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Revista Iberoamericana do Patrimônio Histórico-Educativo

versão On-line ISSN 2447-746X

Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo vol.5  Campinas jan./dez 2019  Epub 31-Maio-2019

https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v5i0.9791 

Resenha

"Educadores e educadoras: gritem contra o racismo"

Beatriz Pupin Franco1 

1 FE / UNICAMP .biapupin@gmail.com Brasil

SOUZA, Edileuza Penha. Negritude, Cinema e Educação: Caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003. Belo Horizonte: Mazza, 2011. 182p. v. 1,


“Educadores e educadoras: gritem contra o racismo” (BOTELHO, 2011, p. 127).

O livro Negritude, Cinema e Educação: Caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003, vol. 1, parte do pressuposto que educadores sensíveis à implementação da lei supracitada possam construir em salas de aulas um espaço/tempo de debates e reflexões sobre essa temática, tão urgente na realidade brasileira; a coletânea ainda enfatiza como alunas e alunos negros são invisibilizados na escola, o material serve como uma manual em que são apresentados os filmes e propostas situações de aprendizagem em cada um dos artigos.

O livro discorre em seus artigos ações pedagógicas a serem realizadas em sala de aula, foi vislumbrada essa metodologia de promover através do cinema o cumprimento da Lei 10.639/2003 a partir do “I Seminário Internacional Saídas da Escravidão e Políticas Públicas”- promovido pela UNESCO em 2005. O intuito deste evento foi inserir o cinema nas escolas como prática, e assim, modificar e ampliar a percepção da trajetória da cultura afrodescendente, a visão e a abordagem dos negros diante do currículo escolar, gerando assim, visibilidade, representação, além de democratizar o currículo e diminuir a discriminação. A coletânea propõe uma ressignificação da visão do negro perante os alunos.

O livro propõe que através do cinema seja possível a concepção de um “agente socializante e socializador” (SOUZA, 2011, p. 9). Pretende-se fazer do cinema uma ferramenta que auxilie na discussão da Lei 10.639/2003, segundo Edileuza Penha de Souza. O cinema em sala de aula configura-se como um recurso de comunicação e estímulo para fazer o presente debate nas escolas com a proposta de construir o entendimento da identidade do negro no Brasil, sua história, suas conquistas e dilemas, os filmes selecionados exemplificariam a história e as lutas do movimento negro no país, gerando debates, criticas reflexão e aprofundamento da temática.

O livro se divide em duas partes, nas quais são analisados filmes nacionais e internacionais, como “Macunaima”, “Xica da Silva”, “Chico Rei”, “Quilombo”, “Atlântico Negro – Na rota dos Orixas”, “Orfeu”, “Cruz e Souza – o Poeta do Desterro”, “A navegação do Brasil”, “O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas”, “Domésticas”, “Conrack”, “A cor Púrpura”, “Um Grito de liberdade” , “Faça a coisa certa” , “Malcom X “, “Sarafina! O som da liberdade”.

A ênfase que o livro coloca na utilização do cinema como ferramenta, acompanhada das análises dos filmes, segue no caminho da abordagem dessa lei, que tem como maior objetivo a diminuição do preconceito racial. Cada artigo, além de analisar os filmes, contextualiza historicamente, fatos, estereótipos, problemas sociais, o papel da mulher negra na sociedade brasileira, etc., tudo isso, é possível utilizando o cinema como suporte para análise da história do negro no país e sua memória. Alguns artigos sugerem pesquisa de campo, outros debates, o que pode gerar resultados concretos para os alunos que vivenciarem essa didática proposta pelo livro.

Os autores do livro elaboraram um material metodológico e didático voltado para a formação de professores com sugestões de atividades que poderão ser trabalhadas com os alunos, o livro é propositivo, sugere ações que podem acontecer nas salas de aula e perante a comunidade. O conjunto de filmes analisados compõe além da importância temática, um catalisador de obras de cineastas brasileiros negros, bem como artistas negros e ressalta a importância de movimentos do cinema negro como “Dogma Feijoada” (2000) e “Manifesto do Recife” (2001).

A obra aproxima o leitor da importância de conhecer o que é produzido no Brasil e no Exterior promovendo um debate e ascendendo o protagonismo artístico do negro.

A seleção de filmes e o possível uso em sala de aula contribuem para a reflexão das possibilidades estéticas do cinema de questionar a realidade ou narrar sobre referências étnicas que em muitos casos não estão registradas no espaço escolar ou são tratados superficialmente no material didático como afirma Nilma Lino Gomes: "Entre estas figuras, estão lideranças negras e pessoas anônimas, as quais não estão registradas nos livros didáticos, não são faladas dentro da escola, não são temas das nossas aulas [...]” (GOMES, 2011, p. 152). Personagens anônimos ou líderes importantes retratados pelos filmes contribuem para representações e a evocação da identidade social que a lei propõe. No artigo de Nilma Lino Gomes que analisa o filme “Os múltiplos sons da liberdade” a protagonista do filme vive uma incansável luta contra exclusão social e discriminação. este artigo analisa a importância do papel da mulher negra e seus desafios, seus silêncios e suas reinvindicações. As mulheres do filme são retratadas como empoderadas e como exemplos de luta e resistência, a autora provoca: “Onde está a história das famílias dos nossos alunos que lutam cotidianamente para manter seus filhos na escola e lhes proporcionar uma vida digna?” (GOMES, 2011, p. 127). A autora ainda questiona os recortes, as seleções que privilegiam, ou não, determinados assuntos dentro do espaço escolar. O artigo estimula a busca da identidade social do negro no país e como pode ser fomentada pela escola, enfatizando quais referências um aluno afrodescendente terá recebido em sua formação ao sair hoje de uma escola. Na prática comum, poucos são os professores ou projetos pedagógicos que se preocupam em cumprir essa lei, negando o papel histórico e cultural do negro no Brasil.

Voltando ao prefácio de Noel dos Santos Carvalho, o autor discute a representação e a invisibilidade no período do cinema mudo e aponta a marginalização dos personagens negros, o blackface na interpretação de atores negros, estereótipos que acompanhavam os personagens e faziam parte do espetáculo cinematográfico. São analisadas as precárias possibilidades estéticas com as quais os negros eram representados.

No capítulo “Macunaíma – uma possibilidade de reflexão em sala de aula”, escrito por Maria Madalena Torres, o cineasta Joaquim Pedro de Andrade destaca o cinema como imagem, não apenas temática, e desta forma propõe que o recurso cinematográfico estimule a diversidade da identidade brasileira e sua apreciação.

Outro artigo que coloca uma questão cara ao movimento negro e sua história é o artigo sobre o filme “Cruz e Souza – O poeta do Desterro”. O artigo, escrito por Paulino de Jesus F. Cardoso, propõe analisar relações sociais, para além das “simplificações senhor- escravo”, nas quais negros transitavam na sociedade em que viviam de forma orgânica mantendo relações sociais que superavam sua condição de negros, descendentes de escravos, quilombolas. Enfatiza a multiplicidade da identidade do personagem Cruz e Souza, sendo suas ações não apenas o comportamento de um homem negro, mas de um homem do seu tempo “ao fugir da associação ‘negro-escravo-quilombola-pai-joão-abolicionista’, o filme indica a existência de múltiplas identidades. Cruz e Souza foi, ao mesmo tempo, jornalista, escritor, caixeiro, homem livre de cor teatrólogo, abolicionista, assimilado [...]” ( CARDOSO, 2011, p. 85).

Sobre “O carnaval e os mitos de Dionísios e Orfeu”, de Rômulo Cabral de Sá, o autor passeia pela mitologia dos deuses gregos e romanos, dando significados universais à festa popular de carnaval. Analisa a peça “Orfeu da Conceição”, de Vinicius de Moraes, que tem inspiração na mitologia, mas como cenário a Baía de Guanabara, já a adaptação em filme “Orfeu do Carnaval”, de Marcel Camus (1959), o autor enfatiza o fato dos atores serem negros e, por fim, o filme Orfeu, de Carlos Diegues (1999) e a vasta possibilidade de análises que o filme propõe, uma das proposições interessantes que o autor sugere é o papel da produção cultural dos afrodescendentes “(samba, o funk, rap, hip-hop, pagode, etc.): resistência, expressão do orgulho negro” (SÁ, 2011, p. 79) . O artigo propõe o reconhecimento da cultura que surge nas comunidades e favelas, bem como elementos religiosos que se organizam oriundos desses locais, além disso o filme pode retratar a ausência do estado, a atuação conflituosa entre polícia/comunidade/traficantes.

No artigo “Domésticas- Nascer, deixar, permanecer ou simplesmente estar”, de Cláudia Rangel, a autora discute as contradições sociais das classes trabalhadoras, a desvalorização do trabalho doméstico, a dificuldade de ascensão social de mulheres e negras, ou mesmo a única alternativa de trabalho que mulheres pobres, despreparadas, com pouco ou sem nenhum estudo encontram. Rangel propõe desafios para que alunos pesquisem e entrevistem trabalhadoras domésticas, uma sugestão que pode fazer o aluno perceber e corroborar com as questões postas pelo documentário analisado.

Elenco apenas mais um dos artigos “Ancestralidade e diversidade na travessia do oceano Atlântico”, de Andreia Lisboa de Sousa, Celeste Libania, Edileuza Penha de Sousa e Rosane Pires de Almeida, que analisa o documentário “Atlântico Negro - Na Rota dos Orixás”, de Renato Barbieri, narra uma tradição no Reino de Benin em que as pessoas capturadas para embarcarem no navio negreiro deveriam dar voltas na Árvore do esquecimento, as mulheres deveriam dar nove voltas , por possuírem mais memórias enquanto os homens sete, esse projeto que pertencia aos colonizadores e à Igreja não teve sucesso, as tradições das “comunidades- terreiro”, a cultura “jêje-nago” encontram-se permanentes na cultura afro-brasileira, mesmo com as perseguições, difamações, a resistência tornou o candomblé patrimônio cultural e símbolo de luta. O artigo propõe 13 sugestões de debates e ações para os alunos e professores, como “solicitar a presença na escola de uma sacerdotisa ou sacerdote de candomblé”, “estimular troca de e-mails com estudantes africanos”, pesquisa sobre alimentos e a cozinha afro-brasileira. Essas entre outras ações em uma escola cumpririam de forma exemplar o que pede a Lei 10.639/2003 e podem possibilitar a aproximação dos alunos para o entendimento da cultura negra e ser um dos meios de romper a discriminação e o racismo por meio da educação de crianças, jovens e adultos.

Pela observação dos aspectos analisados nos artigos o livro “Negritude, Cinema e Educação: Caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003”, vol. 1, é um veículo de importantes questões sobre a identidade cultural dos afrodescendentes, material rico para educadores e educadoras que pretendem trabalhar a temática e fazer valer a implementação da Lei 10.639/2003, tendo em vista o desafio de promover uma escola democrática e diversa.

REFERÊNCIAS

SOUZA, Edileuza Penha. Negritude, Cinema e Educação: Caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003. Belo Horizonte: Mazza, 2011. 182p. (V. 1) [ Links ]

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