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Revista Brasileira de Política e Administração da Educação

versión impresa ISSN 1678-166Xversión On-line ISSN 2447-4193

Revista Brasileira de Política e Administração da Educação vol.39 no.1 Goiânia  2023  Epub 25-Sep-2023

https://doi.org/10.21573/vol39n12023.114093 

Artigos

Política municipal de educação especial de cachoeiro de Itapemirim-ES: contribuições das escolas, alunos e familiares

Municipal policy on special education of cachoeiro de Itapemirim-ES: contributions from schools, students and families

Política municipal de educación especial de cachoeiro de Itapemirim-ES:contribuciones de escuelas, estudiantes y familias

ALEXANDRO BRAGA VIEIRA1 
http://orcid.org/0000-0001-5952-0738

CONCEIÇÃO APARECIDA CORREA MARTINS2 
http://orcid.org/0000-0002-0857-1719

1 Universidade Federal do Espírito Santo Programa de Pós-Graduação em Educação Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educaçã o Vitória , ES , Brasil

2 Universidade Federal do Espírito Santo Grupo de Pesquisa Educação Especial: formação de profissionais, práticas pedagógicas e políticas de inclusão escolar Vitória , ES , Brasil


Resumo

Busca as contribuições dos profissionais da educação, estudantes e famílias na elaboração da Política Municipal de Educação Especial de Cachoeiro de Itapemirim-ES. Fundamenta-se em Boaventura de Sousa Santos e se realiza por pesquisa qualitativa, estudo de caso, análise documental, grupos focais e questionários, com dados em diário de campo, questionários e áudios. Como resultados: fundamentação do documento em normativas nacionais, reorganização do trabalho pedagógico com redes de apoio, colaboração, olhar crítico sobre diagnósticos, acessibilidade curricular, formação docente, dentre outras.

Palavras-Chave: Educação Especial; Política Educacional; Documentos orientadores

Abstract

It seeks contributions from education professionals, students, and families in the elaboration of the Municipal Policy for Special Education in Cachoeiro de Itapemirim, ES. It is based on Boaventura de Sousa Santos and is carried out through qualitative research, case study, document analysis, focus groups, and questionnaires, with data in a field diary, questionnaires, and audios. The results were: grounding the document in national regulations, reorganizing the pedagogical work with support networks, collaboration, a critical look at diagnoses, curriculum accessibility, and teacher training, among others.

Key words: Special education; Educational politics; Guiding documents

Resumen

Este artículo busca aportes de profesionales de la educación, estudiantes y familias en la elaboración de la Política Municipal de Educación Especial en Cachoeiro de Itapemirim- ES. Se basa en Boaventura de Sousa Santos (2006; 2007; 2008) y se lleva a cabo a través de investigación cualitativa, estudio de caso, análisis de documentos, grupos focales y cuestionarios, con datos en un diario de campo, cuestionarios y audios. Los resultados fueron: afianzar el documento en la normativa nacional, reorganizar el trabajo pedagógico con redes de apoyo, colaboración, mirada crítica a los diagnósticos, accesibilidad curricular, formación docente, entre otros.

Palabras-clave: Educación especial; Política educativa; Documentos de orientación

INTRODUÇÃO

Em 2014, fortaleceram as discussões em torno da elaboração dos Planos Nacional, Estadual e Municipal da Educação, trazendo um conjunto de metas a serem cumpridas num prazo de dez anos, estando previstos, na Lei n.º 13.005, de 25 de junho de 2014, direcionamentos para que as redes estaduais, municipais e do Distrito Federal elaborem os respectivos Planos de Educação, compondo, entre as suas metas, aquelas voltadas à implementação de políticas públicas para a inclusão de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

Esses encaminhamentos convocaram as redes de ensino brasileiras a compor diretrizes para a Educação Especial na educação básica, preocupação também presente na rede municipal de Cachoeiro de Itapemirim, maior cidade do Sul do Espírito Santo, com população estimada em 210.589 habitantes (IBGE, 2020), estando 20.846 estudantes matriculados em 75 unidades municipais de ensino (Educação Infantil e Ensino Fundamental), dentre eles, 549 considerados público- alvo da Educação Especial. Por meio da Lei nº. 7.217, de 26 de junho de 2015, foi instituído o Plano Municipal de Educação, trazendo, como uma de suas metas, a composição de um documento orientador das políticas da Educação Especial.

Diante disso, o presente estudo apresenta os movimentos constituídos com profissionais das escolas, estudantes público-alvo da Educação Especial e os familiares/responsáveis 1 por esses discentes, na tentativa de ouvi-los e entender a avaliação crítica e propositiva que realizam das políticas de Educação Especial da Rede Municipal de Cachoeiro de Itapemirim-ES, visando criar um conjunto de questões relevantes à elaboração da Política Municipal de Educação Especial, conforme prevê a Lei n.º 7.217/2015.

Para tanto, as discussões assim se organizam: fundamentação em Boaventura de Sousa Santos (2007, 2008); o caminho teórico-metodológico a partir dos pressupostos da pesquisa qualitativa e do estudo de caso; o resgate histórico da Educação Especial na rede municipal de ensino analisada; as contribuições dos envolvidos na pesquisa na elaboração da “Política Municipal de Educação Especial de Cachoeiro de Itapemirim-ES e; as considerações finais.

AS CONTRIBUIÇÕES DE BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS NA ELABORAÇÃO DA POLÍTICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM-ES

Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português, fundamenta o texto pelo fato de problematizar a relevância de se advogar por maior justiça social, mas também uma justiça cognitiva, considerando o quanto grupos sociais não hegemônicos são invisibilizados e negados nos processos de organização de ações públicas pelas esferas estatais. Segundo o autor, essa invisibilidade se constituiu por uma razão denominada indolente (preguiçosa) que valoriza um único saber e entende a realidade social por experiências/modos de vida/saberes hegemônicos, acarretando o epistemicídio (morte) de outros conhecimentos e de experiências.

As discussões de Santos (2006, 2007) trazem contribuições para pensarmos no quanto a elaboração de documentos norteadores para as políticas públicas de Educação Especial não pode ser constituída pelo olhar de uma única pessoa ou um único segmento social, pois a razão indolente tenta nos convencer de que é mais propício elaborar documentos e/ou encaminhamentos que chegam prontos às escolas, fazendo com que um grupo seleto pense/planeje, enquanto outro execute algo que não fez parte de sua elaboração.

Se tomamos a Educação Especial como análise, a razão indolente colabora para a promoção de políticas/documentos norteadores, comumente com ínfimo diálogo (ou nenhum) com as universidades/escolas/famílias/estudantes. Essas ações não dialógicas fazem com que a União, os estados e os municípios implementem políticas públicas, muitas vezes distantes da historicidade das redes de ensino e das questões presentes nas unidades escolares. Quando pensamos na escolarização de alunos público-alvo da Educação Especial, em sua maioria, constituem políticas frágeis que não garantem o direito de aprender e de estarem incluídas na sociedade/ escola.

Santos (2008) destaca que a indolência do pensamento moderno produz linhas abissais que dividem a realidade social em dois lados: um sistema de distinções visíveis (o lado credível) e outro de invisíveis (um lado não credível). No lado visível, convivem os grupos sociais hegemônicos. Já no lado invisível, reside tudo o que é considerado “descartado/inexistente” pela sociedade contemporânea. Para Santos (2007, p. 1-2), a inexistência é assim significada pela razão indolente:

[...] significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro.

É importante compreender que as linhas invisíveis fundamentam as visíveis, porque uma só existe pela outra (SANTOS, 2006). Diante disso, são criados “[...] os excluídos foucaultianos, o ‘eu’ e o ‘outro’, simétricos numa partilha que rejeita ou interdita tudo o que cai no lado errado da partilha” (SANTOS, 2006, p. 281). As linhas abissais fundamentam dois processos de discriminação: os processos de desigualdade e os de exclusão.

O primeiro se constituiu por questões econômicas, lançando para o lado invisível, aqueles que não detêm o capital financeiro e cultural, enquanto os processos de exclusão se constituem por questões culturais e sociais, quando, “o outro”, visto como desigual, é alocado neste lado desacreditado na sociedade. Trata-se de um processo histórico através do qual uma cultura, por via de um discurso de verdade, cria o interdito e o rejeita [...]. A desqualificação como inferior, louco, criminoso ou pervertido consolida a exclusão e é a perigosidade pessoal que justifica a exclusão (SANTOS, 2006, p. 280-281).

Para Santos (2008), o enfrentamento desse cenário se constitui pelo reconhecimento de várias ecologias. Na ecologia de saberes “[...] a ciência entra não como monocultura, mas como parte de uma ecologia mais ampla de saberes” (SANTOS, 2007, p. 31). Assim, vários conhecimentos e experiências são assumidos como relevantes à composição de documentos e políticas educacionais. A ecologia das temporalidades sinaliza que não há um único tempo/modo de se organizar a sociedade, enquanto a das transescalas demonstra que é possível articular experiências globais, nacionais e locais.

Nesse movimento, pode-se reconhecer o quanto as políticas públicas necessitam articular conhecimentos/experiências plurais, tempos alternativos e produções/necessidades locais com produções constituídas de maneira mais ampla na sociedade, considerando que cada realidade social tem um tempo histórico e uma trajetória a ser considerada.

Já a ecologia das produtividades, reconhece que os seres humanos são simultaneamente iguais e diferentes entre si, por isso dialoga com a ecologia dos reconhecimentos quando pondera que “[...] somente devemos aceitar as diferenças que restem depois que as hierarquias forem descartadas” (SANTOS, 2007, p. 31). A visibilidade dessas ecologias implica na composição de políticas públicas comprometidas com o acesso aos bens comuns a todos, resguardando as especificidades de cada sujeito/grupo social.

Essas ecologias nos ajudam a entender que os sujeitos envolvidos na composição de políticas educacionais possuem diferentes modos de atuação dentro das unidades escolares, sendo importante que nos abramos a trabalhar com a diversidade de indivíduos que habitam as escolas e com a diversidade de saberes e experiências para a constituição de políticas públicas dentro de princípios democráticos e inclusivos.

Com essas ecologias, podemos pensar de maneira mais plural e coletiva a elaboração de documentos orientadores para a Educação Especial; as redes de apoio; as ações que podem subsidiar o acesso aos currículos escolares; as ações intersetoriais; os processos de identificação dos estudantes; a concepção teórica e as bases normativas que nortearão o atendimento às necessidades e às potencialidades dos estudantes, além da realidade educacional em que eles se encontram.

Essas reflexões teóricas nos fazem pensar que a elaboração de documentos orientadores da educação, dentro de uma lógica emancipatória/colaborativa, pode proporcionar encontros e momentos de interação entre os diferentes sujeitos que atuam com os alunos público-alvo da Educação Especial, entre os quais gestores, pedagogos, professores regular e de apoio, cuidadores e familiares, visando sempre ao aprimoramento das ações da escola no que se refere ao direito de aprender. Sendo assim, é necessário que uma política também reitere as ações de colaboração entre os profissionais da educação, visando

[...] pensar, socializar e analisar as práticas pedagógicas existentes nas salas e escolas do município oportunizando a apropriação acadêmica e a troca de experiência entre educadores em um processo legítimo de formação a partir da análise da própria prática, contribuições acadêmicas e as possibilidades cotidianas, pensando o trabalho com a diversidade como possibilidade (LOVATTI, 2012, apud JESUS, 2012, p. 723).

Essa interação entre sujeitos no processo de composição de políticas públicas educacionais promove a tradução de pensamentos, ações, atitudes, pois os processos de tradução buscam saber “[...] onde estão as distinções e as semelhanças [...] [até porque] é preciso criar inteligibilidade sem destruir a diversidade” (SANTOS, 2007, p. 39-41). Quando optamos por traduzir saberes em vários outros saberes, buscamos, pela via do olhar do outro e suas diferentes vozes, as contribuições

necessárias à construção de documentos que reflitam as demandas das redes de ensino, consequentemente, das escolas, representando suas necessidades, conflitos e desejos de visibilidades social, educacional e político, visando sempre ao diálogo e à construção de novos saberes.

A PESQUISA QUALITATIVA, O ESTUDO DE CASO E OS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PARA A INVESTIGAÇÃO

A investigação fundamentou-se nos pressupostos da pesquisa qualitativa e do estudo de caso. Segundo Ludke e André (1986), o pesquisador, ao desenvolver o estudo de caso, recorre a uma pluralidade de dados coletados em diferentes momentos, em situações variadas e com uma variedade de tipos de informantes, pois esses procedimentos conduzem à composição de um estudo singular que tem um valor em si mesmo, mas em diálogo com questões que se desenham em um cenário macro.

O caso estudado é o da Política Municipal de Educação Especial de Cachoeiro de Itapemirim/ES que toma, como parte dos procedimentos, autorização à Secretaria Municipal de Educação para a realização da investigação, constituída por meio do protocolo de um ofício e do projeto de pesquisa autorizado pelo responsável pela pasta.

Além disso, o levantamento de documentações para se compreender as políticas de Educação Especial implementadas pela referida rede de ensino: Lei Orgânica, Regimento Comum das Unidades de Ensino de Cachoeiro de Itapemirim- ES, documentos relativos à criação do cargo de professor de Educação Especial, da constituição da Coordenadoria de Educação Inclusiva e do Direito à Diversidade, dos cuidadores, das ações da Educação Especial nas unidades de ensino e da Comissão de Avaliação e Acompanhamento da Educação Especial.

Foram também constituídos grupos focais. Com os profissionais das escolas, dois grupos, considerando as 12 regiões geoescolares, sendo convidados dois representantes de cada região. No primeiro grupo, contou-se com vinte e três participantes, entre pedagogos, gestores, professores do ensino regular e de Educação Especial e cuidadores, conduzidos pelos eixos: a) o processo de inclusão dos estudantes na escola; b) a importância dos laudos; c) a aprendizagem dos alunos; d) a maneira como acontece o AEE; e) o trabalho pedagógico dos professores da sala de aula comum; f) o trabalho dos professores de Educação Especial; g) o trabalho dos cuidadores; h) a formação dos professores para trato das questões da Educação Especial; i) os momentos de avaliação (prova); j) e outros apoios aos estudantes. Realizou-se um segundo grupo focal, estando presente quinze participantes, tendo em vista a necessidade de aprofundar/continuar com os debates sobre os eixos apresentados. O primeiro grupo focal teve duração de 2h50min e o segundo, 2h45min.

Com as famílias, o grupo focal se realizou em uma região geoescolar com escolas de educação infantil e de ensino fundamental I e II, além de unidades de ensino com salas de recursos multifuncionais e com demandas de atendimento variadas: deficiência intelectual, física, surdez, cegueira/baixa visão, múltipla e altas habilidades/superdotação. Compareceram cinco mães, tendo a rede dialógica duração de 3h21min48s, a partir das discussões: a) inclusão dos estudantes na escola; b) importância dos laudos; c) aprendizagem dos alunos; d) realização do AEE; e) trabalho pedagógico dos professores regentes; f) trabalho dos professores de Educação Especial; g) trabalho dos cuidadores; h) formação dos professores; i) os momentos de avaliação (prova); j) e outros apoios aos estudantes.

Considerando o número de participantes, outras tentativas foram feitas para a realização de outro grupo focal, no entanto, dificuldades foram acenadas. Diante disso, foram encaminhados questionários com as mesmas questões para que responsáveis pelos alunos de várias regiões geoeducativas pudessem responder. Foram encaminhados 100 (cem) questionários, dos quais 60 (sessenta) foram devolvidos.

Com os estudantes, delineamos como critérios: a) grupos de sujeitos com variados tipos de diagnósticos; b) estudantes com idade acima de seis anos; c) região com a matrícula de estudantes com diagnósticos diversos. Estiveram presentes cinco alunos: duas meninas e três meninos do 1.º ao 9.º ano, com idade entre 7 e 14 anos, possuindo diagnósticos de autismo, deficiência intelectual, deficiência auditiva e transtornos globais do desenvolvimento.

Utilizaram-se plaquinhas que traziam os seguintes símbolos: a) dedo positivo (curti); b) dedo negativo (não curti). Esses símbolos ajudavam o grupo a dialogar, a concordar ou discordar sobre: curte a sua escola? Sua sala de aula? Atividades da sala? As aulas? Sua professora? Aprende na escola? Faz prova? Apoio? Inclusão na escola? Você curte ou não curte o AEE? Atividade do AEE? A professora do AEE? Sempre levantamos os porquês das respostas dos estudantes. O encontro teve duração de duas horas. Em virtude de não contemplar a diversidade da Educação Especial no primeiro grupo focal, optou-se por mais um encontro de uma hora, estando presentes três alunos: dois com deficiência visual e um intelectual (síndrome de Down) com idade entre 13 e 15 anos, todos do 8.º ao 9.º ano do ensino fundamental.

A pesquisa contou com os seguintes participantes: dirigentes escolares, pedagogos, professores do ensino comum, docentes de Educação Especial, cuidadores, além de pais, mães ou responsáveis pelos alunos, bem como estudantes público-alvo da Educação Especial. Os dados foram constituídos no período de abril a dezembro de 2017. Os relativos às matrículas, escolas e docentes foram atualizados (em 2020) mediante um questionário respondido pela gestão da Secretaria de Educação. Foi adotado como instrumento de coleta de dados, o diário de campo, o uso de gravadores e filmadoras e os questionários e, para cumprimento de protocolos éticos, utilizou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a Autorização dos Responsáveis pelos alunos, sendo resguardadas a identidade e a idoneidade dos sujeitos envolvidos.

AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA REDE MUNICIPAL DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM-ES

A Educação Especial em Cachoeiro de Itapemirim-ES surge com a oferta de atendimentos aos alunos em instituições especializadas e em classes especiais. Embora a Constituição Federal de 1988 e a LDB nº. 9.394/96 já promulgassem a Educação como direito público e subjetivo com a oferta do atendimento educacional especializado, somente, em 2004, iniciam-se as atividades do setor de Educação Especial na Secretaria Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim, por meio das ações de um único profissional, impulsionando a matrícula dos alunos nas escolas comuns.

Esse processo foi intensificado pelo Programa Sala de Recursos Multifuncionais e o envolvimento da rede de ensino no Curso de Formação de Gestores e Educadores em Educação Especial, no qual Cachoeiro de Itapemirim- ES foi polo de referência. Nesse período, foram implementadas as primeiras salas de recursos multifuncionais (SRM). Ainda em 2004, mais salas de recursos multifuncionais passaram a funcionar; em 2005, ocorreu uma segunda etapa; e, em 2008, a terceira. Atualmente, a rede possui 35 salas de recursos multifuncionais. Assim, há 35 docentes para atuação no AEE na área de deficiência intelectual, 14 na área da surdez e 17 na deficiência visual e 160 cuidadores. Não há atendimentos em altas habilidades/superdotação.

Uma tensão que atravessa a contratação de profissionais para atuação na Educação Especial se configura na substituição dos professores de Educação Especial da área de deficiência intelectual por cuidadores. Mantém-se a contratação de 35 docentes especializados em cumprimento ao acordo firmado com o Ministério da Educação para a instalação das salas de recursos multifuncionais, alocando, os cuidadores, como o apoio pedagógico do horário de aula regular, mesmo a legislação brasileira apontando as funções desses profissionais como apoio nas atividades de alimentação, higienização e locomoção. Esses profissionais não necessitam possuir formação para o magistério, uma vez que não são professores.

Além da instalação das salas de recursos multifuncionais e da criação do cargo de professor de apoio especial, outras ações foram constituídas: os investimentos na formação continuada, momentos de reuniões com os gestores escolares e os pedagogos e assessorias às várias unidades de ensino. Diante disso, foi sendo ampliado o número de matrícula dos alunos nas escolas. No quadro evolutivo abaixo, demonstra-se a evolução da matrícula de alunos apoiados pela Educação Especial na rede municipal de Ensino de Cachoeiro de Itapemirim-ES, perpassando de 64 estudantes no ano de 2008 e 549 em 2020.

Com o crescimento das matrículas, em 2011, foi criada a Coordenadoria de Educação Inclusiva e do Direito à Diversidade. Além de promover a inclusão dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação, compõem políticas para a Educação Ambiental, a Educação de Jovens e Adultos, as Políticas Educacionais para a Juventude, a Educação para as Relações Étnicorraciais, a Educação em Diretos Humanos, o Acompanhamento da Inclusão Escolar de Estudantes em Vulnerabilidade Social, a Educação do Campo e a Educação Indígena.

Em 2014, foi firmado um Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, sendo ampliados os serviços de apoio à escolarização dos alunos público-alvo da Educação Especial e a intensificação dos debates sobre o envolvimento dos professores de sala de aula na escolarização desses sujeitos e o acesso ao currículo escolar. Com isso, fortaleceram-se os pressupostos de que o trabalho pedagógico tem como ponto de partida a inclusão na sala de aula comum, sempre em articulação com o atendimento educacional especializado.

Em 2008, com o documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva fortaleceram as discussões sobre documentos locais visando diretrizes para a oferta da Educação Especial na Educação Básica. No entanto, muitas vezes, grupos sociais ficam ausentes dos processos de composição de políticas públicas educacionais. Por isso, buscamos evidenciar as contribuições das vozes dos profissionais das escolas, dos estudantes público-alvo da Educação Especial e de suas famílias na elaboração da Política Municipal de Educação Especial de Cachoeiro de Itapemirim-ES.

AS CONTRIBUIÇÕES DOS PROFISSIONAIS DAS ESCOLAS, DOS ESTUDANTES E DOS RESPONSÁVEIS PARA A POLÍTICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM/ES

A análise dos grupos focais e dos questionários apontam uma primeira contribuição trazida pelos participantes para a Política Municipal de Educação Especial de Cachoeiro de Itapemirim/ES: a necessidade de o documento se respaldar em normativas e teorizações que assumam a Educação como direito público e subjetivo e a Educação Especial como modalidade de ensino (BRASIL, 1988, 1996). “[...] A Educação para esses alunos é um direito. Não se trata de uma escolha. É preciso fazer esse debate com as escolas” (GESTORA ESCOLAR). Realmente, precisamos tratar a Educação Especial como direito, pois como diz Cury (2014, p. 10), “[...] o direito à educação, nesta medida, é uma oportunidade de crescimento da cidadania e uma chave de crescente estima de si”.

Destacam a importância de o documento orientar os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) das escolas, dizendo que: “o projeto político-pedagógico tem que ser atualizado. Devemos sempre nos perguntar: o que vamos ensinar para o nosso menino? (PROFESSORA DO FUNDAMENTAL I). “[...] A proposta pedagógica da escola e o currículo são a base da escola. A diretora, o pedagogo, os professores já têm que chegar à escola pensando nisso, no início do ano. Isso fala do PPP (PROFESSORA DO FUNDAMENTAL I). “Eu curto um pouco a minha escola, mas a sala é muito cheia, tem muita conversa! Tinha que organizar a escola de outra maneira” (ALUNO COM AUTISMO).

O Projeto Político Pedagógico possibilita o envolvimento de todos os segmentos escolares em função de uma ação comum: a compreensão da escola que temos, a projeção da escola que queremos e as ações que serão implantadas para que o planejado seja praticado, por isso a dimensão projetiva, política e pedagógica do documento. Essa organização de escolas convoca o diálogo com saberes plurais, trajetórias diversas, anseios, temporalidades, modos alternativos de produção de existência e de conhecimentos, pois como diz Santos (2007, p. 40) “[...] não há justiça social global sem justiça cognitiva global, ou seja, sem justiça entre os conhecimentos”.

Destacam também a importância de se fortalecer a relação família e escola, pois consideram essa interação fundamental para o trabalho educativo escolar. Diante disso, uma mãe relata: “[...] a gente queria uma atenção melhor da escola. De a escola colocar na agenda: ‘pai, hoje seu filho não se comportou’; ‘mãe, hoje sua filha ficou muito fora da sala de aula’” (MÃE – ALUNO TGD). “Precisamos juntar a escola e a família, porque uma pode colaborar com a outra na inclusão dos alunos (PROFESSORA DA EDUCAÇÃO INFANTIL). “Minha mãe falou que a escola podia ouvir mais as famílias para aprender com elas” (ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL).

Aposta-se que ações solidárias precisam ocupar os espaços de ações solitárias (SÁ-CHAVES; AMARAL, 2000). A interação família a escola pode fortalecer os processos de inclusão escolar, ajudando a escola e as família a aprenderem juntas. Essa interação não está pronta. Precisa ser construída processualmente. Santos (2007) alerta que a indolência do pensamento moderno produz relações não dialógicas e bipolarizações entre o “sim” ou o “não”. Ou se tem uma solução imediata para certa problemática social ou não se tem. A relação família e escola pode produzir redes dialógicas e a busca pelo “ainda-não” – um convite ao acompanhamento da processualidade das negociações/mudanças – tendo em vista determinados encaminhamentos podem ainda-não existir, mas, por meio de ações coletivas, podem emergir dando sinais de futuro (SANTOS, 2006, 2007).

Destacam também a colaboração entre os profissionais da Educação, reconhecendo a cooperação e o diálogo como possibilidades de envolver os alunos no trabalho pedagógico escolar. “Eu, como professora, me incomodo. Eu fico atrás das pessoas e digo: por favor, eu preciso de ajuda! Quero fazer o melhor, mas cadê os apoios?” (PROFESSORA DO FUNDAMENTA I). Os estudantes dizem: “[...] na minha sala, tem muita criança. A professora não tem tempo de me ajudar. Ela precisa de ajuda. Ela passa nas mesas olhando os cadernos e dando parabéns! Um dia desses eu ganhei parabéns, mas não é sempre (ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL). “Eu penso que tem que ter apoio ao professor, se o aluno existe” (MÃE DE ALUNO).

A colaboração permite que os professores se mostrem mais sensíveis e mais cientes do dever da escola em envolver todos os alunos nos processos de ensino- aprendizagem. As redes de apoio ampliam as possibilidades de trabalho docente, os saberes-fazeres dos profissionais da Educação e as possibilidades de aprender dos alunos. Santos (2008) reitera que a tradução de saberes e de experiências promove a renovação do conhecimento crítico e da reemancipação social. Precisamos pensar na tradução dos saberes-fazeres de vários profissionais da educação visando à criação de redes de apoios aos docentes e aos estudantes para a composição de práticas pedagógicas que favoreçam o acesso aos currículos escolares, sem desmerecer as especificidades de aprendizagem trazidas pelos alunos.

O rompimento com barreiras atitudinais também foi apontado. “Eu percebo, dentro deste conceito de inclusão escolar, que os professores necessitam de uma conscientização sobre a inclusão. Precisam quebrar barreiras. Terem outras atitudes. Precisam de conhecimento. É preciso ampliar este conceito de inclusão. Inclusão para todos os diferentes. Inclusão de formas diferentes e diversificadas.

Tempos diferenciados” (PROFESSORA DO AEE). “Gostaria que a escola fosse mais aberta e que respeitasse mais a diferença das crianças” (ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL). “É preciso quebrar as barreiras atitudinais para ver que o aluno pode aprender. Ele não é a deficiência. É um aluno” (MÃE DE ALUNO COM AUTISMO).

O enfrentamento das barreiras atitudinais está estreitamente relacionado à formação docente, à constituição de redes de apoio, à valorização dos profissionais da educação e à construção coletiva da escola como espaço inclusivo. A quebra de barreiras atitudinais é de extrema relevância, pois, a partir dela e com as políticas instituídas, podemos pensar na escola como espaço que reconhece e valora a educação na igualdade/diferença. Essa quebra nos ajuda compreender o quanto os processos de escolarização dos alunos são atravessados por laudos do olhar (LIMA, 2019), entendidos como os modos de olhar a diferença significando-a como impeditiva à aprendizagem, pois vivemos em uma sociedade que “[...] não se sabe pensar diferenças com igualdade; as diferenças são sempre desiguais” (SANTOS, 2007, p. 30).

Os processos de identificação dos alunos para o atendimento educacional especializado também foram apontados. Reiteram a importância de se ajudar as escolas a compreenderem quem são os alunos público-alvo da Educação Especial: os com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação (BRASIL, 2008). “É preciso definir quem irá para o AEE, porque as escolas acham que são todos. A escola tem dificuldades no processo de identificação” (MÃE DE ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL). Uma docente também reitera: “[...] a escola tem dúvidas sobre quem são esses alunos. Ai, todos aqueles que tem uma questão mais específica de aprendizagem vai para a Educação Especial (PROFESSORA DOS ANOS INICIAIS). “Os professores pensam que qualquer coisa estranha que as crianças têm, já é caso de ser especial (ALUNO SURDO).

Somado ao debate, problematizam a importância de se não rotular os alunos e não atrelar os processos de ensino-aprendizagem aos diagnósticos. “Com o laudo, a criança passa a receber um ‘rótulo’ ou um ‘selo’, aí ele não aprende, pois é da Educação Especial” (GESTORA ESCOLAR). “Eu não fico reprovado! Nunca fiquei reprovado. Não sei por quê. Sempre passo direto. Acho que é por causa do laudo (ALUNO COM TGD). Uma mãe corrobora: “[...] olha, parece que eles escolhem o laudo e coloca lá mais coisas na criança. Por exemplo, minha filha é deficiente mental, mas tem gente que diz que parece que ela também tem traço de autismo (MÃE DE ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL).

Analisam as problemáticas, atrelando-as à rede de ensino que adota os laudos médicos aos encaminhamentos dos alunos ao atendimento educacional especializado. Discutem a necessidade de o poder público ampliar os serviços públicos de saúde para as avaliações clínicas, mas formar os professores para que compreendam que os laudos não podem ser impeditivos à aprendizagem. “Cachoeiro só tem dois neuropediatras pelo SUS. A fila é muito grande. Para conseguir a primeira consulta, demora mais de seis meses (PROFESSORA DO AEE) ”. “Tem dia que eu não gosto de vir à escola, porque vai ser chato. Eu não sei fazer os deveres, nem as provas, então, eu não venho, porque não tem ajuda, porque ainda não tenho o laudo (ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL). “A escola cobra o laudo, mas é difícil conseguir no SUS. A fila é grande (MÃE DE ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL).

Identificação dos alunos, não rotulação e necessidade de ampliação dos serviços de saúde formam uma tríade permeada por desafios. De um lado, é importante conhecer os estudantes para identificar suas necessidades específicas e compor as redes de apoio, simultaneamente, é preciso constituir problematizações para que os alunos não sejam rotulados como não propensos à aprendizagem. Muitos professores sintetizam a escolarização na socialização, entendida como a convivência entre pares.

Para os participantes, os laudos não deveriam ser barreiras para a criação dos apoios. Quando não se tem o laudo, não há atendimento nas salas de recursos pelos professores e pelos cuidadores no horário comum. “Com o laudo, vim pra sala de recursos. Eu aprendi a ler com a tia da sala de recurso. Ela vai à sala me ver! Agora, estou feliz. Já escrevo o meu nome e leio algumas palavras. Ler é bom, tia. Tenho que aprender mais para ficar inteligente e passar de ano (ALUNO COM TGD). Uma dirigente escolar corrobora: “[...] para ter o cuidador e para ela ir para o AEE é preciso do diagnóstico. Não dá para esperar o laudo, porque o apoio é necessário (GESTORA DO INFANTIL). Uma mãe aponta: “[...] para eu conseguir o laudo para o meu filho, eu tive que ir ao Conselho Tutelar. Senão, eu não conseguia o laudo e meu filho ficaria sem o apoio. Apoio é fundamental (MÃE DE ALUNO COM TGD).

Apontam outras possibilidades de avaliação diagnóstica: a avaliação pedagógica que perpassa pela qualificação do corpo docente e da equipe pedagógica. “Caso o menino não tenha o laudo, o relatório pedagógico poderia ser o amparo (PROFESSORA DO FUNDAMENTAL I). Uma gestora acrescenta: “A escola faria a avaliação e a própria Secretaria de Educação, ou seja, as pessoas que estão à frente do setor, por estarem capacitadas para observar este laudo pedagógico, podiam fundamentar isso” (GESTORA ESCOLAR). Uma mãe diz: “[...] nós temos muita dificuldade de conseguir um laudo, por quê? Pelo menos, para quem usa a rede pública, você marca uma consulta com um neurologista e é um ano ou um ano e meio você esperando uma consulta até você pegar um laudo e levar. Nesse tempo, eles [os professores] ficam exigindo e podiam fazer essa avaliação (MÃE DE ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL). “A tia do AEE pode fazer o laudo. Ela conhece a gente” (ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL).

Outra contribuição trazida pelos participantes da pesquisa versa sobre as redes de apoio aos processos de escolarização dos estudantes com destaque ao atendimento educacional especializado. Reconhecem que a municipalidade dispõe de professores das seguintes áreas: intelectual, surdez, visual, não existindo os direcionados para as altas habilidades/superdotação, além de cuidadores, neste caso, para apoio aos com deficiência intelectual no turno regular de ensino. Consideram que as redes de apoio podem proporcionar trabalhos colaborativos entre os profissionais especializados e de sala de aula comum, ampliando as oportunidades de acesso aos currículos escolares.

Sacristán (2005) chama a atenção para se colocar em análise a imagem de alunos ideais. Àqueles que fogem a esse protótipo acabam sendo considerados não propensos à escola. “São ‘menores’ sua voz não nos importa e não os consultamos para elaborar ou reconstruir a ideia que temos sobre quem eles são” (SACRISTÁN, 2005, p. 12). Bueno (2008) problematiza que a busca pelo aluno ideal tem levado as escolas a atribuírem olhares faltosos e patológicos sobre os processos de escolarização dos alunos, desmerecendo o quanto a pesquisa em Educação Especial aponta que vários elementos criam barreiras para o acesso aos conhecimentos sistematizados. Santos (2008) nos ajuda a reconhecer a existência de ecologias no trato com o conhecimento: de saberes, das temporalidades, das produtividades, dos reconhecimentos e das transescalas, situação que pode nos ajudar a encontrar outros modos de lidar com os diagnósticos em Educação Especial.

Sobre as redes de apoio, narram: “Na verdade, nossos filhos não precisam de uma babá (cuidadores) na escola. Eles precisam de alguém que realmente se interesse em estar do lado deles para ensinar. Capacidades, eles têm? Têm! Precisam de alguém que realmente trabalhe com eles. Precisam de professores e não cuidadores (MÃE DE ALUNO COM TGD). Um aluno também pondera: “[...] se eu tivesse o professor especial, seria bom. Ele iria me orientar mais. Iria ajudar na atividade e eu ia conseguir fazer as atividades, sabe, tia, porque ele atende no AEE (ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL E INTELECTUAL). Uma pedagoga também recorda que: “[...] na verdade, deveria ser um professor de AEE para todas as escolas e salas de recursos. Mesmo que se tivesse crianças de outras escolas, ia ser melhor para você dar conta. É melhor do que você estar aqui e ter que se deslocar para outra unidade (PEDAGOGA).

A aquisição de materiais pedagógicos específicos, a ampliação do número de salas de recursos multifuncionais e uma equipe multidisciplinar para avaliação e apoio aos alunos são sinalizados. “A escola deveria ter mais material de apoio que o deficiente visual precisa para facilitar seu aprendizado” (MÃE DE ALUNO COM DEFICIÊCIA VISUAL). “Poderia ter materiais específicos para possibilitar o desenvolvimento dentro da sala de aula. Deveria ter mais atendimentos, planejamentos específicos para atender ao Daniel, ter um professor de apoio, e não o cuidador e uma equipe multidisciplinar” (MÃE DE ALUNO PC). “Porque, na nossa sala, não pode ser igual aqui, na sala do AEE? Todo mundo ia gosta, né?”? (ALUNO COM AUTISMO). “Na sala de recursos, eu faço atividade e uso o computador. As atividades que não consigo terminar na sala de aula, eu termino aqui” (ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL).

Os processos de inclusão escolar não podem permanecer somente na retórica, necessitam da formação de recursos humanos, condições de trabalho para os professores, espaço de diálogos entre formadores e a escola e as redes de apoio (salas de recursos, materiais, estratégias de ensino, profissionais especializados) para os alunos acessarem os currículos, resguardando suas demandas específicas de aprendizagem. A criação dessa rede de apoio é necessária, um desafio e um processo em constante constituição.

Santos (2007) convida a pensar em um novo modo de produção de conhecimento. “Necessitamos é de um pensamento alternativo às alternativas” (SANTOS, 2007, p. 19- 20). Deste modo, há de se pensar em como criar pensamentos alternativos para não substituir o trabalho dos professores especializados por cuidadores; não promover o barateamento e sucateamento da Educação Especial; compor momentos de formação para que os professores possam dialogar com a legislação vigente, a pesquisa em Educação Especial e as questões vividas em sala de aula; estreitar as relações entre os profissionais da escola na busca por um currículo acessível que responda às demandas de aprendizagem dos alunos.

Outras três temáticas foram lembradas: os currículos escolares, as práticas pedagógicas e a avaliação da aprendizagem. “A minha professora não me dá nada de atividade, eu fico na sala, olhando, conversando e pintando! Eu não gosto, queria fazer atividade igual a todo mundo, mas eu só pinto, as outras atividades são muito difícil” (ALUNA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL). “ Não é porque seu filho é deficiente – porque eles usam esta expressão – que ele não vai aprender. Eles acham que as crianças nunca vão além e que vão ficar só naquilo dali. Ah! Mas não pode ensinar?! Pode, sim. Tem que ensinar. Ele vai aprender, nem se for com 20, 30 anos, ele vai aprender. Se tiver um professor para sentar e ensinar com paciência, eles vão aprender, lógico, no tempo deles. É preciso repensar o currículo e modo de ensinar” (MÃE DE ALUNO COM DEFICIÊNCIA). “Do 1.º e ao 2.º ano não tem avaliação. Do 3.º ano em diante, o aluno começa a ser avaliado por prova. Aí começa o acúmulo de reprovação. Para os alunos da Educação Especial, a aprovação é automática. Tem laudo, passa” (PROFESSORA DO FUNDAMENTAL I).

O objetivo da escolarização é garantir, por meio dos conteúdos que leciona, possibilidades aos alunos para passarem das experiências vividas ou cotidianas para formas mais elevadas de pensamento (SACRISTÁN, 2005). O objetivo da escola é constituir contextos de aprendizagem que levam os alunos a produzirem conceitos sobre si, o mundo e as relações que estabelece com seus pares. Esse desafio convoca currículos comprometidos com a emancipação, abertos a novos conhecimentos e novas experiências de vida e que se constroem e reconstroem na interação entre alunos e professores em sala de aula. Um currículo nutrido por práticas pedagógicas que valoram as vivências do aluno, as conexões entre o saber e a vida social, o respeito às questões do estudante e a possibilidade de esse sujeito produzir uma reviravolta em sua vida, pela via do conhecimento.

Anache e Martinez (2007) dizem que a avaliação da aprendizagem necessita romper com práticas classificatórias que tendem a estimular a reprodução mecânica dos conteúdos, privilegiando a competitividade e não o trabalho coletivo. Ela deve, portanto, ser parte do processo, permitindo a participação de todos os envolvidos, com o objetivo de retroalimentar o aluno e o professor por meio de monitoramentos constantes e não periódicos.

O último tópico diz respeito aos investimentos na formação continuada dos professores. “Nós precisamos de pessoas capacitadas nas escolas. Profissionais que estudem e tenham formação para ajudar nossos filhos” (MÃE DE ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL). “A formação só é dada para os professores que têm aluno especial naquele ano, mas eu gostaria de fazer essa formação” (PROFESSORA DO ENSINO FUNDAMENTAL II). “Os professores são legais, mas, às vezes, é difícil entender a matéria. As atividades podiam ser diferentes. O professor podia se preparar melhor” (ALUNO COM TGD).

Santos (2008) acredita precisamos lidar com nossos saberes e não saberes, contexto denominado de douta ignorância. A formação docente abre possibilidades para os educadores refletirem criticamente sobre seus saberes e não saberes, engendrando contextos de aprendizagens para todos os alunos. Nóvoa (1992) nos diz que realmente há necessidade de se investir positivamente nos saberes do professor, explorando-os de um ponto de vista teórico e conceitual, pois os problemas da prática docente não são meramente instrumentais; comportando situações problemáticas que obrigam decisões num terreno de grande complexidade, incerteza, singularidade e de conflito de valores.

Por meio dos grupos focais e dos questionários, os participantes trouxeram as suas contribuições para a elaboração da Política Municipal de Educação Especial de Cachoeiro de Itapemirim/ES. Reconhecem que as mudanças no campo educacional são necessárias, defendendo um conjunto de políticas educacionais para a escola como espaço de todos, situação a ser realizada por meio de investimentos comprometidos com o direito de ensinar e aprender, função social da escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela via dos diferentes diálogos com os participantes da pesquisa, formamos redes de conversação como eixo condutor da investigação, resgatando, a democratização e a construção coletiva, afirmando, assim, a importância do conhecimento dos outros para a produção de novos conhecimentos. Diante disso, pudemos pensar que documentos orientadores das políticas de Educação Especial precisam considerar que não é possível pensar o aluno sem a escola; a escola sem os alunos e os professores que nela habita; as escolas sem as famílias; a apropriação dos conhecimentos sem as trajetórias desses sujeitos.

A construção de um documento orientador das políticas de Educação Especial precisa criar as condições objetivas para que alunos aprendam e professores ensinem, pontos de partida para se quebrar barreiras de ordem política, pedagógica, ética e atitudinal que dificultam às escolas mediarem os processos de escolarização de alunos público-alvo da Educação Especial. Há de se compor políticas em diálogo com as normativas nacionais, a pesquisa em Educação Especial, aportes teóricos críticos e aqueles que praticam/vivenciam os cotidianos escolares para se romper com discursos que dizem que os alunos não aprendem.

Essas políticas são necessárias para se romper com estigmas e estereótipos sobre professores, alunos e escolas para que os primeiros sejam vistos como pesquisadores de novos-outros saberes; os alunos como sujeitos aprendentes e as unidades de ensino como espaços-tempos inclusivos. Romper com a indolência do pensamento moderno (SANTOS, 2008) é um ponto crucial para se romper com o silêncio que impera na composição de documentos/políticas para que eles não coloquem as escolas como meras executoras de algo que elas não se sentem parte.

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1Reconhecemos que a elaboração de qualquer documento orientador de políticas educacionais deva envolver todos os segmentos sociais implicados no processo. Assim, somos conhecedores da relevância de contar com a participação de outros sujeitos para além daqueles trazidos na pesquisa, como a equipe técnico-pedagógica da Secretaria de Educação, os conselheiros municipais de educação, as agências de formação de professores, entre outras. No entanto, optamos por focalizar grupos sociais mais alijados dos processos de implementação de políticas públicas educacionais para a Educação Especial: os profissionais das escolas, os próprios estudantes e suas famílias/responsáveis.

Recebido: 17 de Maio de 2021; Aceito: 26 de Janeiro de 2022

Alexandro Braga Vieira Professor Adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e Mestrado Profissional em Educação (Ufes). Possui graduação em Pedagogia e Letras, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Coordenou o Mestrado Profissional em Educação no período de 2017 a 2020. Realiza pesquisas na área de Educação Especial, com ênfase no currículo, formação docente, atendimento educacional especializado e políticas educacionais. E-mail: allexbraga@hotmail.com

Conceição Aparecida Correa Martins Membro do Grupo de Pesquisa Educação Especial: formação de profissionais, práticas pedagógicas e políticas de inclusão escolar da Universidade Federal do Espírito Santo. Gestora escolar na Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim/ES. Mestra em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores pela Universidade Federal do Espírito Santo. Graduada em Pedagogia pela Faculdade Madre Gertrudes de São José – atualmente Universidade São Camilo. Pós-graduada em Inspeção Escolar; Educação Especial Inclusiva; Atendimento Educacional Especializado; Deficiência Visual e Auditiva e Tecnologias Assistivas. Desenvolve pesquisas no âmbito da Educação Especial com ênfase em políticas públicas e formação docente. E-mail: conceicao14ster@gmail.com

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