INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, várias pesquisas têm destacado a relevância da atuação da equipe de gestão escolar para diferentes resultados escolares. As pesquisas internacionais (LEITHWOOD et al, 2006; LEITHWOOD et al, 2019), têm dedicado maior atenção a discutir como esta relação poderia se estabelecer, identificando, analisando e discutindo diferentes práticas de liderança. Apesar de ser um conceito pouco frequente na literatura acadêmica brasileira, como apontam Brooke e Rezende (2020), alguns trabalhos, como os que se pautam nos estudos sobre as escolas eficazes, utilizam o termo liderança (ou liderança forte) como uma das características da gestão escolar eficaz (ALVES e FRANCO, 2008; SOARES e TEIXEIRA, 2006; SOARES, 2007; BONAMINO et al, 2012).
A produção nacional no campo da gestão escolar tem conquistado espaço crescente nos periódicos educacionais nos últimos anos. É comum encontrarmos levantamentos bibliográficos sobre o tema, que trazem revisões, em diferentes formatos, dos estudos sobre gestão escolar. Souza (2006), por exemplo, revela uma crescente preocupação nas produções nacionais, desde o final da década de 1990, com a identidade do administrador escolar, a reconstrução de seu perfil e as novas exigências da função. A obra organizada por Martins (2011), por sua vez, apresenta um estado da arte sobre gestão, autonomia escolar e órgãos colegiados, cobrindo o período de 2000 a 2008. Entre os levantamentos realizados que compõem um dos capítulos do estudo, Oliveira e Lopes (2011) apresentam os resultados da busca de artigos sobre o tema, discutindo tendências regionais, conceituais e metodológicas.
Com o intuito de atualizar estes levantamentos e propor uma análise sobre a produção acadêmica a respeito da gestão e da liderança escolar, o presente estudo foi desenvolvido. Tendo como recorte temporal o período 2010-2020 e como fontes de busca os periódicos com melhor qualificação na avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), este levantamento chegou a 70 artigos que são analisados a partir de suas tendências metodológicas e conceituais. Com a intenção de mapear a produção acadêmica sobre a temática a partir deste recorte, buscamos cobrir três grandes áreas de interesse: i) impacto da produção sobre gestão e liderança escolar no campo educacional (volume de publicações, concentração/dispersão entre os periódicos selecionados, referências teóricas mobilizadas pelas pesquisas); ii) tendências metodológicas das recentes pesquisas sobre gestão e liderança escolar (tipo de estudo realizado, campo e sujeitos de pesquisa incluídos no desenho, estratégias metodológicas adotadas); iii) tendências conceituais das recentes pesquisas sobre gestão e liderança escolar (temáticas abordadas pelas pesquisas).
Este artigo está organizado em 4 seções, após esta introdução. Na primeira seção, são apresentados detalhadamente os critérios e filtros utilizados na seleção dos periódicos e dos artigos a serem analisados neste levantamento. A segunda seção apresenta uma análise a respeito das escolhas metodológicas dos artigos selecionados, tomando como referência a categorização realizada sobre o tipo de relato apresentado, os sujeitos de pesquisa considerados e as estratégias metodológicas adotadas nestes estudos. A terceira seção inicia-se por uma exploração sobre a tendência dos referenciais teóricos utilizados pelos autores dos artigos selecionados na definição do conceito “gestão escolar”. Em seguida, descreve a categorização temática e conceitual dos artigos. Por fim, a quarta e última seção deste texto traz as considerações finais sobre o estudo.
MAPEANDO O CAMPO: SELEÇÃO DOS PERIÓDICOS E DOS ARTIGOS
O objetivo deste levantamento foi selecionar os artigos publicados nos últimos anos em periódicos acadêmicos do campo educacional, considerados de excelência, que abordaram como temas centrais: gestão escolar e liderança escolar1. Como exemplares de periódicos de excelência, tomamos como referência a avaliação da CAPES disponível (Quadriênio 2013-2016, Área Educação), selecionando as três maiores classificações - A1, A2 e B1. Como recorte temporal, selecionamos a última década com o intuito de atualizar levantamentos já realizados no campo. Entre todos 1043 periódicos classificados neste grupo, selecionamos aqueles que comporiam nosso corpus de análise, utilizando como filtros: excluir revistas especializadas; selecionar revistas em português e publicadas Brasil; selecionar a versão online da revista quando registrada nos dois formatos; excluir as repetições. Assim, após a aplicação destes critérios, ficamos com 74 periódicos selecionados
Em um segundo momento, foi feita a busca dos artigos nestes 74 periódicos, considerando o recorte temporal, a partir dos seguintes critérios:
Os descritores “gestão escolar” e “liderança escolar” foram usados na busca, nos campos TÍTULO, ASSUNTO, TEMA.;
Foram consultados os sites oficiais dos periódicos e, em última necessidade, o site da plataforma Scientific Electronic Library Online - ScieloBr;
Em alguns casos foi necessário acessar cada volume/edição e verificar o conteúdo pelo sumário de cada exemplar.
Segundo Petticrew e Roberts (2006), os critérios de inclusão e exclusão descrevem os tipos de estudos, intervenção, métodos, população e resultados que são selecionados para revisão em profundidade. Assim, seguindo os critérios apresentados, a busca resultou em 70 artigos, distribuídos entre 27 dos periódicos anteriormente selecionados, conforme se apresenta na tabela a seguir.
Tabela 1 : Artigos Selecionados/ Periódicos
ISSN | Título | Instituição | Classificação | Artigos selecionados |
---|---|---|---|---|
1678-166X | Revista Brasileira de Política e Administração da Educação - RBPAE | ANPAE | A2 | 19 |
0100-1574 | Cadernos de Pesquisa (impressa) | Fund. Carlos Chagas | A1 | 4 |
1809-449X | Revista Brasileira de Educação | ANPED | A1 | 4 |
1678-4626 | Educação & Sociedade | CEDES | A1 | 3 |
2175-6236 | Educação e Realidade | UFRGS | A1 | 3 |
0104-4036 | Ensaio - Avaliação e Políticas Públicas em Educação | CESGRANRIO | A1 | 3 |
1807-2194 | Educação e Cultura Contemporânea | Univ. Estácio de Sá | A2 | 3 |
1809-0354 | Atos de Pesquisa em Educação | FURB | B1 | 3 |
1980-9700 | Cadernos de Pesquisa: Pensamento Educacional (Curitiba. Impresso) | Univ. Tuiti do Paraná | B1 | 3 |
1678-4634 | Educação e Pesquisa | FE/USP | A1 | 2 |
1984-0411 | Educar em Revista | UFPR | A1 | 2 |
1517-1949 | Eccos Revista Científica (Impresso) | UNINOVE | A2 | 2 |
2358-0194 | Revista da FAEEBA- Educação e Contemporaneidade | FAEEBA | A2 | 2 |
1983-7771 | Educativa (Goiânia. Online) | PUC-Goiás | B1 | 2 |
1982-9949 | Reflexão e Ação (Online) | UNISC | B1 | 2 |
1982-7199 | Revista Eletrônica De Educação (São Carlos) | UFSCAR | B1 | 2 |
1982-5765 | Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior | RAIES UNICAMP e UNISO | A1 | 1 |
1982-6621 | Educação em Revista | UFMG | A1 | 1 |
1984-6444 | Educação (Santa Maria. Online) | UFMA | A1 | 1 |
0103-6831 | Estudos em Avaliação Educacional | Fund. Carlos Chagas | A2 | 1 |
0034-7183 | Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos | INEP | A2 | 1 |
1981-416X | Revista Diálogo Educacional | PUC-PR | A2 | 1 |
0104-1371 | Cadernos de Educação | UFPEL | B1 | 1 |
1517-9869 | Educação (Rio Claro. Impresso) | UNESP- RC | B1 | 1 |
0104-7469 | Espaço Pedagógico | Univ. Passo Fundo | B1 | 1 |
1982-131X | Retratos da Escola | CNTE | B1 | 1 |
1516-9537 | Trabalho & Educação | UFMG | B1 | 1 |
Total de artigos selecionados | 70 |
Fonte: Produzido pelos autores.
Tabela 2 Artigos: metodologia
Metodologia | ||
---|---|---|
Relatos de pesquisa empírica 47 (67,1%) | Qualitativa, com análise documental | 7 |
Qualitativa, com análise documental e entrevistas | 5 | |
Qualitativa, com entrevistas | 9 | |
Quali-quanti | 9 | |
Quantitativa descritiva | 4 | |
Quantitativa Inferencial | 5 | |
Outras qualitativas (1 de cada) | 8 | |
Estudos teóricos 23 (32,9%) | Exploração conceitual | 14 |
Revisão de literatura | 9 |
Fonte: Produzido pelos autores.
No quadro acima, nota-se que os 70 artigos foram selecionados em apenas 27 dos 74 periódicos que compuseram nosso corpus de análise, o que aponta que os estudos sobre gestão e liderança escolar não estão presentes em todos os periódicos da área da educação. Há uma concentração de artigos na RBPAE, o que se justifica pelo escopo da revista, vinculada à Associação Nacional de Política e Administração da Educação - ANPAE. Esta predominância também foi apontada por Martins (2011) no levantamento realizado sobre temática similar, cobrindo o período de 2000 a 2008. Os outros artigos selecionados encontram-se distribuídos de forma mais pulverizada entre os outros periódicos de abordagem mais ampla. Oliveira e Lopes (2011) encontram situação parecida no levantamento que empreenderam: dos 217 artigos analisados pelos autores, mais da metade se concentrava em 6 periódicos, encabeçados pela RBPAE (com 28 artigos).
Tendo sido selecionados os artigos, demos prosseguimento à organização de um banco de dados com as informações. Em relação à escolha metodológica para o estudo que desenvolvemos, optamos por uma “revisão topográfica” que, de acordo com Aravena e Hallinger:
não se aprofunda nos resultados das pesquisas, mas foca nos aspectos observáveis dos estudos como volume, tipos de fonte de dados, modelos conceituais, metodologias de pesquisa e tópicos. [...] Os objetivos de uma revisão topográfica são trazer um mapa das tendências que descrevem a literatura e fazer recomendações para futuras pesquisas. (ARAVENA; HALLINGER, 2017, p.3, nossa tradução e grifos)
Entendemos que a detalhada análise que se segue, sobre as tendências metodológicas e conceituais dos 70 artigos selecionados, cumprem esse propósito.
PUBLICAÇÕES SOBRE GESTÃO E LIDERANÇA ESCOLAR: TENDÊNCIAS METODOLÓGICAS
Inicialmente, foi realizada uma análise detalhada do material recolhido: os textos completos dos artigos selecionados2. A primeira parte desta análise se dedicou à identificação das escolhas metodológicas dos estudos publicados para identificar a partir de quais procedimentos ou estratégias metodológicas o tema vem sendo discutido (e aceito pelos pares) no campo.
Tipo de Pesquisa, Metodologia e Sujeitos de Pesquisa
Classificamos os artigos em relação ao tipo de comunicação acadêmica que apresentavam: Artigo teórico, (N=23) quando se dedicavam a apresentar uma exploração conceitual, enunciando e discutindo diferentes definições e/ou apropriações de um conceito; e Relato de Pesquisa Empírica (N=47), quando apresentavam o desenvolvimento e os resultados de pesquisas empíricas realizadas sobre o tema. Encontramos uma maior quantidade de artigos com relatos de pesquisas empíricas no período e recorte analisado. Entendendo que as pesquisas empíricas, na maior parte das vezes, contam com a interlocução com diferentes sujeitos (através da observação, entrevistas, questionários, entre outros), analisamos as informações contidas nos artigos sobre os participantes das pesquisas nas entrevistas, questionários, observação ou outras metodologias experimentadas. Dentre os 47 artigos, 14 privilegiaram somente as percepções dos diretores escolares (incluindo ex-diretores e diretores cursistas de uma formação continuada). É importante destacar que, metodologicamente, a depender do objetivo da pesquisa, considerar somente a percepção dos diretores escolares na análise da gestão e da liderança na escola pode comprometer os resultados da pesquisa. Trabalhos como o de Goldring et al (2008), por exemplo, têm mostrado que há significativas diferenças entre os relatos sobre a liderança do diretor reportados pelos próprios diretores ou pelos professores.
Outros arranjos de informantes de pesquisa foram encontrados, incluindo diretores e outros sujeitos da escola. Alguns deles, a partir da interação de diretores com professores, sendo que dois se dedicaram a estudar as relações interpessoais na escola e o outro buscou compreender a percepção dos docentes sobre o estilo de gestão da escola. Encontramos, ainda, outros arranjos de sujeitos de pesquisa (por exemplo: “Pais de alunos, dirigentes, professores, funcionários administrativos e de serviços gerais”).
Os artigos selecionados apresentaram uma diversidade de estratégias metodológicas utilizadas:
Em relação aos artigos que relataram pesquisas empíricas, nota-se que, ainda que prevaleçam os relatos de pesquisas qualitativas, há um volume considerável de pesquisas envolvendo metodologias mistas ou quantitativas (18, no total). Este achado parece indicar uma maior utilização de metodologias combinadas ou envolvendo estudos estatísticos - ainda que alguns deles tragam análises descritivas apenas - nas pesquisas do campo, em comparação com o achado de Oliveira (2018). Entre as pesquisas quanti-quali, destacamos que seis delas associaram uma análise exploratória dos dados da Prova Brasil a estudos de caso e/ou revisão bibliográfica; uma utilizou os dados da pesquisa longitudinal GERES3 associados a um estudo de caso e as outras duas desenvolveram um survey próprio, cuja análise de resultados foi associada à revisão bibliográfica e/ou análise documental.
Entre as pesquisas quantitativas descritivas, duas utilizaram os dados da Prova Brasil - com análises descritivas e cruzamentos simples e duas utilizaram dados coletados em surveys próprios. As pesquisas quantitativas inferenciais utilizaram dados da Prova Brasil, survey próprio e o Inventário Sintomas de Stress para Adulto de Lipp (ISSL). Incluíram estratégias da estatística inferencial como: Análise Fatorial, Regressão linear, Partial Least Squares Path Modeling (PLS-PM) e Análise de variância. Buscaram relacionar possíveis associações entre características da gestão e liderança escolar a variáveis de saída como os resultados de proficiência dos alunos em avaliações de larga escala ou o nível de stress dos professores.
Os 23 artigos que relataram estudos teóricos foram categorizados em 2 grupos: os que realizaram uma exploração conceitual e os que apresentaram os resultados de uma revisão de literatura sobre o tema. No primeiro grupo encontramos textos que buscavam explorar conceitualmente temas que perpassam o campo da gestão escolar, sobretudo em relação a posicionamentos de aproximação ou distanciamento a conceitos que foram recentemente incorporados ao campo. É o caso, por exemplo, do artigo de Costa, Soares e Castanheira (2012) que discute as concepções de liderança presentes no campo da gestão escolar, seja na pesquisa, na formação ou na prática de diretores escolares. Os autores consideram que, nesta discussão, a vertente educativa e pedagógica da liderança deve ter relevância, uma vez que o líder é um educador. Os dois artigos de Souza (2009; 2012) presentes neste grupo se dedicaram a explorar a natureza política da gestão escolar, trazendo uma abordagem conceitual desde o campo da ciência política, incluindo a discussão sobre poder e democracia.
O segundo grupo de estudos teóricos inclui 9 trabalhos que apresentaram os resultados de revisões de literatura sobre o tema. Oliveira e Vasques-Meneses (2018) buscaram identificar a existência de lacunas na literatura sobre gestão escolar, realizando uma análise das principais publicações no período 2005-2015. Ao contrário do levantamento aqui apresentado, as autoras encontram um número inexpressivo de estudos empíricos e apontam algumas lacunas no campo. Outros levantamentos ocuparam-se de temas mais específicos, como as revisões de literatura sobre gestão democrática (MARTINS; SILVA, 2010; SOUZA, 2010; OLIVEIRA; LOPES, 2010; MAIA; MANFIO, 2010) ou sobre a avaliação institucional (SOUZA et al., 2019). Alguns dos estudos deste grupo oferecem ao leitor detalhes importantes da metodologia e dos critérios para a seleção dos trabalhos, garantindo maior consistência às análises apresentadas. Em outros, contudo, esta etapa é pouco explorada.
Nesta análise das tendências metodológicas dos artigos publicados sobre a temática gestão e liderança escolar, destacamos: a prevalência de estudos empíricos, o aumento da produção e publicação de estudos envolvendo metodologias quantitativas ou mistas de pesquisa, uma inconsistência procedimental na utilização e/ou apresentação dos critérios de busca e categorização nas revisões de literatura.
PUBLICAÇÕES SOBRE GESTÃO E LIDERANÇA ESCOLAR: TENDÊNCIAS TEMÁTICAS
Considerando como principal objetivo discutir as principais tendências temático conceituais dos artigos analisados, esta seção apresenta os procedimentos e resultados da análise empreendida. Antes de passarmos a esta discussão, contudo, faz-se oportuno apresentar a análise sobre o referencial teórico utilizado pelos autores dos artigos analisados. Procuramos identificar em cada um dos textos, o referencial teórico utilizado pelos autores na abordagem aos conceitos “gestão escolar” e “liderança escolar”, sendo que o primeiro esteve muito mais presente que o segundo. Percebemos, no levantamento realizado, uma predominância da referência aos autores Paro, Lück, e Lima na discussão/fundamentação teórica dos artigos. A figura a seguir ilustra esta predominância a partir da nuvem de palavras4 construída com os nomes dos autores recolhidos na exploração dos artigos.

Fonte: Produzido pelos autores, a partir do Aplicativo WordClouds.com.
Figura 1 Nuvem de Palavras: Nomes dos autores referenciados para discussão sobre Gestão e Liderança
A leitura dos 70 artigos selecionados para este levantamento passou, então, pela identificação de algumas características centrais dos textos, além dos aspectos metodológicos já apresentados: Objetivo; Questão de pesquisa; Conceitos teóricos utilizados; Citações relevantes; Principais Conclusões e Resultados. Após uma exploração inicial destas informações dos textos, foi feita uma categorização considerando o tema central de cada artigo. Cabe registrar que as categorias foram levantadas a partir de leitura exploratória das informações catalogadas e da leitura dos textos, ou seja, emergiram dos próprios artigos, tendo como parâmetro a literatura no campo da gestão e liderança escolar. A tabela a seguir sintetiza esta categorização:
Tabela 3 Artigos: Categorização Temática
Artigos | Porcentagem | |
---|---|---|
Gestão democrática | 15 | 21,4% |
Efeito escola/gestão escolar | 11 | 15,7% |
Perfil/atribuições do diretor escolar | 10 | 14,3% |
Levantamentos de pesquisas sobre gestão escolar | 9 | 12,9% |
Cotidiano do diretor escolar | 9 | 12,9% |
Formação de diretores | 7 | 10% |
Gerencialismo | 5 | 7,2% |
Ampliação da jornada escolar | 2 | 2,8% |
Outros (1 de cada) | 2 | 2,8% |
Total | 70 | 100% |
Fonte: Produzido pelos autores.
Nas subseções a seguir, serão detalhadas as categorias que concentram maior volume de trabalhos, em destaque na tabela acima, e mais a categoria “Gerencialismo”, justificada a seguir. Em cada caso, alguns dos artigos são apresentados para exemplificar a categoria.
GESTÃO DEMOCRÁTICA
Entre os artigos analisados, a categoria de maior predominância reuniu aqueles que se dedicaram a explorar o tema da gestão democrática. Entre eles, encontramos estudos teóricos (4) e relatos de pesquisas empíricas (11).
Entre os artigos que relataram pesquisas empíricas sobre a gestão democrática, destacam-se os trabalhos que exploraram diferentes formas de participação na escola. É o caso de Nascimento e Marques (2012) que apresentam, como questão de pesquisa: “Quais concepções e práticas de participação da família têm se instituído no cotidiano das escolas públicas?”. Os achados da pesquisa qualitativa, que envolveu observação e entrevistas com diferentes sujeitos da escola, apontam que
uma maior participação dos atores sociais no âmbito escolar interfere na construção de uma cultura democrática nas relações sociais como um todo e que há uma multiplicidade de práticas de participação, com formatos e intenções os mais diversos, que acabam sendo desconsideradas como válidas a essa construção por se afastarem do modelo preconizado e, por isso, acabam inibindo ou enfraquecendo as ações participativas (NASCIMENTO; MARQUES, 2012, p. 83)
Ferreira, Cochorrano e Leite (2015) também estudam instâncias de participação na escola, enfocando, especialmente, os conselhos escolares. A partir dos dados da pesquisa, os autores argumentam que “o encontro gestão escolar e conselho de escola é um encontro político”. Alegro e Silva (2020), contudo, chamam a atenção para a questão da representatividade nos processos democráticos da escola:
Por outro lado, essa estrutura democrática representativa é enfraquecida pela verticalidade na tomada de decisões, que fluem dos órgãos superiores para os inferiores de forma autoritária. O que ocorre, frequentemente, é que os anseios, preocupações e opiniões dos membros com menor poder de decisão não são discutidos coletivamente e, após a eleição, a gestão democrática nas escolas é enfraquecida significativamente. (ALEGRO e SILVA, 2020, p. 501)
Penna e Belo (2015) por sua vez, propõem um avanço na discussão sobre a participação propondo uma análise sobre os efeitos desta para o trabalho escolar em prol dos processos pedagógicos, incluindo um trabalho mais colaborativo na escola: “a participação em processos de gestão mais compartilhada e democrática, que implica maior participação e trabalho colegiado, favorece o desenvolvimento de processos formativos nos envolvidos.” (PENNA e BELO, 2015, p. 93)
Como exemplo dos trabalhos teóricos, temos o estudo sobre as convergências conceituais entre gestão democrática e os estudos organizacionais críticos, de Passador e Salvetti (2013); a discussão sobre as abordagens a respeito da relação família-escola e suas implicações para a gestão escolar, de Silva e Bernado (2017); a discussão sobre os conceitos por trás de novos e velhos modelos de gestão escolar, de Ruiz e Marinheiro (2015); e o artigo de Souza (2009), que faz uma exploração conceitual a respeito da natureza política da gestão escolar. Este último traz um importante debate teórico, histórico e contextual sobre a definição do conceito de gestão democrática para além de seus dispositivos legais. Trabalhando a partir da articulação entre política, poder e democracia, Souza (2009) propõe uma compreensão dos processos democráticos que avancem nas estratégias de participação:
A gestão democrática é aqui compreendida, então, como um processo político no qual as pessoas que atuam na/sobre a escola identificam problemas, discutem, deliberam e planejam, encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca da solução daqueles problemas. Esse processo, sustentado no diálogo, na alteridade e no reconhecimento às especificidades técnicas das diversas funções presentes na escola, tem como base a participação efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar, o respeito às normas coletivamente construídas para os processos de tomada de decisões. (SOUZA, 2009, p. 125-126)
Percebemos, em alguns dos artigos selecionados que enfocaram a gestão democrática, uma oposição entre modelos de “uma nova gestão pública” e a gestão democrática, seja em trabalhos teóricos ou na análise de dados empíricos. Ruiz e Marinheiro (2015), por exemplo, discutem conceitualmente as alterações nos modelos de gestão pública, a partir do que chamam de “reestruturação do capitalismo”, e as implicações destas alterações para a gestão educacional. Neto e Castro (2011), por sua vez, relatam os resultados de um survey em que discutem o formato que a gestão escolar assume em instituições públicas estaduais do ensino médio, considerando dois modelos: a gestão democrática e a gerencial. Os autores consideram que a implementação de políticas públicas educacionais recentes tende a induzir fatores relacionados a uma gestão gerencial, como por exemplo: alocação de recursos específicos para a realização das atividades, o controle exercido pelos órgãos externos para garantir o cumprimento das metas e os mecanismos internos de organização e acompanhamento das ações.
Esta oposição entre a gestão democrática e o gerencialismo, apresentada acima, expressa-se, também, na presença de um grupo de artigos que se dedicaram a explorar o “gerencialismo” na gestão escolar, apresentado a seguir.
GERENCIALISMO
Entre os artigos selecionados, cinco deram especial atenção ao tema “gerencialismo” na gestão das escolas públicas. Silva e Alves (2012), reforçando a tendência da polarização gerencialismo x gestão democrática, pretenderam demonstrar as alterações na gestão e na organização do trabalho escolar após a implementação do modelo administrativo-gerencial de regulação. De acordo com elas, “o estudo demonstrou que a disseminação dos princípios gerenciais na gestão e organização do trabalho escolar reforçam a desconcentração de tarefas e a redução da autonomia no efetivo processo de tomada de decisão” (SILVA; ALVES, 2012, p. 678).
Adrião e Garcia (2015), por sua vez, exploram conceitualmente a discussão a partir da problematização que já trazem no título do artigo: Mudanças organizacionais na gestão da escola e sua relação com o mundo empresarial: aprofundamento da privatização na educação básica brasileira? Para as autoras, as mudanças organizacionais trazidas para a gestão escolar, reduzem sua autonomia e tornam o trabalho prescritivo:
No caso das unidades escolares, a proposta de autonomia também se limita à esfera da execução do trabalho pedagógico e à gestão de recursos descentralizados. Aprofunda-se a prescrição do trabalho docente e de gestores por meio da tendência a se implementar um currículo prescrito, seja pelo setor privado, do que são exemplos os sistemas apostilados de ensino (ADRIÃO et al, 2009; GARCIA et al, 2012), ou por orientações advindas do gestor (ADRIÃO e GARCIA, 2015, p. 442).
Nascente, Conti e Lima (2018) discutem, na análise do papel do gestor escolar, as formas burocrática, emancipatória e gerencialista da gestão, apresentando o seu contexto histórico. Através da análise descritiva de dados coletados em questionários respondidos por diretores escolares, os autores propõem uma visão menos polarizada sobre o tema, destacando a necessidade de uma gestão escolar que inclua características dos três modelos:
A gestão participativa democrática reúne técnica, política, criatividade e iniciativa para alcançar a agilização da burocracia, que não deve ser eliminada, mas modernizada, tornando-a flexível o suficiente para planejar democraticamente, atuando de modo descentralizado e de estímulo à cooperação. (NASCENTE; CONTI; LIMA, 2018, p. 162, grifo nosso)
Ainda que esta disputa conceitual no campo se faça bastante presente, o artigo de Nascente et al. (2021) é um exemplo de trabalhos que têm, recentemente, procurado avançar nesta discussão. A tensão e a polarização existentes no campo entre estes “modelos” merece ser aprofundada oportunamente. Vale, contudo, considerar a reflexão proposta por Brooke e Rezende (2020), que discutem as origens dessa polarização e como ela pode ser limitadora para o campo, sobretudo de formação inicial e continuada de diretores escolares. Conforme discutem os autores, essa oposição tende a considerar que “uma gestão por resultados, com sua ênfase por políticas pedagógicas e administrativas que contribuam para a aprendizagem, não deve ser considerada democrática” (BROOKE e REZENDE, 2020, p. 35). Concordando com os autores, essa concepção pode ser limitadora ao partir de uma interpretação equivocada que limita a qualidade da participação da comunidade escolar e desconsidera as políticas avaliativas como indicadoras da distribuição de uma escolarização de qualidade para todos. Contudo, como pode ser visto no próximo grupo de artigos, os estudos que buscam relacionar as características da gestão escolar que poderiam melhorar esses indicadores têm aumentado sua presença no campo.
EFEITO-ESCOLA/GESTÃO ESCOLAR
O grupo de trabalhos que se dedicaram a buscar uma associação entre características/perfil/estratégias de gestão escolar e os resultados da escola foram a categoria temática que concentrou o segundo maior volume de artigos neste levantamento. Entre os resultados escolares (variáveis de saída) analisados por estes trabalhos, temos:
melhorias no trabalho docente (GRIGOLI et al, 2010);
stress dos professores (JUNIOR e LIPP, 2011);
uso de indicadores educacionais (WERLE e AUDINO, 2015)
desempenho dos alunos (GOBBI et al, 2020; OLIVEIRA e WALDHELM, 2016; OLIVEIRA e PAES de CARVALHO, 2018; BERNADO, 2010; 2013; ESQUISANI e SILVEIRA, 2015; FONSECA e NUNES, 2020; MEDEIROS et al, 2014)
Metodologicamente, é preciso destacar que este grupo de artigos concentra os relatos de pesquisas quantitativas inferenciais (5), além de algumas quanti-quali (3) e qualitativas (3).
Os desenhos quantitativos inferenciais buscaram, especialmente, estimar a associação entre características da gestão escolar e medidas de desempenho dos alunos. É o caso do estudo de Oliveira e Waldhelm (2016) que utilizaram dados da Prova Brasil (resultados e questionários contextuais) para estimar a relação entre a percepção dos professores a respeito do trabalho da direção escolar (Índice de Liderança do Diretor) e a respeito dos níveis de colaboração docente com a variação da proficiência média dos alunos do 5o ano no teste de matemática. As autoras encontram uma relação significativamente positiva entre a liderança do diretor e o clima escolar (percebida pelos professores) e a variação no resultado dos alunos nos testes de Matemática do 5º ano: “O resultado nos permite inferir que, na amostra estudada, quanto melhor os professores percebem o trabalho de seu diretor e o clima de trabalho em sua escola, maiores são os resultados de seus alunos.” (OLIVEIRA e WALDHELM, 2016, p. 838). Bernado (2010) analisou a relação entre as estratégias de organização das turmas - muitas vezes a cargo de gestão escolar - e as diferenças dos resultados entre as turmas ao longo dos anos letivos. Em um estudo quantitativo longitudinal, utilizando análise da variância (DIF) a autora aponta que as desigualdades educacionais se acentuam em relação às variáveis cognitivas em turmas em que os critérios de organização se pautaram nas diferenças de habilidades em leitura dos alunos. Bernado (2010) conclui seu estudo chamando a atenção para a necessidade de a gestão escolar adotar estratégias de composição de turmas promotoras de equidade.
Entre os outros trabalhos, destaca-se o estudo de Werle e Audino (2015) que se voltaram para compreender o uso dos indicadores educacionais pelos gestores escolares. A partir de um estudo quali-quanti, tendo como sujeitos membros da equipe de gestão escolar, os autores criam diferentes dimensões de atuação dos gestores no uso dos dados educacionais provenientes das avaliações externas. Chama a atenção a discussão que propõem sobre a participação e o trabalho coletivo a ser mobilizado na interpretação e uso dos indicadores educacionais:
Na dimensão administrativa, percebe-se que grande parte dos esforços endereçam-se para uma gestão voltada para resultados, pautada no trabalho coletivo dos profissionais. Quanto à dimensão participativa, é possível identificar uma gestão atenta aos comportamentos e necessidades dos alunos e às solicitações dos professores. A gestão é dinâmica, buscando formas diferenciadas de comunicação e de agilização dos encaminhamentos propostos. Destaca-se, também, movimentos de socialização dos resultados do IDEB com todos os segmentos, abrindo espaços para um planejamento em conjunto, abrindo espaços para diálogos e questionamentos (WERLE e AUDINO, 2015, p. 138).
Nota-se, a partir dos resultados apontados por estes autores, um possível encaminhamento para um debate que se propõe a ampliar a discussão sobre o uso de dados e evidências pela gestão escolar em uma função - que pode e deve ser - coletiva e participativa, na busca por uma educação escolar de qualidade para todos.
PERFIL E ATRIBUIÇÕES DO DIRETOR ESCOLAR
Alguns dos artigos deste grupo dedicaram-se a explorar as legislações e normativas sobre a gestão escolar, normalmente trazendo o seu percurso histórico. É o caso do recente artigo de Santos e Castro (2020) que investigaram a gestão escolar no que diz respeito à sua regulamentação, tendo em vista a análise dos documentos oficiais (subsídios, fascículos, orientações e legislação nacional e local, além de documentos produzidos no âmbito do município pesquisado) editados nos anos de 1990 a 2015. Os autores justificam o estudo considerando: “Tendo em vista que a gestão escolar se constitui como uma política educacional, é imprescindível a análise das características históricas e políticas contidas nos documentos oficiais que a regulamentam” (SANTOS; CASTRO, 2020, p.6). Souza (2012), por sua vez, discute conceitualmente a natureza política da gestão escolar, discutindo as ações das pessoas na escola a partir de relações de poder, com reflexo para as atribuições do diretor escolar e sua equipe de trabalho.
As pesquisas empíricas neste grupo voltaram-se para descrever e analisar algumas características do trabalho do diretor. Kramer et al. (2014), por exemplo, buscam compreender as relações de autoridade e autonomia que são estabelecidas na gestão da educação infantil. Para tanto, realizam entrevistas com diretores escolares e análise documental e, discutindo as especificidades desta etapa da educação básica, apontam necessidades específicas de formação e seleção de diretores escolares a partir das demandas e atribuições destes profissionais. Marinho e colegas (2020), por sua vez, utilizam dados provenientes dos questionários contextuais da Prova Brasil para uma análise descritiva do perfil evolutivo dos diretores escolares brasileiros (de 2007 a 2017). Entre os dados analisados, os autores destacam a atenção que deve ser dada à formação destes profissionais: “É necessário o fortalecimento de uma política de qualificação profissional, com oferta de cursos de pós-graduação lato e stricto senso e formação continuada em serviço” (MARINHO, VIEIRA e VIDAL, 2020, p.176).
A análise apresentada nesta seção, a partir da categorização e discussão das temáticas mais presentes nas publicações selecionadas, não teve a intenção de esgotar a apresentação dos 70 artigos, tarefa irrealizável para o escopo deste artigo. Dentro da proposta de realizar uma revisão topográfica das recentes publicações no campo, buscou-se evidenciar as tendências das pesquisas empreendidas e publicadas nos periódicos mais bem qualificados no campo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo pretendeu apresentar os resultados de um levantamento bibliográfico dos recentes artigos acadêmicos publicados sobre o tema “gestão e liderança escolar”. O estudo teve como principal objetivo mapear a produção acadêmica nacional sobre o tema no que se refere às discussões teórico-conceituais e metodológicas das pesquisas desenvolvidas e recentemente publicadas. Busca-se, desta forma, substanciar o debate através de uma síntese da produção, apontando tendências e lacunas identificadas.
O recorte temporal utilizado (2010-2020) teve a intenção de atualizar levantamentos já realizados sobre o tema, como o de Martins (2011), ainda que com pequenas diferenças nos descritores escolhidos. A distribuição temporal ao longo do período não apontou tendências significativas de possível incremento ou retração no volume de publicações sobre o tema. As tendências metodológicas apontam uma maior presença de pesquisas que utilizaram metodologias quantitativas ou mistas em relação a levantamentos anteriores sobre o mesmo tema (OLIVEIRA, 2018; MARTINS, 2011). Porém, nos estudos analisados, o uso de dados coletados através de questionários ou em bases de dados já disponíveis foram analisados, em sua maioria, descritivamente, sendo poucas as pesquisas que propuseram desenhos inferenciais. Em se tratando da análise temática dos artigos, destaca-se, especialmente, a predominância dos estudos sobre gestão democrática (definição conceitual e estratégias de operacionalização) e uma presente polarização no campo entre o que convencionou-se chamar de “tendência atual ao gerencialismo” na gestão escolar e a efetivação da gestão democrática. Muitas vezes, o foco na polarização e as limitações argumentativas presentes neste debate (que necessita atualizar as definições sobre a gestão democrática para a década atual) acabam por comprometer os avanços nas pesquisas e na agenda política sobre o trabalho do diretor escolar. Auxiliar a fomentar a discussão, acompanhando as tendências dos estudos publicados, foi objetivo deste artigo.