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Educação & Formação

versión On-line ISSN 2448-3583

Educ. Form. vol.7  Fortaleza  2022  Epub 28-Jun-2022

https://doi.org/10.25053/redufor.v7.e7317 

Artigos

O Novo Ensino Médio Paulista: velhas propostas de manutenção da dualidade estrutural e da precarização do ensino

El Nuevo Bachillerato Paulista: viejas propuestas para mantener la dualidad estructural y la precariedad de la educación

Celso do Prado Ferraz de Carvalhoi 
http://orcid.org/0000-0001-8703-8236; lattes: 2546257820365753

Fabio Cavalcantiii 
http://orcid.org/0000-0003-4236-9458; lattes: 9579080312278562

iUniversidade Nove de Julho, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: cpfcarvalho@gmail.com

iiUniversidade Nove de Julho, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: fabbiocant@gmail.com


Resumo

A Reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Curricular Comum propõem mudanças significativas para o Ensino Médio e estabelecem novas bases para a sua organização. O objetivo deste artigo é apresentar aspectos gerais da Reforma do Ensino Médio e da Base Nacional Curricular Comum, especificamente a flexibilização do currículo e a centralidade assumida pelos itinerários formativos, tendo como referência o processo de implementação pela Secretaria da Educação no Estado de São Paulo do Novo Ensino Médio Paulista. É um estudo de caráter documental e bibliográfico. Como fontes primárias de análise, utilizaram-se os documentos curriculares e de gestão produzidos pela referida secretaria. Os resultados da análise corroboram os estudos de Ferretti (2018), Ramos (2019) e Ramos e Frigotto (2017): a Reforma do Ensino Médio fomenta incertezas, desqualifica o currículo, dificulta o acesso dos alunos das escolas públicas ao conhecimento historicamente produzido pela humanidade e contribui para a manutenção da dualidade estrutural e para a destruição da educação pública.

Palavras-chave: Reforma do Ensino Médio; BNCC; itinerários formativos; Novo Ensino Médio Paulista

Resumen

La Reforma de la Enseñanza Media y la Base Común Curricular Nacional proponen cambios significativos para la Educación Secundaria y establecen nuevas bases para su organización. El objetivo de este artículo es presentar aspectos generales de la Reforma de la Enseñanza Media y la Base Curricular Común Nacional, específicamente la flexibilización del currículo y la centralidad que asumen los itinerarios formativos, teniendo como referencia el proceso de implementación por parte de la Secretaría de Educación del Estado de São Paulo del Nuevo Bachillerato Paulista. Es un estudio documental y bibliográfico. Como fuentes primarias de análisis se utilizaron los documentos curriculares y de gestión elaborados por la mencionada secretaría. Los resultados del análisis corroboran los estudios de Ferretti (2018), Ramos (2019) y Ramos y Frigotto (2017): la Reforma de la Enseñanza Media fomenta incertidumbres, descalifica el currículo, dificulta el acceso de los alumnos de las escuelas públicas a los saberes producidos históricamente por la humanidad y contribuye al mantenimiento de la dualidad estructural y a la destrucción de la educación pública.

Palabras clave: Reforma de la Educación Secundaria; BNCC; itinerarios formativos; Nuevo Bachillerato Paulista

Abstract

The Reform of Secondary Education and the National Curricular Common Base propose significant changes for secondary education and establish new bases for its organization. The objective of this article is to present general aspects of the High School Reform and the National Common Curriculum Base, specifically the flexibility of the curriculum and the centrality assumed by the training itineraries, having as a reference the process of implementation by the Secretary of Education in the State of São Paulo of the New Paulista High School. It is a documentary and bibliographic study. As primary sources of analysis, the curriculum and management documents produced by the aforementioned secretariat were used. The results of the analysis corroborate the studies by Ferretti (2018), Ramos (2019) and Ramos and Frigotto (2017): the High School Reform fosters uncertainties, disqualifies the curriculum, makes it difficult for public school students to access knowledge historically produced by humanity and contributes to the maintenance of structural duality and to the destruction of public education.

Keywords: High School Reform; BNCC; formation itineraries; New High School Paulista

1 Introdução

Nos últimos 20 anos, as mais diversas políticas educacionais, especificamente aquelas voltadas para a qualificação profissional, difundiram teses propondo um novo modelo de educação e de formação; no contexto dessas políticas, destaque deve ser dado às reformas propostas para o Ensino Médio. No caso do Ensino Médio, comum a essas políticas é o anúncio da necessidade de superar os históricos problemas do Ensino Médio, especificamente a ausência de terminalidade e a presença de uma organização e concepção pedagógica, que ajudaram na consolidação da dualidade estrutural que o caracteriza.

Comum a essas políticas é a ênfase com que disseminam o discurso acerca da necessidade de uma nova organização e estrutura para o Ensino Médio, que seja capaz de propiciar as condições para a melhoria da formação geral dos alunos, mas também para a formação profissional.

Na década de 1990, o discurso reformista anunciou a educação como espaço fundamental para dar conta das demandas postas pelos novos processos de organização do trabalho. Para tanto, necessário era melhorar a escolaridade dos trabalhadores, ampliar a educação básica e melhorar os indicadores de qualidade da educação.

O debate sobre Ensino Médio e suas implicações na formação profissional foi saturado por conceitos como competências, saberes e flexibilização curricular. A tese defendida afirmava que novas formas de organização do trabalho e da produção demandavam novos modelos de educação e de formação profissional e foi disseminada pelo discurso em defesa do empreendedorismo, da empregabilidade e de uma educação pautada por habilidades, competências e conhecimentos técnicos necessários à formação do novo trabalhador.

Neste contexto de reformas educacionais e de clamor por uma educação que melhorasse as condições de formação dos trabalhadores, o Ensino Médio passou a compor a Educação Básica e definido como aquele que deve possibilitar o domínio dos conhecimentos exigidos pelos novos processos de trabalho.

Cerca de 20 anos do início do último ciclo reformista, novamente o Ensino Médio é posto no centro do debate educacional. O argumento utilizado a justificar a necessidade de que reformas sejam feitas centra-se, novamente, na necessidade de adequação ao mundo do trabalho. No contexto desse processo, o Ensino Médio será profundamente impactado por duas políticas surgidas dessa nova saga reformista: a Reforma do Ensino Médio de 2017 e a definição de uma nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2018.

Tanto a Reforma do Ensino Médio ocorrida em 2017 como a elaboração de uma nova BNCC finalizada em 2018 propõem mudanças significativas para o Ensino Médio e estabelecem novas bases para a sua organização. Esse processo, em nosso entendimento inicial, acentua os problemas que já possui e mantém a lógica da dualidade que o caracteriza. Formar integralmente o aluno e prepará-lo para o trabalho continuam a ser as questões centrais do debate, embora postas em nova linguagem.

Diante das demandas postas pela Reforma do Ensino Médio e da nova organização curricular definida pela BNCC, teve início o processo de implementação pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) do Novo Ensino Médio Paulista.

2 Metodologia

O objetivo deste artigo é apresentar aspectos gerais da Reforma do Ensino Médio e da BNCC, especificamente a proposta de organização do currículo, tendo como centralidade os itinerários formativos, e problematizar seus impactos na formação dos alunos. Problematizamos os itinerários formativos e as mudanças que produzem na organização do trabalho do professor, pois modificam a distribuição da carga horária e interferem na distribuição das demais disciplinas ao longo dos três anos do Ensino Médio.

É um estudo de caráter documental e bibliográfico. Para tanto, utilizamos como fontes primárias de análise os documentos curriculares e de gestão produzidos recentemente pela Seduc-SP, especificamente o Currículo Paulista - Etapa Ensino Médio (SÃO PAULO, 2020a), o Seminário Novo Ensino Médio Diretores (SÃO PAULO, 2021b) e o Catálogo das Ementas detalhadas dos Aprofundamentos Curriculares (SÃO PAULO, 2021a). Além destes documentos curriculares, foi objeto de análise a Resolução Seduc nº 85/2020 (SÃO PAULO, 2020b), que estabeleceu as diretrizes da organização curricular do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e das respectivas modalidades de ensino da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, a legislação que institui a Reforma do Ensino Médio em 2017 (BRASIL, 2017) e o documento final da BNCC para o ensino médio (BRASIL, 2018).

A análise dos documentos foi realizada tendo como referência conceitual e teórica os estudos acerca do Ensino Médio produzidos no campo da teoria crítica da educação, especificamente neste texto, os pesquisadores Celso João Ferretti (FERRETTI, 2018), Marise Nogueira Ramos (RAMOS, 2019), Gaudêncio Frigotto (RAMOS; FRIGOTTO, 2017) e Dermeval Saviani (SAVIANI, 2007).

3 O Ensino Médio novamente reformado e a BNCC

Inicialmente cabe lembrar que a Reforma do Ensino Médio de 2017 e a elaboração da BNCC ocorreram em meio a um processo político tenso, marcado pelo golpe de 2016. Este contexto definiu quais forças participaram do processo de elaboração e quais não. A Reforma do Ensino Médio ocorreu no contexto do governo Michel Temer. O processo de elaboração da BNCC teve início no governo Dilma Rousseff e passou por momentos distintos, com três versões apresentadas, sendo que a terceira e definitiva sofreu mudanças significativas em relação às versões anteriores. No caso específico da BNCC para o Ensino Médio, ocorreu o cerceamento total do debate, sendo sua redação definida sem a participação de segmentos importantes de pesquisadores e professores interessados no Ensino Médio.

A Reforma do Ensino Médio se deu com a promulgação da Lei nº 13.415/2017 e foi objeto de intensa crítica devido à dimensão das medidas propostas e da ausência de discussão, especificamente as alterações curriculares, a reorganização da carga horária e a criação dos itinerários formativos. Um dos principais argumentos a sustentar a necessidade da reforma foi o de que os resultados aferidos pelas avaliações de larga escala, como Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e Prova Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), eram insatisfatórios e abaixo das metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Outro fator elencado foi a dispersão do currículo em várias disciplinas não articuladas, que seria uma das razões para o desinteresse dos alunos e causa do abandono escolar. Quanto a essas questões, o forte apelo para que o Ensino Médio tivesse um caráter de terminalidade e de formação profissional formou o enredo a justificar a necessidade de mais uma Reforma no Ensino Médio.

Segundo Ramos (2019), a Reforma do Ensino Médio de 2017 foi forjada anteriormente, no ano de 2016, momento em que o Brasil vivia um Estado de exceção e no contexto do golpe civil, jurídico, midiático e parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff. A correlação de forças favorável ao capital propiciou processos regressivos e reacionários. Nesse Estado de exceção, “[...] a contrarreforma do ensino médio é a expressão dessa reação da classe dominante, que a empreende por meio da permanente exceção conjugados [sic] com a obtenção do consenso” (RAMOS, 2019, p. 10).

Na mesma linha de crítica, é importante mencionar outras críticas à reforma, como Ferretti (2018), Hernandes (2019), Ramos (2019) e Ramos e Frigotto (2016). Em comum, alertavam para o caráter reducionista que caracteriza a reforma e sua perspectiva de formação, sua concepção instrumental e aligeirada de formação profissional, bem como seu caráter autoritário, haja vista a escassa discussão ocorrida e sua aprovação apressada no Congresso Nacional.

Ramos e Frigotto, em artigo de 2016, alertavam que a Contrarreforma do Ensino Médio, a partir do golpe de Estado, constituía-se em um ataque contra as conquistas e avanços de uma perspectiva da Educação Básica fundada da formação unitária e integrada dos alunos (RAMOS; FRIGOTTO, 2016).

A BNCC definiu o currículo mínimo, devendo os currículos locais serem contextualizados e definidos pela realidade individual, local e social de cada escola e seu grupo de alunos. O documento está estruturado em torno de dez competências gerais, que deverão se inter-relacionar nas grandes áreas do conhecimento e suas tecnologias, em todo o processo formativo do educando ao longo do seu percurso no Ensino Básico. De modo geral, as dez competências gerais explicitam processos cognitivos que deverão ocorrer para o desenvolvimento de habilidades e formação de atitudes e valores, como já estava preconizado na Lei nº 9.394/1996. Sendo referência nacional para todos os currículos, com caráter normativo que vai definir o conjunto orgânico e progressivo das aprendizagens essenciais da Educação Básica, a BNCC também vai definir todas as políticas públicas no território nacional, desde a formação dos professores até a infraestrutura das escolas.

A Reforma do Ensino Médio e a BNCC estabelecem mudanças na educação brasileira em dois eixos fundamentais: a alteração da carga horária e a reestruturação da organização curricular. Para Hernandes (2019, p. 14), ao impor um limite de 1.800 horas de cumprimento da BNCC e o restante da carga horária com os itinerários formativos, a Reforma do Ensino Médio “[...] abre espaço para que os estados se enquadrem na mordaça da austeridade à custa de cortes nos recursos do orçamento que devem ser destinados à educação”. Essa perspectiva reforça políticas para o Ensino Médio que desde a década de 1970 estão vinculadas aos interesses da economia capitalista, procurando definir esta etapa final da Educação Básica como de formação instrumental, indo de encontro a uma formação mais ampla do ser humano.

Na parte seguinte do artigo, mostramos e discutimos as consequências diretas da Reforma do Ensino Médio e da BNCC na educação paulista, em razão da implementação do denominado Novo Ensino Médio Paulista.

4 O Novo Ensino Médio Paulista

Com uma proposta alicerçada nas diretrizes gerais da Reforma do Ensino Médio e na BNCC, o governo do estado de São Paulo, por meio da Seduc-SP, elaborou a versão final do Currículo Paulista - Etapa Ensino Médio (SÃO PAULO, 2020a), com aprovação em 29 de julho de 2020 pelo Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP). O Currículo Paulista - Etapa Ensino Médio traz a nova roupagem do Novo Ensino Médio para enfrentar os velhos desafios da Educação Básica não só paulista, mas também da educação brasileira.

Assim como o currículo para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental, o Currículo Paulista: Etapa Ensino Médio teve a colaboração de diversas instituições de diferentes segmentos da sociedade, diferentemente da proposta curricular anterior, de 2008 a 2017, na qual apenas alguns pesquisadores do ensino tiveram participação direta em sua formulação, sem consulta popular. Da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais, passando pelo Instituto Ayrton Senna e pela Fundação Lemann, chegando até a Universidade Estadual Paulista (Unesp), entre outras instituições, a formulação desse documento inaugura uma nova etapa nas políticas públicas de ensino do estado de São Paulo. A forte influência de agentes de organizações privadas, influenciados diretamente pelo neoliberalismo, nas políticas educacionais paulistas e nacional, está documentada na literatura (FERRETTI, 2018; RAMOS; FRIGOTTO, 2016), antes mesmo da implementação do currículo paulista de 2020.

O documento afirma o envolvimento de 98.856 participantes, entre alunos, profissionais da educação e sociedade civil do estado e dos 645 municípios paulistas (SÃO PAULO, 2020a). A participação de quase cem mil pessoas nesta proposta curricular é muito similar à consulta pública efetuada pela BNCC para o Ensino Médio no biênio 2017-2018 feita pelo governo federal. Com uma nova proposta de formulação curricular, esse documento contou também com vários seminários regionais no ano de 2019. Participaram, segundo o documento, alunos e profissionais da educação das redes municipais, particulares e estadual. Outro feito inédito foi a consulta a partir de um endereço eletrônico1 com o objetivo de mapear os anseios dos alunos e subsidiar a construção desse documento, que teve a participação de mais de cento e sessenta mil discentes da rede estadual. Essa consulta aos alunos, entre outras questões, queria saber deles quais itinerários formativos pretenderiam escolher a partir de áreas do conhecimento além do aprofundamento de formação técnica e profissional.

Segundo o Novo Currículo Paulista (SÃO PAULO, 2020a), com o auxílio das propostas pedagógicas das escolas, pretende-se preencher a lacuna educacional de uma sociedade complexa. Essa sociedade possui várias identidades culturais, étnicas e linguísticas, clamando por equidade e, ao mesmo tempo, implorando para que cada aluno seja visto como único. Para o Currículo Paulista, equidade significa que todos os estudantes estejam na escola pública de qualidade, nos seus espaços-tempo próprios, garantidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), respeitando-se todas as interações sociais que atuam no território estadual.

Essa preocupação do estado com o socioemocional revela uma certa contradição, pois a escola atual passa por mudanças geradas por crises culturais, econômicas e políticas, revelando o fortalecimento da reprodução social vigente, isto é, a escola para os mais necessitados será a mesma de sempre e com o agravante agora de menor conteúdo possível (vide a flexibilização curricular). A geração contemporânea de alunos do Ensino Médio vive numa sociedade de crise e risco. Segundo Ramos e Frigotto (2016, p. 42):

O ritmo da escola, a própria tradição da escola moderna, não permite a incorporação de mudanças imediatamente e não deveríamos esperar que o fizesse, pois um dos sentidos da criação da escola é constituí-la como espaço de socialização do jovem na tradição de uma sociedade. Tradição no sentido da cultura que a sociedade construiu até o momento e que lhe dá coesão e, ao mesmo tempo, possibilita o conflito. É assim que a sociedade se sustenta; é preciso conhecer, incorporar a própria tradição para se questioná-la e transformá-la. Então, de fato, a escola não muda com a mesma dinâmica que os contextos sociais e culturais, porque esse confronto entre a tradição e a mudança, o velho e o novo, é formativo. Ao mesmo tempo, a classe dominante, historicamente, subordinou a escola à economia, tornando o economicismo a ideologia hegemônica que tenta explicar e organizar suas funções. Mas é no plano de contradições que esta instituição se mostra, simultaneamente, reprodutora e resistente; por isto é também espaço de disputa.

É necessário ter cautela ao glamourizar a escola, principalmente pelas disciplinas impostas do Programa Inova Educação (eletivas, projeto de vida e tecnologia), com a suposta preocupação com o desenvolvimento das habilidades socioemocionais dos alunos, e deixar que eles assumam as escolhas dos conteúdos do conhecimento a partir dos itinerários formativos. Entendemos que, assim como Ramos e Frigotto (2016, p. 42), “[...] o principal desafio da escola está não só em tentar convergir com os interesses dos jovens, mas em educar seus próprios interesses”. O papel da escola vai muito além das habilidades socioemocionais. Conhecendo os interesses dos discentes, a escola deverá confrontar esses interesses com as necessidades formativas juntamente com um projeto social em que o currículo escolar esteja baseado nas dimensões da cultura, ciência, tecnologia e trabalho.

As diretrizes da Reforma do Ensino Médio e da BNCC em processo de implementação na rede estadual de ensino de São Paulo produzem significativas mudanças na organização desta etapa da formação. A organização do Ensino Médio previa anteriormente que a carga horária para os três anos do Ensino Médio Paulista seria de 3.000 horas (1.000 horas por ano). No formato atual, definido pelo Novo Ensino Médio Paulista, a carga horária passa a ser de 3.150 horas para os três anos (1.050 horas por ano), sendo 1.800 horas no máximo para os conteúdos definidos pela BNCC e 1.350 horas dedicadas aos itinerários formativos.

Na estrutura proposta pela Seduc-SP, os itinerários formativos devem ser organizados de forma a contemplar 900 horas para aprofundamento curricular e 450 horas para a parte diversificada, definida pelo Inova Educação. O Inova Educação foi criado pela Seduc-SP com o propósito de oferecer novas oportunidades aos alunos, por meio de três novos componentes curriculares: uma disciplina eletiva mais as disciplinas de Tecnologia e Projeto de Vida. Conforme documento que define os objetivos do Inova Educação (SÃO PAULO, 2021b), a disciplina eletiva terá duas aulas semanais e se constitui em um componente curricular no qual os educandos podem fazer escolhas a partir de uma oferta de disciplinas oferecidas a cada semestre, oportunidade para que o aprendiz comece a tomar decisão sobre o que deseja aprender e a tornar-se protagonista de seu aprendizado. O componente curricular de Tecnologia terá uma aula semanal e visa à aprendizagem criativa e colaborativa com vistas à formação de usuários conscientes e potenciais criadores de novas tecnologias, devendo proporcionar aos estudantes a possibilidade de aprofundar conhecimentos na área de conhecimento escolhida no itinerário formativo. O Projeto de Vida, com previsão de duas aulas semanais, é um componente curricular que tem como objetivo estimular, orientar e direcionar o aluno sobre qual itinerário escolher e compreender que o futuro será consequência de escolhas feitas no presente. O objetivo anunciado é de que essas disciplinas possam trazer para os discentes do Ensino Médio inovações nas atividades educativas e estarem alinhadas às vocações, aos desejos e às realidades de cada aluno.

A primeira grande mudança decorrente da implementação da Reforma do Ensino Médio e da BNCC é no tempo e na quantidade de aulas ofertadas. A Seduc-SP definiu que cada aula será de 45 minutos, sendo sete aulas diárias para todos os períodos, totalizando 35 aulas semanais, com a necessária atribuição de cinco aulas para o Inova Educação. Outra mudança ocorre na disponibilidade das aulas, que não serão mais distribuídas por disciplinas, mas sim por áreas do conhecimento. A partir da 2ª série, as áreas de conhecimento serão escolhidas pelos alunos a partir de seus projetos de vida e serão complementadas pelos itinerários formativos. Entendemos que a articulação entre os itinerários formativos propostos pela Reforma de 2017 e a BNCC poderá provocar impacto na distribuição de aulas por áreas de conhecimento e a provável diminuição de oferta de trabalho a professores de determinadas disciplinas.

Em janeiro de 2021, teve início a implementação dos itinerários formativos para toda a rede pública paulista, especificamente para os alunos da 1ª série do Ensino Médio. Segundo a Seduc-SP (SÃO PAULO, 2021b), todos os componentes curriculares da BNCC seriam mantidos neste ano, isto é, a implementação dos itinerários formativos do aprofundamento curricular e integrado somente ocorrerá no ano de 2022, assim como também serão mantidos os itinerários do Inova Educação.

Utilizando principalmente o canal do Centro de Mídias de São Paulo (CMSP), devido ao distanciamento social provocado pela pandemia da Covid-19 (Sars-Cov-2)2, a Seduc-SP, a partir de reuniões on-line, com a escassa participação do corpo docente e quase nenhuma dos discentes, implementou, a toque de caixa e de forma coerciva, esse novo modelo para o Ensino Médio, gerando muitas incertezas tanto para os professores quanto para os alunos.

Seis ações foram anunciadas pela Seduc-SP visando à implementação dos itinerários formativos:

Seminários - Informar as ações e construir de maneira conjunta; Live semanal Novo EM - Engajar e informar sobre as potencialidades do Novo EM; Aulas projeto de vida - Apresentar questões do Novo EM aos estudantes; Formação de multiplicadores - Formar multiplicadores para a implementação do Novo EM; ATPC - Formar professores para o trabalho por área do conhecimento; Trilhas formativas - Formar para a implementação do Novo EM. (SÃO PAULO, 2021b).

Deixamos a palavra live (traduzida literalmente como transmissão ao vivo) com destaque para enfatizar como foi a implementação do Novo Ensino Médio Paulista em plena pandemia e de forma arbitrária. Essas lives ocorreram tanto no CMSP quanto no canal do YouTube3, entre outras formas de transmissão. Outro destaque foi a ação para formar multiplicadores, formar professores para a adaptação ao trabalho por área do conhecimento e para a utilização das trilhas formativas para a implementação do Novo Ensino Médio.

Foram definidas também quatro fases do planejamento visando à implementação do Novo Ensino Médio Paulista:

Fase 1 - Comunicação e formação: apresentação de conceitos básicos mensagens-chave. Esclarecimento das principais dúvidas; Fase 2 - Apresentação detalhada dos aprofundamentos curriculares; Fase 3 - Momento de definição e escolha dos aprofundamentos curriculares pelas escolas e pelos estudantes. Fase 4 - Preparação final para a implementação dos aprofundamentos curriculares. (SÃO PAULO, 2021b).

As fases 1 e 2 ocorreram no primeiro semestre, com a apresentação dos itinerários formativos, e as fases 3 e 4, no segundo semestre de 2021 com a definição dos itinerários formativos. Enfatizamos aqui, novamente, que todas essas ações ocorreram no formato on-line, em que é deficitária qualquer interação por parte da grande maioria dos professores e alunos.

Com a apresentação dos itinerários formativos no final do primeiro semestre de 2021, a Seduc-SP, a partir de um endereço eletrônico disponibilizado4, oficializou para o ano de 2022 a matriz curricular para a 2ª série do Novo Ensino Médio, perfazendo 150 horas por semestre e 300 horas por ano letivo, reiterando a importância desses itinerários para a formação do aluno:

Os itinerários formativos são compostos por diferentes arranjos curriculares, um conjunto de unidades curriculares que possibilita ao estudante aprofundar e ampliar as aprendizagens desenvolvidas na formação geral básica, em uma ou mais áreas do conhecimento, permitindo que vivencie experiências educativas associadas à realidade contemporânea e que promova a sua formação pessoal, profissional e cidadã. (SÃO PAULO, 2020a, p. 196).

Para a Seduc-SP, a organização desses itinerários garante aos alunos o protagonismo na escolha dos conteúdos a partir da flexibilização curricular definida pela Reforma, que deve observar os seguintes critérios:

Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional.

No discurso da Seduc-SP (SÃO PAULO, 2020a), é preciso atender às demandas da contemporaneidade e às aspirações dos discentes, estimulando seus interesses, engajamento e protagonismo e assegurando a formação básica geral. Para tanto, é necessário atender ao que está previsto no artigo 12 das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) de 2018, que, nos termos da Resolução nº 3/2018, do Conselho Nacional de Educação, definiu que os itinerários formativos das diferentes áreas e da formação técnica e profissional devem ser organizados considerando quatro eixos estruturantes: investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo.

Segundo a Seduc-SP, todas as escolas deverão ofertar, no mínimo, duas opções de itinerário de aprofundamento curricular, sendo que todas as áreas do conhecimento devem ser contempladas nas opções ofertadas pela escola. Isto é, se a escola tiver uma turma da 3ª série apenas, a turma será dividida em duas turmas. Um dos arranjos curriculares que essas turmas podem ter, por exemplo, é: uma turma A com um itinerário de aprofundamento curricular integrado de Linguagens e Matemática, e a outra turma B terá um itinerário de aprofundamento curricular integrado da área de Ciências da Natureza e Ciências Humanas Sociais (SÃO PAULO, 2021b).

Depois de apresentar os itinerários formativos via endereço eletrônico, foram ofertados aos alunos, a partir da Secretaria da Escolar Digital (SED)5, os 11 itinerários formativos do aprofundamento curricular para a escolha do ano letivo de 2022. Dentre os 11 itinerários formativos, cinco são de formação curricular da área específica e seis de formação curricular integrada. São eles:

#seLiganaMídia (aprofundamento curricular da área de linguagens e suas tecnologias); Superar desafios é de humanas (aprofundamento curricular da área de ciências humanas e sociais aplicadas 1); Liderança e cidadania (aprofundamento curricular da área de ciências humanas e sociais aplicadas 2); Ciência em ação! (aprofundamento curricular da área de ciências da natureza e suas tecnologias); Matemática conectada (aprofundamento curricular da área de matemática e suas tecnologias); Start! Hora do desafio! (aprofundamento curricular integrado em linguagens e suas tecnologias e matemática e suas tecnologias); Corpo, saúde e linguagens (aprofundamento curricular integrado em linguagens e suas tecnologias e ciências da natureza e suas tecnologias); Cultura em movimento: diferentes formas de narrar a experiência humana (aprofundamento curricular integrado em linguagens e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas); #quem_divide_multiplica (aprofundamento curricular integrado em matemática e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas); Meu papel no desenvolvimento sustentável (aprofundamento curricular integrado em ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas); A cultura do solo: do campo à cidade (aprofundamento curricular integrado em ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas). (SÃO PAULO, 2021a).

Com forte apelo aos jovens por conter o símbolo “#” (jogo da velha ou hashtag - que indexa nas conversas os assuntos mais comentados nas redes sociais), o itinerário de aprofundamento curricular da área de Linguagens e suas Tecnologias “#seLiganaMídia” e o itinerário de aprofundamento curricular integrado em Ciências Humanas e Sociais aplicadas e Matemática e suas Tecnologias “#quem_divide_multiplica” demonstram, no nosso entendimento, que o tema do itinerário pode induzir os jovens para essas áreas do conhecimento, principalmente no itinerário relacionado à área da Matemática. Outro fato relevante é que, nessa lista ofertada aos discentes dos itinerários de aprofundamento curricular, contém um número maior de itinerários de aprofundamento curricular integrado em relação aos itinerários por área, pois, como mencionado anteriormente, as escolas deverão ofertar pelo menos dois itinerários de aprofundamento curricular integrado.

Para Ferretti (2018), ao analisar a Lei nº 13.415/2017, que fundamenta o currículo paulista, os alunos não terão liberdade de escolha dos itinerários que podem potencializar seus projetos de vida, haja vista que, conforme divulgado na listagem acima, já está claro que os estudantes deverão escolher apenas aqueles itinerários da lista, isto é, sendo prerrogativa do estado sua definição, devendo o educando se adequar ao que já está posto.

Críticos das DCNEM de 2012, principalmente na figura do capital privado, afirmavam que o currículo por disciplinas, que promovia uma formação específica, seria rígido e inflexível, com excesso de conteúdo para o Ensino Médio. O currículo rígido de 2012 cedeu lugar a um currículo flexível, que, em tese, deveria atender aos anseios do novo glamourizado trabalhador do século XXI: adaptável, autônomo e criativo. A partir dessa perspectiva de currículo flexível, no novo sistema de ensino, a autonomia do novo trabalhador recai no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, que poderão ser desenvolvidas principalmente nas disciplinas do Inova Educação: Projeto de Vida, Eletivas e Tecnologia.

Conforme Ferretti (2018), a flexibilização curricular, como solução única contra a multiplicidade de disciplinas e rigidez estrutural, já incorporada no Novo Ensino Médio Paulista a partir da Lei nº 13.415/2017 e consequentemente da BNCC, falha ao tentar sanar a baixa qualidade dessa etapa final da Educação Básica e resolver o problema do abandono e da reprovação dos alunos. Segundo o autor, não basta apenas oferecer aos educandos uma matriz curricular flexível se não houver investimentos na infraestrutura das escolas (atividades culturais, biblioteca, espaços para Educação Física, laboratórios, etc.), formação continuada para os professores, melhoria do salário docente, entre outros.

Na mesma linha de crítica, afirmamos que a flexibilização curricular proposta, atrelada à oferta de escolas de tempo integral de sete horas diárias, por conta da desigualdade social estrutural brasileira, tem poder maior de exclusão do que de inclusão, à medida que os alunos que mais precisam acabam tendo que estudar no período noturno. Mesmo afirmando a possibilidade de escolha pelos estudantes, utilizando-se do protagonismo e seus interesses, não há garantia nenhuma de que aumentará a qualidade das aulas ou que os alunos serão menos reprovados no período de formação. Em síntese, para o autor, o Novo Ensino Médio Paulista, ao apostar na diversidade, flexibiliza o currículo com os itinerários formativos para atender aos interesses do corpo discente:

Mas o faz a partir tão somente da perspectiva do desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais, conferindo pouca atenção à produção social dos diferentes jovens e às condições objetivas em que funcionam as escolas das redes públicas de ensino, como se as limitações que determinaram tal produção e que continuam presentes nas escolas pudessem ser superadas por meio do currículo flexibilizado e do uso de metodologias, equipamentos digitais e materiais didáticos que estimulem o protagonismo dos alunos. (FERRETTI, 2018, p. 32).

A flexibilização proposta pelo Novo Ensino Médio Paulista está diretamente relacionada à aprendizagem flexível ao promover o currículo maleável às escolhas dos alunos conforme sua realidade. Ao escolher apenas uma área do conhecimento no Ensino Médio para atender às possíveis trajetórias e projetos de vida, os alunos têm sua formação, que deveria ser integral, reduzida ao pragmatismo utilitarista e momentâneo fomentado pelo capital privado, que se esvai num sopro de alguns meses.

Essa oferta sedutora dos itinerários formativos oferecidos pelo Novo Ensino Médio Paulista, que anuncia o que pretensamente as novas gerações querem ouvir e no linguajar deles, como no anunciado itinerário formativo da área de Linguagens #seLiganaMidia, promove apenas uma educação ilusória e dissociada das necessidades de formação geral, amplia a perpetuação da dualidade estrutural e não proporciona a tal modernização apregoada pelos itinerários formativos.

Entendemos que, nessa flexibilização curricular, a função social da escola e a prática docente e do processo de ensino-aprendizagem de conteúdos significativos serão diretamente afetadas, pois “[...] a escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular” (SAVIANI, 2000, p. 19).

5 Considerações finais

Cabe inicialmente mencionar nestas considerações finais que o denominado Novo Ensino Médio Paulista não é tão novo. Ressignifica e aprofunda os mesmos processos e teses que caracterizam a dualidade estrutural, que vem definindo o Ensino Médio ao longo do tempo, utilizando-se do poder e da coerção como política usual, prática comum do governo paulista, como mostram recentes processos de implementação das políticas educacionais no estado ao longo dos últimos anos.

O Novo Ensino Médio Paulista proposto pela Seduc-SP, na essência de suas teses, não difere de outras políticas de anos recentes, mas pode aprofundar os problemas enfrentados pelo Ensino Médio. A imposição da flexibilização curricular, a partir da implementação dos itinerários formativos, em consonância com as recomendações de organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco), e das teses defendidas pelo capital, aprofunda o processo de negação da formação geral e de fragilização do currículo. Ao propor apenas as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática como obrigatórias, obscurece e desqualifica o currículo, impondo limitações imensas para a formação geral.

Aprofunda os problemas, pois instrumentaliza o currículo e cria a falsa expectativa de uma opção para os alunos, pois aquilo que anuncia como itinerários formativos não possibilita melhorar a formação profissional e o preparo para o trabalho, além de diminuir significativamente as possibilidades de formação geral. Acentua a lógica da dualidade, pois aprofunda o quadro de destruição da educação pública em que a reforma será imposta, ao passo que a educação ofertada nas escolas privadas continuará a proporcionar a seus alunos, em tese, uma formação integral.

Ao flexibilizar o currículo, entendemos que o que será ofertado aos discentes são conteúdos mínimos, prevalecendo uma formação vazia, tanto no conhecimento sociocultural quanto no científico. A Seduc-SP propaga, principalmente por meio de canal de mídia, o CMSP, que a valorização do protagonismo dos discentes e as escolhas dos itinerários formativos propiciarão uma formação completa e integral. Suscitamos a seguinte questão: como garantir essa formação geral se o que está sendo proposto é justamente o esvaziamento da formação geral via diminuição da oferta de disciplinas vinculadas à formação geral? O que a Seduc-SP opera aqui é o reducionismo conceitual, que visa a disseminar a ideia de que formação geral é aquela proporcionada pelos itinerários formativos, que serão definidos a partir das expectativas e perspectivas de formação profissional, em tese, definidas pelos alunos.

Outra questão importante a ser mencionada é o impacto que a flexibilização curricular e os itinerários formativos produzem na carreira docente. Além da diminuição da carga horária de todos os docentes, tais ações contribuem para uma situação de incerteza na atribuição das aulas a cada ano letivo, inclusive para professores de Língua Portuguesa e Matemática, em tese, privilegiados pela reforma, pois são as únicas disciplinas que estarão no rol de disciplinas ofertadas da BNCC ao longo dos três anos do Ensino Médio Paulista.

O Novo Currículo Paulista (SÃO PAULO, 2020a) proposto pela Seduc-SP apregoa os itinerários formativos e a flexibilização curricular como eixos de organização do Ensino Médio, sob o prisma da perspectiva do desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais. Defende que a reforma proposta revoluciona a educação em seu conteúdo e forma, pois cria a possibilidade de escolha pelos alunos de seus itinerários formativos. Entendemos de forma contrária, que a reforma fomenta incertezas entre professores a cada ano letivo, desqualifica ainda mais o currículo e dificulta o acesso dos estudantes das escolas públicas ao conhecimento historicamente produzido pela humanidade, contribuindo para a manutenção da dualidade estrutural e para a destruição da educação pública.

Uma boa metáfora para definir o que a Reforma do Ensino Médio propõe é a do pastel de vento: a propaganda, por melhor que seja, não modifica a essência e o vazio que o caracteriza.

6 Referências

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1Site Porvir (2019): https://porvir.org/nossaescolarelatorio/. Acesso em: 11 dez. 2020.

2As consequências da pandemia na educação são enormes. Milhares de escolas permaneceram fechadas por longo tempo e milhões de estudantes ficaram sem aula presencial, causando sérias consequências para a qualidade do ensino. Além disso, a ampliação do uso da educação a distância (EaD), bem como de formas híbridas de ensino nesse período, tem sido apresentada como justificativa pelos setores que defendem a EaD para a sua ampliação e uso na Educação Básica.

3Disponível em: https://www.youtube.com/c/centrodemídiassp1. Acesso em: 10 jul. 2021.

4Disponível em: https://novoensinomedio.educacao.sp.gov.br/. Acesso em: 20 jul. 2021.

5Disponível em: https://sed.educacao.sp.gov.br. Acesso em: 8 nov. 2021.

Recebido: 20 de Dezembro de 2021; Aceito: 18 de Abril de 2022; Publicado: 24 de Maio de 2022

Celso do Prado Ferraz de Carvalho, Universidade Nove de Julho, Programa de Pós-Graduação em Educação

https://orcid.org/0000-0001-8703-8236

Doutor em Educação. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho. Líder do grupo de pesquisa em Política e Gestão Educacional.

Contribuição de autoria: Supervisão na pesquisa, contribuições na análise de dados, revisão e ampliação do texto.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2546257820365753

E-mail: cpfcarvalho@gmail.com

Fabio Cavalcanti, Universidade Nove de Julho, Pós-Graduação em Educação

http://orcid.org/0000-0003-4236-9458

Doutorando em Educação pela Universidade Nove de Julho. Graduado em Física pelo Instituto Federal de Educação, campus São Paulo. Professor na Escola de Ensino de Tempo Integral da Rede Estadual de São Paulo.

Contribuição de autoria: Concepção da pesquisa, coleta e análise de dados.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/9579080312278562

E-mail: fabbiocant@gmail.com

Editora responsável:

Lia Machado Fiuza Fialho

Pareceristas ad hoc:

Norberto Dallabrida e Maria Oliveira

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