1 Introdução
A Matemática, frequentemente vista como um domínio exato e restrito, revela um vasto potencial criativo quando ensinada de modo dinâmico. O planejamento pautado no Desenho Universal para Aprendizagem (DUA) é um aliado nesse processo, posto que adota uma abordagem curricular que visa planejar estratégias pedagógicas redesenhadas à diversidade de cada estudante (Góes e Costa, 2022). A articulação entre criatividade e os princípios do DUA pode transformar o ensino de Matemática, tornando-o inclusivo e acessível a todos.
A inclusão vai além da mera presença física dos estudantes em sala de aula. Ela trata de criar condições que permitem a participação ativa e o desenvolvimento integral, respeitando as particularidades de cada estudante. No ambiente educacional, é importante reconhecer as diferenças como parte integrante do processo de ensino e de aprendizagem, o que demanda a reestruturação das práticas pedagógicas para atender uma ampla variedade de necessidades.
A educação inclusiva, fundamentada em equidade e acessibilidade, requer que as instituições de ensino valorizem a diversidade. Isso envolve assegurar acessibilidade para estudantes com deficiências, transtornos ou necessidades educacionais específicas, oferecendo estratégias que assegurem o acesso ao currículo e a participação efetiva em todas as atividades escolares (Costa e Góes, 2022). O DUA se apresenta como uma abordagem pedagógica alinhada a esse propósito, promovendo a inclusão por meio de práticas flexíveis e acessíveis, o que pode estimular o processo criativo dos professores e dos estudantes.
Reconhecendo que cada estudante possui um modo único de aprender, o DUA fornece princípios e diretrizes para que os professores criem ambientes que removam barreiras e ampliem as oportunidades de sucesso para cada estudante (Góes, Costa e Góes, 2023). Ao integrar criatividade e DUA, o ensino de Matemática pode se tornar um espaço flexível, dinâmico e acessível, em que diferentes estilos de aprendizagem são valorizados. Esse modelo permite que os estudantes escolham como interagir com o conteúdo matemático, utilizando tecnologias, materiais manipuláveis ou abordagens lúdicas que favoreçam a criatividade e a participação ativa. Baseado nos princípios de engajamento, representação e ação/expressão, o DUA proporciona aos estudantes diversas formas de envolvimento e aprendizagem.
No aspecto do engajamento, os estudantes são motivados e envolvidos, conectando-se emocionalmente ao conteúdo. No domínio da representação, eles se tornam engenhosos e experientes ao reconhecer e compreender o conhecimento de maneiras distintas. Já no campo da ação e expressão, eles se tornam estratégicos e direcionados para metas, aplicando estratégias diversas para resolver problemas matemáticos, o que promove autonomia e pensamento crítico. Com essa abordagem, o DUA no ensino de Matemática respeita as diferenças individuais e assegura que todos os estudantes tenham oportunidades de participar ativamente do processo de aprendizagem (Góes e Costa, 2022).
Este artigo apresenta um recorte da dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação: Teoria e Prática de Ensino, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), desenvolvida pela primeira autora, sob a orientação da segunda e do terceiro autores. A pesquisa investigou práticas pedagógicas planejadas com base no DUA, voltadas à aprendizagem em Matemática, à luz do pensamento complexo de Edgar Morin. O estudo analisou as interações em sala de aula, envolvendo 29 estudantes do 5º ano dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, e buscou compreender como a integração entre criatividade e os princípios do DUA pode transformar o ensino de Matemática, tornando-o mais acessível, dinâmico e inclusivo.
2 Inclusão na Educação
A inclusão na educação vai além da simples inserção de estudantes com diferentes características no ambiente escolar. Trata-se de um compromisso ético e pedagógico que visa garantir o direito de todos aprenderem, respeitando as singularidades e promovendo o pleno desenvolvimento. Esse conceito, fundamentado em práticas democráticas, reconhece que a diversidade não é um desafio a ser superado, mas uma riqueza que pode transformar as relações e processos educativos (Costa e Góes, 2022).
Historicamente, a concepção de inclusão surgiu do reconhecimento da exclusão enfrentada por grupos marginalizados. Inicialmente, o foco estava em pessoas com deficiência, mas, ao longo do tempo, ampliou-se para abarcar todas as barreiras que limitam o acesso ao aprendizado. Assim, a ideia de inclusão está intrinsecamente ligada à construção de uma educação que valoriza a heterogeneidade, combate desigualdades estruturais e promove oportunidades equitativas para cada indivíduo.
A inclusão na educação exige uma abordagem pedagógica que reconheça a diversidade como uma característica inerente ao processo educativo.
Uma das ferramentas que demonstram uma completude para o desenvolvimento da educação inclusiva é a chamada diferenciação curricular, que se concretiza no DUA com seus três princípios, os quais possibilitam criar ambientes de aprendizagem desafiadores e envolventes para todos os estudantes
Segundo Mantoan (2015), a inclusão educacional implica compensar a estrutura das escolas e suas práticas pedagógicas, eliminando obstáculos que dificultam o aprendizado. Esse movimento requer mudanças nas mentalidades e nas estratégias de ensino. Seu objetivo é criar condições para que cada estudante possa participar ativamente, contribuindo com suas perspectivas e talentos únicos. Isso compreende ajustar as estruturas escolares e suas abordagens pedagógicas, removendo barreiras que impedem o aprendizado. Essa transformação exige uma mudança significativa nas atitudes e métodos de ensino, com vistas a estabelecer um ambiente em que cada estudante possa se envolver, trazendo suas visões, habilidades, fragilidades e preferências.
Outro aspecto a ser considerado ao abordar a inclusão na educação é a formação dos professores, uma vez que esses desempenham o papel de mediar experiências de aprendizagem que respeitam as particularidades de cada estudante. Para isso, é necessário oferecer oportunidades de formação continuada, capacitando-os para lidar com a diversidade e para adotar estratégias que promovam a participação ativa dos educandos.
Sebastian-Heredero e Seneda (2019) destacam que a essência da educação inclusiva reside na exclusão da uniformidade, reconhecendo e valorizando a singularidade de cada indivíduo em um contexto de igualdade de direitos. Nesse sentido, a educação inclusiva transcende a mera garantia de matrícula, dado que requer um comprometimento conjunto de todos os membros do sistema educacional para que a escola se transforme, efetivamente, em um espaço livre de exclusões.
Esse conjunto fortalece a ideia de que a escola não é apenas um espaço de transmissão de conhecimento, mas também um lugar de convivência e construção de cidadania. Portanto, o conceito de inclusão na educação ultrapassa a adaptação de materiais ou espaços físicos. É necessário redesenhá-los como compromisso de transformação social, valorizando as potencialidades de cada indivíduo e promovendo uma convivência rica e diversa. Essa perspectiva desafia os sistemas educacionais a romper com modelos tradicionais e se tornar espaços genuínos de acolhimento e desenvolvimento para todos.
3 Caminhos e possibilidades para aprender
A aprendizagem é um processo contínuo, rico em possibilidades, e cada estudante percorre um caminho único, moldado por suas experiências, interesses e desafios. Reconhecer essa singularidade é fundamental para a construção de ambientes educacionais que favoreçam o desenvolvimento integral e respeitem a diversidade de formas de aprender (Góes, Costa e Góes, 2023).
Os caminhos para a aprendizagem são tão variados quanto as pessoas que os trilham. Alguns exploram o conhecimento por meio da experimentação e da prática, enquanto outros encontram na leitura e na reflexão formas de aprofundar saberes. Há aqueles que se destacam em atividades colaborativas, em que a troca de ideias e o diálogo são essenciais, enquanto outros preferem o trabalho individual, guiado por sua autonomia e ritmo próprios (Cast, 2018).
Nesse contexto, a educação enfrenta o desafio de atender às múltiplas formas de aprender, considerando as necessidades, interesses e singularidades de cada estudante. Para isso, é indispensável um planejamento cuidadoso, fundamentado no conhecimento das potencialidades e dificuldades individuais. O ensino deve ser flexível e sensível, promovendo práticas inclusivas que ampliem as oportunidades de participação e desenvolvimento. Além do ambiente escolar, o aprendizado ocorre em diferentes espaços, como interações sociais, vivências culturais, experiências profissionais e no cotidiano, ampliando as oportunidades para a construção do conhecimento e o desenvolvimento de competências.
Como afirmam Sebastian-Heredero e Seneda (2019, p. 33), “uma prática educativa em conformidade com o ideário de inclusão carece de consideração à escola como espaço imprescindível para o desenvolvimento da transformação humana”. Nesse sentido, o papel da escola não se restringe à transmissão de conteúdo, mas à criação de condições para que os sujeitos possam reconhecer e desenvolver seu potencial de maneira autônoma e crítica.
Da mesma forma, como alerta Morin (2000, p. 14), o “conhecimento do conhecimento” deve ocupar uma posição central no processo educativo. Essa reflexão destaca a necessidade de preparar os estudantes para lidar com os riscos constantes de erro e ilusão que podem interferir na aprendizagem. Ao mesmo tempo, reforça a importância de desenvolver a capacidade de pensar de forma complexa — indispensável em um mundo caracterizado pela diversidade e pelas interconexões. Essas interconexões que também estão presentes no ambiente da sala de aula são propícias para o desenvolvimento da criatividade quando se tem um planejamento pautado no DUA.
A criatividade amplia as possibilidades de aprendizagem, abrindo caminhos para reinventar práticas, explorar novos modos de ensinar e aprender, bem como enfrentar os desafios que surgem ao longo do percurso. Conforme La Torre (2012), a criatividade deve começar com uma abordagem surpreendente e aberta, já que reduzi-la a um único critério ou teste limita sua essência dinâmica e em constante transformação. É indispensável cultivar ambientes que incentivem a expressão criativa, respeitem a individualidade e promovam a autonomia, criando espaços em que cada pessoa possa florescer e contribuir de maneira única para o processo educativo.
Assim, como previsto nas diretrizes e considerações do DUA (Cast, 2018), a educação não se restringe à aquisição e ao uso de novas tecnologias, ela deve abranger a compreensão do próprio processo de aprendizagem, capacitando os estudantes a se tornarem protagonistas de sua formação.
A educação deveria ajudar a passar de aprendizagem em desenvolvimento a avançado: pessoas que querem aprender, que sabem como fazê-lo estrategicamente e que, desde um estilo próprio altamente flexível e personalizado, estão bem preparadas para a aprendizagem ao longo da vida (Sebastian-Heredero, 2020, p. 735).
Explorar os caminhos e as possibilidades de aprendizagem exige um olhar atento à diversidade, à inclusão e à inovação. Reconhecer que não há um caminho único para todos é o primeiro passo para construir uma educação mais acessível e transformadora, que valoriza o potencial de cada um em sua jornada de aprendizagem. Nesse cenário, os professores são motivados a enfrentar o desafio de usar a criatividade, especialmente quando se deparam com situações que causam inquietações em ações concretas.
4 O Desenho Universal para Aprendizagem (DUA)
Para entender o conceito do DUA, é essencial começar pela explicação de seus princípios, que são fundamentais para a construção de um ambiente educacional inclusivo (Meyer, Rose e Gordon, 2014). Nesse sentido, o DUA busca organizar práticas pedagógicas acessíveis a todos os estudantes, levando em conta a diversidade presente na sala de aula e garantindo que diferentes formas de aprendizagem sejam consideradas (Raksa, Góes e Góes, 2024).
O primeiro princípio do DUA se refere ao engajamento, que busca motivar os estudantes a se envolver ativamente no processo de aprendizagem, abordando o porquê da aprendizagem. Está relacionado às redes afetivas e foca na importância de engajar emocionalmente os participantes do processo educativo. Esse aspecto é decisivo para criar um ambiente de aprendizagem atrativo e relevante, promovendo o envolvimento contínuo dos estudantes.
O segundo princípio do DUA diz respeito ao acesso à informação e ao conhecimento, enfatizando a necessidade de apresentar o conteúdo de diversos modos, ou seja, o o quê da aprendizagem. Esse princípio está vinculado às redes de reconhecimento e aborda como o conteúdo pode ser melhor compreendido e categorizado, facilitando o reconhecimento de informações e sua relação com conhecimentos prévios.
O terceiro princípio concentra-se nas estratégias para a realização das tarefas, abordando o como da aprendizagem. Esse princípio, centrado nas redes estratégicas, envolve a aplicação de diferentes abordagens para organizar ideias e solucionar problemas, promovendo autonomia e pensamento crítico dos estudantes.
A integração desses três princípios, da motivação à ação, busca atender as diversas formas de aprender e garantir que todos os estudantes possam acessar o conhecimento de maneira significativa, respeitando suas necessidades e ritmos. A Figura 1 ilustra as diretrizes do DUA, destacando os meios de acesso, construção e internalização como componentes essenciais para um processo de aprendizagem inclusivo, ajustados às necessidades de cada estudante.

(CAST, 2021, adaptado e traduzido por Coelho e Góes, 2021, p. 13)
Figura 1 Princípios e diretrizes do DUA
A diretriz de Acesso se refere às diretrizes que buscam aumentar a motivação e o interesse dos estudantes, oferecendo diferentes opções de percepção e ação física. O Construir foca no desenvolvimento da persistência, esforço, linguagem e símbolos, incentivando o aprendizado contínuo. O Internalizar trata de capacitar os estudantes para autorregulação e compreensão, permitindo que apliquem o conhecimento de forma independente (Coelho e Góes, 2021).
A afirmação de Sebastian-Heredero (2020) coloca em foco a ideia de que o redesenho do currículo deve ser uma responsabilidade compartilhada, com ênfase nas necessidades do currículo em si, e não nas limitações dos estudantes. Ao apontar que muitos currículos ainda falham em atender as diferenças individuais, ele questiona a visão tradicional de que os estudantes devem se adequar a um padrão rígido. O modelo de organização curricular do DUA, ao priorizar a flexibilidade e a personalização, propõe uma reestruturação do currículo para que atenda às necessidades de cada estudante, e não o contrário. Essa abordagem reforça a necessidade de um currículo que, desde sua concepção, contemple as diversidades cognitivas, emocionais e culturais dos estudantes.
Planejar com base no DUA significa considerar que as estratégias organizacionais e curriculares são essenciais para a construção de aprendizagens significativas, abrangendo desde o planejamento e a aplicação de atividades até a gestão de espaços, tempos, recursos e avaliação (Sebastián-Heredero, 2018). No contexto da escola inclusiva, essas estratégias devem impactar diretamente o ensino e a aprendizagem, promovendo o aprender a aprender. Isso demanda intervenções que aprimorem os processos educativos de estudantes que necessitam de apoio, fortalecendo suas habilidades cognitivas, crescimento pessoal e competências na prática docente (Sebastián-Heredero, 2018).
Para assegurar que o planejamento com base no DUA seja inclusivo, é imprescindível adotar um plano de aprendizagem que considere as necessidades individuais dos estudantes. O modelo tradicional de plano de aula, centrado apenas nos conteúdos, limita-se a uma unidade menor do currículo. Já o plano de aprendizagem deve ser fundamentado na compreensão das características da turma como um todo, priorizando abordagens que atendam à diversidade de formas de aprendizagem, para que todos os estudantes acessem e participem efetivamente das atividades propostas.
O DUA propõe uma organização curricular que, ao ser planejada desde o início, atenda as diferentes necessidades dos estudantes, eliminando a necessidade de ajustes posteriores (Sebastián-Heredero, 2020). Essa abordagem promove opções variadas de acesso ao conteúdo, permitindo que cada estudante avance de acordo com seu próprio ritmo e necessidade, em vez de suposições sobre seu nível de aprendizado.
Nesse sentido, o professor pode desenvolver atividades variadas, como vídeos, textos, tarefas práticas e jogos, proporcionando aos estudantes a possibilidade de escolher a abordagem mais alinhada ao seu estilo de aprendizagem. Isso favorece um envolvimento mais confortável e significativo com o conteúdo. Além disso, é essencial incluir momentos de reflexão e tomada de decisão, nos quais os participantes possam se sentir protagonistas de sua jornada de aprendizagem, fortalecendo sua autonomia e engajamento.
A conexão do conteúdo com os interesses pessoais dos estudantes, aliada à liberdade de selecionar abordagens e atividades, contribui significativamente para aumentar a motivação e o envolvimento. Para que esse processo seja realmente eficaz, é indispensável uma avaliação contínua da prática pedagógica, analisando o que funcionou bem e ajustando os aspectos que necessitam de melhorias. Com essas estratégias, é possível garantir que todos os estudantes tenham oportunidades equitativas de aprendizado e desenvolvimento.
Nesse contexto, é fundamental compreender o que o DUA não representa para delimitar sua aplicação e potencial pedagógico. A Figura 2 ilustra aspectos essenciais que não caracterizam o DUA, esclarecendo os equívocos comuns sobre essa abordagem.
O primeiro passo ao planejar práticas pedagógicas com base no DUA é conhecer como cada estudante aprende, identificando as trilhas cognitivas percorridas, as estratégias que adota, os elementos motivacionais que impulsionam seu aprendizado e os tipos de atividade que mais despertam seu interesse (Góes, Costa e Góes, 2023). Desse modo, refletir sobre o DUA implica considerar a importância de um planejamento pedagógico que seja responsivo e inclusivo desde sua concepção. Esse modelo propõe práticas educativas que contemplam a maior diversidade possível de estudantes, minimizando a necessidade de adaptações posteriores. O DUA representa um paradigma inovador tanto para professores quanto para estudantes, exigindo uma nova maneira de abordar o ensino.
Ao adotar práticas universais para a sala de aula, o DUA busca atender diferentes formas de aprendizagem, incluindo não apenas os estilos auditivo, visual e cinestésico, mas também aqueles que aprendem por meio do toque (táteis), da tecnologia digital (digitais), das interações em grupo (sociais) ou das atividades reflexivas e autônomas (intrapessoais). Além disso, considera aprendizes que se beneficiam de abordagens estruturadas e baseadas em lógicas, bem como aqueles que necessitam de conexões emocionais para se envolverem de maneira significativa no processo do aprendizado. O DUA confirma que cada estudante é único e que a aprendizagem não é um processo homogêneo, sendo influenciada por diversos fatores cognitivos, afetivos e contextuais.
No contexto da Educação Matemática, o DUA proporciona uma oportunidade para reformular as práticas pedagógicas, redesenhando o currículo e as estratégias de ensino de modo a facilitar a compreensão de conceitos complexos por todos os estudantes, independentemente de suas dificuldades ou potencialidades (Góes, Costa e Góes, 2023). A utilização de múltiplos meios de comunicação, como recursos visuais, manipulativos e tecnológicos, exemplifica como o DUA pode ser implementado para garantir que todos os estudantes possam acessar, interagir e demonstrar seu aprendizado.
5 Práticas criativas baseadas no DUA em aulas de Matemática
O ensino de Matemática, frequentemente caracterizado por métodos homogêneos e rígidos, pode ser significativamente transformado por meio da aplicação de práticas inclusivas e criativas quando o planejamento se baseia no DUA. A compreensão da criatividade e do processo criativo como fenômenos multifacetados, interligados às capacidades cognitivas, emocionais e sociais dos estudantes, está alinhada ao enfoque complexo de Morin, que enfatiza a interação e a interdependência entre os diversos aspectos da realidade (Góes, Muniz e Raksa, 2024).
Nessa perspectiva, a criatividade não deve ser desprovida de conteúdo; assim como o corpo e a alma necessitam de alimento para a espiritualidade, ela precisa ser constantemente nutrida. Para La Torre (2008, p. 27), “a criatividade não está nos conteúdos, mas sim na atitude frente a eles”, o que implica que a criatividade se refere mais à abordagem e à manipulação do conhecimento existente do que à invenção de algo completamente novo (Góes, Muniz e Raksa, 2024).
Assim, este estudo tem abordagem qualitativa do tipo descritivo, evidenciando a criatividade em uma intervenção pedagógica pautada no DUA. O tema e os conteúdos abordados estão relacionados ao Sistema Monetário, desenvolvido a partir de uma abordagem recursiva, com o objetivo de revisar e aprofundar conteúdos que não foram completamente compreendidos pelos estudantes, especialmente após o baixo desempenho apresentado na 2ª edição da Prova Curitiba de 2023, voltada à avaliação em Matemática. Durante as 8 horas/aula, os estudantes foram desafiados a aplicar diferentes operações matemáticas, como adição, subtração, multiplicação e divisão, no contexto do sistema monetário.
Assim, foi estruturada uma proposta de atividades com base na literatura Matemática até na sopa (Sabia, 2020), que contextualizou o sistema monetário ao relacionar elementos como notas de dinheiro, ouro, caracóis, sal e pimenta, explorando tanto as formas de pagamento quanto o sistema de numeração decimal. Ao longo da história, foi criada uma fusão entre realidade e ficção para aproximar os estudantes de conceitos matemáticos de forma envolvente.
Para iniciar a aula sobre o sistema monetário, os estudantes assistiram a vídeos, ilustrados na Figura 3, que mostravam a evolução do sistema financeiro brasileiro desde 1942. Essa abordagem visual facilitou a compreensão das transformações ao longo do tempo. Em seguida, os estudantes manipularam cédulas em tamanho real (fotocópias coloridas) e moedas originais, proporcionando uma experiência prática para o reconhecimento do dinheiro. A atividade incluiu uma discussão sobre as diferenças de tamanho entre cédulas e moedas, abordando as razões e funções desses formatos.
O planejamento da aula incorporou uma perspectiva inclusiva ao discutir como pessoas cegas podem identificar cédulas e moedas por meio de métodos táteis e auditivos. A professora explicou as variações de tamanho, textura e relevo nas cédulas, enfatizando que o desgaste pode afetar esses relevos. Além disso, foram apresentadas técnicas que auxiliam pessoas cegas a contar moedas com base em suas características físicas.
Na sequência, os estudantes discutiram os usos cotidianos do dinheiro, explorando quando, onde e por que ele é utilizado. As respostas foram registradas em um cartaz, ilustrado na Figura 4, servindo como base para debates posteriores. Para enriquecer a aprendizagem, eles utilizaram tablets para pesquisar curiosidades sobre o sistema monetário, promovendo uma interação dinâmica. Cartazes com desenhos de cédulas e moedas foram expostos na sala, criando um ambiente visualmente estimulante e facilitando a compreensão do sistema monetário.
Como parte da atividade, os estudantes refletiram sobre os animais ilustrados nas cédulas brasileiras, estabelecendo uma conexão com a fauna e a flora do país. Ao serem questionados sobre as imagens nas notas, como a arara na cédula de R$ 10,00 e o tucano na de R$ 50,00, a professora aproveitou para explicar os conceitos de fauna e flora. A fauna foi definida como o conjunto de animais de uma região, enquanto a flora se refere às plantas locais. Durante a discussão, foram apresentados exemplos da biodiversidade brasileira, como a onça, o lobo-guará e o papagaio, ressaltando a singularidade desses elementos que integram a identidade nacional (Figura 5).

(Acervo da pesquisa, 2023)
Figura 5 Confecção de cartaz de cédulas e moedas do sistema monetário brasileiro
De acordo com Possamai e Allevato (2022), as atividades de criação de problemas desempenham um papel significativo no processo de ensino e de aprendizagem de Matemática. Essas práticas proporcionaram vários benefícios, incluindo
o desenvolvimento da criatividade, da criticidade e da autonomia; aumento da confiança em relação à aprendizagem matemática; melhoria na leitura e escrita matemática; percepção e compreensão das conexões entre diferentes conteúdos matemáticos; e melhoria/ampliação da aprendizagem de um conteúdo matemático específico abordado anteriormente
(Possamai e Allevato, 2022, p. 20).
La Torre (2006) afirma que, ao adotar uma abordagem de ensino e de aprendizagem baseada na criatividade, o professor se torna mais preparado para implementar práticas pedagógicas que incentivem a independência e a originalidade dos estudantes, permitindo que participem ativamente da construção do conhecimento.
Outra atividade envolveu uma discussão sobre a importância de organizar uma lista de compras, ressaltando como esse planejamento contribui para o consumo consciente e para a gestão financeira (Figura 6).

(Acervo da pesquisa, 2023)
Figura 6 Realização das atividades referente a lista de compras e situações-problema
Em seguida, os estudantes foram convidados a desenhar o trajeto de suas casas até o supermercado mais próximo, ilustrando os caminhos que costumam percorrer, acompanhados por adultos. O conteúdo de trajeto abordou a identificação e representação de pontos de referência no percurso, como ruas, quadras e estabelecimentos, promovendo a orientação espacial e o reconhecimento do entorno (Figura 7). Os desenhos incluíram marcos significativos, como a casa de vizinhos, farmácias e outros locais. Alguns relatos dos estudantes reforçam a relação entre o aprendizado matemático e a vivência cotidiana dos estudantes, conectando conteúdos escolares à realidade deles.
Para proporcionar um contexto de aprendizagem significativo, foi realizada uma dinâmica prática que utilizou panfletos e anúncios de estabelecimentos locais. Os estudantes receberam cédulas impressas em tamanho real e moedas reais, o que facilitou a identificação e o reconhecimento dos valores monetários. Com esses materiais, eles pesquisaram os preços de produtos que costumam encontrar em casa e simularam uma experiência de compras, gerenciando um orçamento previamente definido (Figura 8).
A proposta envolveu o desafio de não ultrapassar o valor estipulado para as compras, incentivando o planejamento e a Matemática prática. O desafio proposto aos estudantes foi: Você possui um orçamento de R$ _______ para realizar suas compras. A orientação da professora foi: “Não ultrapasse o valor estipulado. Utilize o panfleto fornecido para escolher os itens que deseja comprar. Em seguida, calcule o valor total das compras e verifique se há troco. Se sobrar dinheiro, registre o valor restante. Seja estratégico ao fazer suas escolhas, priorizando os produtos essenciais e respeitando o limite disponível”.
Durante a atividade, os estudantes se envolveram em diálogos dinâmicos, compartilhando suas estratégias e reflexões. Alguns expressaram entusiasmo com a experiência, destacando o prazer de vivenciar o processo de compras e manusear o dinheiro. Houve também discussões sobre as escolhas, como as promoções encontradas em certos estabelecimentos e a preocupação de não gastar com produtos desnecessários. Em outros momentos, surgiram questionamentos sobre como proceder em situações específicas, como a possibilidade de arredondar os valores, o que gerou uma oportunidade para reforçar a complexidade do exercício e a importância de respeitar o orçamento estipulado.
Essa atividade gerou um grande envolvimento entre os estudantes, que compartilharam suas experiências e estratégias de cálculo, promovendo discussões sobre consumo consciente — uma experiência prática de gestão financeira. A criatividade dos estudantes ficou evidente nas diversas estratégias adotadas para resolver os cálculos. Alguns somaram todos os valores das compras antes de subtrair do orçamento inicial, enquanto outros preferiram subtrair item por item, ajustando o valor restante após cada aquisição. Também houve quem optasse por somar os preços em pares e subtrair o total sequencialmente. Essas abordagens variadas demonstraram o uso criativo dos conceitos matemáticos, ajustados às preferências e ao estilo de cada estudante.
Os estudantes, além de aplicarem as quatro operações matemáticas, também refletiram de maneira consciente sobre o consumo e a importância do planejamento nas compras. A tarefa, que desafiou e envolveu os estudantes, conectou conceitos matemáticos a situações cotidianas, promovendo uma participação ativa. A interação foi enriquecida pela análise crítica dos panfletos de diferentes estabelecimentos, o que estimulou debates sobre economia e preços. Para finalizar esse momento, os estudantes compartilharam com os colegas os valores gastos em suas compras, comparando os resultados entre si (Figura 9). Esse processo gerou discussões e diálogos sobre as aquisições feitas por cada um, além de refletirem sobre as discrepâncias nos preços dos mesmos produtos encontrados em panfletos de diferentes estabelecimentos.

(Acervo da pesquisa, 2023)
Figura 9 Discussão e diálogo sobre as aquisições das compras pelos estudantes
Para encerrar o conteúdo abordado, realizou-se uma roda de conversa que teve como objetivo consolidar o aprendizado sobre consumo sustentável e suas implicações ambientais. Durante a atividade, os estudantes foram estimulados a refletir sobre suas escolhas durante as compras, incentivando-os a priorizar produtos com embalagens recicláveis, reutilizáveis ou biodegradáveis, além de optar por alternativas mais simples e econômicas. O principal objetivo foi destacar a importância da reciclagem e do consumo responsável, incentivando uma reflexão crítica sobre o impacto ambiental das decisões de compra no dia a dia.
Aprofundando ainda mais a discussão, foi realizada uma pesquisa utilizando tablets, em que os estudantes puderam investigar o tempo de decomposição de diferentes tipos de embalagens, como plásticos, vidros, metais e papéis (Figura 10). Ao discutir essas informações, os estudantes entenderam melhor os efeitos em longo prazo dessas embalagens no meio ambiente, o que foi fundamental para a construção de um pensamento mais consciente sobre as consequências de suas escolhas cotidianas.
Com base nas descobertas, foram propostas situações-problema que desafiaram os estudantes a aplicar cálculos matemáticos, como o tempo necessário para que uma embalagem de plástico se decomponha ou a economia gerada ao escolher alternativas mais ecológicas. Essas atividades promoveram o desenvolvimento do cálculo mental, além de incentivar o raciocínio lógico e a tomada de decisões mais conscientes e próximas da consciência planetária, baseada em Morin (2000).
Ao final, a roda de conversa se mostrou um espaço importante para os estudantes refletirem sobre como pequenas escolhas podem ter grandes repercussões no meio ambiente, reforçando o aprendizado sobre sustentabilidade e motivando-os a adotar práticas mais responsáveis em sua vida diária. O encerramento da atividade foi um momento de integração, em que todos puderam compartilhar suas ideias e descobertas, ampliando a conscientização sobre o impacto ambiental das ações cotidianas.
6 Considerações finais
O artigo abordou uma experiência com estudantes do 5º ano dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental no ensino de Matemática, utilizando práticas pedagógicas planejadas com base no DUA. A aplicação dessas práticas proporcionou uma abordagem diversificada, demonstrando como um planejamento intencional pode atender as necessidades de cada estudante.
Embora realizada em um contexto específico, essa experiência evidenciou o potencial do DUA para transformar a sala de aula em um ambiente de aprendizagem equitativo. No entanto, para que o DUA se consolide como uma abordagem eficiente e abrangente, é essencial que esteja incorporado ao plano pedagógico geral da escola, envolvendo todas as disciplinas e incentivando a articulação entre os professores.
As práticas pedagógicas orientaram os estudantes a se tornarem dedicados e motivados, engenhosos e especializados, estratégicos e focados em metas, refletindo uma visão da educação como um processo dinâmico e multidimensional. O planejamento docente pautado no DUA contribui significativamente para superar a fragmentação do conhecimento, promovendo práticas criativas e integradoras. Ao expandir sua consciência, os estudantes estabelecem novas relações e interações, tanto com o conteúdo quanto com os outros indivíduos.
É evidenciado que, sob a óptica do pensamento complexo, a escola se configura como um instrumento essencial para a transformação da consciência humana. Essa perspectiva permite ao estudante situar-se na história, reconhecer-se como sujeito e compreender as interconexões entre o modo de pensar, o conhecimento e a sociedade em que está inserido, tornando-se agente ativo em seu processo educativo.
A prática pedagógica baseada no DUA possibilitou uma abordagem capaz de estimular a criatividade tanto de professores quanto dos estudantes nas aulas de Matemática. Por meio de atividades dinâmicas e contextualizadas, como o estudo do sistema monetário, foi possível engajá-los de maneira significativa, promovendo a resolução de problemas de forma original e alinhada às suas realidades. A abordagem inovadora da professora, que diversificou métodos e recursos, aliada à autonomia dos estudantes para explorar e apresentar suas soluções, evidenciou a relevância do DUA na criação de um ambiente inovador.
Essa experiência ampliou o acesso ao conhecimento matemático, ressaltando a importância de relacionar o conteúdo escolar ao cotidiano, fortalecendo habilidades críticas e colaborativas, além de ultrapassar os limites convencionais da Matemática, despertando o interesse por questões contemporâneas e significativas, como a sustentabilidade e os impactos ambientais das escolhas do dia a dia.
Num contexto em que a criatividade não está restrita a áreas como ciência, tecnologia e entretenimento, seu papel no ambiente escolar torna-se igualmente fundamental. Para que essa habilidade se desenvolva plenamente, é essencial proporcionar desafios que envolvam estudantes, professores e toda a comunidade educativa. A construção contínua de uma escola inclusiva e acessível a todos só será possível se considerar a criatividade como um elemento transformador e essencial para alcançar seus objetivos educacionais.










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