultural em que está inserida, o que gera déficit de aprendizagem, pouca bagagem cultural dadas as faltas de oportunidade, ou aqueles que apresentam alguma deficiência, seja física ou cognitiva, ou até mesmo aqueles que apresentam capacidade de aprendizagem acima da média. Estes não se encaixam no sistema escolar como descrito por Alves, uma vez que ele é padronizado e estruturado, a fim de ser vigiado e mensurado.

Anderson (2017) defende que em todo o mundo e em todas as profissões emana a exigência por um novo profissionalismo, como consequência das políticas neoliberais. Este novo profissionalismo é marcado pela diminuição da autonomia profissional; maior controle da profissão, seja pelos gerentes no ambiente profissional ou através das associações profissionais; práticas de trabalho padronizadas e formas externas de medidas de regulação e responsabilidade. Anteriormente, a autonomia que os professores gozavam em sala de aula sobrepunha o controle hierárquico representado pela figura do diretor. Ao contrário do que ocorre na atualidade.

Convocando os trabalhos de Sennett relativamente à análise sobre os impactos das políticas neoliberais no trabalho docente, Anderson (2017) critica características valorizadas pelo mercado, tais como motivação para o empreendedorismo, para a mudança e a crítica à estabilidade:

As empresas perdem porque o emprego a curto prazo reduz a fidelidade dos funcionários e a memória organizacional. Além disso, com contratos mais curtos, trabalho em equipe e um ambiente de trabalho interno altamente competitivo, fica mais difícil de construir relações autênticas devido aos prazos curtos. Esta rotatividade contínua de funcionários e a tendência crescente de estabelecer contratos temporários e terceirizados, enfraquecem o conhecimento institucional (2017, p. 598).

Para este autor, o trabalho nas escolas segue a mesma linha, a partir da rotatividade dos diretores e da frequente troca de turno ou de escolas dos professores, além do grande número de professores com contratos temporários. Professores mais jovens podem tolerar o aumento da intensificação e padronização do trabalho, mas muitos professores experientes, com famílias na educação e uma cultura profissional forte tendem a mudar de carreira ou a se aposentar antecipadamente. A construção de uma carreira ao longo da vida está se tornando uma coisa do passado. A longo prazo, isso terá efeitos devastadores sobre a qualidade da escolaridade. À medida que as escolas públicas são cada vez mais absorvidas em uma lógica de mercado, lucro e eficiência, “as identidades profissionais dos professores e gestores estão sendo redesenhadas em torno da visão desses empreendedores, alguns dos quais nem são educadores ou pesquisadores de políticas educacionais” (Anderson, 2017, p.601).

O efeito da lógica gestionária sobre o trabalho na educação é a alienação do trabalho docente. Para Aranha, o termo alienação do trabalho relaciona-se aos mecanismos impostos pelo capitalismo, expondo o trabalhador à perda de si mesmo, a partir do fato que a sua atividade profissional não coaduna com a sua construção humana, o que pode dar-se sob três dimensões:

1) Em relação aos produtos de trabalho – o trabalhador não detém a propriedade nem o controle sobre o fruto do seu trabalho, não determina o que nem o porquê do que é produzido; 2) em relação à atividade do trabalho – o trabalhador não controla como o produto é produzido. Participa, como executor, de um processo conduzido por outros; 3) em relação à espécie – o trabalhador ao se sujeitar a esse processo de desapropriação de si não se desenvolve plenamente como ser humano. O trabalho se transforma, então, em atividade lesiva, desinteressante e em fonte de sofrimento para o trabalhador, um empecilho para a formação humana e dos vínculos humanos, pois a alienação provoca o isolamento social do indivíduo. O sentido do trabalho se reduz, torna-se um mero meio de subsistência (ARANHA. 2000, p. 17).

Os aspectos meritocráticos a que é exposto o trabalho docente, a perda da autonomia, o ranqueamento dos profissionais e das escolas, a responsabilização do profissional pelos resultados, as perdas do vínculo com a atividade laboral, dentre outros intervenientes, são comuns entre os países que implementaram as reformas educacionais propostas pelos OI’s. Embora sejam definidos de forma diferente, dependendo dos contextos locais, “as lutas e os dilemas dos professores, diretores e professores britânicos, chilenos, australianos e norte-americanos são muito semelhantes, assim como as políticas neoliberais que esses países implementaram desde a década de 1980” (Anderson, 2017, p. 596).

Os discursos dos gestores aparecem como que travestidos de uma “perspectiva positiva da moderna forma de gestão empresarial ao demonstrar preocupação com a qualidade do bem-estar do trabalhador” (Silva, 2019, p.07), mas tais discursos contrastam com o aumento, sem precedentes nas últimas décadas, do sentimento de mal-estar e do adoecimento daqueles que vivem do trabalho no campo da educação.

AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO E RESPONSABILIZAÇÃO DOS SUJEITOS

Contribui, ainda, para esta alienação do trabalho docente, a quantificação a que tudo passa a estar sujeito em contexto educacional. As avaliações a que são submetidos os alunos (PISA, ENAD, SAEB, etc.), o trabalho do professor, as escolas, umas em relação as outras e os países entre si, simplifica todo o processo através do ranqueamento.

Apesar de pregar uma visão mais humanística, a proposta de educação dos OI’s estabelece um conjunto de indicadores que, verdadeiramente, se justificam no custo com a educação, criando mecanismos de responsabilização.

Para a academia, estão em causa objetivos educacionais com relativo imediatismo e torna-se questionável como esses objetivos se inserem no processo de desenvolvimento humano. Os critérios de “escolha, elaboração e avaliação dos indicadores de ensino variam em função dos interesses políticos e do contexto político onde se insere o sistema de ensino” (Neves. 2008, p. 83). Além disso, os indicadores demonstram uma preocupação maior com o produto e não com o processo, reforçando a lógica de mercado na esfera do Estado.

O trabalho de Neves (2008) se propõe analisar os indicadores de avaliação das políticas educativas propostas nos documentos orientadores dos seguintes OI’s: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Banco Mundial (BM) e União Europeia (UE). Os resultados da pesquisa indicam que nenhuma agência internacional apresenta indicadores para avaliar competências para cidadania, ou acesso à educação pelas minorias étnicas, ou aprendizagens em contextos não formais. Mas todas “avaliam a porcentagem das despesas públicas afetas ao sistema de educação/formação, estabelecendo comparações entre estas e o total das despesas públicas” (Neves, 2008, p. 94). Assim, as avaliações realizadas pelos OI’s a respeito dos recursos investidos na educação, “privilegiam a componente financeira em detrimento a componente humana, revelando uma visão positivista e tecnológica da educação, feita a partir de indicadores mensuráveis” (Neves, 2008, p. 95).

Com a mesma concepção, os alunos são expostos a provas externas e descontextualizadas do seu contexto educacional, cujos resultados são utilizados para a definição do custo/benefício do investimento, traduzido na relação de em qual país ou escola se investiu menos e se obteve melhores resultados. Além disso, alunos e professores se veem em posições estanques e contraditórias, sendo aqueles o que aprendem e estes os que ensinam, desconsiderando que “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (Freire, 2001, p. 25).

Pesquisando o papel dos órgãos de gestão da escola na avaliação da aprendizagem, Marinho (2019) destaca a importância de a avaliação vigorar como um tópico no que se refere à atuação desses órgãos frente às questões pedagógicas. Como lideranças intermediárias, fazem-se essenciais na implementação e desenvolvimento de ações que proporcionem a reflexão e a tomada de decisão na melhoria das aprendizagens dos alunos, tendo como epicentro procedimentos de avaliação, atuando como agentes de mudança.

Souza (2019) recorre a Dardot e Laval para definir o neoliberalismo como o “conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência” (Souza, 2019, p. 19), profundamente inscrito nas práticas governamentais, nas políticas institucionais, nos estilos gerenciais o que vem a gerar políticas públicas focadas no desempenho e resultados.

Para Wellen e Wellen (2012), a escola, inserida numa sociedade capitalista, reproduz e reforça as estruturas capitalistas que a originaram, trabalha em prol da manutenção do capitalismo, produzindo trabalhadores obedientes, inseridos na dinâmica capitalista, pois, se assim não for, será extinta pelo sistema.

A gestão escolar, enquanto técnica e ferramenta não é algo forjado no abstrato, mas no resultado histórico das tendências e contra tendências oriundas do desenvolvimento da sociedade (Wellen, Wellen, 2012). Parece natural, por isso, que em uma sociedade capitalista, a gestão escolar se baseie nos pilares deste ordenamento social e seja, também, condicionada pela lógica do capital, servindo para legitimar suas regras.

O primeiro passo necessário para compreender a realidade da gestão escolar é, portanto, entender que a escola não se estabelece num campo ideal, mas sim é o resultado das vontades humanas e, como tal, recebe uma carga de influência muito grande da forma histórica como a sociedade se organiza para garantir as condições materiais de sobrevivência. (...) Nesse sentido, a escola não pode ser vista como a base que estrutura a realidade, mas como uma entidade que existe numa relação dialética de causa e efeito (WELLEN, WELLEN. 2012, p. 08).

Mas os autores não desconsideram que no interior da escola existem lutas políticas e ideológicas, características mesmo do trabalho da educação e, desta forma, sendo o capitalismo produto da história humana, entendem que ele pode vir a ser ressignificado pelo resultado da vontade das pessoas. As transformações nas engrenagens sociais passam pelo conhecimento de como elas se estruturam e se fundamentam.

LÓGICA GESTIONÁRIA VERSUS LÓGICA DEMOCRÁTICA: CONCEPÇÕES FREIRIANAS NA CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA

É importante não votar ao esquecimento a ideia de que democracia extrapola os processos burocráticos e administrativos, recaindo sobre uma concepção de educação e sobre o ideal de educação que certa sociedade almeja ofertar aos seus cidadãos.

A escola bancária reforça o estabelecimento da relação oprimido/opressor, a partir da generalização da estrutura vigente, da negação vazia da situação de opressão e das práticas orientadas para a seleção do professor como aquele que sabe e do aluno como um recipiente vazio a ser preenchido pelos conhecimentos de outrem. Este modelo educacional reforça as condições de subordinação social, cultural, política e histórica.

Para Freire, a educação libertadora, ao contrário, ao incentivar a criatividade e a criticidade, constrói estruturas que permitem romper com esta realidade. Esta mudança só se pode dar de forma gradativa, uma vez que as estruturas necessitam ser construídas pelos ditos “oprimidos”. Na verdade, “seria uma contradição se os opressores, não só defendessem, mas praticassem uma educação libertadora” (Freire.1987, p.23), pois nesse caso deixavam de ser opressores.

A educação libertadora deve ser uma conquista, algo construído e não dado. Este princípio coloca em voga a participação, a ação de cada sujeito neste processo, pois “a ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, ‘ação cultural’ para a liberdade, por isso mesmo ação com eles” (Freire. 1987, p. 30).

Importa lembrar que Freire (1987) se refere tanto ao aspeto político como prático da educação. O político relaciona-se a um sistema educacional que denominou de educação sistemática, dependente do poder para ser alterado. O aspeto prático refere-se ao dia-a-dia escolar, ligado ao fazer pedagógico, a que chamou de trabalhos educativos.

Sobre o aspecto político, defende a necessidade da revolução, o que pressupõe a participação e engajamento dos sujeitos sociais para promoverem alterações nas estruturas vigentes de poder. Sobre o aspecto prático defende que “educador e educandos (liderança e massas) cointencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de recriar este conhecimento” (Freire, 1987, p. 31).

Nesta linha, Paro defende que o fazer pedagógico deve preparar para o bem viver, mas também propiciar o bem viver. Construir o bem viver refere-se a uma mudança social, preparar para o bem viver é o produto de um processo educativo que se constrói_enquanto relação humana dialógica, que garanta a condição de sujeito, tanto do educador quanto do educando. E continua:

Entendida a democracia como mediação para a realização da liberdade em sociedade, a participação dos usuários na gestão da escola inscreve-se, inicialmente, como um instrumento a que a população deve ter acesso para exercer seu direito de cidadania. Isto porque, à medida que a sociedade se democratiza, e como condição dessa democratização, é preciso que se democratizem as instituições que compõem a própria sociedade, ultrapassando os limites da chamada democracia política e construindo aquilo que Norberto Bobbio chama de democracia social (1998, p. 305).

Uma educação libertadora, comprometida com os ideais de democracia e participação deve ser promovida em um ambiente educacional que se organize em torno da lógica democrática, promovendo a participação dos diversos sujeitos da comunidade educativa em seus processos de tomada de decisão.

Logo, uma prática pedagógica libertadora e uma organização administrativa democrática estão intrinsecamente relacionadas, pois não se teoriza a participação e deixa-se de a exercer. A participação não pode ser ensinada de modo teórico, ela obriga à sua prática e, por isso, é necessária a sua experimentação, condição para modificar o status quo , porque só assim a realidade é posta em causa.

A organização educativa apresenta-se como o mais adequado ambiente para que esta prática se transforme num comportamento naturalizado, a fim de que seja projetado a outras esferas da vida do indivíduo. Consideração corroborada nas palavras de Lima quando alude para o fato do reconhecimento da escola enquanto:

Poderosa agência de socialização, […] ao serviço da democracia, proporcionando aprendizagens relevantes, transmitindo valores congruentes, estruturando oportunidades para o exercício da participação e do poder democráticos. [...] Instrumento relevante na construção da democracia, a participação não é apenas uma conquista formal, nem pode ser reduzida ao direito de participar, antes devendo constituir uma prática, um exercício que se repete (LIMA. 1998, p. 140).

Esta educação libertadora pressupõe a ideia de uma materialização nas práticas pedagógicas preocupadas em desenvolver a autonomia, a criticidade e, consequentemente, a participação social, e a politicidade intrínseca às organizações educacionais.

Neste âmbito, devemos destacar a função da autonomia como objetivo derradeiro da educação, preparando indivíduos capazes de serem flexíveis, críticos, emancipados, criativos e agentes de mudança (Lima, Sá, 2017, p. 43).

Carvalho (2009) defende que a exclusão da esfera decisória é alienante e repressiva. A participação é prática e a construção democrática deve ter uma teoria da participação que preveja o envolvimento e o interesse. Considera que a lógica gestionária desenvolve a racionalidade instrumental, ao transformar o sujeito em objeto, tendo como principal objetivo a eficácia. A lógica democrática, ao contrário, incentiva a racionalidade emancipatória, ao promover os sujeitos a autores de soluções, ao fortalecer o pensamento e a experiência humanas, concretizadas pelas decisões que não visam a eficácia econômica.

Investigando a realidade das escolas portuguesas, Carvalho (2011) constatou que os professores são sufocados por uma organização burocrática excessiva. Desta forma, a escola deixa de ser um espaço de conhecimento e de opinião crítica, de transformação e emancipação do sujeito, de questionamento dos modelos instituídos, de denúncia das injustiças do capitalismo e da aculturação para ser um espaço de controle. Diante deste contexto, a autora defende que todas as mudanças nas organizações escolares devem prever a articulação da escola com a política e a sociedade.

Esta perspectiva vai ao encontro da ideia defendida por Freire (1987) que considera que a escola não pode ser encarada como um organismo fechado, desvinculado da história, da sociedade e da política. E, nesse sentido, cabe aos profissionais da educação reconhecerem a influência que os OI’s tem sobre os sistemas escolares dos países em desenvolvimento, promovendo ou reforçando a lógica gestionária, para, a partir da realidade crítica, poderem se organizar a fim de superá-la.

Para Hora, a lógica gestionária:

Estruturada pela sociedade capitalista procura, em última instância, a manutenção das relações sociais de produção, refletindo as divisões sociais existentes, com tendência a perpetuá-las e acentuá-las, enfatizando, assim, a manutenção do poder da classe dominante. Sob a influência da ideologia burguesa, realiza escolhas, estabelece critérios que desfavorecem aos já desfavorecidos, excluindo de seus limites a bagagem experimental da criança, especialmente a criança do povo, utilizando-se do autoritarismo e das práticas centralizadoras (2007, p. 33).

No entanto, este processo pode ser diferente, a partir da assunção, por parte da escola, da relevância humana, um processo que associa gestão à qualidade de vida. Um sistema educacional comprometido com a relevância promove a participação e “quanto mais participativo, solidário e democrático for o procedimento administrativo, maiores as possibilidades de que seja relevante para indivíduos e grupos, maiores as probabilidades para explicar e promover a qualidade de vida humana necessária” (Hora, 2007, p. 41).

Hora destaca a importância da atuação do diretor-educador:

A possibilidade de uma ação administrativa na perspectiva de construção coletiva exige a participação de toda a comunidade escolar nas decisões do processo educativo, o que resultará na democratização das relações que se desenvolvem na escola, contribuindo para a aperfeiçoamento administrativo-pedagógico. Há, então, uma exigência ao administrador-educador de que ele compreenda a dimensão política da sua ação administrativa respaldada na ação participativa, rompendo com a rotina alienada do mando impessoal e racionalizado da burocracia que permeia a dominação das organizações modernas. É a recuperação urgente do papel do diretor-educador na liderança do processo administrativo (HORA. 2007, p. 20).

Parece claro que o processo de democratização da gestão escolar não deve ser centrado na figura do diretor, mas deve ser construído a partir de um empenho coletivo, com a inclusão de todos os sujeitos. Um diretor-educador pode favorecer muito o percurso desta construção e a ela não precisa temer. Ao contrário, deve se valer da ordem e da liberdade, uma vez que “a autoridade coerentemente democrática está convicta que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que desperta” (Freire, 2001, p. 104).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Politicamente a escola se torna um lugar capaz de mudar o status quo , o que a localiza como alvo de políticas de cerceamento da participação e da autonomia de pensamento. A influência dos OI’s na educação dos países em desenvolvimento vem reforçar este objetivo, ao implantar sistemas de educação desvinculados da realidade local, trazendo soluções prontas, elaboradas à luz dos interesses de mercado, distantes da identidade dos povos, comprometidas com a massificação e as teorias da administração privada.

Com isso, todas as formas de funcionamento do sistema escolar voltam- se para a redução de custos e a responsabilização dos sujeitos que atuam na escola (Anderson, 2017; Bordignon, Gracindo, 2000), interferindo decisivamente no trabalho docente (Alves, 2014; Anderson, 2017), limitando a atuação das organizações educacionais a sistemas avaliativos reducionistas que expõem as organizações, alunos, professores e gestores (Neves, 2008; Marinho, 2019; Wellen e Welllen, 2012).

Freire (1987) foi um dos pioneiros das ideias de que a democracia significa para além dos processos burocráticos e administrativos, constituindo o ideal de educação que a sociedade deseja construir. Para ele, ao incentivar a criatividade e a criticidade, constroem-se estruturas que permitem romper com a realidade, localizando a participação e a autonomia como pilares deste processo e a escola como o ambiente ideal para formar indivíduos capazes de intervir nos diversos ambientes e realidades em que estão ou virão a estar inseridos.

Legislações, espaços acadêmicos, publicações, materiais didáticos, todos convergem para a valorização da lógica democrática e o seu reconhecimento na construção da educação emancipatória e comprometida socialmente. Desta feita, qual o grande empecilho para que ela se materialize plenamente, para que Estado e sociedade construam uma educação centrada na lógica democrática? Podemos começar a pensar esta questão refletindo sobre os processos de participação instituídos na organização educativa da qual faço parte e de como cada sujeito envolvido na dinâmica escolar utiliza desses processos para propagarem o ideal de educação que perseguem e intentam construir com as suas ações diárias, bem como construir estratégias, coletivamente e através do diálogo, para que as forças políticas sejam obrigadas a ouvir e também a entrarem no diálogo sobre educação e emancipação dos sujeitos.

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Recebido: 07 de Junho de 2021; Aceito: 25 de Novembro de 2021

Ivy Daniela Monteiro Matos Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Portugal. Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Investigadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Docência e Diversidade (GEPEDD), cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Professora do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG), Campus Januária. E-mail: ivydanielamonteiro@gmail.com

Maria João Carvalho Doutora em Educação: área de especialização em Organização e Administração Escolares pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Mestre em Filosofia em Portugal e Cultura Portuguesa pela Universidade do Minho (UM). Investigadora do CIEd da Universidade do Minho do GI- Políticas, Governação e Administração da Educação. Professora Auxiliar da Universidade de Trás-os- Montes e Alto Douro (UTAD). E-mail: mjcc@utad.pt

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