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Educação & Formação

On-line version ISSN 2448-3583

Educ. Form. vol.9  Fortaleza  2024  Epub Aug 29, 2024

https://doi.org/10.25053/redufor.v9.e12344 

Artigos

Uma análise sobre a percepção de professoras iniciantes acerca da participação em um programa de indução

Un análisis de la percepción de los docentes principiantes sobre la participación en un Programa de Inducción Docente

Jéssica Francine Ferreira da Silva Alarconi 

Doutoranda em Educação pela UFSCar. Professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil na rede municipal de ensino de São Carlos, São Paulo. Dedica-se principalmente aos estudos sobre identidade profissional, base de conhecimentos para o ensino e processos de raciocínio pedagógico.

, Análise formal, conceituação, curadoria de dados, escrita - primeira redação, escrita - revisão e edição, investigação, metodologia
http://orcid.org/0000-0002-8303-2467; lattes: 6409780426691677

Brenda Karla Reis de Carvalhoii 

Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFSCar. Graduada em Letras/Inglês pela Universidade Estadual do Piauí (Uespi).

, Análise formal, conceituação, curadoria de dados, escrita - primeira redação, escrita - revisão e edição, investigação, metodologia
http://orcid.org/0000-0003-1434-0017; lattes: 4712956217323882

Aline Massako Murakami Tibaiii 

Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFSCar. Graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas).

, Análise formal, conceituação, curadoria de dados, escrita - primeira redação, escrita - revisão e edição, investigação, metodologia
http://orcid.org/0000-0002-4093-265X; lattes: 2952826046292890

Aline Maria de Medeiros Rodrigues Realiiv 

Professora sênior do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFSCar. Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Líder do grupo de pesquisa Formação Básica e Continuada de Professores.

, Administração do projeto, análise formal, obtenção de financiamento, supervisão, validação, visualização
http://orcid.org/0000-0003-4915-8127; lattes: 3250195451890332

iUniversidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil. E-mail: jessicaferreira@estudante.ufscar.br

iiUniversidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil. E-mail: brendacarvalho@estudante.ufscar.br

iiiUniversidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil. E-mail: alinetiba12@gmail.com

ivUniversidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil. E-mail: alinereali@gmail.com


Resumo

Objetivou-se analisar a percepção de professoras iniciantes acerca da participação em um programa de mentoria buscando entender quais os desdobramentos para a atividade docente. Foram analisadas 18 respostas abertas de um questionário misto. Na organização e análise dos dados, elaboraram-se as seguintes categorias: expectativas iniciais sobre o programa de mentoria; percepções acerca do Programa Híbrido de Mentoria para a atuação docente; processos reflexivos. De modo geral, as análises revelaram que o programa se configurou como um cenário propício para a promoção do desenvolvimento profissional das professoras iniciantes. As percepções das iniciantes sugerem que a participação dialogada e formativa, construída de forma colaborativa com as mentoras, promoveu, aos poucos, autonomia para pensarem nas suas práticas pedagógicas, refletirem mais criticamente sobre sua atuação, construírem conhecimentos específicos sobre a profissão, além de exercitarem seu autoconhecimento, sugerindo seu reconhecimento e pertencimento na profissão.

Palavras-chave: desenvolvimento profissional docente; aprendizagem da docência; Programa de Indução Docente; narrativas

Resumen

El objetivo de este estudio fue analizar la percepción de docentes principiantes sobre su participación en un programa de mentoría buscando comprender las consecuencias para la actividad docente. Se analizaron un total de 18 respuestas abiertas a un cuestionario mixto. En la organización y análisis de los datos, se elaboraron las siguientes categorías: expectativas iniciales sobre el programa de mentoría; percepciones sobre el Programa para la enseñanza; procesos reflexivos. En general, los análisis revelaron que el programa se configuró como un escenario propicio para la promoción del desarrollo profesional de los principiantes. Las percepciones de los principiantes sugieren que la participación dialogada y formativa, construida en colaboración con los mentores, promovió gradualmente la autonomía para pensar sobre sus prácticas pedagógicas, reflexionar más críticamente sobre su desempeño, construir conocimientos específicos sobre la profesión, además de ejercitar su autoconocimiento, sugiriendo su reconocimiento y pertenencia a la profesión.

Palabras clave: desarrollo profesional docente; aprendizaje de la enseñanza; Programa de Inducción Docente; narrativas

Abstract

The objective was to analyze the perception of beginning teachers about participation in a mentoring program, seeking to understand the consequences for teaching activity. Eighteen open-ended responses from a mixed questionnaire were analyzed. In the organization and analysis of the data, the following categories were elaborated: initial expectations about the mentoring program; perceptions about the Hybrid Mentoring Program for teaching performance; reflective processes. In general, the analyzes revealed that the program was configured as a favorable scenario for the promotion of the professional development of beginning teachers. The perceptions of the beginners suggest that the dialogued and formative participation, built collaboratively with the mentors, gradually promoted autonomy to think about their pedagogical practices, reflect more critically on their performance, build specific knowledge about the profession, in addition to exercising their self-knowledge, suggesting their recognition and belonging in the profession.

Keywords: teacher professional development; teaching learning; Teacher Induction Program; narratives

1 Introdução

Este artigo teve como objetivo analisar a percepção de professoras iniciantes (PIs) acerca da participação em um programa de indução, buscando entender quais os desdobramentos para a atividade docente, por meio da leitura e interpretação de 18 respostas abertas de um questionário misto.

O referido programa, que contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), teve duração de 2017 a 2020 e visava assessorar professores em sua inserção profissional, no intuito de apoiá-los nessa etapa da carreira e auxiliá-los a atuar autonomamente. Para isso, contou com o suporte de professoras experientes - denominadas de mentoras - que, por meio de atividades periódicas e contextualizadas, buscavam promover a formação e colaborar com o desenvolvimento profissional dos iniciantes.

Para alcançar o objetivo proposto inicialmente, entendemos que as narrativas podem ser fundamentais no processo investigativo, uma vez que dão visibilidade às concepções e ideias e podem revelar as vozes dos professores (Souza, 2014).

O artigo foi dividido em quatro seções. Nos Aportes teóricos, discorremos sobre a formação docente e a aprendizagem da docência; os programas de indução e de mentoria, especialmente sobre o programa de mentoria - cenário deste estudo; as narrativas; a reflexão e os processos reflexivos. Na Metodologia, destacamos o viés da pesquisa e as escolhas teórico-metodológicas, assim como o processo de coleta, organização e análise dos dados, apresentando as categorias construídas. Na Análise e discussão dos dados, apresentamos os registros das respostas dos questionários, a partir das categorias elaboradas, tecendo discussões com base nos princípios teóricos que fundamentam este estudo. Nas Palavras finais, fizemos uma síntese das análises e discussões e indicamos as revelações e contribuições deste trabalho para a área de Formação de Professores.

2 Aportes teóricos

A formação docente corresponde a um continuum, sendo esse um processo permanente que ocorre ao longo da vida dos professores (Tardif, 2002). Do mesmo modo, a aprendizagem da docência é um processo contínuo que pode ser relacionado às diferentes fases da vida: a que antecede a formação inicial; a formação inicial; o início da carreira e o desenvolvimento profissional (Reali; Tancredi; Mizukami, 2008).

A aprendizagem da docência ocorre anteriormente ao ingresso na formação inicial e se prolonga durante toda a trajetória profissional. Desse modo, os professores também aprendem e se desenvolvem por meio da prática e experiência profissional, sendo necessário movimentar os aprendizados teóricos apreendidos na formação inicial e ao longo do desenvolvimento pessoal e profissional (Goodson, 2004). Nesse processo, com o passar do tempo, as necessidades e demandas formativas dos docentes - mesmo não sendo as mesmas para cada um - se modificam de acordo com as fases de sua carreira (Marcelo, 2010).

Segundo Huberman (2000), a entrada na carreira corresponde aos primeiros 2-3 anos de atuação e apresenta um estado de “sobrevivência” e “descoberta”. A sobrevivência diz respeito a um choque de realidade inicial, ao confronto entre a complexidade e imprevisibilidade das situações da profissão com os ideais e as expectativas anteriores à atuação. A descoberta, em contrapartida, refere-se ao entusiasmo inicial de se sentir parte de um corpo profissional docente. Os estados de sobrevivência e de descoberta costumam ser vivenciados em paralelo, sendo o estado de descoberta o alicerce ao enfrentamento do choque de realidade - importante fator para que os docentes permaneçam na carreira.

A literatura vem apontando que os anos iniciais da docência podem representar uma fase carregada de tensões, desafios e aprendizagens (Lima, 2006; Papi; Martins, 2010; Príncipe; André, 2019). É nesse momento que ocorre a transição de aluno para professor e, quando este inicia na carreira, pode se deparar com uma realidade totalmente diferente daquilo que esperava (Lima, 2006).

Diante dessas e de diversas outras dificuldades, o ingresso na carreira docente pode ser concebido como a fase mais complexa de aprendizagem e do desenvolvimento profissional, por envolver uma etapa importante da estruturação da prática (Papi; Martins, 2010). Cruz, Farias e Hobold (2020, p. 3) assessoram a discussão ao destacarem que nessa fase o professor:

[...] busca incorporar, compreender e se integrar de maneira mais densa à cultura docente, à cultura escolar e se familiarizar com os códigos e normas da profissão. Um tempo, portanto, decisivo na história profissional do professor e com repercussões determinantes no seu futuro e na sua relação com o trabalho.

O início da docência se configura, portanto, como um período muito delicado. As frustrações, ocasionadas por um conjunto de desafios podem ser vivenciadas na solidão e no isolamento. Esse cenário pode levar o docente a enfrentar crises profundas e dolorosas, fazendo com que repense suas escolhas e, em situações mais agravantes, que até desista da profissão (Marcelo, 2010).

Partilhando dessas premissas, os programas de indução estão entre as alternativas de apoio aos iniciantes e podem oferecer subsídios para que enfrentem o ingresso na profissão de forma menos traumática (Reali et al., 2018). Cruz, Farias e Hobold (2020, p. 6) destacam, a partir de estudos de Marcelo (1993, 1999), que a indução é um tempo:

[...] de aquisição de conhecimentos e competência profissional por parte do professor iniciante, que tem necessidade de ações sistematizadas de acompanhamento ao trabalho docente, seja por meio de programas de indução, via políticas públicas, ou outras ações voltadas para essa finalidade.

O conceito de indução, no entanto, não apresenta um sentido único e congruente entre a comunidade acadêmica, mas pode implicar uma compreensão crítica, associada a “[...] questões relacionadas às condições objetivas e subjetivas de trabalho vividas pelos professores” (Cruz; Farias; Hobold, 2020, p. 6).

Para Marcelo (1993, p. 227, tradução nossa), as atividades que se desenvolvem nos programas de indução implicam “[...] proporcionar informação, assessoramento e supervisão ao professor iniciante [...]”. Cruz, Farias e Hobold (2020) complementam que os estudos de Marcelo denotam uma gama de estratégias que se voltam para a construção da ideia de mentoria.

Os programas de mentoria - iniciativa na qual professores experientes acompanham e assessoram professores principiantes -, embora possam variar na ênfase atribuída às diversas e diferentes demandas dos iniciantes, objetivam trabalhar a autonomia e o desenvolvimento profissional dos professores (Reali; Tancredi; Mizukami, 2008).

Apesar dos diferentes enfoques que podem ter, os programas de mentoria devem pautar-se na confiança e no apoio mútuo entre professores experientes e principiantes. A assessoria dos mentores também deve subsidiar a socialização na cultura escolar, focalizando as necessidades situadas e contextualizadas (Borges, 2017).

De acordo com Reali, Tancredi e Mizukami (2008, p. 86):

[...] a literatura vem indicando que os mentores geralmente devem ser professores experientes, veteranos nas experiências cotidianas de sala de aula e dos assuntos da escola, que podem auxiliar os professores iniciantes a aprenderem a filosofia, os valores culturais e a estabelecer um repertório de comportamentos profissionais esperado pela comunidade escolar em que atuam.

É importante enfatizar, todavia, que não basta ser um professor experiente para ser um mentor. A mentoria é um processo complexo que exige tempo, formação e constante aperfeiçoamento de habilidades e aprendizados (Moir et al., 2009). Muito embora alguns estudos indiquem que nem sempre se exige uma formação específica para o desempenho da função de mentor, assumindo que a própria experiência seja suficiente para tal atuação (Marcelo; Vaillant, 2017), neste estudo concebemos que não necessariamente um bom professor experiente se converterá em um bom mentor. É necessário passar por um processo específico de formação para a mentoria (Borges, 2017).

Na mentoria, enquanto os professores experientes (mentores) auxiliam os iniciantes a lidarem com os desafios e as dificuldades específicas dessa fase da carreira, também se formam e se desenvolvem como formadores (Marcelo, 1999). Logo, ao mesmo tempo que desenvolvem suas práticas nos processos de mentoria, também podem treinar, pesquisar, testar, etc. Esse processo favorece a formação não apenas dos iniciantes, como também dos experientes (Moir et al., 2009).

Ainda, para que essa estratégia seja válida e potencialize o desenvolvimento profissional dos professores, é importante mencionar a atuação das instituições formadoras, sejam elas as escolas, universidades e/ou até em colaboração mútua. Essas instituições podem promover o suporte necessário aos licenciandos, aos egressos e aos que estão nos primeiros anos de atuação, por meio da parceria com professores experientes, propiciando condições de aprendizagem favoráveis ao seu exercício profissional. Nesse sentido, por meio de uma parceria entre universidade e escola, o Programa Híbrido de Mentoria (PHM) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), cenário deste estudo, ofertou formação específica aos professores experientes para que pudessem atuar como mentores de professores iniciantes.

A partir de um referencial construtivo-colaborativo (Cyrino, 2016; Mizukami, 2003) e de uma perspectiva híbrida (articulação de atividades virtuais [on-line] e presenciais; relação entre escola e universidade; e entre teoria e prática), o referido programa teve por objetivo investigar seus limites e contribuições para o desenvolvimento profissional de docentes experientes e iniciantes que atuam em diferentes esferas de ensino (Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos).

As professoras experientes tiveram uma formação específica de caráter contínuo para se tornarem mentoras. Tal formação foi elaborada pelas professoras coordenadoras do projeto. O trabalho com as principiantes ocorreu de maneira virtual e se iniciou com o letramento digital, em que foram realizadas atividades para habituá-las no ambiente virtual. Em seguida, as mentoras partiram para o acompanhamento, em que atividades individualizadas foram propostas para cada PI, com base nas demandas formativas evidenciadas (seja a pedido direto das iniciantes ou por meio do olhar sensível e experiente das mentoras).

Com relação ao referencial construtivo-colaborativo (Cyrino, 2016; Mizukami, 2003) do programa, assumir essa perspectiva implicou a participação ativa de todos os integrantes do grupo, bem como a valorização de seus conhecimentos, opiniões, objetivos e, principalmente, assunção de responsabilidades, tomada de decisões e resultados sobre o/do trabalho.

Além disso, um dos objetivos principais foi assegurar aos participantes compreensão e participação em todas as fases do processo de intervenção e investigação, tendo em vista que professores envolvidos em processos colaborativos de inquirição podem ter mudanças na prática e reflexividade, bem como na construção de aprendizagens (Cyrino, 2016; Mizukami, 2003). Diante disso, a reflexão e os processos reflexivos também são pontos de destaque e importância no supracitado programa de mentoria.

Rodgers (2002) explicita que a reflexão é um processo de criação de sentido e construção de conhecimentos que ocorre por meio de conexões entre experiências e ideias. Esse movimento entre experiências é o que possibilita que o aprendizado seja contínuo. A reflexão é um tipo de pensamento que requer um sistema rigoroso e disciplinado para ocorrer. Precisa ser situada individualmente e em comunidade. Ademais, torna-se fundamental que o ato reflexivo esteja entrelaçado com atitudes como mente aberta, disposição para aprender, responsabilidade e diretividade (Rodgers, 2002).

Schön (1983) contribui para a discussão por meio da ideia de profissional reflexivo. Alguns princípios elaborados por Schön (1983) são os de “reflexão na ação”, “reflexão sobre a ação” e “reflexão sobre a reflexão na ação”. O primeiro se refere ao ato reflexivo durante a prática, articulando os pensamentos do docente de forma mais rotineira, espontânea e natural. O segundo significa uma pausa para refletir após o momento da ação docente, no intuito de reorganizar pensamentos e atitudes, com vistas ao atingimento dos propósitos de ensino. Posteriormente, pode ocorrer a reflexão sobre a reflexão na ação, em um processo mais avançado de meta-análise sobre o que levou a tomar certa atitude naquele determinado momento da ação.

Diante do exposto, as narrativas podem ser instrumentos poderosos na promoção de processos reflexivos e potencialização do desenvolvimento profissional docente, isso porque, ao narrar, o indivíduo precisa reorganizar e ressignificar o pensamento sobre as experiências de história de vida, formação e prática profissional (Oliveira; Gama, 2014).

Nas palavras de Reali, Tancredi e Mizukami (2010, p. 501): “[...] se tornar um professor reflexivo por meio da redação de narrativas envolve mais do que o domínio de algumas técnicas de construção de produções escritas. Envolve aprender a pensar reflexivamente”.

As reflexões empreendidas a partir do ato de narrar podem produzir aprendizagens sobre a docência por meio de aspectos mais profundos, porque o falar de si envolve sentimento, significação e sentido (Oliveira; Gama, 2014), enquanto “[...] o sujeito organiza suas idéias [sic] para o relato - quer escrito, quer oral - ele reconstrói sua experiência de forma reflexiva e, portanto, acaba fazendo uma auto-análise [sic] que lhe cria novas bases de compreensão de sua própria prática” (Cunha, 1997, p. 187). Acreditamos, portanto, que se configuram como instrumento ideal para analisarmos a participação das professoras iniciantes no programa de mentoria e as implicações e os desdobramentos dessa participação para a atividade docente.

3 Metodologia

Esta pesquisa, de caráter qualitativo, propõe o uso das narrativas como instrumento de apreensão dos dados, devido à compreensão de que são importantes ferramentas de formação e de pesquisa (Souza, 2014).

O aspecto formativo das narrativas para os professores consiste, principalmente, na possibilidade de propiciar a reflexão sobre o vivido e na criatividade ao tomar decisões acerca da atuação docente. Pode ser um processo de autoconhecimento e transformação das práticas. No âmbito da investigação, possibilita pesquisar os pensamentos dos professores, suas vivências e seus discursos narrativos. Narrativas são fontes que permitem conhecer conjunturas históricas e culturais dos contextos. Possibilitam ainda ouvir os professores, suas inquietações, aprendizagens e perspectivas (Oliveira, 2011).

Diante do exposto, pautamo-nos em uma análise descritivo-interpretativa das narrativas das iniciantes, a fim de oferecer maior atenção aos significados que elas atribuem aos seus registros e reflexões, bem como às interpretações das investigadoras acerca dos sentidos e sujeitos (Santos, 2009). Buscamos concentrar a preocupação no desenvolvimento e na complexidade das participações das iniciantes no programa de mentoria e nos significados que elas dão aos seus processos de aprendizagens e desenvolvimento profissional docente por meio dessa participação. Assumimos, desse modo, uma leitura representacional e interpretativa das narrativas das iniciantes no que se refere à análise dos dados.

Para a coleta de dados, aplicamos um questionário misto (com perguntas de respostas abertas e fechadas) composto por quatro blocos, com o propósito de investigar diversos aspectos concernentes ao exercício docente que se refletem na atuação das professoras iniciantes, bem como a influência do programa de mentoria no desenvolvimento profissional dessas professoras. As docentes foram referenciadas, neste trabalho, de acordo com seu número de identificação no questionário (gerado automaticamente). Salientamos que os dados foram coletados mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e aprovação do projeto de pesquisa no Comitê de Ética da universidade (número do processo: 68415717.8.0000.5504Y).

Foram colaboradoras da pesquisa 18 professoras iniciantes, que atuam em diferentes esferas de ensino: Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos.

Selecionamos, para a análise, as questões abertas relativas à participação no programa de mentoria e os desdobramentos dessa participação para a atividade docente, presentes no bloco 1. O questionário foi aplicado no final do segundo semestre de 2020, momento que marca o fim das atividades de mentoria no programa. Dentre as respostas, buscamos identificar ideias similares e/ou que se destacassem pela singularidade/diversidade.

Os procedimentos de análise tiveram início com a organização dos dados provenientes de uma planilha que foi gerada de forma automática pelo software em que o questionário foi produzido e respondido. Desse modo, as perguntas e respostas foram sistematizadas com o intuito de facilitar a leitura e compreensão.

O segundo passo foi iniciar a leitura das respostas do questionário com a intenção de esboçar as primeiras análises e pensar sobre os caminhos que seriam viáveis na construção da metodologia. Com base nessas primeiras impressões, optamos por destacar as respostas/ideias que representassem a maioria das respondentes, bem como dar destaque para as que fossem singulares/pontuais.

Na construção do processo analítico, pudemos perceber que as respostas/ideias versavam sobre assuntos bem específicos, os quais se tornaram categorias de análise dos dados. Nesse sentido, as categorias foram criadas na medida em que os assuntos emergiram das respostas. Vale frisar que essas análises foram empreendidas à luz do referencial teórico que embasa este estudo.

4 Resultados e discussão

Como mencionado, elaboramos, a partir das narrativas das professoras, as categorias de análise, construídas por meio das convergências nos relatos, sendo elas: expectativas iniciais sobre a mentoria; percepções acerca do PHM para a atuação docente; e processos reflexivos. Destacamos que, apesar da separação, os assuntos abordados estão entrelaçados e conexos, assim as categorias conversam entre si.

4.1 Expectativas iniciais sobre o programa de mentoria

Ao considerarem suas expectativas iniciais sobre o programa de mentoria e o seu atingimento, as iniciantes entenderam que o programa foi exitoso nesse sentido, ao oferecer suporte, acolhimento, trocas com professoras experientes, materiais, estudos, conhecimentos, possibilidades, superação, dentre outros.

Mesmo que uma professora tenha destacado que, inicialmente, não tinha expectativas tão altas, por conta do modo de oferta do programa1, relatou que se surpreendeu ao perceber que a distância não a havia atrapalhado, e sim lhe potencializado sua participação, ao permitir que as atividades e leituras fossem realizadas de acordo com sua rotina. Esse relato revela uma das contribuições da aprendizagem híbrida: o gerenciamento do tempo (Vaughan, 2010). Podemos considerá-lo como uma estratégia autorregulatória, inserida em um determinado contexto pessoal e profissional, que requer do indivíduo monitoramento, controle e regulação de sua cognição, motivação e comportamento (Rosário, 2004), dentro de um ambiente com variantes que podem influenciar seja os estudos, seja a aprendizagem dos conhecimentos adquiridos e/ou experienciados.

O ambiente híbrido proporciona maior flexibilidade para que os envolvidos no processo de formação realizem as atividades a partir de sua disponibilidade de tempo (Vaughan, 2010). O gerenciamento, contudo, é uma parte muito importante; por conseguinte, é necessário ter comprometimento com a própria formação e se atentar para conseguir realizar as propostas.

Além disso, o fato de a professora ter superado suas expectativas pode revelar uma das atitudes do processo reflexivo proposto por Dewey (1953): mente aberta. De acordo com o autor, por meio de certas atitudes (como entusiasmo, objetividade, mente aberta, responsabilidade, prontidão, curiosidade e desejo de crescimento pessoal), é possível ter mais chances de ampliar o nível de consciência e o grau de conhecimento do indivíduo no processo de reflexão (Reali; Reyes, 2009; Rodgers, 2002).

Ainda na direção do processo reflexivo, para algumas professoras, o programa excedeu suas expectativas, assim como notificado pela professora iniciante 17 (questionário, 2020):

As expectativas iniciais eram de um auxílio e de encontrar respostas para muitas questões, porém, à medida que fomos discutindo, refletindo e aprendendo com as experiências, percebi que não era de respostas que eu precisava, pois, para muitas situações, não temos respostas, mas a mudança de olhar. [...] O programa me ajudou no sentido da autorreflexão e a me tornar mais crítica das coisas, na forma de agir, de planejar, de vivenciar o cotidiano escolar.

A professora 17 relatou que buscava respostas para seus muitos questionamentos surgidos no cotidiano escolar. Isso sugere que a iniciante estava à procura de soluções prontas para as situações de um ambiente que, muitas vezes, é permeado por situações inesperadas, contextualizadas (Marcelo, 2009). Em seu relato, dá pistas de que, ao participar do programa, foi possível mudar essa concepção aplicacionista e técnica do ensino para uma visão que valoriza a reflexão e a aprendizagem por meio da experiência.

Essa mudança parece relacionar-se com as ideias de Schön (1992) acerca do profissional reflexivo. Nesse sentido, deve-se considerar que professores não trabalham em um ambiente possível de controlar, como um laboratório, por exemplo. De modo contrário, a escola, mais especificamente a sala de aula, é um ambiente passível de imprevistos, assim como a atividade de ensinar, o que demanda do professor a reflexão na e sobre a ação.

4.2 Percepções acerca do PHM para a atuação docente

De acordo com as docentes principiantes, o programa se configurou como uma rede de apoio, de compartilhamento, ao oferecer suporte perante as dificuldades encontradas por cada uma nesse início da docência (tais como solidão, dúvidas, angústias, incertezas, dentre outras). Nas palavras de uma delas:

Antes da participação no programa, eu não sabia o melhor caminho a seguir para fazer o melhor para os educandos. Com o programa, encontrei o apoio necessário para enfrentar os desafios do professor iniciante, tive a orientação primordial da minha mentora, que me colocou em contato com textos e vídeos que me fizeram refletir e aprender sobre os caminhos e estratégias para superar esses desafios do início da carreira (Professora 25, questionário, 2020).

Sendo o programa uma rede de apoio frente às dificuldades, aos desafios, enfrentamentos, ou seja, ao “choque de realidade” (Huberman, 2000), ao se depararem com o contexto no qual se encontram, as professoras iniciantes receberam o suporte e, ao mesmo tempo, o compartilhamento de experiências, conhecimentos, ideias, perspectivas e orientações pedagógicas das mentoras.

As PIs revelaram a busca por formação continuada e o esforço em melhorar certas práticas e posturas como pontos de grande destaque no interesse em participar do programa. Assim, valorizaram sua decisão sobre essa participação, ao expressarem algumas das contribuições percebidas, como auxílio na melhoria da comunicação, da escrita, dos processos reflexivos, dentre outros. Umas das docentes destacou:

O programa me ajudou a compreender quem sou como docente, auxiliou na compreensão dos meus alunos e suas dificuldades, a como resolver os problemas em sala: tanto com relação às dificuldades de alfabetização como sobre as relações interpessoais dos alunos. Este programa me deu ferramentas e orientações de como atuar frente às dificuldades, a perceber minhas deficiências como docente e a buscar capacitação para minha qualificação (Professora 12, questionário, 2020).

As narrativas indicaram impactos que vão, possivelmente, para além do programa. Os relatos das professoras manifestaram estratégias, ações, orientações das mentoras, que se mostraram importantes para lidar com as dificuldades/os impasses vivenciados. Embora esse relato não revele com precisão as repercussões das ações do PHM na prática docente das iniciantes, dá indícios de que um apoio como esse, no início de carreira, pode ser produtivo. Isso indica a necessidade de pesquisas mais aprofundadas.

Sobre o trabalho das mentoras, podemos fazer um paralelo com Orland-Barak (2007), ao considerar que uma das competências necessárias para a ação do mentor é oferecer assessoria ao iniciante, tanto na concepção quanto na implementação e avaliação de propostas de ensino que sejam relevantes ao contexto e ao processo de autoevolução profissional. Assim, as narrativas das iniciantes parecem ter revelado que as mentoras possuem certas competências/características essenciais ao trabalho de mentoria.

O programa também parece ter sido um “aliado” no combate à solidão que tantas professoras relataram. O excerto a seguir demonstra a angústia de uma iniciante:

Estava numa rede muito ruim, em todos os sentidos. Como professora iniciante, me sentia bem abandonada e solitária na minha atuação. Não possuía uma coordenadora pedagógica atuante, e o programa me acolheu e foi me dando segurança à medida que escutava e acolhia as minhas demandas (Professora iniciante 63, questionário, 2020).

O isolamento parece ser característico da profissão docente. Segundo Marcelo e Vaillant (2009), o docente enfrenta solitariamente a tarefa de ensinar e a sala de aula pode ser considerada como o seu santuário, em que, corriqueiramente, somente os estudantes testemunham sua atuação. O isolamento também pode ser potencializado pela conjuntura da arquitetura escolar, o modo de organização (do tempo e do espaço) e as normas de autonomia e privacidade existentes entre os docentes (Marcelo; Vaillant, 2009).

Desse modo, por meio do acolhimento, do compartilhamento, das trocas, o programa auxiliou no enfrentamento à solidão e serviu como “[...] um espaço de aprendizagem” (Professora 50, questionário, 2020) para as iniciantes, proporcionando, sobretudo, diversos momentos de reflexões e ressignificações:

O programa é muito importante para a minha formação docente, pois me auxilia na formação da minha identidade profissional na Educação Infantil, proporcionando momentos de reflexão diante dos desafios. Um local em que posso expressar minhas angústias e saber que terei o apoio para encontrar a solução para enfrentá-las. Também é um ambiente de troca, aprendizado, formação e interação em busca do desenvolvimento profissional e pessoal (Professora 25, questionário, 2020).

O processo reflexivo da professora 25 sobre sua participação no programa foi permeado pelas angústias e desafios da profissão. No programa, pôde encontrar um espaço com profissionais que possibilitaram caminhadas menos pedregosas e mais orientadas à sua prática pedagógica. Em um ambiente frutífero para o seu desenvolvimento profissional e pessoal, a docente afirmou que a havia auxiliado na formação de sua identidade docente.

Como o programa de mentoria também fora uma proposta de formação continuada, como já mencionado, configurou-se como parte do desenvolvimento profissional docente das iniciantes, influenciando a formação e constituição de suas identidades profissionais (Marcelo, 2009). Vale ressaltar que, no âmbito do desenvolvimento profissional, a identidade docente não é um fenômeno imutável, mas um processo constitutivo de um sujeito historicamente situado (Iza et al., 2014), isto é, representa um processo em permanente transformação. Assim, as professoras iniciantes mergulharam em meio a ondas que poderiam fazê-las desistir de alcançar seus desafios profissionais. Contudo, com a colaboração do programa, as braçadas se fortaleceram e elas persistiram, revelando avanços significativos em seu desenvolvimento profissional docente.

As iniciantes demonstraram perceber avanços no desenvolvimento de certas características, como confiança, segurança e sentimento de calma e tranquilidade diante das demandas da docência. Apesar dos inúmeros desafios que as professoras iniciantes enfrentaram (e enfrentam), revelaram se sentir mais otimistas para ensinar e explicitaram que o programa ofereceu ferramentas para lidarem com as dificuldades do início da carreira docente. Nas palavras das professoras:

[...] meus alunos ganharam muito mais, à medida que nos tornamos mais reflexivos e planejamos melhor nossas atividades. Certamente, isso reflete na aprendizagem de nossos alunos. O olhar é diferente, o ensino é mais direcionado e, assim, a aprendizagem é melhor (Professora iniciante 17, questionário, 2020).

O programa contribuiu de diversas maneiras em minha atuação: nas relações estabelecidas com outros professores também iniciantes, bem como com os com mais experiência. Isso marcou positivamente aspectos de minha atuação (Professora iniciante 59, questionário, 2020).

Diante das tensões, desafios, angústias e inseguranças experienciadas no início da docência, o papel das mentoras foi o de oferecer apoio pedagógico e emocional para que as professoras iniciantes construíssem confiança e segurança para atuarem. Nesse sentido, reiteramos a importância da mentoria para promover a socialização profissional de professores principiantes na cultura escolar (Reali et al., 2018).

Programas de mentoria, no geral, podem tornar o início da docência menos turbulento, principalmente no que diz respeito ao sentimento de pertencimento à profissão, ao sentirem-se parte de um corpo profissional, bem como na melhoria das relações com os pares em diferentes fases do desenvolvimento profissional.

4.3 Processos reflexivos

Outro ponto que merece destaque é a contribuição do programa para a reflexão, ou processos reflexivos, das iniciantes. A reflexão é um conceito estruturante na formação e desenvolvimento docente (Zeichner, 2008), pois é uma maneira importante de construir conhecimentos e direcionar a prática dos professores.

Nos relatos, percebemos o quanto os processos reflexivos foram significativos para as iniciantes, ao destacarem que o programa de mentoria contribuiu para que ocorressem, principalmente por meio das trocas de informações e conhecimentos sobre a docência na educação básica, como pontuou a professora 80 sobre a mediação de conflitos em sala que lhe trazia muitas dúvidas e anseios, mas que puderam ser sanados/minimizados depois do suporte recebido por meio da mentoria.

É interessante observar o quão relevante a reflexão sobre a atuação (Schön, 1992) docente foi importante para compreender o processo de aprendizagem dos alunos e como isso pôde se refletir no desenvolvimento escolar deles. Nas palavras de uma docente:

Posso dizer que o ganho que obtive com meus alunos, através do programa, foi proporcionar a eles momentos prazerosos de aprendizado, momentos importantes de reflexão, discussão sobre seus conhecimentos e aprendizados e aplicação desses no seu dia a dia. Também a satisfação de saber que, através das orientações recebidas, a minha forma de trabalho ajudou os alunos a avançarem em suas hipóteses de leitura e escrita e em seu desenvolvimento em geral (Professora iniciante 22, questionário, 2020).

Ao refletir sobre sua prática e durante a ocorrência dela, a professora 22 também se aproximou de um dos conceitos definidos por Schön (1992): reflexão sobre a ação. Como o próprio nome sugere, essa reflexão ocorre após a prática (por meio do distanciamento) e consiste no movimento de reelaborar mentalmente sua ação pedagógica, dando-lhe uma nova estrutura e transformando-a em um novo conhecimento.

Ainda com relação ao processo reflexivo, as PIs relataram melhorias na gestão de classe e situações relacionadas ao ser professor, aparentemente com o auxílio da mentoria, ao refletirem e ressignificarem suas práticas. As principais menções em relação à gestão de classe se relacionam com: lidar com o comportamento e indisciplina dos discentes; ensinar crianças com dificuldades de aprendizagem; situações inesperadas; trato com pais.

Considerando o que destacamos até aqui, ressaltamos o relato a seguir, pois é de grande apreço a reflexão crítica da PI 17 (questionário, 2020), ao refletir sobre si e sua atuação, dando indícios de que o programa foi um espaço que lhe permitiu aflorar o conhecimento mais empático sobre suas limitações:

Hoje percebo que ter angústias é natural para quem está comprometido com o ensino e tenta fazer o seu melhor. A reflexão crítica de nosso trabalho é essencial para melhorar nossa prática; é preciso mudar sempre e pedir ajuda, caminhar junto. Após o programa, me vejo muito mais ‘empática’ com minhas próprias limitações e a dos meus colegas de profissão.

O depoimento dessa professora é bastante expressivo. Revela um processo crítico-reflexivo fundamental que foi exercitado no decorrer de suas práticas pedagógicas e também conjuntamente com sua mentora. Compreender suas próprias limitações é um trabalho autorreflexivo complexo que compete ao professor entender suas ações (Schön, 1992), direcionando e modificando constantemente suas competências, comportamentos, emoções, sentimentos, em prol de seu desenvolvimento proativo docente, no intuito de atingir metas e objetivos profissionais.

A relevância sobre o comprometimento com a profissão e, por conseguinte, com seu desenvolvimento profissional infere diretamente na construção de sua identidade docente, sua marca registrada que mostra sua singularidade, seu protagonismo, que afeta, de alguma forma, a formação humana de seus alunos. Trata-se - às professoras iniciantes - de lapidar sua profissionalidade docente, delinear suas competências e habilidades, além de construir seus valores, crenças, conhecimentos e procedimentos de trabalho no decorrer de sua atuação profissional, vivenciando experiências “[...] que vão se configurando nas formas de perceber-se professor e agir na profissão” (Ambrosetti; Almeida, 2009, p. 606).

5 Considerações finais

O início da docência pode ser extremamente desafiador para os iniciantes no magistério (Papi; Martins, 2010; Príncipe; André, 2019). Esse início geralmente é permeado por uma mistura de emoções, inseguranças e frustrações, bem como por alegrias e aprendizagens. Nesse contexto, o PHM, a partir da análise e interpretação dos dados, demonstrou ser um suporte importante para as professoras iniciantes ao proporcionar uma passagem mais “segura”, parecendo possibilitar um terreno fértil para a aprendizagem da docência.

Com relação às expectativas iniciais sobre o programa, as professoras iniciantes demonstraram que tinham boas expectativas para o seu desenvolvimento profissional e construção de aprendizagens. Também foi possível perceber indícios de mudanças de concepções sobre o ensino como ocasião para a aplicação da teoria, para uma visão mais reflexiva e contextualizada.

Um dos objetivos do programa foi promover habilidades como autonomia e autoconfiança nas principiantes em face das situações da docência. Assim, em determinados trechos, as PIs destacaram o apoio pedagógico e emocional oferecido pelas mentoras. Essas narrativas sugerem um processo de construção de tais habilidades. Os processos reflexivos foram um fator intrínseco que exercitaram o cultivo de uma formação mais humana às professoras iniciantes. As situações cotidianas da sala de aula, os desafios, as angústias, os medos, os conflitos do início da carreira foram - cada qual - recebendo apoio e orientações de professoras mentoras.

As percepções das iniciantes indicam que a participação dialogada e formativa, construída de forma colaborativa com as mentoras, abriram as portas para processos reflexivos mais críticos sobre sua atuação, além de exercitarem seu autoconhecimento.

Logo, consideramos que programas de indução são necessários no que concerne à formação de professores atuantes nos mais variados níveis e modalidades de ensino, mas, em principal destaque, aos professores atuantes da educação básica. Defendemos que a discussão desse tema deva ser ampliada e amplamente dialogada com a comunidade educacional, principalmente em relação à implementação de propostas como a do PHM, cenário deste estudo, nos âmbitos da formação inicial e continuada.

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1Como mencionado, o programa desenvolveu atividades formativas de modo híbrido (presencial e online) com as mentoras e a assessoria às iniciantes ocorreu de modo virtual.

Recebido: 10 de Dezembro de 2023; Aceito: 19 de Março de 2024; Publicado: 06 de Junho de 2024

Editora responsável:

Lia Machado Fiuza Fialho

Pareceristas ad hoc:

Amadeu Moura Bego e Maria Fernanda Diogo

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