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Educação Matemática Debate

versão On-line ISSN 2526-6136

Ed. Mat. Deb. vol.7 no.13 Montes Claros  2023  Epub 01-Jan-2023

https://doi.org/10.46551/emd.v7n13a03 

Artigos

A trajetória de uma gota: um relato de experiência com estudantes de Cálculo Diferencial e Integral

The trajectory of a drop: An experience report with students of Differential and Integral Calculus

La trayectoria de una gota: relato de experiencia con estudiantes de Cálculo Diferencial e Integral

Moisés Ceni de AlmeidaI 
http://orcid.org/0000-0002-6170-2036

Renata Cardoso BarbosaII 
http://orcid.org/0000-0002-5109-3513

Leonardo Maricato MusmannoIII 
http://orcid.org/0000-0002-1657-7408

Natália Pedroza de SouzaIV 
http://orcid.org/0000-0003-2175-180X

I Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro (RJ), Brasil. moisesceni@gmail.com

II Secretaria Municipal de Educação de Teresópolis - Teresópolis (RJ), Brasil. renatacardosomat@gmail.com

III Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro (RJ), Brasil. leonardo.musmanno@gmail.com

IV Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro (RJ), Brasil. npsnatalia@gmail.com


Resumo

O artigo apresenta um relato de experiência de uma atividade formativa realizada por estudantes de Cálculo Diferencial e Integral do curso de Engenharia Mecânica de uma instituição pública do Rio de Janeiro. Dentre os motivadores do trabalho, encontram-se os índices de reprovação na disciplina. A fundamentação teórica foi a experimentação. Dado um guia previamente estruturado, os estudantes analisaram a trajetória em relação ao tempo de uma gota de água em uma garrafa de óleo, produzindo hipóteses sobre o deslocamento, utilizando uma tabela de dupla entrada. Os conteúdos mobilizados foram função afim, derivada e método de mínimos quadrados. Para a verificação de hipóteses, os estudantes utilizaram softwares de geometria dinâmica e planilhas. Observou-se que a experimentação promoveu o espírito crítico, tornando o(a) estudante gestor(a) de seu próprio conhecimento.

Palavras-chave: Experimentação; Cálculo Diferencial e Integral; Tecnologias Digitais.

Abstract

The article presents an experience report of a formative activity carried out by students of Differential and Integral Calculus of the Mechanical Engineering course of a public institution in Rio de Janeiro. Among the motivators are the failure rates in the discipline and the theoretical foundation was experimentation. Given a previously structured guide, students analyzed the trajectory against time of a drop of water in an oil bottle, producing hypotheses about displacement, using a double-entry table. The mobilized contents were affine function, derivatives and least squares method. To verify hypotheses, students used geometry software and spreadsheets. It was observed that Experimentation promoted critical thinking, making students managers of their own knowledge.

Keywords: Experimentation; Differential and Integral Calculus; Digital Technologies.

Resumen

El artículo presenta un relato de experiencia de una actividad de formación realizada por estudiantes de Cálculo Diferencial e Integral del curso de Ingeniería Mecánica de una institución pública de Rio de Janeiro. Entre los motivadores se encuentran los índices de reprobación en la asignatuda y el fundamento teórico fue la experimentación. Basado en las informaciones de material previamente disponibilizado, los estudiantes analizaron, con relación a su tiempo, la trayectoria de una gota de agua en una botella de aceite y generaron hipótesis sobre el desplazamiento, utilizando una tabla de doble entrada. Los contenidos movilizados fueron función afín, derivadas y método de mínimos cuadrados. Para verificar las hipótesis, los estudiantes utilizaron un software de geometría y hojas de cálculo. Nótese que la Experimentación promovió el pensamiento crítico, le permitió a los estudiantes ser gestores de su propio conocimiento.

Palabras clave: Experimentación; Cálculo Diferencial e Integral; Tecnologías Digitales.

1 Introdução

Há altos índices de reprovação e abandono na disciplina Cálculo Diferencial e Integral (CDI) (GUIO e BARCELLOS, 2021; BEZERRA e GONTIJO, 2020). Guio e Barcellos (2021) identificaram que tais taxas podem ter diferentes origens, a saber: dificuldades de natureza cognitiva e epistemológica por parte dos estudantes, metodologias inadequadas por parte dos professores, entre outros motivos.

Tendo em perspectiva as questões supramencionadas, no artigo relatamos a experiência de uma atividade avaliativa ocorrida em uma turma de primeiro período de CDI do bacharelado em Engenharia Mecânica de uma instituição pública de ensino superior do estado do Rio de Janeiro, tencionando uma metodologia ativa para o ensino e a aprendizagem: a experimentação. A proposta de trabalho tem natureza exploratória e formativa, sendo instrumento de aprendizagem e de avaliação.

Como objetivos do estudo retratado, pode-se destacar: (i) gerar reflexões sobre o uso da experimentação como ferramenta pedagógica no ensino de Matemática; (ii) fornecer um guia didático de uma atividade experimental relacionada aos conteúdos da disciplina; e (iii) propor reflexões acerca do binômio conteúdos-aplicações.

Na literatura sobre a experimentação, dentre os benefícios observados ao se usar tal metodologia, pode-se ressaltar, por exemplo, o seu potencial para transformar o(a) estudante em agente ativo de sua aprendizagem, a promoção do método científico e uma maior facilidade para detectar erros conceituais dos estudantes (OLIVEIRA, 2010; GALLE, MEDEIROS e SPECHT, 2020).

Os estudantes foram submetidos a uma proposta guiada para a experimentação. Ao realizar o experimento proposto, responderam a algumas questões conceituais, associando-as com os resultados obtidos. Por se tratar de um experimento que depende das condições iniciais, cada estudante encontrou uma resposta diferente de seus demais colegas, e os fatores humanos interferiram na precisão do experimento, fomentando importantes discussões em sala de aula. Adicionalmente, os(as) estudantes precisaram fazer uso de softwares de geometria dinâmica, bem como planilhas eletrônicas para validação/refutação de hipóteses.

No que se segue, as seções estão organizadas da seguinte forma: na seção 2, Fundamentação Teórica, são apresentados os conceitos que balizam a atividade. Na seção 3, Metodologia, Público e Aplicação, são descritas todas as etapas e características da avaliação e o público para o qual a atividade foi aplicada. Na seção 4, Relato e Análise das Respostas, relatamos as respostas dos estudantes e tecemos algumas considerações. Por fim, na seção 5, Considerações Finais, fazemos os últimos comentários sobre os resultados obtidos.

2 Fundamentação Teórica

A disciplina de CDI tem, junto com outras disciplinas do ciclo básico, um papel importante nas fases iniciais da estrutura curricular de diversos cursos das Ciências Exatas e Tecnologias, uma vez que oferece ferramentas fundamentais para a interpretação e resolução de problemas. Macêdo e Gregor (2020) destacam que

a disciplina de CDI é uma parte importante do conhecimento, que têm inúmeras aplicações em diversas áreas que compõe o conhecimento científico humano como a Engenharia, a Física, a Astronomia, a Matemática, a Mecânica, ente outras, auxiliando, assim, um constante estudo quanto à sua aplicabilidade no campo científico. (p. 4)

A par da sua importância e possíveis aplicações, a disciplina, como mencionado na seção anterior, ainda possui altos níveis de retenção. A problemática está assentada em uma concepção de avaliação excludente, que, conforme Bezerra e Gontijo (2020), é balizada por perspectivas tais como: avaliações descontextualizadas, o conhecimento como único objeto de avaliação, dentre outros motivos.

Essas perspectivas desconsideram a historicidade do sujeito aprendente e ignoram o papel principal que a avaliação deveria assumir, que é orientar as aprendizagens, favorecendo processos autorregulatórios, metacognitivos e autoavaliativos por parte dos estudantes e o redirecionamento do trabalho pedagógico com vistas à adoção de estratégias que favoreçam o sucesso das aprendizagens. (BEZERRA e GONTIJO, 2020, p. 541)

Levando-se em consideração o difícil cenário envolvendo a disciplina CDI, surge a necessidade ainda de estudos e pesquisas acerca de metodologias para o ensino de Matemática e Ciências. Em particular, a experimentação (OLIVEIRA, 2010; GALLE, MEDEIROS e SPECHT, 2020), que se configura como uma metodologia ativa, emerge como alternativa.

Ao pesquisar no dicionário o significado da palavra experimentação, são encontradas algumas definições, tais como: “Ação ou efeito de experimentar, de colocar à prova, de investigar ou verificar as propriedades de algo ”. No ensino de Matemática e de Ciências, os experimentos são trazidos para sala de aula com objetivos distintos, dentre os quais ressaltamos a promoção do método científico, da autonomia dos estudantes, da interação entre eles e professores e da compreensão de que as Ciências Exatas e da Natureza são constructos sociais e não conhecimentos prontos que somente são acessados (GALLE, MEDEIROS e SPECHT, 2020). Tais objetivos vão ao encontro do que é sugerido nos documentos oficiais que norteiam a educação brasileira. Por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) preconiza para o Ensino Superior, no artigo 43, inciso 1: “I — estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo”.

Oliveira (2010) traz em sua pesquisa os impactos que as aulas experimentais possuem sobre as práticas docentes. A autora elenca onze contribuições que a abordagem pode trazer para o ensino de Ciências ligadas a aspectos conceituais, processuais e atitudinais, tão importantes quanto os conteúdos das disciplinas. Dentre essas contribuições, encontram-se, por exemplo, a capacidade de observação e registro por parte dos estudantes, e a detecção, por parte do(a) professor(a), de erros conceituais dos estudantes que surgem a partir do experimento em sala de aula.

Oliveira (2010) elenca ainda três tipos de abordagens para atividades experimentais: as atividades de demonstração, verificação e investigação. Enquanto na primeira abordagem o(a) professor(a) desenvolve o experimento, na segunda, ele(ela) fiscaliza e, na última, orienta. Os roteiros de atividades nas duas primeiras categorias são fechados e estruturados, enquanto na última não há guias ou os roteiros são abertos. Não há abordagens melhores em relação às outras e os objetivos a serem atingidos devem balizar as escolhas.

Galle, Medeiros e Specht. (2020) discorrem sobre a função da experimentação para professores de Matemática e Ciências. Na pesquisa com dezesseis professores as categorias facilitador de aprendizagem e promoção da pesquisa/investigação emergiram para o experimento em sala de aula. A defesa dos autores é de que a experimentação não deve servir somente para validação de uma atividade com dados previamente testados, corroborando a concepção de que as Ciências e Matemáticas são disciplinas exatas e, também, não deve servir somente para o desenvolvimento de conceitos. A experimentação deve fomentar práticas autônomas dos estudantes, sendo explícitos os objetivos pedagógicos da atividade.

No Rio de Janeiro, por meio do projeto Rede Laboratório Sustentável de Matemática, Mendes (2018) investigou, juntamente com o corpo discente de Licenciatura em Matemática e da Pós-Graduação em Ensino de Matemática, a trajetória de uma gota de água em um recipiente com óleo, anotando o tempo e o espaço percorridos, por meio de uma tabela de dupla entrada. Seu experimento apresentou a Matemática como uma linguagem de suporte à Ciência, investigando a velocidade, densidade dos fluidos, modelagem dos dados com utilização de softwares, com proposta para trabalhos posteriores que dialogassem com a Física.

O presente relato é uma atividade cuja abordagem experimental está na categoria de verificação, com um guia previamente estruturado que foi seguido pela turma. Há similaridades do roteiro com as atividades desenvolvidas por Mendes (2018), com a incorporação de sugestões dela para trabalhos posteriores, tal como interdisciplinaridade com as Ciências. Ressalta-se que o público-alvo desse relato foram estudantes de Engenharia e, então, buscou-se relacionar a atividade à formação profissional. Para tanto, este trabalho se diferencia em termos de conteúdo, abordando questões relacionadas ao conceito de derivadas e ao método de mínimos quadrados, por exemplo. As habilidades que se buscou desenvolver com os estudantes no âmbito conceitual, processual e atitudinal, também previstas para estudantes do Ensino Superior pela LDB (BRASIL, 1996), são a capacidade de reflexão, análise crítica, criatividade, formulação e resolução de problemas e teste de hipótese.

3 Metodologia, Público e Aplicação

A realização da experiência relatada no presente artigo se deu por meio de uma atividade avaliativa em uma turma de primeiro período do bacharelado em Engenharia Mecânica de uma instituição pública de Ensino Superior do Rio de Janeiro. Na ocasião da aplicação da atividade, a disciplina foi ministrada de forma não presencial, devido às restrições impostas pela pandemia do coronavírus. A atividade foi realizada em dois períodos letivos distintos: 2020-1 e 2021-1. Os estudantes tiveram um prazo total de duas semanas para a realização da devolutiva e trabalharam de forma individual. As turmas tiveram acesso a encontros síncronos com o professor, que os auxiliava para a realização da atividade e para sanar quaisquer dúvidas que apresentassem durante sua realização. No período 2020-1, 18 entregaram suas respostas para a atividade, em um universo de 26 estudantes. Em 2021-1, 23 entregaram em um universo de 29 estudantes.

Os estudantes deveriam gravar um vídeo realizando um experimento para, em seguida, responder a algumas perguntas a fim de formalizar e expor os resultados obtidos. A confecção de toda a atividade foi feita levando em consideração a literatura de Oliveira (2010) e Galle, Medeiros e Specht (2020) sobre experimentação, nas quais é oportunizada ao(à) estudante a realização de uma investigação científica. No que segue, descrevemos os passos da atividade realizada. Nomeadamente, os estudantes responderam ao guia descrito no Quadro 1.

Quadro 1: Guia para experimento

1. Grave um vídeo com a câmera do celular do seguinte experimento:

a) Você deve possuir uma garrafa de óleo, uma tampinha de garrafa pet ou conta-gotas e um cronômetro;

b) Na tampinha de garrafa pet ou conta-gotas, armazene um pouco de água;

c) Na garrafa de óleo faça cinco marcações, A, B, C, D e E igualmente espaçadas;

d) Com a garrafa de óleo aberta despeje um pouco de água que está na tampinha ou conta-gotas (procure perceber que se formou um pingo bastante visível descendo sobre o óleo);

e) Use o cronômetro para determinar o tempo que o pingo leva para passar pelos pontos A, B, C, D e E (caso necessário, use um aplicativo para deixar o vídeo em câmera lenta).

2. O que você observou sobre a variação do tempo? Explique como você pode usar os dados obtidos no experimento para determinar a variação do espaço (deslocamento) pelo tempo, ou seja, para determinar a velocidade do pingo. Fale um pouco sobre as limitações do experimento.

3. Use como base o estudo das derivadas para fazer um palpite de qual tipo de função s(t) (espaço percorrido em função do tempo) deve ser.

4. Marque cinco pontos 𝐴( 𝑡 1 ,1), 𝐵( 𝑡 2 ,2),𝐶( 𝑡 3 ,3), 𝐷( 𝑡 4 ,4) 𝑒 𝐸( 𝑡 5 ,5) no GeoGebra. A distribuição desses pontos num gráfico parece confirmar o que você esperava no item 3?

5. (Extra) Encontre uma expressão aproximada para 𝑠(𝑡) pelo método dos mínimos quadrados.

Fonte: Acervo Próprio

Na Figura 1 vemos o recorte de um vídeo produzido por um dos estudantes.

A atividade dependia de alguns materiais encontrados com facilidade, como uma tampa de garrafa pet e uma garrafa de óleo. Quanto ao aparato tecnológico necessário, é importante mencionar que a instituição ofereceu suporte, na forma de empréstimos de tablets, para realização das diversas atividades assíncronas, não restrito à disciplina de CDI. Dessa forma, os estudantes puderam acessar softwares/aplicativos de geometria dinâmica e planilhas eletrônicas necessários à realização do experimento.

Os dados coletados no experimento foram os tempos, e a câmera lenta foi utilizada para aumentar a precisão na medição. Contudo, objetivou-se encontrar uma relação entre o deslocamento e o tempo, que dependia, dentre outros fatores, da densidade do óleo e da velocidade de reprodução da câmera lenta. Dessa forma, a atividade não possuía uma resposta única.

Em relação à utilização de softwares, o professor da disciplina sugeriu o uso do GeoGebra , o qual permitiu, ao(à) estudante/experimentador(a), por meio da construção de gráficos, saber se sua intuição quanto ao tipo de modelo/relação estava adequada. O GeoGebra permite ainda construir a Reta de Regressão Linear de uma lista de pontos, ao clicar na opção Reta de Regressão Linear e clicar na lista de pontos desejada. Tal recurso se encontra no rol de opções disponíveis no ícone Reta Perpendicular.

Outra forma de realizar a Regressão Linear é digitar na Caixa de Entrada: RegressãoLinear (<Listadepontos>). Para criar uma lista de pontos, basta utilizar uma estrutura semelhante a 𝐿 = {𝐴,𝐵,𝐶,𝐷,𝐸} na caixa de entrada. Outra forma seria escrever diretamente os pontos na lista: 𝐿= {(𝑥 1 , 𝑦 1 ), (𝑥 2 , 𝑦 2 ), (𝑥 3 , 𝑦 3 ), (𝑥 4 , 𝑦 4 ), (𝑥 5 , 𝑦 5 )}. O GeoGebra, além de construir o gráfico da Reta de Regressão, exibe a lei de formação desta. O software permite ainda a obtenção de outros tipos de Regressão, como Exponencial, Logarítmica e Logística, apenas para dar três exemplos. Para consultar as diversas opções, basta digitar “regressão” na Caixa de Entrada para que um rol de opções apareça na tela.

Na próxima seção será relatada a atividade enquanto avaliação formativa, a qual não se insere em uma perspectiva de geração de grau de notas per se, mas de reflexão sobre os conteúdos aprendidos durante o curso. Nesse contexto, os autores pretendem analisar como a experimentação pode ser uma alternativa pedagógica possível para o ensino de CDI.

4 Relato e análise das respostas

Nesta seção serão apresentadas as respostas obtidas na aplicação da atividade. A realização desses relatos se deu com a intenção de identificar os principais pontos de dificuldade da tarefa, verificando, do ponto de vista formativo, se o(a) estudante compreendeu as principais ideias matemáticas do experimento e se foi capaz de expressar seu pensamento com clareza. Do ponto de vista pedagógico, as respostas obtidas permitem refletir sobre os possíveis benefícios didáticos obtidos ao se usar a metodologia experimentação. Como será visto adiante, em diversos momentos as dúvidas e questionamentos que surgiram espontaneamente poderiam servir como ponto de partida para a discussão e aprofundamento de conteúdos matemáticos. Assim, destaca-se a seguir, para cada item do guia, algumas respostas que permitem obter essas informações.

Foi mister na realização do experimento que os estudantes percebessem que, sendo a velocidade da gota praticamente constante, a razão entre o espaço percorrido (𝑠) e o intervalo de tempo transcorrido (𝑡) deveria ser constante, isto é, idealmente, 𝑑𝑠 𝑑𝑡 =𝑎, para 𝑎 constante. Apesar de no momento da aplicação da atividade os estudantes ainda não terem sido expostos ao conteúdo de Integrais, eles conheciam dois fatos: A derivada de uma função afim é constante e Se duas funções 𝑓(𝑥) e 𝑔(𝑥) possuem a mesma derivada, então a diferença entre as duas deve ser constante. Esses dois fatos, conjugados a funções reais, revelam que uma função possui derivada constante se, e somente se, é afim. A partir disso, pode-se deduzir que a função que relaciona espaço e tempo é uma função do tipo 𝑠(𝑡) = 𝑎𝑡+𝑏, em que 𝑎 e 𝑏 são números reais.

A primeira observação a ser feita, no item 1, são as diferentes precisões utilizadas pelos estudantes para fazer a marcação do tempo. A maioria utilizou uma precisão de duas ordens decimais de segundo, alguns utilizaram o arredondamento sem ordens decimais e um estudante utilizou três ordens decimais para marcar o tempo, conforme destacadas as respostas das Figuras 2 e 3.

Figura 2: Resposta 1 ao item 1 (Acervo Próprio) 

Na Figura 3, a seguir, o estudante marcou o tempo com a variação precisa de 2 segundos; pode-se supor que ele fez um arredondamento para obter tal resultado.

Figura 3: Resposta 2 ao item 1 (Acervo Próprio) 

Em relação ao item 2 (O que você observou sobre a variação do tempo? Explique como você pode usar os dados obtidos no experimento para determinar a variação do espaço (deslocamento) pelo tempo, ou seja, para determinar a velocidade do pingo. Fale um pouco sobre as limitações do experimento), a maioria dos estudantes chegou à conclusão de que a velocidade era aproximadamente constante. Já em relação às limitações do experimento, pode-se observar uma variedade de respostas. Destacam-se as respostas das Figuras 4 e 5.

Figura 4: Resposta 1 ao item 2 (Acervo Próprio) 

O estudante marcou o tempo considerando os centésimos de segundos, porém em seus cálculos escreveu o resultado com uma casa decimal. Além disso, não arredondou os valores de forma consistente. Note que, 𝑉 𝑎 = 3 2,35 =1,277 𝑐𝑚/𝑠 e 𝑉 𝑒 = 15 10,3 =1,456 𝑐𝑚/𝑠. O estudante parece ter conduzido os cálculos de modo que seus resultados dessem sempre o mesmo valor 1,4 𝑐𝑚/𝑠, obtendo uma resposta tendenciosa.

As respostas obtidas nesse item permitem que o(a) professor(a) explore algumas problemáticas com a turma. Por exemplo, as respostas serviriam para ilustrar que em qualquer experimento prático podem ocorrer imprecisões na coleta de dados. Outra problemática é a forma com que se deve realizar as aproximações, se por truncamento ou por arredondamento. A partir do experimento, é possível notar que a velocidade é aproximadamente constante, porém, devido às imprecisões das marcações, não se obtém exatamente o mesmo resultado.

Ainda sobre a Figura 4, o estudante destacou como limitação do experimento apenas a precisão da marcação do tempo e concluiu, deste fato, que se o recipiente fosse mais estreito, a variação de tempo poderia mudar, não sendo uma resposta completa como a destacada na Figura 5.

Figura 5: Resposta 2 ao item 2 (Acervo Próprio) 

Pode-se observar nessa resposta a precisão com que a estudante descreve as limitações, apontando dificuldades do experimento não indicadas pela maioria, como, por exemplo, o ângulo de visão da gota ou a marcação imperfeita dos pontos, consequência do formato irregular da garrafa de óleo e que impossibilita auferir os tempos corretamente.

No item 3 (Use como base o estudo das derivadas para fazer um palpite de qual tipo de função 𝑠(𝑡) (espaço percorrido em função do tempo) deve ser), a maioria respondeu que a função era polinomial de primeiro grau, apesar de terem apresentado nomenclaturas menos adequadas e por vezes não terem chegado à conclusão de maneira formal. Foram selecionadas as respostas das Figuras 6 e 7.

Figura 6: Resposta 1 ao item 3 (Acervo Próprio) 

A estudante respondeu corretamente, mas na parte matemática o ideal seria mostrar as implicações na outra ordem: se a derivada é constante, então a função é afim. Essa situação pode ser aproveitada em sala para aprofundar uma discussão sobre derivadas de funções. Pode ser levantada, por exemplo, a questão de como saber quais funções possuem derivadas iguais, e então concluir que apenas as funções afins possuem a função constante como derivada.

Figura 7: Resposta 2 ao item 3 (Acervo Próprio) 

O estudante mostrou que compreendeu as relações matemáticas entre as grandezas do experimento, deduzindo que a função 𝑠(𝑡) deveria ser afim, uma vez que variações iguais no tempo geram mudanças iguais na posição. Entretanto, não mencionou explicitamente o conceito de derivada e, também, utilizou o termo “equação” ao se referir a uma função.

Em relação ao item 4 (Marque cinco pontos 𝐴( 𝑡 1 ,1), 𝐵( 𝑡 2 ,2), 𝐶( 𝑡 3 ,3), 𝐷( 𝑡 4 ,4) e𝐸( 𝑡 5 ,5) no GeoGebra. A distribuição desses pontos num gráfico parece confirmar o que você esperava no item 3?), houve estudantes que fizeram o gráfico de forma manual, e outros que utilizaram o GeoGebra. Alguns deles marcaram pontos que recaíam exatamente sobre a reta, outros marcaram pontos próximos a uma reta. Destacam-se as respostas das Figuras 8 e 9.

Figura 8: Resposta 1 ao item 4 (Acervo Próprio) 

Figura 9: Resposta 2 ao item 4 (Acervo Próprio) 

Na resposta 1, Figura 8, o estudante inseriu os dados determinados por ele, sem arredondamento no GeoGebra e encontrou uma reta que muito se aproximava de seus pontos, concluindo assim que o gráfico confirmava sua resposta à questão 3. Já o estudante da resposta 2, Figura 9, não apresentou o gráfico e apenas destacou que ele estaria de acordo com sua resposta anterior caso pudesse considerar o desvio causado pelo erro no cronômetro. É interessante notar que o estudante destacou este fator como determinante para o gráfico ser uma reta, considerando que os outros aspectos não teriam influência sobre o gráfico.

No item 5 (Encontre uma expressão aproximada para s(t) pelo método dos mínimos quadrados.), houve estudantes que não fizeram o que foi pedido; outros que apresentaram apenas o resultado final; outros que utilizaram planilhas eletrônicas; e, por último, os que determinaram a expressão com cálculos feitos à mão. Foram selecionadas as respostas das Figuras 10 e 11 referentes aos dois últimos casos.

Figura 10: Resposta 1 ao item 5 (Acervo Próprio) 

Figura 11: Resposta 2 ao item 5 (Acervo Próprio) 

Nas duas respostas das Figuras 10 e 11, pode-se perceber diferentes estratégias: o primeiro estudante utiliza as fórmulas e as ferramentas computacionais como uma planilha eletrônica para realização dos cálculos. Já o segundo estudante realiza os cálculos manualmente, utilizando os conceitos envolvidos no método dos mínimos quadrados, além dos métodos de otimização para encontrar a equação da reta. Naturalmente, como os dados obtidos são distintos, as retas obtidas por cada estudante são diferentes. No entanto, ambas estratégias estão corretas, sendo a primeira mais rápida de realizar. Uma questão que poderia ser trabalhada nesse momento diz respeito à viabilidade de resolver problemas desse tipo manualmente. Por exemplo, quanto tempo seria necessário para calcular a reta de mínimos quadrados se fossem dados 10 pontos? Naturalmente, neste caso, o uso do software se impõe como uma necessidade prática.

Assim, sobre o quadro geral da aplicação do experimento, após a exposição das diversas resoluções feitas pelos estudantes, emergiram importantes discussões. Como exemplo, a exploração dos conceitos matemáticos envolvidos na atividade levantou questões sobre diversos conteúdos, tais como: arredondamento ou truncamento, características das funções que possuem a mesma derivada, implicações lógicas, dentre outros. Em relação à parte experimental, observou-se que os estudantes realizaram o experimento de forma adequada e construíram a explicação matemática da experiência de forma coerente e organizada.

Um ponto de destaque da atividade foi o uso adequado do software GeoGebra. Grande parte dos estudantes utilizou essa ferramenta na construção dos gráficos, construindo-os de forma correta e precisa. Dessa maneira, a atividade serviu também para que eles adquirissem autonomia no uso da ferramenta, tornando-a uma parte de seus recursos ao estudar ou aplicar a matemática em sua vida.

A partir das respostas obtidas, também foi possível notar o uso de uma análise crítica por parte dos estudantes, pois foram obrigados a refletir cuidadosamente sobre os fatores que tinham influência no experimento. Além disso, precisaram encontrar meios de expressar matematicamente suas ideias sobre os resultados observados.

Assim, a natureza experimental da atividade fez com que os estudantes unissem seu senso crítico ao seu conhecimento matemático. Mais do que para calcular a derivada de uma função, a atividade serviu para aprofundar o entendimento do(a) estudante sobre o uso e sobre o significado das ferramentas matemáticas do Cálculo vistas em sala.

5 Considerações finais

Nesse artigo foram relatados os resultados de uma atividade realizada na disciplina CDI para um curso de Engenharia Mecânica. A atividade aplicada baseou-se nas ideias de Mendes (2018), que destaca as vantagens de se utilizar uma abordagem experimental no processo de aprendizagem de conteúdos matemáticos. Dentre os benefícios encontrados na literatura quanto à metodologia de experimentação (GALLE, MENDEIROS e SPECHT, 2020) e observados nesse experimento destaca-se a promoção do método científico e da autonomia dos estudantes.

Entendemos que o relato de experiência se torna importante na medida em que fornece subsídios para posterior implementação em sala de aula. Para além de um manual para aplicação futura, este relato contribui para a experimentação como recurso pedagógico, não se restringindo à atividade aplicada.

A natureza da atividade realizada consistiu em investigar a trajetória de uma gota de água em um recipiente com óleo, anotando o tempo e o espaço percorridos, por meio de uma tabela de dupla entrada. Nesse experimento, a Matemática atuou como o meio e não como o objetivo final da aprendizagem, correlacionando conteúdo e fenômeno, trazendo mais significado a conceitos abstratos. De forma similar a Mendes (2018), a Matemática atuou, entre outros aspectos, como uma linguagem de suporte à Ciência, permitindo a análise de grandezas físicas relacionadas ao experimento, por meio de uma modelagem dos dados com utilização de softwares matemáticos.

Após a realização do experimento, cada estudante respondeu às perguntas presentes em um guia. Das respostas obtidas, foi possível perceber que a atividade, ao promover um espírito investigativo, oportunizou que o(a) estudante adotasse uma postura mais ativa em relação ao conteúdo, fazendo-o(a) refletir sobre os fatores relevantes da experiência realizada e expressar em linguagem matemática os fenômenos que observou. Assim, o(a) estudante teve a possibilidade de utilizar a Matemática como uma ferramenta para entender o mundo em que vive e não apenas como uma mera aplicação de fórmulas, muitas vezes utilizadas sem uma real compreensão de seu significado.

Além disso, ao propor um guia com possibilidade de diferentes soluções, foi possível notar que as respostas dadas geraram, de forma natural, oportunidades para a discussão de diversos conteúdos matemáticos, permitindo que o(a) estudante aprofundasse ainda mais o seu conhecimento, bem como ajudando a sanar eventuais inconsistências em sua formação básica de Matemática.

Pelas razões expostas ao longo do artigo, conclui-se que as abordagens experimentais podem ser aliadas nos processos de ensino e de aprendizagem da Matemática, em particular em CDI. Tais abordagens, ao estimularem a reflexão e a análise crítica, atuam no sentido de tornar a Matemática mais interessante e mais concreta para os estudantes, promovendo, possivelmente, uma maior compreensão dos conteúdos abordados.

Referências

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Recebido: 17 de Dezembro de 2022; Aceito: 04 de Abril de 2023; Aceito: 02 de Maio de 2023

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