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Educação & Formação

On-line version ISSN 2448-3583

Educ. Form. vol.7  Fortaleza  2022  Epub Mar 25, 2023

https://doi.org/10.25053/redufor.v7.e9373 

Artigos

Formação inicial e atuação docente: uma investigação histórico-cultural com professores de 5º ano de Porto Velho/RO

Formación inicial y práctica docente: una investigación histórico-cultural con profesores de 5º año de Porto Velho/RO

Epifânia Barbosa da Silva1 
http://orcid.org/0000-0003-4534-8214; lattes: 5079698740165919

Rafael Fonseca de Castro1 
http://orcid.org/0000-0001-5897-851X; lattes: 8727450794536784

1Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO, Brasil


Resumo

Este artigo resulta de uma pesquisa que investigou como docentes de turmas de 5º ano do ensino fundamental de Porto Velho, Rondônia, percebem sua atuação docente em relação com sua formação inicial. Fundamentado na Teoria Histórico-Cultural, o estudo utilizou-se do método dialético para analisar os dados, mediante a unidade “Relação entre a formação e a atuação do professor do 5º ano do ensino fundamental”, suportada por dois eixos analíticos. Neste manuscrito, destacam-se as discussões do eixo 1, “Contexto da formação dos professores em Porto Velho”. 54 docentes responderam a um questionário misto on-line e os principais achados revelaram que: a práxis é fundamental para a superação da dicotomia teoria/prática e para fortalecer a relação indecomponível entre formação e atuação docente; e a Teoria Histórico-Cultural pouco foi abordada na formação inicial dos professores. Defende-se a necessidade de intensificar o debate sobre as relações formação/atuação docente visando à práxis pedagógica pelos professores do ensino fundamental.

Palavras-chave formação de professores; atuação docente; práxis pedagógica; ensino fundamental.

Resumen

Este artículo es resultado de una investigación que buscó conocer cómo los profesores de las clases de 5º año de la enseñanza fundamental de Porto Velho, Rondônia, perciben su práctica docente en relación a su formación inicial. Con base en la Teoría Histórico-Cultural, utilizó el método dialéctico para el análisis de los datos, mediante la unidad “Relación entre la formación y el desempeño del docente del 5º año de la enseñanza fundamental”, apoyado en dos ejes analíticos. En este manuscrito, se destacan las discusiones sobre el eje 1, “El contexto de la formación docente en Porto Velho”. 54 profesores respondieron un cuestionario online mixto y los principales hallazgos revelaron que: la praxis es fundamental para superar la dicotomía teoría/práctica y para fortalecer la relación entre formación y desempeño docente; y la Teoría Histórico-Cultural rara vez fue abordada en la formación inicial de los docentes. Defiende la necesidad de intensificar el debate sobre la relación entre formación/práctica docente, visando la praxis pedagógica de los docentes de la enseñanza básica.

Palabras clave formación docente; práctica docente; praxis pedagógica; escola primaria.

Abstract

This paper describes part of a study that investigated how 5th grade teachers who work in Elementary Schools in Porto Velho, Rondônia (RO), Brazil, perceive their teaching practice in relation to their initial teacher education processes. Based on the Cultural-Historical Theory, the study used the dialectical method for analyzing data in the unit “Relation between teacher education and teaching practice carried out by 5th grade teachers” based on two analytical axes. This paper highlights discussions on axis 1, which is “Context of teacher education in Porto Velho”. Fifty-four teachers answered a mixed questionnaire online and the main findings showed not only that practice is fundamental to face the dichotomy between theory and practice and to strengthen the indecomposable relation between teacher education and teaching practice but also that the Cultural-Historical Theory was poorly addressed in their initial education. This paper defends the need to intensify debate on the relation between teacher education and teaching practice to enable Elementary School teachers’ effective pedagogical praxis.

Keywords teacher education; teaching practice; pedagogical praxis; elementary school.

1 Introdução

A Educação, concebida como processo social, e não apenas individual, tem um importante papel na construção de um mundo melhor, mais humanizado e mais democrático. Acreditamos que uma Educação que considere os conhecimentos cotidianos e avance para os conhecimentos científicos (VIGOTSKI, 2021), de forma não alienante (DUARTE, 2010; MARX; ENGELS, 2010), é um meio para a humanização dos cidadãos, pois pode favorecer a construção de alternativas coletivas para dias melhores a um maior número de pessoas.

O processo de formação educacional do ser humano passa pela escola, pois é este o espaço estruturalmente pensado e organizado para transmitir conhecimentos para além do cotidiano dos sujeitos: os conhecimentos científicos (VIGOTSKI, 2021; VYGOTSKY, 1982), aqueles acumulados culturalmente pela humanidade e intencionalmente transmitidos mediante o ensino formal (SAVIANI, 2009). E a atuação do professor na estrutura de ensino tem sido objeto de pesquisas ao longo dos anos.

Um ponto suscitado em pesquisas educacionais indica, desde a (re)estruturação da educação brasileira no final do século XX, a necessidade de pensar programas formativos de professores que objetivem a práxis, permitindo a esses profissionais se apropriarem de referenciais que os auxiliem, de fato, em sua prática. Com base nessa premissa, delineamos a seguinte questão de pesquisa à investigação a qual nos referimos no presente manuscrito: docentes que atuam em turmas do 5º ano do ensino fundamental (EF) da rede pública de Porto Velho, Rondônia (RO), têm suas necessidades teórico- -práticas atendidas em programas de formação inicial e continuada de professores?

Na busca por responder tal questão, foi definido o objetivo de “investigar como os docentes que atuam em turmas de 5º ano do EF, da rede pública municipal de Porto Velho/RO, percebem suas atividades de instrução em sala de aula e as contribuições dos processos de formação inicial e continuada para sua atuação docente”. A referida investigação está fundamentada em pressupostos teóricos na Teoria Histórico-Cultural (THC), essencialmente, em pressupostos de Lev Semenovitch Vigotski1 (1896-1934).

A escolha por desenvolver o estudo com professores que atuam nas turmas de 5º ano do EF ocorreu a partir de nossa vivência profissional na área da Educação. Percebemos que a formação de professores, implementada pela rede municipal de Porto Velho, ao longo das últimas décadas, acontece com maior frequência nos anos iniciais do EF, fortemente direcionada à alfabetização, especialmente aos professores do 1º e do 2º anos. Em se tratando dos 4º e 5º anos, as formações costumam estar focadas na implementação dos currículos para a instrução dos conteúdos a serem transmitidos aos estudantes e para treinamento sobre descritores avaliativos institucionais, sem, contudo, trabalhar com referenciais teóricos que fundamentem a atuação docente, subentendendo-se que esses profissionais já os têm definidos ou já dominam suas bases teóricas.

A pesquisa foi desenvolvida a partir do método dialético, direcionado a pesquisas educacionais sob a perspectiva histórico-cultural (ASBAHR, 2011; CASTRO, no prelo), no sentido de explicar a realidade pesquisada em suas múltiplas determinações, a partir da unidade de análise “relação entre a formação e a atuação do professor do 5º ano do EF”. Para este manuscrito, cujo foco está centrado nos processos de formação inicial, abordamos os resultados obtidos a partir do eixo analítico que denominamos “Contexto da formação de professores de Porto Velho/RO”, desenvolvido com base nas abstrações auxiliares: “formação inicial” e “práxis pedagógica”.

O artigo está assim estruturado: iniciamos problematizando acerca da formação inicial de professores voltada à práxis; na sequência, descrevemos e justificamos o percurso investigativo da pesquisa; em seguida, discutimos seus principais achados; e, por fim, encerramos com nossas considerações finais.

2 Formação inicial de professores para a práxis

Como sinalizam Silva e Souza (2022), diante dos dilemas e problemas atuais que influenciam a formação docente, é preciso pensar na profissão, sabendo que diversos elementos impactam a formação de professores, principalmente em um contexto repleto de contradições, como é no Brasil. Nos diferentes contextos educacionais, a formação de professores pode gerar leituras pedagógicas e culturais diversas - que produzem o caráter dialético dos processos educativos efetivados na práxis docente. Nessa linha de pensamento, defendemos a necessidade de identificar na ciência uma base epistemológica que sustente a formação de professores.

A formação inicial de professores, no Brasil, é propiciada pelo curso de Pedagogia e por outras licenciaturas. Conforme Libâneo (2001, p. 6), como uma ciência da Educação, a Pedagogia é “[...] um campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa”. Para o autor, a Pedagogia se ocupa do ato educativo pela formação do professor e se interessa pela prática pedagógica e pelas aprendizagens. Cabe à Pedagogia assegurar a orientação do futuro professor em sua prática docente futura.

Partindo dessa premissa, consideramos que a Pedagogia possui identidade e problemas próprios, que reconhece como campos de estudos os elementos que constituem os processos educativos, seus contextos históricos e culturais e as transformações humanas por eles ocasionadas. Saviani (2009, p. 3) acrescenta que “[...] a Pedagogia se desenvolveu em íntima relação com a prática educativa, constituindo-se como teoria ou ciência dessa prática”, sendo identificada em determinados contextos como o próprio modo intencional de realizar a Educação.

Para potencializar os conhecimentos necessários a essa formação, em uma perspectiva histórico-cultural voltada à formação de professores, utilizam-se atividades de instrução visando ao desenvolvimento dos aprendentes (VIGOTSKI, 2021). Nesse processo, a presença de alguém capaz de definir a estrutura pedagógica para o sucesso da instrução é o que constitui essa ciência. Para tanto, em cada período histórico, os meios educacionais vão se aprimorando e conceitos vão sendo definidos a partir da discussão das teses de educadores-pesquisadores.

Levando em consideração a afirmativa de que a escola estruturada favorece ao professor melhor planificar suas atividades de instrução, Saviani (2012), na mesma direção de Libâneo (2001), afirma que a escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao conhecimento elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse conhecimento pelos cidadãos.

Contudo, Carvalho e Martins (2017) salientam que existe uma dicotomia entre teoria e prática, recorrente nos debates sobre a formação de professores em nosso país, pois, em determinados momentos, a formação de professores tinha como base o modelo dos conteúdos culturais-cognitivos e, em outros, o foco centrava-se no modelo pedagógico-didático. Para o primeiro modelo, a formação dos professores deveria ocupar-se dos conteúdos a serem ensinados, pois a prática seria adquirida com a experiência docente ou com a formação em serviço. Já para o segundo modelo, a formação dos professores deveria ter como base o preparo pedagógico-didático.

Gatti (2017, p. 4) acrescenta que a esses profissionais são necessários conhecimentos teóricos e formas de agir socialmente “[...] nas relações em comunidades e as relativas ao nosso habitat natural” que exigem aprendizagens que se sustentam em “[...] conhecimentos e práticas culturais da didática e das metodologias relativas às relações educacionais intencionais recheadas com os conteúdos relevantes à vida humana e coletiva”. A autora alerta, no entanto, que não é de hoje que acontecem discussões acadêmicas e sociais sobre o distanciamento cultural das práticas de universidades e outras instituições de ensino superior em relação à educação básica. Mas os problemas mais discutidos, conforme Gatti (2017), estão centrados na ampla e complexa rede de instituições, públicas e privadas, em especial, as privadas, que ensinam a distância e que têm destinado, na composição e no desenvolvimento do currículo, pouco espaço aos estudos da Didática, às atividades de instrução e à Psicologia do desenvolvimento. A pesquisadora aponta que problemas nessas esferas produzem um afastamento dos cursos de formação inicial de referências formativas necessárias às demandas que se colocam para o trabalho educacional nas redes escolares e, principalmente, dentro das salas de aula (GATTI, 2017).

Entre as premissas teórico-epistemológicas para a formação inicial, destacamos aquelas vinculadas à Pedagogia que se inserem na tradição marxiana de uma Educação para a práxis. A práxis, para a filosofia marxiana, consiste em uma prática objetivada pela teoria, não sendo apenas uma prática utilitária: é a ação projetada, refletida, consciente, transformadora do natural e do social, e é entendida como relação dialética (MARX; ENGELS, 2010). Nessa filosofia, é importante compreender que a teoria e a prática estão dialeticamente relacionadas, pois a práxis não é toda e qualquer atividade prática, mas é a atividade de quem faz escolhas conscientes, necessitando, para isso, de teoria. Na articulação entre teoria e prática, para Mizukami (2013), na atividade de instrução, por exemplo, a teoria não deve ser vista apenas como um conjunto de regras a serem seguidas, mas como um recurso que permite ao professor contemplar, na sua prática, as necessidades da realidade educacional onde está constituída sua atuação docente.

Concebemos, com esse pensamento, a indissociabilidade entre teoria e prática, qualificadas para a atividade do trabalho docente. Na premissa de uma relação dialética entre ambas, é possível, no decorrer de seu trabalho, o professor incorporar elementos de articulação para uma efetiva práxis pedagógica, sustentada na compreensão da totalidade do real, que tanto é objetivação do homem e domínio da natureza como realização da liberdade humana (ASBAHR, 2011; MARTINS; LAVOURA, 2018) e possibilidade da emancipação (FREIRE, 2013).

Dando sentido ao entendimento de emancipação humana como processo dialético, entendemos que o trabalho do professor, assim como nas demais profissões, numa sociedade capitalista, é fruto do desenvolvimento histórico do trabalho. E as condutas dos professores, no exercício de sua profissão, podem, portanto, também significar a alienação social ou a emancipação humana a partir da forma de como está pautada a Educação, em especial, no processo de formação desses profissionais (DUARTE, 2010; SAVIANI, 2012).

À luz da THC, pela qual são problematizados e elaborados conceitos teóricos que trazem, na sua essência, a atividade humana como histórica e cultural, a formação de professores pode ser instrumento para a compreensão do desenvolvimento humano; e a práxis, nessa perspectiva, é pensada como uma dimensão humanizante e emancipatória que não pode ser descuidada. A formação de professores, segundo essa perspectiva, possibilita o repensar seu trabalho docente e a (re)elaboração de atividades de instrução, de modo permanente, a partir de articulações teóricas que avancem do senso comum a uma práxis pedagógica, permitindo que o professor atue como pesquisador e desenvolva suas práticas, bem como suas teorias, à medida que repensa suas ações: “[...] temos que pensar a formação do professor enquanto um processo que promova a sua própria humanização para além do senso comum” (FACCI, 2004, p. 250).

Acreditamos na importância de o professor estar sensibilizado em reconhecer que existe a possibilidade de um processo de transformação que não apenas modifica as representações dos sujeitos envolvidos, mas que fornece um novo sentido para a sua interpretação do fenômeno educacional, que produzirá reorientação em suas ações futuras. Essa prerrogativa marcou nossa proposição pela investigação crítica de questões atinentes à formação de professores que resultam no desenvolvimento de atividades de instrução que terminam por traduzir interesses que estão por detrás das propostas educacionais sistêmicas, dando direção ao trabalho docente do professor - como demonstraremos com os dados e as análises da pesquisa que desenvolvemos em 2021 sobre a formação e a atuação docente de professores de 5º ano da rede municipal de ensino de Porto Velho/RO.

3 Percurso investigativo

No percurso investigativo da pesquisa que empreendemos2, para a sua operacionalização, optamos por seguir as recomendações teórico-metodológicas de Asbahr (2011), Castro (no prelo) e Martins e Lavoura (2018) quanto ao uso do método dialético. A justificativa pela escolha desse método em nossa pesquisa se amparou na aproximação dos estudos desses pesquisadores com princípios da THC3.

Saviani (1991), ao discutir a necessidade de o educador brasileiro passar do senso comum para a consciência filosófica na compreensão do seu trabalho docente, indica o método dialético como instrumento para essa atividade e explica como isso se efetiva com a superação da etapa de senso comum educacional (conhecimento da realidade empírica da Educação), por meio da análise teórica (movimento do pensamento, abstrações), para a etapa da consciência filosófica (realidade concreta da Educação, concreta, pensada, realidade educacional plenamente compreendida).

Para esse movimento, são necessárias mediações, denominadas no método dialético como categorias centrais e categorias abstratas, essenciais ao fenômeno estudado (MARTINS; LAVOURA, 2018). Para Asbahr (2011), é o que Marx e Engels (2010) chamavam de abstrações, a unidade mais essencial de um fenômeno, e Vigotski (1999) denominava unidade de análise. Definimos, então, a unidade de análise relação entre a formação e atuação do professor de 5º ano do EF de Porto Velho/RO. Mediante o processo dialógico ocasionado pela definição da unidade de análise, aprofundamos dois eixos de análise, sendo destacado no presente artigo o que intitulamos “Contexto da formação de professores de Porto Velho/RO”, analisado com base nas abstrações auxiliares “formação inicial” e “práxis pedagógica”. Para tanto, partimos da avaliação que os professores fazem acerca do seu próprio processo formativo inicial e de como essa formação reverbera na sua atuação docente, tendo como referência a utilização de bases teórico-práticas por eles adotadas (ou não) em sala de aula.

Para conhecimento da realidade empírica a partir do objetivo definido para pesquisa, utilizamos o questionário misto (BAUER; GASKELL, 2017) com 23 questões, entre as quais nove perguntas abertas e 14 fechadas, disponibilizado via Google Forms de 10 a 20 de maio de 2021 a todos os dirigentes das escolas da rede municipal de ensino de áreas urbanas e rurais de Porto Velho/RO. Os gestores se responsabilizaram pelo envio aos professores que atuavam nas turmas de 5º ano do EF das escolas sob sua responsabilidade. Mesmo com todas as dificuldades de um contexto de pandemia global, a pesquisa alcançou 54 professores4 (17%) dos 322 que atuavam em turmas de 5º ano.

As questões 1, 2, 3 ,4, 7, 8, 15 e 16 do questionário misto, dos Blocos A, B e C, permitiram estabelecermos um perfil geral dos participantes. Dos 54 respondentes, 47 (87%) eram do gênero feminino e sete (13%) do gênero masculino. Esses mesmos percentuais, 87% e 13%, coincidentemente, também representaram, respectivamente, a localização da atuação dos participantes entre escolas urbanas e rurais.

Em relação à idade, estratificada por cinco grupos de faixa etária - 20 a 30 anos; 31 a 40 anos; 41 a 50 anos; 51 a 60 anos; e acima de 61 anos -, identificamos que o docente mais jovem possuía 25 anos e o mais experiente 69. A maioria dos participantes, 49%, encontrava-se na faixa de 41 a 50 anos. Todos os participantes possuíam formação inicial superior e a ampla maioria, 44 professores, possuía habilitação em Pedagogia para atuar nas séries iniciais do EF, o que representou 81% dos respondentes. Seis (11%) são habilitados em Letras-Português e outros quatro (8%), em Letras-Inglês, Letras-Espanhol, Matemática e Geografia.

A experiência dos participantes da pesquisa na educação básica é significativa. A maioria, 24 (44%), estava havia mais de dez anos atuando na docência; 19 (35%) atuavam entre seis e dez anos; nove (17%) entre um e cinco anos; e dois (4%) havia um período que compreendia entre 21 e 34 anos. Tratou-se de um grupo experiente de professores, todavia, a maioria dos participantes não possuía experiência tão expressiva com turmas de 5º ano do EF. O maior tempo de atuação, de 38 (70%) dos professores, compreendia até cinco anos; 14 (26%) atuavam entre seis e dez anos com 5º ano; e apenas dois (4%) entre 11 e 20 anos.

Com essa exposição inicial dos elementos fundamentais que levaram nossa investigação ao processo de reprodução ideal do movimento do sujeito-objeto real, passamos para a apresentação da síntese dos achados da pesquisa.

4 Formação inicial e atuação docente na percepção de professores de 5º ano da rede pública municipal de Porto Velho/RO

Iniciamos a síntese das análises pelas respostas às questões 12 e 14 do Bloco B do questionário misto: “Como você avalia a sua formação inicial para atuação nos anos iniciais do ensino fundamental?” e “Como você avalia sua formação inicial para a atuação como docente?”. Embora semelhantes, essas questões buscaram evidenciar proximidades das percepções dos professores em relação ao contexto de sua formação inicial, tanto em relação à sua atuação no 5º ano do EF como em experiências diferentes do 5º ano, pois, como revelado no perfil desses professores, 92% deles, desde seu ingresso na rede municipal, não haviam atuado exclusivamente em uma única série.

Em relação à avaliação da sua formação inicial para a atuação nos anos iniciais do EF, 18 (33%) professores revelaram considerar “Excelente” ou “Ótima” a formação que receberam; 19 (35%) afirmaram ter sido “Boa” ou “Muito boa”; para seis (11%) deles, a formação foi avaliada como “Mediana”; para quatro (8%), “Dentro do esperado”; para cinco (9%), “Razoável”; e para dois (4%), “Ruim”. Entre os 42 (75%) professores que avaliaram de forma positiva (excelente/ótima, boa/muito boa e dentro do esperado) sua formação inicial, cinco (12%) atribuíram esse mérito aos bons professores que tiveram na graduação, à base teórico-prática que receberam e ao fato de terem adquirido conhecimentos importantes para desempenhar a profissão, como destacamos na resposta de Nossa Senhora das Graças (2021): “Tive bons professores que me ajudaram a ser a profissional que sou hoje”.

O papel de colaboração que o professor deve exercer no desenvolvimento da atividade de instrução em sala de aula, de acordo com Vygotsky (1982) e segundo nossa experiência com formação inicial e continuada em Porto Velho/RO, pode despertar no estudante processos internos de desenvolvimento. Bons exemplos de professores universitários na formação inicial de docentes podem refletir de modo que os futuros professores possam agir da mesma forma nas escolas posteriormente.

Em se tratando da práxis, apesar da constante dicotomia apresentada por muitos professores em relação ao distanciamento entre teoria e prática nos processos de formação inicial, o participante Juscelino Kubitschek (2021) mencionou que a sua “boa formação” resulta da base teórica e prática que obteve: “Foi uma boa formação tanto teórica como prática”. Para a articulação teoria e prática, Gatti (2017) explica que são necessários, na formação dos professores, conhecimentos teóricos e formas de agir socialmente no local de trabalho. Conhecimentos e formas que são possíveis, especialmente, na aplicação das didáticas e nas intencionalidades educacionais.

Faremos uma relação, a seguir, entre os pensamentos de Saviani e Duarte (2012) e o que foi apresentado pelos participantes Triângulo, Baixa União e Mato Grosso quando relataram conhecimentos relevantes para a sua atuação profissional na formação inicial:

[...] foi através da mesma que adquiri conhecimentos relevantes para desempenho da minha função. (TRIÂNGULO, 2021).

Boa, pois, apesar de me sentir muito insegura no início da minha carreira profissional, ela me trouxe uma base. (BAIXA UNIÃO, 2021).

Correspondeu às exigências na época para a minha atuação em sala. (MATO GROSSO, 2021).

Saviani e Duarte (2012) consideram a necessidade de, na formação inicial de professores, os conteúdos curriculares de sua área de profissão também serem aqueles próprios ao domínio dos processos, das formas, ou seja, o conhecimento didático- -curricular. Ainda, segundo eles, são necessários conhecimentos pedagógicos que dizem respeito aos conhecimentos das teorias educacionais e a compreensão das condições histórico-culturais que determinam a tarefa educativa - o que requer a compreensão do movimento da sociedade. Nesse sentido, a perspectiva ideal para a formação do professor deve compreender o conhecimento do conteúdo, a formação didático-pedagógica e as condições históricas.

Outro destaque identificado nas respostas à questão 12 se refere aos que receberam formação no extinto Magistério, sendo os docentes elogiosos a essa formação em suas respostas. Dois (4%) revelaram a importância dessa formação para a sua atuação, sendo, inclusive, para eles, mais relevante do que a formação de nível superior:

Fiz Magistério. A Pedagogia foi mais um complemento superior. O antigo Magistério tenho certeza, para minha formação, foi o melhor! (IGARAPÉ, 2021).

Ótima, pois minha formação inicial foi o Magistério (ensino médio). O curso prepara melhor o futuro professor para a prática em sala de aula. (UNIÃO, 2021).

Conforme Saviani (2009), a habilitação específica em Magistério ocupou-se da formação do professor no período de 1971 a 1996, ao ser instituída a Lei nº 5.692/1971, que organizou a habilitação em Magistério em duas modalidades: uma com duração de três anos (2.200 horas), que habilitava o cursista a lecionar até a 4ª série; e outra com duração de quatro anos (2.900 horas), que habilitava o cursista à docência até a 6ª série. Apesar de Saviani (2009) afirmar que essa formação era precária e limitada, os participantes Igarapé e União imputam a essa formação a preparação mais adequada para atuarem como professores, inclusive, sendo melhor, segundo eles, do que a habilitação em nível superior. Isso porque, a nosso ver, habilidades técnicas “de como dar uma aula” acabam sendo preponderantes aos futuros docentes, ainda inseguros com relação ao quefazer em sala de aula, mesmo estando distante da ideia de práxis que defendemos aqui.

Percebemos ainda, nessa perspectiva, uma contradição com o destacado por Juscelino Kubitschek (2021), quando afirmou que, na formação superior, havia recebido “[...] boa base teórica e prática” para a atuação docente. A formação inicial pode ter propiciado a esses profissionais diferentes abordagens de como eles concebem essa relação. Ainda assim, percebemos essa contradição no cotidiano escolar materializada no discurso de professores que distanciam a base teórica da atuação em sala de aula, o “chão da escola”. A partir dessa contradição, doravante, devemos buscar mecanismos de superação da compreensão que uma parcela considerável de professores possui acerca da relação teoria-prática. Em nosso entendimento, não deveria haver esse conflito, pois há uma inter-relação entre elas, considerando um ser prático atuante e, ao mesmo tempo, ser pensante. É com a prática que se origina uma teoria, e o que existe é sempre a teoria de uma prática. A tensão entre elas não é apenas normal, como importante do ponto de vista da busca por sínteses que promovam a superação de problemas verificados na realidade escolar.

Mesmo a maioria apontando satisfação com a formação inicial recebida, para oito (22%) dos 37 professores, é importante dar continuidade ao processo formativo visando ao aprimoramento do trabalho docente:

[...] Não estou satisfeita em minha busca pelo conhecimento. Pretendo buscar a formação de mestrado em Educação. (TUCUMANZAL, 2021).

[...] reconheço que há sempre necessidade de me aprimorar, me atualizar para, assim, contribuir para o melhoramento da nossa educação. (NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS, 2021).

Foi suficiente para ter uma boa base, mas não é o suficiente e precisamos sempre estar nos atualizando. (INDUSTRIAL, 2021).

Foi bom, agora preciso de qualificação para a tecnologia. (MOCAMBO, 2021).

Contudo, embora 37 (69%) participantes afirmem que a formação inicial tenha sido positiva para atuar nos anos iniciais do EF, outros 17 (31%) a consideraram mediana, razoável, dentro do esperado e, até mesmo, ruim, como nos dois depoimentos que destacamos adiante:

A formação em Pedagogia apresenta um ilusionismo que a princípio deixa apaixonada pela educação, mas, ao encarar a realidade, percebemos que está bem distante do contexto educacional e seus enlaces. (FLODOALDO PONTES PINTO, 2021).

Construída pouco a pouco em um período de 15 anos de sala de aula, buscando conhecimento para uma boa base teórica e prática. Não estou satisfeita em minha busca pelo conhecimento. Pretendo buscar a formação de mestrado em Educação. (SOCIALISTA, 2021).

Os estudos de Gatti (2017) sobre formação inicial indicam que esse tipo de anseio dos professores de estarem em constante atualização profissional, já no exercício do trabalho docente, surge a partir de novas demandas que são identificadas no cotidiano escolar e que não podem ser respondidas apenas com os conhecimentos aprendidos nas licenciaturas. Essas demandas, segundo a autora, podem ser tensões advindas de contextos diversificados e da necessidade de apropriação de novas abordagens pedagógicas que podem auxiliar na atividade de instrução. Também podem corresponder a exigências de um sistema que impõe ao professor o ônus por resultados negativos em sistemas de avaliação, exigindo desse profissional que estude para melhorar sua prática.

Em uma linha de pensamento de aproximação entre teoria e prática, o participante Eletronorte (2021) sugere ampliar o tempo no Estágio Supervisionado, o que indica maior tempo para perceber o emprego das teorias estudadas no ensino superior: “Minha formação foi mediana, pois o curso ofertado [Pedagogia] deveria proporcionar mais horas de estágios”.

Essas respostas à questão 12 do questionário reforçam, uma vez mais, a dicotomia entre teoria e prática. Assim como Gatti (2017), apontamos como fundamental tanto mudar a concepção mais vigente sobre prática e teoria como opostas, como mudar a concepção de prática como mera aplicação direta de teorias aprendidas ou mediadas por técnicas, ou como uso mecânico de receituário de técnicas. E as respostas à questão 14 do Bloco B ratificam o posicionamento dos participantes sobre a avaliação que fazem da formação inicial para sua atuação docente, ao passo que oferecem mais elementos para analisarmos a relação entre formação e atuação. Eis adiante alguns dos 40 (74%) participantes que a avaliaram como positiva (excelente/ótima, boa/muito boa e dentro do esperado):

Ótima. Na qual pude unir a teoria da minha formação e a prática que já tinha para colocar em prática dentro de sala de aula. (CIDADE DO LOBO, 2021).

Minha formação inicial foi muito boa. Muitas das técnicas que aprendi na faculdade uso hoje como docente. (NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS, 2021).

Muito valiosa, considerando que a minha primeira formação foi o Curso profissionalizante do magistério. (TIRADENTES, 2021).

Entre os 17 (31%) que consideraram sua formação inicial mediana, razoável, dentro do esperado ou ruim para atuarem na docência, seis (33%), assim como na questão 12, destacaram fragilidade na relação entre teoria e prática, com destaque para as respostas adiante:

Só teoria. A construção do profissional se dá no chão da escola, buscando, estudando, trocando experiências. (FLODOALDO PONTES PINTO, 2021).

Atualmente considero que foram abordados muitos pontos, teorias interessantes e necessárias para o aprendizado e apropriação do conhecimento. Porém, seriam necessários mais estudos relacionados com a prática docente. (INDUSTRIAL, 2021).

Contribuiu bastante, mas a realidade da sala de aula é diferente da estudada na faculdade. (JARDIM ELDORADO, 2021).

Na teoria, muito boa, mas, na prática, o que acontece é que o professor sai da faculdade e termina aprendendo na escola. (TUPY, 2021).

Há novamente em destaque críticas à ênfase atribuída à teoria na formação inicial e à necessidade de aproximá-la com a prática. Carvalho e Martins (2017, p. 173) explicam que a permanente dicotomia entre teoria e prática tem permeado a formação em nosso país e discursos na escola: “[...] ora o pêndulo está na teoria, no conhecimento, no conteúdo a ser ensinado, ora está na prática, na didática, na forma de se ensinar”.

A fim de percebermos mais intensamente a relação da teoria com a prática que os participantes adotam em sua atuação docente, foi perguntado na questão 13: “Qual base teórico-prática da sua formação inicial que você adota em sua prática pedagógica?”. O conjunto de respostas que denominamos “Variadas” contém depoimentos de quatro participantes (8%) que citaram como referências José Carlos Libâneo, Jussara Hoffmann, Magda Soares e Lev Vigotski - citados uma única vez cada. Outros 21 participantes (39%) não conseguiram expressar com objetividade uma base teórico-prática apreendida de sua formação inicial e adotada em sua atividade docente, como expressado pelo participante Marcos Freire (2021): “Adoto práticas norteadoras para a formação de sujeitos que pensam a sociedade de forma coerente dos preceitos do ser mais”.

No que diz respeito às bases teórico-práticas apreendidas na formação inicial, 16 participantes (30%) responderam com exclusividade o construtivismo e seis (11%) indicaram ensino tradicional e construtivismo, totalizando 22 dos 54 participantes (41%). Este resultado corrobora os estudos de Duarte (2010), que salienta que as pedagogias mais difundidas nas duas últimas décadas estão pautadas no construtivismo, centrado no conhecimento do desenvolvimento “natural” da criança. Para Duarte (2010, p. 41), essas bases teóricas têm limites e riscos:

Nessa epistemologia, a gênese e o desenvolvimento do conhecimento humano são promovidos pelo esforço de adaptação do organismo ao meio ambiente. Os esquemas de ação e de pensamento, bem como as estruturas da inteligência, desenvolvem-se movidos pela ação recíproca e complementar entre, por um lado, o esforço feito pelo sujeito cognoscente na direção da assimilação do objeto de conhecimento às suas estruturas e esquemas mentais e, por outro, a resistência que o objeto pode oferecer a essa assimilação, gerando a necessidade de reorganização espontânea dessas estruturas e esquemas mentais para que eles se acomodem às características do objeto.

Por essa base teórica, do ponto de vista pedagógico, as atividades de maior valor são aquelas que promovem o processo espontâneo de construção do conhecimento. O processo ativo é mais importante do que aquilo que o estudante venha a saber por meio da educação escolar.

Em relação ao ensino tradicional, identificado como base teórico-prática por um número considerável de participantes, para Saviani (2005), é uma tendência pedagógica pautada na centralidade da instrução. A escola, nessa concepção, é pensada como uma agência centrada no professor, cuja tarefa é transmitir os conteúdos segundo uma gradação lógica, cabendo aos educandos assimilarem os conteúdos. Sob essa concepção, segundo o autor, a prática é determinada pela teoria que a molda, fornecendo--lhe tanto o conteúdo como a forma de transmissão pelo professor. Ao contrário da concepção anterior, pouco é atribuído à atividade do estudante no ensino tradicional.

A concepção pedagógica do educador e pensador Paulo Freire, presente em um número representativo de respostas, dez (18%) entre os 54 professores participantes, tem base dialógica que parte de questões problematizadoras e contrariam a ideia de educação bancária, entendendo que o conhecimento resultante da prática educativa é crítico e reflexivo, sendo a Educação um ato político (FREIRE, 2013). O querer bem aos educandos, ter alegria e esperança, ter liberdade e autoridade, curiosidade e consciência do inacabado são princípios que permeiam a prática dos professores a partir da concepção freireana. Contudo, devemos considerar que se dizer freireano se tornou um chavão entre muitos professores brasileiros, alguns dos quais pouco ou nada aprofundaram suas ideias.

Dentre os 54 participantes, apenas um (2%) citou Vigotski, não sendo citado como uma única referência nessa única resposta, de Juscelino Kubitschek (2021): “Na base teórica, vimos muito sobre Piaget, Vigotski e Paulo Freire, e suas contribuições são muito relevantes na nossa prática pedagógica”. Nossa dedução é de que Vigotski e, por consequência, outros autores vinculados à THC não têm sido aprofundados na formação inicial - distanciando futuros professores desse referencial teórico. Acreditamos que, se essa teoria fosse mais trabalhada na formação inicial, nos cursos de Pedagogia, principalmente, equilibrar-se-ia a supremacia construtivista de perspectiva piagetiana, que parte da condição biológica humana, para um número maior de professores que adotassem a perspectiva vigotskiana - com base no desenvolvimento histórico e culturalmente mediado (CASTRO, 2014; DUARTE, 2010; SAVIANI, 2005; VYGOTSKY, 1982).

De maneira geral, verificamos certa diversidade nas respostas entre os referenciais mencionados. Essa diversidade pode expressar indefinição de um direcionamento planejado das políticas públicas por um lado, mas, por outro, também revela certo direcionamento de políticas de formação de base construtivista, como vem sendo alertado por Saviani (1991, 2005) há mais de quatro décadas.

É preocupante, nas análises, outrossim, identificar que 21 (39%) dos participantes não conseguem sequer apontar uma teoria que embase ou auxilie seu trabalho docente. Revela-se aqui outra importante contradição verificada, já que esses 15 (71%) professores não só avaliaram como positiva a formação inicial, como a apontaram como sendo “muito teórica”. É difícil imaginar, em nossa percepção, a não utilização de fundamentos teóricos nas situações reais do cotidiano escolar, como manifestaram os professores. Pode ser o caso de, consciente e deliberadamente, optarem por não utilizar nenhum referencial teórico, mas, em nossa longa experiência com processos de formação nas escolas de Porto Velho/RO, não nos parece ser esse o caso. Por trás de toda prática, consciente ou inconsciente, existe uma epistemologia que constitui essa prática dentro de sala de aula.

O participante Aeroclube (2021), que exaltou o magistério como base relevante para sua formação, não conseguiu destacar uma base teórica que o subsidie em sua atuação: “A minha base vem do magistério, onde aprendi muitas práticas, e do ensino superior, do curso de Pedagogia, aprendi as teorias”. Essa situação nos leva a inferir que, neste caso, além da dicotomia explícita, é dada maior importância à prática do que à base teórica, não parecendo ser tão relevante para esse professor adotar uma referência no planejamento e no desenvolvimento da sua atividade de instrução junto aos estudantes.

Na discussão desse eixo de análise, que tratou do contexto da formação dos professores e que teve a “formação inicial” e a “práxis pedagógica” como abstrações auxiliares (ASBAHR, 2011; CASTRO, no prelo) para as análises do que foi coletado no questionário misto, buscamos identificar como a formação inicial reverbera na atuação docente, dispondo como referência a utilização de bases teórico-práticas por eles mencionadas para desenvolverem suas atividades de instrução. Nas análises, identificamos que a avaliação da formação inicial para a atuação docente é positiva para 40 participantes (74%), enquanto é negativa para 14 deles (26%).

É importante salientar que, dentre as 54 respostas, em 21 (39%) os participantes não conseguiram definir com clareza sequer um referencial teórico que subsidie sua prática e, desses 21 respondentes, 15 (71%) avaliaram como positiva sua formação inicial. Destacamos deste eixo de análise ainda que dois (25%) dos oito participantes que indicaram a necessidade de continuidade de seus processos formativos expressaram a vontade de ingressar numa formação stricto sensu, a qual os ajude, possivelmente, a superar lacunas da formação inicial e das formações continuadas recebidas, como expressou Baixa União (2021): “Minha formação inicial foi dentro do esperado para o curso de Pedagogia, mas gostaria de fazer um mestrado na área da Educação”.

Para Facci (2004), a continuidade dos estudos permite que o professor atue como pesquisador, desenvolvendo suas práticas e suas teorias, possibilitando uma práxis pedagógica. Essa concepção de formação, como apontado por Nossa Senhora das Graças (2021), aproxima o desejo do professor de continuar os estudos e de contribuir para melhorar a Educação: “De acordo com a minha formação, me sinto apta para trabalhar nas séries iniciais, mas reconheço que há sempre necessidade de me aprimorar e de me atualizar para, assim, contribuir para o melhoramento da nossa educação”.

Como afirma Mizukami (2013, p. 23), “[...] a docência é uma profissão complexa e, tal como as demais profissões, é aprendida”. Objetivando munir os professores de sólidas teorias e práticas eficazes, Carvalho e Martins (2017) defendem que, nas disciplinas de Didática e de Metodologias do Ensino, os estudantes devam receber o devido preparo didático-pedagógico para ensinar os conteúdos, mas, em complemento à Didática, devem ser conhecedores profundos dos conteúdos das diferentes áreas do conhecimento pelas quais serão responsáveis. Para Saviani (2012), as teorias só são elaboradas para solucionar problemas postos pela prática social. Portanto, a teoria não existe sem a prática e a prática não existe sem a teoria. Saviani (2012) alerta que a teoria sem a prática é verbalismo e que a prática sem a teoria é ativismo.

Consideramos essenciais as contribuições dos Fundamentos da Educação para o curso de Pedagogia, como nos moldes propostos por Saviani (2012), assim como as reformulações suscitadas por Carvalho e Martins (2017), pois valorizam o trabalho docente mediante o aperfeiçoamento das licenciaturas com formação teórica fundamentada na prática, de maneira que os professores consigam perceber isso no seu cotidiano pedagógico, respondendo a questões pedagógicas e buscando alternativas teóricas para auxiliá-los. Assim como indicado pelos professores participantes de nossa pesquisa, e, neste ponto, concordamos com eles, por si só, a formação inicial não é capaz de esgotar a formação do professor em todos os âmbitos. Desse modo, consideramos essencial a continuidade da formação, com vistas ao constante aperfeiçoamento da atividade docente.

6 Considerações finais

No decorrer deste artigo, expusemos resultados e discussões oriundos de uma pesquisa com ênfase nas relações entre os contextos da formação inicial e da atuação de professores de 5º ano do EF de escolas públicas de Porto Velho/RO. A pesquisa contou com 54 professores, que responderam a um questionário misto, disponibilizado on-line via Google Forms. Suas respostas foram analisadas mediante o método dialético, com base nos pressupostos metodológicos de Asbahr (2011) e Castro (no prelo) para pesquisas educacionais baseadas na THC.

A avaliação amplamente positiva da formação inicial (75%) foi atribuída pelos professores respondentes, fundamentalmente, aos “bons docentes” que haviam tido na graduação, à base teórico-prática que haviam recebido - adquirindo conhecimentos importantes para desempenharem a profissão docente, sendo essas as principais razões. Dentre os 42 professores que avaliaram como positiva sua formação inicial, oito (19%) consideram importante dar continuidade a seus processos formativos como meio de atualização profissional, justificando que os referenciais teórico-práticos recebidos não atendem, na totalidade, às suas reais necessidades, que vão para além da formação inicial recebida. Esse resultado se coaduna com os estudos de Facci (2004) e Gatti (2017) sobre esse tipo de anseio dos professores, após a formação inicial, no exercício do trabalho docente.

Entre os que se referiram negativamente à sua formação inicial, 12 (25%) atribuíram tal avaliação, principalmente, ao distanciamento do curso de Pedagogia da realidade educacional das escolas e à excessiva carga horária destinada ao ensino de “teorias”, em detrimento da prática. Percebemos, neste ponto, forte dicotomia entre teoria e prática, em uma espécie de concorrência entre ambas. Essa permanente dicotomia entre teoria e prática, que permeia o contexto educacional brasileiro (CARVALHO; MARTINS, 2017), é uma retórica também amplificada pelos professores de 5º ano de Porto Velho/RO Para dois desses professores (8%) que avaliaram como negativa a formação inicial, inclusive, a formação técnica do antigo magistério é considerada mais relevante para a sua atuação docente do que a formação superior em Pedagogia, pois, em sua visão, a primeira atende mais às necessidades de sala de aula.

Os resultados sobre a base teórica utilizada na atuação docente indicam amplo reconhecimento e utilização do construtivismo, corroborando os alertas de Duarte (2010) sobre serem mais difundidas no Brasil as teorias pedagógicas pautadas nesse referencial, incidindo também sobre as políticas de formação, como vem sendo sinalizado há mais de três décadas por Saviani (1991, 2005, 2009, 2012). A pesquisa evidenciou ainda a quase nula referência, na formação inicial dos professores pesquisados, à THC, mencionada por apenas um deles, que citou Vigotski junto a outros autores. A pouca atenção atribuída a esse construto teórico na formação inicial distancia os futuros professores dessa base teórica.

A realidade diagnosticada em Porto Velho/RO ratifica a tese de Facci (2004), que enfatiza a importância da permanente relação dialética entre as condições objetivas e subjetivas do trabalho docente, não permitindo que as objetivas limitem o acesso, a efetivação e a qualidade dos processos formativos dos professores do EF. A unidade de análise estabelecida, relação entre a formação e atuação do professor de 5º ano do EF de Porto Velho/RO, com base em achados e contradições que expusemos em nosso estudo, indica que essa relação, indecomponível, precisa ser mais compreendida pelos professores.

Comungamos das teses de Duarte (2010), Gatti (2017) e Saviani (2012), quando esses pesquisadores defendem que, no processo de formação de professores, os conteúdos curriculares de sua área de profissão também sejam aqueles próprios ao domínio dos processos, das formas e do conhecimento didático-pedagógico. Na pesquisa, foram reveladas e problematizadas contribuições para avançar no debate sobre a relação entre a formação e a atuação do professor. Todavia, defendemos que é possível (e necessário!) manter e intensificar debates e estudos nessa área.

1 Lev Semionovitch Vigotski tem a grafia de seu nome escrita diferentemente na academia. Neste texto, optamos pela forma adotada por Prestes (2010): Vigotski (mantendo as grafias originais das obras citadas).

2 A referida investigação foi desenvolvida no âmbito do grupo de pesquisa “Histcult - Educação, Psicologia Educacional e Processos Formativos” (UNIR) e faz parte do projeto de pesquisa “Intervenções Pedagógicas em Rondônia: inovação educacional e produção de conhecimento em Educação” (Portaria nº 81/2019/Propesq/UNIR). Esse projeto de pesquisa integra o programa de pesquisa denominado “Educação e Psicologia Histórico-Cultural: investigações teórico-práticas de processos educativos na Amazônia Ocidental” (Portaria nº 70/2019/Propesq/UNIR).

3 Pesquisa aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), sob parecer número 4.389.284 e certificado de apresentação para apreciação ética (CAAE) número 37443120.5.0000.5300.

4 Nomes e informações pessoais dos participantes não serão revelados, por critérios de confidencialidade. Os professores que participaram da pesquisa estão identificados no texto pelos nomes dos bairros da cidade de Porto Velho/RO.

7 Referências

ASBAHR, F. S. F. “Por que aprender isso, professora?”: sentido pessoal e atividade de estudo na psicologia histórico-cultural. 2011. Tese (Doutorado em Educação Escolar) - Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. [ Links ]

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Recebido: 07 de Novembro de 2022; Aceito: 12 de Dezembro de 2022; Publicado: 17 de Fevereiro de 2023

Epifânia Barbosa da Silva, Universidade Federal de Rondônia, Secretaria de Educação do Município de Porto Velho, Pedagoga. Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar (PPGEEProf) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Supervisora escolar da Secretaria de Educação de Rondônia (Seduc/RO). Especialista em assuntos educacionais da Secretaria Municipal de Educação de Porto Velho (Semed). Contribuição de autoria: Escrita - revisão e edição. E-mail: epifaniab@gmail.com

Rafael Fonseca de Castro, Universidade Federal de Rondônia, Departamento Acadêmico de Ciências da Educação, campus Porto Velho, Doutor, mestre e especialista em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Pós-Doutor em Ensino de Ciências e Humanidades pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM - Humaitá). Pedagogo e cientista da computação pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar (PPGEEProf) e líder do grupo de pesquisa Histcult - Educação, Psicologia Educacional e Processos Formativos da UNIR. Contribuição de autoria: Escrita - primeira redação. E-mail: castro@unir.br

Pareceristas ad hoc: Ana Carolina Simões Cardoso e Jader Janer Moreira Lopes

Editora responsável: Lia Machado Fiuza Fialho

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