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Educação Matemática Debate

versão On-line ISSN 2526-6136

Ed. Mat. Deb. vol.9 no.17 Montes Claros maio 2025

https://doi.org/10.46551/emd.v9n17a09 

Artigos

A Resolução de Problemas como meio criativo: um estudo sobre o cálculo da medida da área do lago do Parque Ramiro Ruediger em Blumenau/SC

La Resolución de Problemas como medio creativo: un estudio sobre el área del lago del Parque Ramiro Ruediger en Blumenau/SC

Vilmar Ibanor Bertotti Junior1 
http://orcid.org/0000-0003-0046-2486

Janaína Poffo Possamai2 
http://orcid.org/0000-0003-3131-9316

1Instituto Federal Catarinense. Videira, SC — Brasil

2Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, SC — Brasil


Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar implicações da metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação em Matemática através da Resolução de Problemas para aplicar o método dos trapézios, desenvolvido pelos estudantes a partir de seus conhecimentos prévios, em um contexto que envolve o cálculo da medida da área do lago do Parque Ramiro Ruediger, em Blumenau/SC. Para tanto, discute-se a abordagem da Resolução de Problemas e sua conexão com a criatividade. Este artigo apresenta uma pesquisa aplicada, qualitativa e de investigação-ação, detalhando o contexto, a estrutura da prática, e a análise do problema investigado. Os resultados indicam que essa abordagem contribuiu para o desenvolvimento da autonomia, do raciocínio, da argumentação e da criatividade dos estudantes durante a prática educativa, avançando na compreensão de conceitos matemáticos sendo a resolução de problemas constituída como um caminho e orientação para a aprendizagem.

Palavras-chave Criatividade; Resolução de Problemas; Método dos Trapézios; Ensino Superior

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar las implicaciones de la metodología de Enseñanza-Aprendizaje-Evaluación en Matemáticas a través de la Resolución de Problemas para aplicar el método de los trapecios, desarrollado por los estudiantes a partir de sus conocimientos previos, en un contexto que involucra el cálculo del área del lago del Parque Ramiro Ruediger, en Blumenau/SC. Para ello, se discute el enfoque de la Resolución de Problemas y su conexión con la creatividad. Este artículo presenta una investigación aplicada, cualitativa y de investigación-acción, detallando el contexto, la estructura de la práctica y el análisis del problema investigado. Los resultados indican que este enfoque contribuyó al desarrollo de la autonomía, el razonamiento, la argumentación y la creatividad de los estudiantes durante la práctica educativa, avanzando en la comprensión de conceptos matemáticos, con la resolución de problemas constituida como un camino y orientación para el aprendizaje.

Palabras clave Creatividad; Resolución de Problemas; Método Trapezoidal; Educación Superior

Abstract

This article aims to analyze the implications of the Teaching-Learning-Assessment methodology in Mathematics through Problem Solving to apply the trapezoidal method, developed by students based on their prior knowledge, in a context involving the calculation of the area of the lake in Ramiro Ruediger Park, in Blumenau/SC. To this end, the Problem Solving approach and its connection to creativity are discussed. This article presents an applied, qualitative, and action-research study, detailing the context, the structure of the practice, and the analysis of the investigated problem. The results indicate that this approach contributed to the development of students' autonomy, reasoning, argumentation, and creativity during the educational practice, advancing the understanding of mathematical concepts, with problem solving established as a pathway and guidance for learning.

Keywords Creativity; Problem Solving; Trapezoidal Method; Higher Education

1 Introdução

A Educação Matemática busca contribuir significativamente na formação do cidadão, promovendo uma abordagem que valorize o desenvolvimento de competências essenciais, como a capacidade de abstração, o pensamento crítico e a criatividade. Orientações curriculares da Educação Básica, como a Base Nacional Comum Curricular — BNCC, sinalizam a importância de metodologias que priorizassem a construção de estratégias, a justificativa e a argumentação dos resultados, além de estimular a criatividade, o trabalho em equipe, a iniciativa pessoal e a autonomia, frutos da confiança nas próprias capacidades (Brasil, 2018).

No âmbito do Ensino Superior, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia (DCN de Engenharia), por exemplo, têm orientado que, na formação de engenheiros, o estudante tenha um papel ativo na construção do seu conhecimento, enfatizando a valorização da inter e da transdisciplinaridade, bem como indicam o papel do professor como agente condutor das mudanças necessárias, dentro e fora da sala de aula (Brasil, 2019). Para Royal Academy of Engineering (2007, p. 4), “é essa combinação de compreensão e habilidades que sustenta o papel que os engenheiros agora desempenham no mundo dos negócios”.

Contudo, ainda se encontram, em muitas salas de aula, professores que se limitam a transmitir conteúdos de forma tradicional, enquanto os estudantes permanecem em um papel passivo, esforçando-se para assimilar o que lhes é ensinado. Essa dinâmica frequentemente resulta em aprendizagens superficiais, sem significado, prejudicando não apenas a trajetória escolar e acadêmica dos estudantes, mas também suas futuras carreiras (Possamai et al., 2021).

Vygotsky (1987) já alertava que o ensino direto de conceitos e procedimentos pode ser ineficaz para a construção do conhecimento, resultando em uma repetição vazia de palavras pelos estudantes, semelhante ao comportamento de um papagaio que imita sem realmente entender.

Diante disso, a literatura recente que aborda o ensino da Matemática em diversas etapas e contextos educacionais tem se preocupado em repensar os processos de ensino, aprendizagem e avaliação, apresentando novas possibilidades que incentivem os educadores a inovarem suas práticas. A proposta é que os estudantes se tornem protagonistas na construção do seu próprio conhecimento, desenvolvendo a capacidade de pensar em múltiplas alternativas para a resolução de problemas, o que fomenta a criatividade (Van de Walle, 2009; Allevato e Onuchic, 2021; Vieira, Possamai e Allevato, 2023).

A Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018) reforça a necessidade de que as ideias apresentadas nas aulas sejam fundamentais para o desenvolvimento do pensamento matemático. O documento destaca que a aprendizagem matemática deve estar intrinsecamente relacionada à compreensão, isto é, à apreensão dos significados dos conceitos matemáticos. Nesse sentido, a Resolução de Problemas é apresentada como uma habilidade essencial a ser desenvolvida ao longo do ensino de diversos conteúdos matemáticos, em todas as etapas da Educação Básica.

Essa diretriz está fortemente alinhada à Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas, proposta por Allevato e Onuchic (2021). Segundo as autoras, essa metodologia oferece um caminho para ensinar, aprender e avaliar os conteúdos matemáticos, utilizando o problema como ponto de partida e guia para a construção de novos conceitos e procedimentos, sempre a partir dos conhecimentos prévios dos estudantes.

No âmbito da Resolução de Problemas, cabe ressaltar que,

o campo da Educação Matemática tem se concentrado na resolução de problemas por mais de 50 anos. Durante esse período, muitas pesquisas foram realizadas e muito se escreveu sobre o tema, resultando em uma crença compartilhada de que a resolução de problemas é, e deve ser, uma parte importante do ensino e da aprendizagem da matemática. De fato, nesse período, a resolução de problemas se incorporou aos currículos ao redor do mundo, tanto como uma habilidade a ser ensinada quanto como um meio pelo qual a matemática é aprendida. No entanto, a resolução de problemas ainda representa uma grande dificuldade para estudantes de todas as idades. Assim, o trabalho continua.

(Liljedahl e Cai, 2021, p. 1).

Diante desse contexto, um conjunto de problemas foi desenvolvido com os estudantes de Ensino Superior, especificamente dos cursos de Engenharia de Alimentos, Civil, Elétrica, Mecânica, Produção e Química de uma Universidade Comunitária em Blumenau (SC), que cursavam a disciplina de Cálculo Numérico. O objetivo do problema 1 era resgatar os conhecimentos prévios dos estudantes sobre o conceito e o cálculo da medida da área de figuras regulares, além de suas relações para a generalização da fórmula da medida da área dos trapézios. O problema 2 buscava, a partir de questões envolvendo regiões irregulares, provocar a generalização do método dos trapézios, que foi posteriormente aplicado no problema 3, foco de análise deste artigo.

Nesse viés, este trabalho tem como propósito analisar implicações da Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação em Matemática através da Resolução de Problemas, ao utilizar o método dos trapézios1, desenvolvido pelos estudantes a partir de seus conhecimentos prévios, em um contexto que envolve o cálculo da medida da área do lago do Parque Ramiro Ruediger, em Blumenau. Vale ressaltar que a prática educativa foi realizada de forma remota devido à pandemia da Covid-19.

Para tanto, na sequência, explora-se a relação entre Criatividade e Resolução de Problemas, evidenciando como essas abordagens podem se complementar para promover um aprendizado mais significativo.

2 Resolução de Problemas e Criatividade: um caminho para a aprendizagem ativa

A Resolução de Problemas e a Criatividade Matemática são pilares interligados que fortalecem a Educação Matemática. Pesquisadoras como Allevato e Onuchic (2021) enfatizam que a Resolução de Problemas deve ser o ponto de partida para a construção de novos conceitos, promovendo a compreensão matemática. A Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas integra ensino, aprendizagem e avaliação, transformando a resolução de problemas em um meio significativo de aprendizado.

As etapas dessa metodologia começam com a proposição de um problema, denominado gerador, com o intuito de desenvolver novas aprendizagens. Na fase de leitura individual, os estudantes refletem sobre o que é pedido e quais estratégias podem ser usadas. Em seguida, durante a leitura em conjunto, discutem suas interpretações, permitindo que diferentes perspectivas emerjam. Na resolução do problema em grupos, os estudantes aplicam seus conhecimentos prévios e exploram novas estratégias, evidenciando a criatividade ao desenvolver métodos diversos.

O professor atua como mediador, observando e intervindo para direcionar a discussão, enquanto os estudantes registram suas resoluções e compartilham soluções com a turma. A plenária oferece um espaço para reflexão sobre as abordagens apresentadas, levando à busca de consenso. Já a formalização do conteúdo acontece quando o professor introduz conceitos relevantes, conectando teoria e prática. Ao final, novos desafios são propostos para consolidar o aprendizado (Allevato e Onuchic, 2021).

Essa abordagem não apenas favorece a compreensão matemática, mas também estimula a criatividade, permitindo que os estudantes explorem soluções originais. Gontijo (2007) define a criatividade como a capacidade de apresentar múltiplas possibilidades de solução para um problema, um aspecto central na Resolução de Problemas. Ao trabalharem com problemas abertos, por exemplo, que permitem múltiplas abordagens, os estudantes são incentivados a pensar fora da caixa, valorizando a originalidade e a flexibilidade.

Nesse meio, os professores precisam criar um ambiente propício à expressão da criatividade, valorizando tentativas e erros, e incentivando os estudantes a compartilharem ideias, mesmo que incomuns. Essa identificação dos talentos criativos deve ser acompanhada por atividades que ressoem com os interesses dos estudantes (Vieira, Possamai e Allevato, 2023).

De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018), o desenvolvimento de competências vai além do simples aprendizado de conteúdos, englobando a capacidade de abstração, pensamento sistêmico, criatividade, curiosidade e a habilidade de formular múltiplas alternativas de solução. A Resolução de Problemas também favorece competências como trabalho em equipe, aceitação de críticas, pensamento crítico, comunicação e busca autônoma por conhecimento. Nessa perspectiva,

contrapondo-se aos exercícios de memorização e às tarefas matemáticas envolvendo a aplicação mecânica de fórmulas e algoritmos, as tarefas intelectualmente exigentes pressupõem a mobilização de recursos cognitivos mais complexos, pelos estudantes, implicando assim no desenvolvimento de habilidades de pensamento de ordem superior. Nesse sentido, a realização desse tipo de tarefa configura-se como uma auspiciosa oportunidade de aprendizagem.

(Vieira, Possamai e Allevato, 2023, p. 5).

Essa integração entre Resolução de Problemas e o desenvolvimento da criatividade representa um caminho promissor para o ensino da Matemática, oferecendo uma base sólida, que não só facilita a aprendizagem dos conteúdos, mas também prepara os estudantes para o futuro.

Na sequência, apresenta-se a descrição da prática educativa, metodologia da pesquisa e critérios de análise utilizados para análise do problema.

3 Descrição da prática educativa, metodologia da pesquisa e critérios de análise

O desenvolvimento dos problemas propostos ocorreu no primeiro semestre de 2020 com as turmas do período matutino (Engenharia de Alimentos, Mecânica e Química) e noturno (Engenharia de Alimentos, Civil, Mecânica, Produção e Química), seguindo as etapas da metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação em Matemática através da Resolução de Problemas. No início, a professora de Cálculo Numérico apresentou os pesquisadores (P1, P2 e P3), que explicaram a proposta e as etapas da metodologia aos estudantes.

Após essa introdução, os estudantes foram organizados em grupos de 3 a 4 no Microsoft Teams, devido à pandemia, com acompanhamento dos pesquisadores, para discutir e resolver os problemas. Essa configuração permitiu que os estudantes se comunicassem para argumentar e apresentar suas ideias, recebendo orientações na sala virtual. Os pesquisadores também atuaram na mediação das discussões e na construção dos dados de pesquisa.

Quanto à classificação, a pesquisa é aplicada, visando gerar conteúdos que abordem problemas específicos e seus contextos locais. Classifica-se, também, como qualitativa, pois busca compreender a relação entre o mundo real e os sujeitos envolvidos. Como afirmam Bogdan e Biklen (1994), na investigação qualitativa, o pesquisador é o principal instrumento de coleta de dados, utilizando observações e anotações no ambiente natural.

Além disso, conforme Kauark, Manhães e Medeiros (2010), a pesquisa é descritiva, focando nas características de fenômenos ou populações. Os dados incluem transcrições, notas de campo e outros registros, analisados em sua totalidade, respeitando a forma como foram construídos.

Durante a resolução dos problemas, o foco foi registrar e avaliar os raciocínios e decisões dos estudantes, buscando compreender o significado que atribuem ao conteúdo. A abordagem indutiva foi central, permitindo uma análise das experiências dos estudantes (Bogdan e Biklen, 1994).

A pesquisa também se classifica como investigação-ação, um processo cíclico que aprimora a prática através da ação e investigação. Nessa abordagem, pesquisadores e estudantes colaboram, visando melhorar o ensino e a aprendizagem. Para isso, foi adotado um ciclo de quatro etapas, que inclui planejamento, implementação, monitoramento e avaliação (Tripp, 2005). A construção dos dados foi colaborativa, envolvendo tanto os estudantes quanto os pesquisadores.

Diante desse contexto, foram elaboradas categorias de análise que refletem características relevantes à abordagem do conteúdo, com foco no papel do professor, no problema em si e nos estudantes de Engenharia. Essas categorias foram divididas em três perspectivas:

  1. Olhar para o professor: mediador, incentivador e questionador do processo.

  2. Olhar para o problema: ponto de partida para a aprendizagem, gerador de conceitos e procedimentos, com ênfase no conhecimento prático.

  3. Olhar para os estudantes de Engenharia: protagonismo, envolvimento, participação, além de criatividade, raciocínio, argumentação e discussão.

Esses olhares se constituíram como parâmetros na elaboração e resolução do problema, além de servirem como critérios de análise da prática educativa, assegurando que cada aspecto do processo de ensino-aprendizagem-avaliação fosse considerado de forma integrada.

Para tanto, na sequência, apresenta-se a análise dos dados.

4 Apresentação do contexto de pesquisa e análise dos dados

Cabe relembrar que, antes dos estudantes iniciarem a resolução do problema 3, resolveram, primeiramente, o problema 1, que tinha como objetivo resgatar os conhecimentos prévios dos estudantes sobre o conceito e o cálculo da medida da área de figuras regulares, além de suas relações para a generalização da fórmula que calcula a medida da área dos trapézios. O problema 2 buscava, a partir de questões envolvendo regiões irregulares, provocar a generalização do método dos trapézios, que foi posteriormente aplicado no problema 3, foco de análise deste artigo. A partir disso, os estudantes tiveram o suporte necessário para aplicar os conhecimentos ao problema 3, em que tiveram de calcular a medida da área do lago do Parque Ramiro Ruediger, localizado em Blumenau (SC).

Sendo assim, realizaram a coleta de dados, distribuindo os pontos de medição em torno do lago e utilizando uma imagem do Google Maps, de modo que a altura entre esses pontos fosse constante, para a posterior utilização do método dos trapézios. Na Figura 1, apresenta-se o problema entregue aos estudantes.

(Bertotti e Possamai, 2021, p. 9)

Figura 1 Problema 3 – Calculando a área do Parque Ramiro Ruediger 

Esse problema teve como conhecimento pretendido, a ser construído pelos estudantes, a organização dos dados, considerando que não há uma curva relacionada com uma função em um plano cartesiano, dado que apenas a imagem do lago, com indicação de escala, foi fornecida aos estudantes. Desse modo “essa situação pressupõe algum obstáculo que o sujeito deve superar, ou por precisar obter novos meios para alcançar uma solução, ou por dever organizar de maneira diferente os meios de que já dispõe.” (Echeverría e Pozo, 1998, p. 20). Para tanto, os estudantes tiveram o tempo apresentado no Quadro 1 para realização do problema.

Quadro 1 Carga horária destinada ao problema 

Atividades Turma matutino e noturno
Resolução do problema 2 horas-aula
Discussão e formalização 1 hora-aula

Fonte: Elaboração própria

Coloca-se que, nesse contexto, utilizou-se as siglas E, com um número na sequência, para descrever os estudantes participantes na pesquisa; GM, com um número na sequência, para representar os grupos do período matutino; e GN, com um número na sequência, para representar os grupos do período noturno.

Em seguida, apresenta-se a etapa da resolução do problema nos grupos.

4.1 Etapa da resolução do problema

Para resolução desse problema, o grupo GM1 optou por calcular a área de cada quadradinho e somá-los ao final, sendo que os não inteiros eram completados com os outros não inteiros.

(E1 falando): Para resolver este problema, vamos tentar fazer uma abordagem diferente e calcular a área do lago através de quadradinhos?

(E2 falando): Pode ser, aí podemos contar quantos quadradinhos preenchem a região do lago do parque. Veja a Figura 2 que representa o E1 fazendo a marcação dos pontos para contagem dos quadradinhos.

(Acervo de pesquisa)

Figura 2 Demarcação de pontos – GM1 

Os estudantes ficaram com dúvidas em relação ao resultado encontrado (2910 m²), pois, ao pesquisar na internet, verificaram que a área do lago do Parque Ramiro Ruediger era frequentemente citada como 4.000 m². No entanto, esse valor inclui a área do deck sobre o lago. Além disso, em uma conversa paralela à resolução do problema, os estudantes comentaram: “Este tipo de problema não é nem um pouco parecido com aqueles que resolvemos em aula. Os problemas em aula sempre tinham alguma função para integrarmos. Neste, precisávamos coletar os dados e, a partir deles, decidir como calcular a área”. Esse comentário ressalta como a experiência de resolução de problemas não segue uma linearidade tradicional (Allevato, 2005).

Dessa forma, a habilidade de abordar problemas de maneira não convencional é fundamental para o desenvolvimento da criatividade dos estudantes. Como afirmam Bicer et al. (2020, p. 458): “o tempo e esforço para desenvolver a sua criatividade em geral não serão mobilizados, a menos que os professores possibilitem experiências que ofereçam oportunidades educativas cognitivamente exigentes”.

Outrossim, embora os integrantes do GM1 não tenham resolvido o problema 3 pelo método dos trapézios, conseguiram obter um resultado próximo do esperado, uma vez que, calculando a área do lago por este método, chegou-se a um valor aproximado de 2.890 m². Nessa direção, Allevato (2005, p. 89) coloca que

não existe linearidade na forma de abordar o conteúdo matemático. As ideias dos estudantes caminham por percursos que se revelam particularmente diferentes da sequência linear característica das aulas tradicionais. Os nós podem estar ligados diretamente uns aos outros ou pela passagem por outros nós. Desse modo não existe um caminho único e determinado que os ligue.

Com exceção do GM6, que resolveu o problema pelo método de Simpson (também um método de integração numérica), os demais grupos, GM12, GN1, GN2, GN3 e GN6, utilizaram a estratégia de resolução pelo método dos trapézios. Nesse sentido, destaca-se a argumentação e discussão do GN1, que, como os demais grupos, chegaram a um consenso de solução para o problema 3:

(E20 falando): Eu estava pensando em repartir essa imagem, mas penso que não irá precisar.

(E19 falando): Percebam que nessa imagem do GeoGebra já temos o tracejado sobreposto à região do lago. Então deveríamos ir traçando as demarcações dos trapézios em torno do lago, certo?

(E18 falando): Precisamos ver também se o nosso intervalo vai ser par ou ímpar... então temos que medir o comprimento do lago.

(E21 falando): E não esquecendo que as alturas dos trapézios precisam seguir o mesmo padrão também.

(E20 falando): Talvez pudéssemos dividir a altura deles a cada dois ou três quadradinhos, o que vocês acham? Tem quantos quadradinhos nessa região do lago, alguém contou?

(E19 falando): Deixa-me ver: 5, 10, 15, 20, 25, 30, 35, 36, 37, 38... é isso, são 38 quadradinhos.

(E20 falando): 38 é par.

(E21 falando): Isso, então a altura poderia ser a cada dois quadradinhos.

A Figura 3 mostra o início da demarcação dos pontos em torno do lago, a cada 2 quadradinhos, realizado pelo grupo.

(Acervo de pesquisa)

Figura 3 Demarcação de pontos – GN1 

[Nesse momento, o E19 questiona o que é o espaço em branco indicado na Figura 3]

(E21 falando): É uma ponte! Em cima do lago tem uma ponte.

(E19 falando): Mas consideramos essa parte?

(E21 falando): Sim, pois o lago passa embaixo da ponte, devemos considerar.

(E19 falando): Certo, verdade.

(E19 falando): Alguém não esquece de anotar a medida de escala, que 20,01m equivale a 1,68.

(E20 falando): É 1,68cm?

(E19 falando): Essa é a medida que o GeoGebra adota como padrão, acho que não sabemos se é cm ou mm. Mas isso não importa, pois, no final, os valores serão convertidos e essa unidade ‘some’.

(E20 falando): Verdade, é só uma referência para a escala.

Este grupo, GN1, optou por fazer uma relação entre os eixos das abscissas e das ordenadas na coleta dos dados. Por exemplo: para um ponto qualquer demarcado, este corresponde a 2,4 no eixo das abscissas para duas imagens (eixo das ordenadas). Os estudantes desse grupo, ao longo da resolução, estavam considerando apenas o valor de uma imagem para cada valor de x, isto é, estavam desconsiderando a diferença entre as imagens para efeitos de cálculo, conforme mostra a Figura 4.

(Acervo de pesquisa)

Figura 4 Coleta de dados – GN1 

Porém, o E20 percebeu essa falha de interpretação durante a coleta dos dados.

(E20 falando): Pessoal, nós precisamos calcular mais uma tabela para chegarmos ao resultado.

(E21 falando): Como assim?

(E20 falando): Pensa um pouquinho nos valores de y que coletamos.

(E21 falando): Ah, claro. Nós não pegamos todas as partes de y correspondentes a x. Somente o valor lá de cima.

(E20 falando): Isso mesmo, nós precisamos pegar também a outra imagem de x. Aí, com isso, fazemos a diferença dos valores encontrados, senão estaríamos considerando a área verde do gráfico também, entendem?

(E19 falando): Eu não entendi o que você quis dizer, poderia me explicar de novo?

(E20 falando): Vá até a figura para eu poder melhor lhe explicar. Veja que, olhando para o ponto 2,4 (abscissa), nós só consideramos como f(x) o valor superior do ponto, ou seja, a gente também está incluindo nesse cálculo a área verde. Precisamos considerar com esse ponto 2,4, o valor da imagem (ordenada) inferior, também. Fazer a diferença entre as duas imagens para termos somente o valor da área do lago.

(E18 falando): Eu entendi o que você está falando. Em todos os cálculos em que a área verde está presente na demarcação dos pontos, isso?

(E19 falando): Claro, claro, faz sentido, agora eu entendi o raciocínio.

A Figura 5 representa a base do diálogo anterior.

(Acervo de pesquisa)

Figura 5 Trapézios no lago – GN1 

Desse modo, os estudantes resolveram o problema através de um raciocínio correto que, pela forma de relacionar o eixo das abscissas com o das ordenadas para encontro do valor da área, surpreendeu os pesquisadores. Isso porque, para resolver esse problema, apenas era necessário ter como dados o valor da medida da altura (eixo das abscissas) e da base (diferença entre os dois pontos do eixo das ordenadas) de cada trapézio.

Os estudantes, a partir desse caminho escolhido para resolução, conseguiram argumentar e debater outras questões, como por exemplo, o que, a partir do método dos trapézios, deve ser considerado para obter apenas o valor da área do lago do Parque Ramiro Ruediger, desconsiderando-se os outros fatores. Essas constatações estão em consonância do que Cai e Lester (2012, p. 152) retratam:

O ambiente de aprendizagem do ensino através da resolução de problemas oferece um cenário natural para os alunos apresentarem várias soluções do problema para o seu grupo ou classe e aprenderem matemática através de interações sociais, ou seja, negociação, e obter a compreensão compartilhada. Tais atividades ajudam os alunos a esclarecerem suas ideias e adquirir diferentes perspectivas para o conceito ou ideia que estão aprendendo.

Já no grupo GM12, o pesquisador P1 fez uma intervenção, em meio a uma conversa, a fim de verificar como os estudantes estavam pensando.

(E15 falando): Eu tenho uma dúvida com relação ao problema 3. Só podemos usar trapézios para preencher a região do lago? Eu não poderia fazer alguns quadrados grandes e só contorná-los com trapézios para agilizar o processo?

(E16 falando): Precisamos usar somente um tipo de figura, pois o método é específico de trapézios, lembra da generalização da fórmula que chegamos?

(E15 falando): Sim, mas precisam ser todos do mesmo tamanho ao aplicarmos?

(E16 falando): Acredito que precisamos padronizar a mesma altura, alterando somente as medidas das bases dos trapézios.

[Nesse momento, o pesquisador entra no grupo para verificar como os estudantes estão pensando].

(P2 falando): Percebi que vocês estão no caminho, dividindo a figura em vários trapézios, mas verifiquem se eles estão com a mesma altura... lembram da fórmula do trapézio que vocês generalizaram?

(E15 falando): Sim, é que ainda não está bem pronto! Agora estamos estudando qual seria o melhor trapézio para preenchermos a área dessa região, algum tipo que não fosse de tamanho muito pequeno, que nos levasse a tirar muitas medidas depois, e nem um de tamanho muito grande, que não se aproxime do valor da área pretendido. Até estávamos discutindo isso antes, não podemos fazer um quadrado grande e irmos contornando com trapézios, certo?

(P2 falando): Vocês podem fazer por trapézios, todos de mesma altura. Mas lembrem que eles não precisam ser todos iguais, ou seja, de mesma base. Vejam a foto que mandei no chat (leia-se Figura 6).

(E15 falando): Ah, entendi sim. É só a largura que pode variar. Muito obrigado!

(Acervo de pesquisa)

Figura 6 Representação do lago pelo P2 

Nesse sentido, percebe-se que o comentário do P2 apenas confirmou a resposta quanto à dúvida que o E15 havia direcionado à E16 sobre se os trapézios precisavam ser todos do mesmo tamanho.

Essas discussões entre os estudantes e, também, com o pesquisador levam à reflexão sobre quanta informação fornecer aos estudantes.

Ao ensinar pela resolução de problema, um dos dilemas mais desconcertantes é o quanto dizer aos alunos. Por um lado, dizer reduz a reflexão deles. Os que percebem que o professor tem um método ou abordagem preferida são extremamente relutantes em usar suas próprias estratégias. Os alunos também não desenvolverão autoconfiança nem habilidades em resolução de problemas ouvindo o professor expor o pensamento. Por outro lado, dizer muito pouco algumas vezes pode resultar em tropeços e desperdiçar um tempo precioso das aulas.

(Van de Walle, 2009, p. 75).

Assim, o autor discute que o quanto dizer aos estudantes deve permitir que a situação continue desafiadora para eles e que ainda permita que reflitam e continuem centrados na busca da solução, sem reduzir o problema a um procedimento mecânico. Conforme coloca Echeverría e Pozo (1998, p. 64-65), “a discussão com os colegas obriga o aluno a tornar explícita e a justificar a forma como compreende uma tarefa, as ferramentas e as técnicas com as quais procura abordá-la, o objetivo a que se propõe ao utilizar cada uma dessas técnicas e a ordem nas quais as usará”.

Essa ajuda pode envolver também o esclarecimento sobre alguma nomenclatura ou sobre a manipulação de algum recurso usado na resolução, como aconteceu em dois dos grupos avaliados, GN3 e GN6, que tiveram dificuldades iniciais ao manusear algumas ferramentas do GeoGebra. Com isso, um dos integrantes dos grupos citados solicitou ajuda do pesquisador na sala virtual da turma. A transcrição do GN3 mostra esse momento.

(E27 falando): P1, será que você poderia entrar em nosso chat individual para esclarecer algumas dúvidas relacionadas ao GeoGebra? [na sala virtual da turma]

(P1 falando): Boa noite, grupo! Qual a dúvida de vocês? [na sala virtual do grupo]

(E27 falando): Boa noite! Nós estamos com dificuldades de fazer a medida (leitura) do valor da escala apontada no gráfico.

(P1 falando): Vocês precisarão ir à 3ª janela, na parte superior do GeoGebra, e selecionar a opção segmento, na flecha vermelha embaixo desta janelinha.

(E27 falando): Ah, certo. Eu só estava conseguindo selecionar a opção reta antes, porque não havia visualizado as demais opções por essa flechinha.

(P1 falando): Isso mesmo, em cada opção dessas janelas há outras que podem ser utilizadas. Agora tenta medir o valor da escala com esse segmento.

(E27 falando): Perfeito, deu certo, 1,68 é correspondente a 20,01m. Outra dúvida, para dividirmos o lago com os trapézios, utilizamos esse mesmo segmento de reta?

(P1 falando): Isso mesmo, o intuito é medir a distância de um ponto até o próximo ponto da base.

Outrossim, nesse momento de mediação do pesquisador, outra questão foi levantada pelo mesmo grupo:

(E27 falando): Sim, entendi... e quantos trapézios são necessários para calcularmos a área do lago com uma boa precisão, considerando uma altura padrão?

(P1 falando): Isso fica a encargo de vocês. Poderão optar por uma altura de 1, 2, 3, 4... quadradinhos, mas 2 quadradinhos já são suficientes para se ter uma boa precisão no resultado.

(E27 falando): Sim, já havia compreendido a ideia de que, quanto menor for a altura do trapézio, melhor a precisão... só perguntei isso por causa do tempo para resolvermos esse problema.

(P1 falando): Fiquem tranquilos quanto a isso, o importante é vocês apresentarem o raciocínio que tiveram para resolução do problema. A sistematização final do trabalho pode ser entregue até a próxima aula.

Essa discussão aconteceu com os estudantes compartilhando a tela GeoGebra, que estavam usando para resolver o problema, conforme ilustra a Figura 7.

(Acervo de pesquisa)

Figura 7 Compartilhamento de tela – GeoGebra 

Essa ferramenta de compartilhamento de telas permite que os estudantes consigam sanar dificuldades e construir conhecimento com agilidade, a partir de um contexto que não seja o ensino presencial (Garcia, 2011). Nesse sentido, é possível fomentar o trabalho e a colaboração em grupo, elementos essenciais para a etapa de resolução do problema.

Ainda com relação à transcrição relatada, novamente ficou constatada, assim como nos problemas 1 e 2, a preocupação dos estudantes em entregarem a tempo a resolução do problema. Sendo assim, é importante que, caso o grupo não consiga terminar completamente a resolução do problema no horário proposto, o professor incentive-os a apresentar, ao menos, o raciocínio que se desenvolve nesse processo, pois é a partir dele que se chega ao resultado. Ou seja, com o raciocínio formado, os estudantes têm condições de formalizá-lo, em forma de relatório, em outro momento que não seja a sala de aula.

Na sequência, discutem-se as etapas seguintes à resolução do problema.

4.2 Etapas após a resolução do problema

Nas etapas da plenária e busca do consenso, evidenciou-se que, pela apresentação dos grupos e seus registros escritos entregues, os estudantes conseguiram calcular a área do lago do Parque Ramiro Ruediger.

Com exceção dos grupos GM1 e GM6, que, respectivamente, calcularam a área do lago por seu próprio método e pelo método de Simpson, os demais grupos optaram por resolver via método dos trapézios.

Durante a apresentação do GM1 na plenária, houve um incentivo do pesquisador P2 para que os estudantes também resolvessem esse problema pelo método que construíram em sala de aula. A Figura 8 representa a fala e apresentação do grupo.

(Acervo de pesquisa)

Figura 8 Primeira resolução do GM1 

Após essa apresentação, o E1 comenta sobre o seu trabalho e a P2 intervém nesse processo:

(E1 falando): Nós não temos certeza se esse método é o correto, se ele realmente é válido. Por isso, gostaríamos de esperar a discussão em sala para depois formalizar isso em um arquivo mais bem formatado e enviar para vocês.

(P2 falando): O método de vocês é adequado, pois fizeram aproximações que também chegaram ao resultado esperado. Essa solução vocês podem e devem apresentar no relatório. Mas também propomos um desafio a vocês: incluir, juntamente nessa solução, a resolução via método dos trapézios ou Simpson. Após isso, encontrem a área e comparem com essa primeira solução apresentada por vocês.

(E1 falando): Certo, resolveremos o problema por um desses métodos também e encaminhamos para vocês.

Assim, na Figura 9, está apresentada a segunda resolução do grupo após a mediação do P2.

(Acervo de pesquisa)

Figura 9 Segunda resolução do GM1 

O valor encontrado pelo grupo de 3243 m² foi maior que o valor esperado de 2900 m², sendo que essa situação é decorrente, principalmente, da maneira anterior como os pontos de medição foram distribuídos em torno do lago. Como se percebe na imagem anterior (direita), na Figura 9, o GM1 começou a demarcação dos pontos ainda na área verde. Portanto, esse adicional de área acabou influenciando no valor de área esperada para o lago; no entanto o importante é o detalhamento, no relatório, das informações que levaram ao erro. Nele, o grupo explicou a razão das inconsistências da área encontrada em relação à esperada (observada na plenária)

Os demais grupos, GM4, GM6, GM7, GM12, GN1, GN2, GN3 e GN6, conseguiram encontrar um valor próximo do esperado para a área, como mostra a fala do integrante do grupo GN3:

(E27 falando): Dividimos o lago em 19 segmentos de trapézios para poder calcular a área mais aproximada possível do lago do Parque Ramiro Ruediger. Então, com base na equação ATa=h2[b1+2(B1+B2+B3)++Bn1+bn] , construímos uma tabela para melhor representação dos resultados.

A Figura 10 ilustra o procedimento de cálculo dos estudantes, o qual os levou a encontrar um valor de área de, aproximadamente, 2879m².

(Acervo de pesquisa)

Figura 10 Resolução do GN3 

Todas essas discussões na resolução de problemas e na reflexão sobre os processos utilizados na aprendizagem evidencia o papel fundamental da criatividade no contexto educacional. Como argumenta Gontijo (2007), a criatividade em matemática está ligada à capacidade de apresentar soluções originais e variadas para um problema. Essa diversidade de abordagens enriquece o processo de ensino-aprendizagem, permitindo que os estudantes se tornem pensadores críticos e autônomos. Além disso, de acordo com Possamai e Silva (2020, p. 8), quando os estudantes dialogam, esse processo

tende a, além de desenvolver a aprendizagem, aprimorar nos estudantes habilidades que serão úteis em todas as áreas e para a vida, como: criatividade na busca de uma solução para o problema proposto; criticidade no momento de analisar seu procedimento e seu resultado, assim como os de seus colegas; poder de argumentação para apresentar sua proposta em detrimento de outras; autonomia na busca de uma solução; e, por fim, a capacidade de trabalhar colaborativamente, apresentando propostas, discutindo possibilidades e aceitando outras alternativas quando forem coerentemente apresentadas.

Portanto, ao promover um ambiente em que a resolução de problemas é central, os educadores não apenas estimulam o pensamento crítico, mas também incentivam os estudantes a explorarem sua criatividade matemática, alinhando-se com a visão de Bicer et al. (2020) e Vieira, Possamai e Allevato (2023) sobre a importância de experiências cognitivamente desafiadoras que favorecem a construção de compreensões conceituais significativas.

Nesse viés, Leal Junior e Onuchic (2015, p. 959) enfatizam que “a criatividade atua como uma potência inerente aos agenciamentos e aos acontecimentos no pensamento dos estudantes, que ao se depararem com os problemas, buscarão meios para resolvê-los”. A dedicação com os detalhes durante a resolução do problema também evidencia o interesse dos estudantes nesse processo, assim

embora não se trate de reduzir os problemas escolares ao formato das tarefas e situações cotidianas, parece que para que os alunos enfrentem as tarefas escolares como verdadeiros problemas é necessário que elas tenham relação com os contextos de interesse dos alunos ou, pelo menos, adotem um formato interessante, no sentido literal do termo.

(Echeverría e Pozo, 1998, p. 42).

Devido à clara compreensão dos estudantes sobre como realizar o cálculo de área do lago utilizando os métodos numéricos, o pesquisador P1 apenas frisou, na etapa de formalização, algumas etapas importantes que levaram à solução do problema, como: (i) medição de escala, em que 1,67 representa 20,01 m; (ii) a altura do trapézio de 0,2 (para quem usou essa medida) representa 2,38 m da escala real e (iii) a área é obtida pela generalização do método dos trapézios, conforme encontrada no problema 2 — de modo geral, o valor da altura é divido por dois, sendo multiplicado pelo somatório de todas as bases com seus respectivos coeficientes.

Assim sendo, na sequência, apresentam-se as considerações finais frente à análise dos dados.

5 Discussão e considerações

Ao analisar os resultados obtidos com o problema proposto, observa-se que ele atuou como um gerador de conceitos e procedimentos, fundamentado no conhecimento prévio dos estudantes e, frequentemente, apoiado nas discussões em grupo, nas quais diferentes estratégias de resolução foram apresentadas. Nesse contexto, Cavalcanti (2001, p. 121) afirma que “aceitar e analisar as diversas estratégias de resolução como válidas e importantes etapas do desenvolvimento do pensamento permite a aprendizagem pela reflexão e auxilia o aluno a ter autonomia e confiança em sua capacidade de pensar matematicamente”.

Quanto ao engajamento dos estudantes, foi possível notar que eles se envolveram ativamente ao relacionar o problema prático da engenharia com a aplicação do método dos trapézios, desenvolvido a partir dos problemas 1 e 2. Essa conexão facilitou a construção de novos conceitos e procedimentos durante a busca pela solução do problema apresentado.

Esse cenário evidencia que o ensino em engenharia, assim como em outras áreas do conhecimento com um foco profissional, não deve se restringir a problemas desconectados do processo de construção do conhecimento e do contexto prático dos futuros profissionais A realidade pós-universitária demanda que os graduandos enfrentem e resolvam uma variedade de problemas e situações, já que o papel do engenheiro envolve essencialmente a resolução de desafios. Portanto, é fundamental que eles estejam preparados para aprender novos conteúdos e aprimorar suas habilidades, com base nas experiências adquiridas ao longo da formação acadêmica.

Não se pretende, no entanto, reduzir a matemática a uma função meramente utilitária, sugerindo que apenas problemas de aplicação devem ser abordados. O crucial é que as questões apresentadas, seja no âmbito da matemática ou no contexto da prática profissional dos estudantes, sejam desafiadoras e instigantes.

Nesse sentido, a metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação em Matemática através da Resolução de Problemas, configura-se como uma oportunidade valiosa para que os estudantes aprimorem suas habilidades de trabalho colaborativo. Para que o grupo consiga resolver o problema gerador, é necessário que os integrantes imaginem, raciocinem, estruturem, debatam e troquem ideias de maneira respeitosa e construtiva.

Vale destacar que a ideia de que tudo está totalmente correto ou que só existe uma única resposta não é central nessa metodologia. Pelo contrário, o processo de construção do conhecimento implica que os estudantes possam cometer erros, o que resulta em discordâncias durante as discussões, levando a debates enriquecedores. Nesse ambiente de debate, a oportunidade de os grupos falarem e ouvirem as opiniões uns dos outros promove um consenso em relação às propostas apresentadas, mediado pelo professor. Isso evita que um estudante aponte o erro do colega, minimizando inseguranças e abrindo espaço para novos desafios e discussões.

Assim, é fundamental que alguns pontos sejam efetivados durante a prática educativa: (i) o professor deve prestar atenção aos estudantes, demonstrando confiança em seu constante processo de aprendizagem; (ii) deve-se estabelecer uma relação dialógica entre professor e estudante, permitindo que este expresse suas ideias; (iii) a avaliação deve ser formativa, incentivando a reflexão e a análise sobre o que foi produzido, promovendo a autoavaliação; (iv) o foco deve ser no desenvolvimento de processos e não apenas em resultados finais, evitando julgamentos; (v) os estudantes devem ser incentivados a organizar e detalhar seus raciocínios de forma clara na resolução dos problemas; (vi) a avaliação deve ser oportuna para a aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades.

Ainda, os professores devem ser pacientes em seus esforços para aprimorar continuamente sua prática em sala de aula e ajudar seus estudantes a se tornarem profissionais com as habilidades necessárias no mundo pós-universitário. Sem dúvida, a Resolução de Problemas, aliada à Criatividade, contribui significativamente para essa transformação.

A prática educativa proporcionou momentos de reflexão, criatividade e compreensão matemática, especialmente na relação entre teoria e prática, conforme testemunhado pelos estudantes:

Depoimento 1: “Pelo que vi no nosso grupo, a gente se sente mais à vontade para fazer o que foi proposto, pois não tem aquela pressão do 'silêncio, estamos em aula'. Fomos para um grupo separado e lá discutimos sobre o trabalho em total liberdade, algo que, em sala, muitas vezes já foi alvo de 'conversa lá fora', mesmo quando estávamos falando de algo relacionado à matéria”.

Depoimento 2: “Um dos maiores benefícios para mim foi ter visto com mais profundidade onde usarei os aprendizados de cálculo na minha profissão”.

Depoimento 3: “Me fez refletir e me desafiar mais com o conteúdo, apresentando leques de problemas diferentes dos mostrados na sala, tornando a discussão mais rica”.

Cabe ressaltar que este estudo contribui para a pesquisa em Educação Matemática ao reforçar a Resolução de Problemas como uma abordagem metodológica capaz de promover a aprendizagem ativa e o desenvolvimento de competências matemáticas fundamentais. A investigação evidencia como a interação entre estudantes e a formulação de estratégias diversas ampliam a compreensão conceitual, fortalecendo a argumentação e a criatividade. Além disso, os resultados obtidos ressaltam a importância de práticas pedagógicas que articulem teoria e aplicação, fornecendo subsídios para futuras pesquisas que explorem novas formas de ensino que valorizem a experimentação e a construção coletiva do conhecimento. Dessa maneira, o estudo dialoga com pesquisas contemporâneas sobre ensino de Matemática e oferece caminhos para inovações metodológicas que favoreçam a aprendizagem com compreensão.

Para concluir, é importante destacar que os pesquisadores envolvidos nesta pesquisa compartilham do mesmo sentimento expresso por Onuchic e Allevato (2011, p. 82), quando afirmam que “professores que ensinam dessa maneira se empolgam e não querem voltar a ensinar de forma tradicional. Sentem-se gratificados ao perceber que os estudantes desenvolvem compreensão a partir de seus próprios raciocínios”.

Para tanto, sugere-se que, em futuras pesquisas, novas práticas educativas sejam desenvolvidas e analisadas dentro do contexto da Resolução de Problemas e do Ensino Superior, uma vez que há uma carência de estudos nessa área do conhecimento.

1O método dos trapézios refere-se a uma técnica de integração numérica.

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